A milonga (salão) não estava muito cheia naquela noite, apesar deste ser um lugar bem freqüentado.

Ao fundo, as concubinas estavam ajeitadas em um largo sofá de veludo vermelho, eram três no total. Os homens que estavam espalhados pelo lugar se embriagavam, enquanto olhavam as concubinas de ouro da casa que estavam no sofá.

Não eram somente bacáns (homens ricos) que freqüentavam aquele queco (prostíbulo), mas somente eles tinham direito as concubinas; aos patos (pobres) lhes sobravam as reas (prostitutas) que estavam abaixo da classe das concubinas. Muitas das reas (prostitutas) haviam sido yiras (prostitutas de rua) antes de entrarem naquele queco.

Em meio a bebidas e o som choroso do tango a noite começa a acalentar-se. As reas (prostitutas) circulavam pela milonga (salão) trajando vestidos curtos que delineavam seus corpos; os homens as olhavam com desejo, alguns mais ousados se aproximavam delas e lhe ofereciam as mais variadas bebidas desde o wisky até o pernó (absinto). 

No balcão do bar um homem alto de cabelos negros curtos tomava tranquilamente seu drink. Ele observava atenta e discretamente as concubinas sentadas no sofá, até que num determinado momento da noite, antes do badalar da meia-noite, ele tomou o último gole de seu drink e batendo o copo no balcão do bar levantou-se decidido.

O homem - que trajava uma camisa social branca e uma calça preta muito bem alinhada e passada - instigou a curiosidade dos presentes. Alguns antigos freqüentadores o analisavam buscando traços conhecidos no rosto sério do rapaz.

Ignorando os olhares de curiosidade por parte das pessoas, ele seguiu cruzando o salão até chegar ao sofá onde as concubinas estavam sentadas. Seu olhar estava fixo em uma das concubinas que estava sentada ao centro.

O jovem parecia não saber que aquela percanta (mulher) a quem ele dirigia o olhar sério e sóbreo era a concubina mais difícil de ser conquistada. 

Ao se aproximar ele estendeu-lhe a mão, alguns homens que observavam curiosos a cena comentaram entre si que ele era um taita (homem corajoso) por se aproximar daquela concubina que há muitos outros havia dispensado; outros apostavam se ele conseguiria bailar com a concubina.

A atitude surpreendeu a percanta (mulher) de cabelos curtos rosáceos, olhos verdes como esmeraldas, cujo vestido preto lhe caia três palmos acima do joelho, aliás, aquele vestido era uma peça única com um vistoso decote e alguns brilhos espalhados pelo tecido; nas costas havia um emaranhando de laços que prendiam o vestido. Apesar de ter a aparência de uma mulher madura, ela ainda era uma ternera (mulher jovem).

Todos aqueles que freqüentavam aquele queco (prostíbulo) sabiam que a percanta (mulher) era difícil de deixar-se levar para o centro da milonga (salão).  No entanto, aquele desconhecido taita (corajoso) estava ali parado diante dela com a mão estendida esperando que ela lhe cedesse o baile; seu olhar sério a encarava sem desviar nem por um segundo.

A concubina lhe lançava um olhar que era um mistura de medo e surpresa, parecia que apenas naquele momento ela havia notado a presença do homem naquele ambiente.

- Sakura, me concede o tango?

- Sasuke – disse a jovem balançando a cabeça num sinal positivo.

Sakura e Sasuke, esses eram seu nomes.

Os homens que acompanhavam a cena emudeceram ao ver a concubina estendo-lhe o braço e aceitando o convite do taita (homem corajoso).

Em silêncio eles foram para o meio da milonga, os demais casais que bailavam se dirigiram para as laterais ao vê-los se entrando na pista, seria interesse os ver bailando um tango.

Ao fundo um tango começava a ser tocado pelos musicantes (músicos).

- ‘La Cumparsita’ – sorriu a percanta que ainda estava parada encarando o homem – Que casual, não é mesmo Sasuke?

- O seu preferido – disse o homem abrindo um meio sorriso.

A jovem corou ao escutar isso, não esperava que ele ainda se lembrasse de tal detalhe.

O homem a conduziu até o centro da milonga (salão). As pessoas se afastaram para observar o casal. A voz grave do musicante começou a cantar as letras daquele choroso tango. 

Si supieras

Se soubesses

que aún dentro de mi alma

que ainda dentro da minha alma

conservo aquel cariño

conservo aquele carinho

que tuve para ti!

que tive para ti!

Sakura se afastou de Sasuke, e depois eles se aproximaram batendo os pés sobre o tablado de madeira. Ele colocou a mão direita nas costas dela, e Sakura pôs a sua mão esquerda na cintura dele.

Quién sabe si supieras

Quem sabe se soubesses

que nunca te he olvidado,

que nunca te esqueci,

volviendo a tu pasado,

voltando a teu passado,

te acordarás de mí.

te lembrarás de mim. 

Tinha inicio ali o baile do tango: movimentos coordenados das pernas ditavam o ritmo que parecia se acelerar a cada momento.

Sasuke puxou Sakura para junto de seu corpo, e ela dobrou a coluna e esticou a perna encaixando-a envolta da cintura do rapaz.

Rapidamente voltou a baixá-la e continuou com o jogo de pernas enquanto se movimentavam pelo salão.

Los amigos ya no vienen

Os amigos já não vêm

ni siquiera a visitarme;

nem sequer visitar-me;

nadie quiere consolarme

ninguém quer consolar-me

en mi aflicción.

em minha aflição.

Eles dançavam em círculos ou para frente e para trás sem perder o ritmo do tango suave.

Seus olhos estavam fixos na expressão um do outro, nenhum deles dizia nada e tampouco ousava mudar suas expressões faciais.

Desde el día que te fuiste

Desde o dia que te foste

siento angustias en mi pecho.

sinto angústias em meu peito.

O tango era curto, mas a pressão por estar bailando-o junto aquele homem fez com que Sakura se desvencilhasse dele e saísse caminhando pela milonga.

Decí, percanta, qué has hecho

Diga, mulher, o que fizeste

de mi pobre corazón?

de meu pobre coração?

Os musicantes cessaram o tango e um burburinho geral percorreu as pessoas que observavam. Sakura subiu as escadas e Sasuke foi atrás dela.