A Lobisomem escrita por maribocorny


Capítulo 5
Na Estufa Escura




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As aulas de Poções se tornaram uma tortura para mim. Passei a ver o professor Lara como um inimigo pessoal e procurava contrariá-lo em tudo que eu tivesse oportunidade. Me afundava nos livros todas as noites procurando alguma informação que ele houvesse ensinado na sala de aula que pudesse ser, no mínimo, dúbia. Infelizmente, ele era competente e não deixava nada passar, fazendo com que a minha raiva simplesmente inflasse.

Tentei me focar em outras matérias, tentar mudar de rumo, mas não estava dando muito certo. Transfiguração era a minha terceira tentativa, depois de dormir em uma aula de História da Magia e de ter deixado Paul inconsciente em Defesa Contra Artes das Trevas (acredite ou não, eu estava tentando usar um feitiço de escudo quando isso aconteceu).

- Senhoria Morgan, o que é isso? – Perguntou a professora Hadler, apontando para o estranho objeto sobre a minha mesa.

Eu suspirei. Naquele momento, eu estava completamente fora do meu elemento. Devido às conspirações cósmicas, eu resolvi me concentrar na matéria justamente em uma aula prática.

- É o meu castiçal. – Eu respondi, decepcionada. – Eu tentei transformá-lo em, hum, um conjunto de talheres.

Não era uma tarefa muito ousada, eu sabia. O castiçal e os talheres eram feitos do mesmo material, então se resumiria a uma transformação simples, de forma. A parte engenhosa era a divisão, porque eu estava tentando transformar um único objeto em três. O resultado foi uma escultura pós-moderna de um castiçal com uma colher e um garfo retorcidos.

- Desculpe, senhorita Morgan, mas qual foi a tarefa designada? – A professora perguntou, me fazendo encolher na cadeira.

- Uma transfiguração parcial... – Eu murmurei.

- Exatamente. – A professora suspirou. – Na próxima tarefa, eu quero que você siga as instruções e faça o que é pedido.

Ela abanou a varinha e a minha escultura voltou a ser um castiçal, agora com os braços fundidos em uma mistura de metal e vela, que era a ordem do exercício.

A professora, então, liberou a turma. Agatha e Paul saíram correndo para a aula de Adivinhação deles. Eu saí por último, com Zoe.

- Esquece essa rixa com o professor Lara e volta com a sua fixação insuportável com Poções. – Ela disse, delicada como um elefante. – Isso não tá dando certo. Você já ganhou uma detenção e o Paul desmaiou. Se continuar nesse ritmo, quem vai sair ferida sou eu.

- Eu admito que Transfiguração foi um desastre. Talvez eu devesse tentar com outra matéria... Ou encontrar alguém para me ajudar.

- Kevin! – Zoe sugeriu.

- Há-há. – Eu zombei, mas ficando um pouco embaraçada. – Muito engraça...

Então eu vi que Zoe não estava sugerindo nada, ela estava me avisando que Kevin estava no corredor e vinha na nossa direção. Quando Zoe me viu perder a fala, fez uma cara de desdém.

- Mas ele realmente é bom na matéria. Quem sabe você deveria pedir a ajuda dele mesmo...

Eu dei um soco não tão leve no braço da Zoe para ela calar a boca antes que o Kevin chegasse onde nós estávamos.

- Ui! – Ela reclamou.

- Kevin. Oi. – Eu abanei, tentando parecer despreocupada, mas mais parecendo um robô.

- Liz, eu estava justamente procurando por você. – Ele falou, um tanto empolgado.

Por um segundo, eu deixei a minha mente viajar. Pensei em todos aqueles filmes e livros românticos que eu conhecia e me deixei levar pela ilusão de que um amor secreto é sempre correspondido. Imaginei Kevin jogando a mochila fora e me pegando nos braços enquanto dizia que esteve procurando por mim pela vida toda, fazendo uma melosa declaração de amor e me dando um beijo dramático. Foi um ótimo segundo. Mas precisei a voltar à fria realidade.

- Você tem alguma aula agora? – Kevin continuou.

- Não. – Eu olhei pra Zoe com uma delicada cara de “se manda”. – Eu tenho um tempo livre antes da aula de Feitiços.

- Erm... – Zoe pigarreou. – Eu tenho aula de Aritimância, então tenho que ir.

E ela foi.

- Certo... – Kevin esperou um ou dois segundos para continuar. – Bem, o professor Longbottom me pediu para levar você até ele. Você não tem aula mesmo?

- Não, não tenho. Eu não me... Eu fiquei... – Eu sorri, nervosa. – Eu tenho esse período livre.

Kevin fez um gesto com o ombro e acompanhou esse gesto com a cabeça, querendo que eu o seguisse. Eu dei um risinho nervoso e fui atrás dele.

Fomos para o Pátio do Castelo, onde ficavam as Estufas e, consequentemente, o professor Longbottom. Muitos diziam que o professor havia enlouquecido depois da histórica Batalha de Hogwarts. Muitos mais diziam que ele já era maluco assim antes.

