\t\t\t Eu sinceramente estava com pena de Lúcia e Edmundo. Muita pena, eu quero dizer. Eu conheci Eustáquio Mísero no último verão, e acredite em mim: o garoto é uma peste. Foi quando Susana ainda acreditava em Nárnia, e nós estávamos conversando sobre isso. E aí, Eustáquio apareceu ali.

\t\t\t Primeiro, ele começou a caçoar de Lúcia e Edmundo, os mais novos que não poderiam fazer grande coisa contra ele. Depois, caçoou de Susana, que como era muito gentil, nada fez a respeito. E então, o garoto falou de mim. A minha recompensa foi nada mais nada menos do que uma bela chave de braço. Quando Pedro entrou no quarto com uma bandeja com sucos, Eustáquio começou a berrar feito um bebezinho para que o primo o ajudasse.

\t\t\t Edmundo e Lúcia pareciam muito chocados para dizer qualquer coisa.

\t\t\t -Mamãe, por favor, diga-me que você está brincando! – Edmundo implorou, com os olhos arregalados.

\t\t\t -Oh, meu querido, não precisa ser dramático – a sra. Pevensie retrucou. – Lúcia, querida, você ficará num quarto separado. Edmundo, meu amado, você ficará no quarto de Eustáquio.

\t\t\t -Mamãe, é sério, nós podemos ficar com a True! Eles já ofereceram a casa, então está tudo ótimo e...

\t\t\t -Edmundo, está decidido. Desista de tentar me convencer do contrário, ok?

\t\t\t Os ombros de Edmundo caíram, e Lúcia desatou a chorar. Eu a abracei e murmurei que tudo ficaria bem.

\t\t\t -Vou te visitar sempre, Lu querida. Eu prometo.

\t\t\t Ela pareceu se tranqüilizar.

\t\t\t -Bom, eu estou hospedada em um hotel por aqui... – a sra. Pevensie confessou. - mas a diária está paga só para mim. Teria como as crianças passarem aqui mais uma única noite? Perdão, sei que é muita grosseria, mas eu não tenho uma grande quantia aqui e...

\t\t\t -Sem problemas, sra. Pevensie – garanti. – Eles ficam essa noite. Será bom... sabe, para confortar a Lúcia e tudo o mais.

\t\t\t -E se despedir da minha querida Susana – ela acrescentou.

\t\t\t -Com certeza – exclamei sarcástica, mas a sra. Pevensie não pareceu notar.

\t\t\t -Oh, então está tudo bem. Muito obrigada, querida. Bom, eu estou de saída. Tenho de fazer minhas malas e cancelar a rematrícula de Susana no internato o quanto antes. Até amanhã, queridos.

\t\t\t Todos nos despedimos da sra. Pevensie e então ela partiu. Passamos o dia juntos; eu, Pedro, Edmundo e Lúcia. Susana estava no quarto, trancada. Minha mãe estava fazendo uma sopa para o nosso jantar.  Jantamos rapidamente. Lu já estava deitada na cama, penteando o cabelo de sua boneca preferida e escrevendo em um caderninho sobre Nárnia. Susana estava sentada na frente da escrivaninha do meu quarto, lendo seu estúpido livro sobre teorias ceticistas. Edmundo já estava no quarto de hóspedes.

\t\t\t Pedro e eu estávamos na porta do meu quarto, nos beijando escondidos nas sombras.

\t\t\t -Estou tão feliz por você continuar aqui! – murmurei sorrindo, meu rosto em suas mãos. Segurei as mãos macias do Pedro e continuei: - Vou poder te visitar ainda mais vezes, principalmente agora que você mora mais perto.

\t\t\t Ele sorriu.

\t\t\t -Eu disse que não íamos nos separar. Relaxe, True, tudo vai dar certo. Ahn... quer ir me encontrar para estudar na casa do professor daqui a uns três dias? Me tomar a matéria que já estudei?

\t\t\t -Eu adoraria.

\t\t\t Nos beijamos. Ouvi os passos do meu pai subindo as escadas e dei um risada contra a boca de Pedro. Ele riu também.

\t\t\t Trocamos mais 3 selinhos, entre risadas, e ele correu todo abestalhado para o quarto no final do corredor. Quando chegou na porta, olhou para mim mais uma vez e sorriu, tropeçando na entrada e caindo no chão. Prendi uma risada e ele se levantou rapidamente, sorrindo e fazendo uma reverência. Entrou no quarto e eu rolei os olhos, entrando no meu.