A caminhada não demorou muito. Kevin e eu ficamos conversando sobre assuntos bobos, como o tempo e coisinhas fúteis. Eu sabia sobre o que o professor Longbottom queria falar comigo e não estava lá muito ansiosa por isso. Kevin também suspeitava o que seria, mas ele não se sentia confortável o bastante para tocar no assunto comigo.

Dentre as várias estufas de Hogwarts, apenas uma delas não era usada para as aulas de Herbologia. A Estufa 12 era a estufa onde o professor geralmente ficava quando não estava em aula. Os alunos haviam apelidado aquela estufa de Estufa Escura. As paredes eram feitas de vidros negros, que, ao contrário das outras estufas, impedia a luz de entrar. A explicação mais óbvia era porque ali ficariam os projetos de plantas noturnas, os favoritos do professor.

Kevin sorriu para mim e bateu na porta de vidro opaco da Estufa Escura com as costas da mão.

- Nervosa? – Ele perguntou.

- Não. – Eu respondi sinceramente.

- Não fique. – Kevin continuou, aparentemente não me ouvindo. – Tenho certeza que o professor Longbottom vai resolver tudo. – Ele deu meia volta e começou a ir embora.

- Você não vai ficar? – A frase escapou da minha boca antes que eu pudesse pensar. Meu rosto deve ter ficado vermelho instantaneamente.

- Eu só vim lhe trazer até aqui. O professor prefere falar com você a sós. – Kevin abanou para mim de leve e eu o vi seguir em direção ao Castelo.

A Estufa Escura cheirava a pinheiros. E era escura só por fora. Por dentro, milhares de focos de luz mágica iluminavam o lugar, fazendo com que lá dentro fosse mais claro que o campo aberto.

Várias mesas mostravam os mais variados tipos de plantas, a maioria eu nem sabia o nome. Eu não pude deixar de pensar que, talvez, seria mais produtivo se eu desistisse de Transfiguração e passasse a estudar Herbologia No fim, era a matéria que mais tinha ligação com Poções.

No centro da Estufa, havia uma escrivaninha de madeira de bordo cercada por duas poltronas e uma mesinha de centro. Atrás da escrivaninha, algumas estantes abarrotadas de livros. Entre os títulos, eu consegui ver um exemplar antigo e surrado de Mil Ervas e Fungos Mágicos, uma Enciclopédia de Plantas Paranormais e um pesado volume de As Plantas Que Comem Você: Uma coletânea das mais perigosas plantas carnívoras. Quando tentei ler algum outro título, o professor me ofereceu uma xícara de chá.

- É feito com folhas de Trachymene. – Ele disse, enquanto servia. – É bem rara, mas eu consegui fazer com que ela crescesse aqui. Veja!

O professor apontou para uma mesa não muito distante, onde uma planta que parecia uma mini-hortência se sacudia para frente e para trás lentamente.

Eu dei um gole no chá. Tinha gosto de água quente. O professor tomou um longo gole e suspirou, satisfeito.

- A Trachymene é uma planta com poucas propriedades mágicas, sabia? – Ele disse, afundando na cadeira atrás da escrivaninha. – Os trouxas a cultivam apenas para fins decorativos. Mas eu descobri que a Trachymene atraí o besouro... Bem, besouros estão fora da minha área, mas ele é chamado de Besouro d’Olho, porque os chifres dele parem com um par de olhos, e é usado para curar conjuntivite. A Trachymene tem uma substância...

O professor Longbottom era fascinado pela Herbologia, isso qualquer um que fosse às suas aulas poderia perceber. Em algumas aulas, também, ele contava algumas histórias do seu tempo de aluno, e todos adoravam quando envolvia a lendária Batalha de Hogwarts, a luta definitiva contra o Lorde das Trevas. A verdade era que o professor tinha aquela veia de genialidade que se mistura com loucura. Ou a loucura havia levado a genialidade.

- Isso é fascinante, professor. – Eu interrompi, antes que ficasse presa ali pelo resto da vida. – E o chá é definitivamente, hm, delicioso. Mas, se não se importar...

- Oh, sim, é claro. – O professor sorriu, pousando a xícara na mesa. – Não é para ouvir da Trachymene que você está aqui, certo?

Ele abriu uma gaveta e tirou um pequeno saquinho de couro, do tamanho de uma bola de pingue-pongue, e jogou para mim.

- Aí está. – Ele disse. E voltou a tomar chá.

- “Aí está” o que? – Eu perguntei, espiando o que tinha dentro do saquinho. Parecia ser poeira.

- Ora... O pó-de-flu. – Ele respondeu.

- Pó-de-flu para que? – Eu já estava ficando cansada daquilo.

- Eles não...?! – O professor suspirou e passou a mão pelo cabelo. – Maldito alemão. O Zimmer não explicou nada para você, senhorita Morgan?