\t\t\t Fechei a porta atrás de mim e me encostei nela, escorregando até o chão e sentando ali com um sorriso idiota e apaixonado nos lábios.

\t\t\t -Seu pai quase viu você e Pedro – Lu murmurou rindo, deitando de bruços na cama, de frente para mim.

\t\t\t -Trudy perdeu noção da vergonha já faz algum tempo – Susana murmurou.

\t\t\t Olhei para ela incrédula e retruquei, cheia de raiva:

\t\t\t -Quem você acha que é para falar assim comigo? É você que dedica metade do tempo escolhendo o modelo certo de lingerie. Está querendo mostrar para alguém, Susana?

\t\t\t Ela corou totalmente.

\t\t\t -Pelo menos eu tenho minha cabeça no lugar, e não fico perdendo meu tempo vivendo de sonhos de infância!

\t\t\t -Ah, claro, então você pode me explicar como todos tivemos o mesmo sonho, certo? – perguntei, pondo as mãos na cintura e erguendo a sobrancelha.

\t\t\t -Ah, vai me dizer que você realmente acredita em um leão que salvou Edmundo de uma feiticeira?

\t\t\t -Você também acreditava, antes de entregar todo o seu tempo para Teresa!

\t\t\t Olhei para o lado e vi que Lúcia nos encarava com os olhos arregalados.

\t\t\t -Lu, querida, você poderia ir na cozinha pegar um copo de leite para mim? – pedi para afastá-la da conversa irritante.

\t\t\t Ela se levantou prontamente e saiu dali. Olhei para Susana e perguntei:

\t\t\t -Mas qual é o seu problema? Como pode esquecer-se de quando foi Rainha? Como pode esquecer-se de quando lutou ao lado de todo o tipo de criaturas contra todo o tipo de vilões? Como pode esquecer de Nárnia e de Aslam?

\t\t\t Susana rolou os olhos.

\t\t\t -Porque eu não quero viver de sonhos ingênuos, Trudy.

\t\t\t -Eu vou acreditar em você dessa vez, Susana – retruquei, apontando o indicador para o seu rosto. – SE você olhar nos meus olhos e admitir que se esqueceu de Caspian.

\t\t\t O choque dela foi instantâneo, como se tivesse levado um soco na cara. Eu havia tocado na sua pior ferida. Mas era o único jeito de fazê-la não esquecer. Os olhos de Susana se encheram de lágrimas.

\t\t\t -Você também esqueceu de Caspian, Susana? O único homem que você amou de verdade em toda a sua vida... esqueceu-se dele?

\t\t\t -Por favor, saia do quarto.

\t\t\t -Não, Susana, é você quem vai sair. Vai dormir no sofá, lá embaixo.

\t\t\t -Mas eu sou sua visita, você não pode fazer isso!

\t\t\t -Não só posso, como vou. Além do mais, vai ser bom para você. Ficar sozinha vai te fazer pensar novamente, como você não pensa há muito tempo.

\t\t\t Agarrei seu travesseiro e sua roupa de cama e joguei-as para ela. Ela me olhou em choque, os olhos ainda marejados, e saiu correndo para o andar de baixo. Lúcia logo chegou ali, e eu lhe expliquei em poucas palavras tudo o que estava acontecendo.

\t\t\t Logo amanheceu, e todos estavam prontos para ir. Me despedi de Lu, Ed, minha futura sogra e meu namorado. Susana passou reto por mim. Acenei para ela com a cabeça. Novamente, prometi à Lu que iria visitá-la logo. E, então, os Pevensie partiram.

\t\t\t\t\t\t\t\t\t\t\t\t\t\t     ***

Algum tempo depois...

\t\t\t -Vai, amor, eu sei que você sabe essa! – eu disse segurando o livro de perguntas e respostas que eu estava fazendo pro Pedro.

\t\t\t -Mil Novecentos e alguma coisa? – ele respondeu sem graça, mesmo que tenha soado mais como uma pergunta.

\t\t\t -Mas eu nem te perguntei uma data!

\t\t\t Ele riu e agarrou minha cintura, calando a minha boca com um beijo.

\t\t\t -Isso não é apropriado – eu disse. – Quer dizer, eu estou sentada numa mesa, e você está sentado na cadeira na minha frente.

\t\t\t -Mas eu te amo, e é isso o que importa. Tem gente por aí fazendo coisa muito pior do que isso.

\t\t\t -É, tem mesmo: prostitutas e quem paga por elas. Poxa, é um conselho animador, Pedro.

\t\t\t Ele riu.

\t\t\t -True sempre True. É por isso que eu te amo.

\t\t\t Rolei os olhos e desci da mesa, dando um selinho nele e indo até o bule de chá que estava numa bandeja, servindo um pouco em duas xícaras.

\t\t\t -Beba logo, ainda está quentinho – eu disse entregando uma xícara para ele. Peguei um pão de queijo e comecei a comer. Sentei na perna de Pedro.

\t\t\t -Podemos ir ao cinema, qualquer dia desses – sugeri.

\t\t\t -Pensei que você me quisesse estudando.

\t\t\t -É uma pausa, está bem? Só isso.

\t\t\t Ele riu.

\t\t\t -Ok. Cinema. Quando a Melanie vai para a sua casa?

\t\t\t -Amanhã ela está chegando. Daqui a três dias, nós vamos visitar Lu e Ed na casa do seu primo estúpido. Mandarei suas lembranças aos dois.

\t\t\t -Faça isso – disse Pedro, dando-me um selinho.

\t\t\t Chequei o relógio que estava na parede e me levantei num pulo, constatando que tinha de voltar para casa nesse instante.

\t\t\t -Uau, já está muito tarde! – berrei, bebendo meu chá em um gole e engolindo meu pão de queijo. – Te vejo daqui a um tempo, amor. Tchau!

\t\t\t Dei um beijo demorado e deleitoso nele. Sorri e saí correndo, calçando meus sapatos na soleira da porta da biblioteca.

\t\t\t -Tchau, professor!

\t\t\t -Até mais, minha querida!

\t\t\t Saí correndo e subi no meu cavalo. Moças como eu não deveriam cavalgar, não mesmo. Mas eu não sou exatamente uma garota que segue as regras da sociedade. Adoro cavalgar, e nada me impede de fazê-lo. Coloquei Destiny a toda a velocidade para a minha casa, e logo estávamos lá.

\t\t\t \t\t\t\t\t\t\t\t\t     \t\t ***

\t\t\t -Poxa, estou muito ansiosa – Mel admitiu para mim, quando estávamos desembarcando na estação mais próxima da casa de Eustáquio. – Faz tanto tempo que não vejo Ed! E a Lu ta,bem, é claro.

\t\t\t -Melly, não tente me esconder que você está simplesmente apaixonada pelo Edmundo – murmurei, olhando-a de esguelha e percebendo que ela estava muito corada.

\t\t\t Melanie abaixou a cabeça, de forma que seu chapéu cobriu-lhe os olhos. Ri baixinho e tomei-a pela mão, e nós duas saímos correndo pela estação com nossa pouca bagagem. Um carro alugado nos esperava do lado de fora. Os Pevensie caçulas não sabiam que nós estávamos a caminho de lá, ou seja: seria uma incrível surpresa!

\t\t\t Dei o endereço para o motorista e ele nos levou até a casa. Mas, lá na frente, havia a pessoa que eu menos desejava encontrar no mundo – depois, é claro, de Eustáquio. Susana Pevensie estava parada ali, pronta para tocar a campainha. Eu e Melly descemos do carro correndo com nossas bagagens e fomos até lá.

\t\t\t Pela juba do leão, eu sentia uma falta imensa de Sup! Mas me sentia totalmente desanimada de vê-la sabendo que ela havia esquecido de Nárnia. Sem saber exatamente o porquê, abracei-a com força.

\t\t\t -Finalmente você me encontrou! – exclamei.

\t\t\t -Ahn... er... oi, Trudy.

\t\t\t -Você está brincando, né? – perguntei cética. – Ainda está dando uma de Teresa Junior? Sério, Sup? Falo sério: se for para fazer esse tipo de coisa com a Lu também, é melhor que você vá embora.

\t\t\t -Eu não faço isso com a Lúcia – ela disse firme.

\t\t\t -Ah, não, imagine. Acho que não se lembra do dia em que sua mãe disse que você era a melhor dos seus irmãos e que você é que iria para a América com ela... o jeito como você olhou para Lu com desdém e superioridade. Você tem idéia de como ela se sentiu?