Eu nunca tinha parado para pensar, mas o doutor Zimmer era alemão. Ele tinha um leve sotaque, quase imperceptível, mas que estava lá. Fechando o saquinho de couro, eu abanei a cabeça negativamente para o professor.

- Puxe uma cadeira, por favor. – O professor disse. – Não se preocupe, pode colocar esses cadernos no chão. Eu realmente preciso fazer uma faxina aqui... Enfim, onde eu estava? Certo, esse pó-de-flu. Você sabe quais outros lobisomens estudaram aqui em Hogwarts, senhorita Morgan?

Ele falou de uma forma tão direta, tão sem censura que eu fiquei incomodada. Nos últimos três meses eu estava um caco emocional por causa disso e, ele falando assim, como se não fosse nada, quase me ofendeu.

- Bem. – Eu disse. – Na verdade, professor, eu apenas sei do senhor Lupin.

- Sim, ele foi um, mas não foi o único. Antes dele, lá pelos anos 50, um aluno chamado Versipen passou todo o último ano aqui como lobisomem. Alguns anos depois do Lupin se formar, um jovem, ironicamente chamado Wolff, também se formou aqui com a maldição. Devem ter acontecido outros casos, mas esses foram os mais recentes na história da escola. Em todo o caso, para a proteção de todos, os alunos licantropos tem a sua situação mantida em sigilo. Foram poucos os professores que sabiam da situação de Versipen, Lupin e Wolff, e eu posso lhe assegurar que o mínimo de professores sabe da sua, senhorita Morgan. Enquanto eu estudava, Lupin veio lecionar Defesa Contra Artes das Trevas aqui. O caso dele ainda era sigiloso, mas aconteceu um acidente que fez com que viesse a público. Você deve imaginar como o Conselho reagiu...

O professor encarou a xícara de chá, absorto em seus pensamentos. Eu sabia muito pouco sobre o Conselho, mas sabia que eram doze bruxos das mais tradicionais e influentes famílias de feiticeiros do país, e que tinham certo controle sobre a escola. Um tipo de comissão de diretores, praticamente. O professor pigarreou antes de olhar para mim e continuar.

- Mas isso não é importante para o seu caso. Pelo menos por hora. – Ele disse, e eu não soube dizer se era para mim ou para ele próprio. – O doutor Zimmer achou conveniente que você passasse sua próxima metamorfose no hospital, mais uma vez.  Na véspera da lua cheia, a lareira da Sala Comunal da Grifinória estará ligada à rede de pó-de-flu. Você deve usar o pó para ir até o Hospital St. Mungus e, lá, vá até o quarto 204, o mesmo que você ficou nas outras vezes. O Zimmer deve estar lhe esperando lá.

Eu olhei para o saquinho em minhas mãos, me perguntando se seria tão simples assim.

- E vai ser assim que eu... Quer dizer, e nas próximas vezes? – Eu perguntei.

- Senhorita Morgan... Elizabeth. – Ele disse, e eu não gostei. Nenhum professor jamais havia me chamado apenas pelo primeiro nome. Aquilo me deu a falsa sensação de que ele estava tentando criar um vínculo, que estava tentando me consolar. – Cada coisa no seu tempo.

Com um sorriso enigmático, ele perguntou se eu queria mais alguma coisa. Eu abanei a cabeça negativamente, e me odiei por ser tão covarde. Mordi o lábio e dei meia volta, pronta para ir embora.

Antes de eu sair, no entanto, eu reparei no pequeno peso de papel que estava na mesinha de centro. Um pequeno leão de latão, com cerca de 10 centímetros de altura, que estava deitado e dormindo. O leão era símbolo da Grifinória. A casa onde os alunos eram conhecidos por sua coragem! A minha casa...

- Professor. – Eu dei meia volta, me sentindo na obrigação de conseguir mais informações. – Por que...?

- Uma vez Hogwarts foi segura. – O professor me interrompeu, sorrindo. Ele ainda segurava a xícara, e eu tive a impressão que ele estava apenas esperando eu perguntar. – Hoje eu não acredito mais nisso.

Aquelas palavras me atingiram. Hogwarts não era mais segura? Bem, sem dúvida a escola não era mais tão segura depois que uma das alunas se transformou em um lobisomem, é claro. Mas a serenidade com que o professor falou fez com que eu pensasse que não era de mim que ele estava falando. Também não pude deixar de evitar pensar no professor Lara. Talvez ele fosse uma ameaça, no final das contas.

- Não fique muito ansiosa. – O professor continuou. – Não pretendemos esconder nada de você, Elizabeth. Estamos apenas sendo cautelosos.


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Notas finais do capítulo

Sim, não me aguentei e mudei o final desse capítulo!
Mais uma vez. Originalmente esse capítulo seria "A Lareira da Grifinória", mas acabou ficando comprido demais e resolvi dividir.
A Trachymene é uma planta australiana que realmente existe. Não serve para muita coisa, não é medicinal nem comestível.
Reviews? Sim? Não? Talvez? Tá na dúvida? Ok, eu espero.