\t\t\t -É bom que ela aprenda desde cedo a se decepcionar com as pessoas – Susana disse fria, olhando-me com ódio.

\t\t\t Senti uma raiva saindo de mim. Ela me mandou uma indireta. Não pude me controlar e falei:

\t\t\t -Ah, então fui eu que te decepcionei? Sabe, Susana, você costumava ser um exemplo para mim e para Lúcia. Um exemplo de gentileza, caridade e bondade. Alguém que nós duas admirávamos e tínhamos respeito. Mas agora você só é um exemplo do que nunca devemos fazer! Você nos decepcionou, Sup, e mesmo assim nós continuamos tentando retomar contato com você. Tem idéia do quanto Lúcia, eu e Melly nos sentimos tristes com o seu abandono e com a sua descrença?

\t\t\t -Você está sendo dramática.

\t\t\t E então, Melly fez algo que me surpreendeu: pela primeira vez na vida ela foi mal-educada e se meteu numa conversa!

\t\t\t -Não, ela não está, Su. Eu me senti extremamente abandonada quando você se juntou a Teresa. Mas não só isso: eu me senti inferior. O seu jeito de me tratar mudou. Tudo o que eu falo é idiota perante os seus olhos. Quando eu comento algo sobre Edmundo ou quem quer que seja, você rola os olhos. Me diga, Susana: quantas cartas eu te mandei no último verão?

\t\t\t -Uma a cada 5 dias.

\t\t\t -E quantas cartas minha você recebeu nestas férias?

\t\t\t Susana engoliu em seco e olhou para baixo.

\t\t\t -Só uma – ela respondeu, num murmúrio quase inaudível.

\t\t\t -Quantas cartas você recebeu da Lu? – perguntei a Susana, percebendo que a situação era bem mais séria do que eu imaginava.

\t\t\t -Duas.

\t\t\t Arregalei os olhos.

\t\t\t -Sabe quantas cartas dela eu recebi só nesse meio tempo? Onze, Susana! E em todas elas, ela comentava o quão triste estava com sua condição. Acha mesmo que não está fazendo nada de errado?

\t\t\t Os olhos de Sup estavam marejados.

\t\t\t -Um dos motivos para Caspian te amar era a sua humildade. Muito além da sua beleza. Você era humilde e gentil, e assim conseguiu amigos, uma família que te ama, e um rapaz totalmente apaixonado por você. Vai mesmo jogar tudo isso fora?

\t\t\t Ela pareceu realmente ter sido tocada. Olhou nos meus olhos e, quando ia falar alguma coisa, ouvimos um grito de Lúcia:

\t\t\t -Edmundo, o quadro!

\t\t\t Ela parecia desesperada. Nós três nos olhamos e fomos até a porta dos fundos da casa, que parecia mais leve. Dei um chute nela e nós três entramos correndo. Um barulho de água jorrando vinha do mesmo lugar dos gritos de Lúcia, Edmundo e Eustáquio. Corremos para lá.

\t\t\t -Porta trancada – disse Susana ao remexer na maçaneta.

\t\t\t -Se afaste – pedi.

\t\t\t -Mas True, é uma porta de madeira e... – eu chutei a porta e ela se partiu em duas. – E você a quebrou.

\t\t\t Entramos no quarto, que estava lotado de água que por um acaso não saía dele nem mesmo com a porta aberta. Respirei fundo e mergulhei. Pude perceber o teto do quarto sumindo, juntamente com as paredes e o chão. Lu, Ed e Eustáquio nadavam para a superfície. Eu estava pronta para ir até eles, quando ouvi, na minha cabeça, a voz de Aslam dizendo:

\t\t\t Vá para o outro lado.

\t\t\t Fiz sinal para Melly e Sup me seguirem, e as duas nadaram comigo até o outro lado. Não sei como, mas magicamente, surgimos numa área totalmente oposta à que estávamos antes. Pude avistar terra à minha frente. Senti que era ali que eu devia subir. Quando a água já estava ficando, rasa, me levantei e comecei a andar para a areia.

\t\t\t Meus olhos ardiam por culpa da água salgada. Esfreguei-os bem, e Sup e Melly logo chegaram ao meu lado. Olhei em volta e confirmei o que já imaginava: estávamos em Nárnia.