Cookies escrita por StrawK


Capítulo 4
QUATRO


Notas iniciais do capítulo

Dedicada à Hana Haruno Uchiha.

4 de 5



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Minha mente trabalhava como um computador antigo, tentando inutilmente processar as muitas informações que obviamente sua modesta composição não suportava. Por que ele me odiava? Não fazia nenhum sentido para mim. Não me lembro de tê-lo torturado durante a adolescência ou algo do tipo. Quer dizer, eu até tinha uma quedinha por ele, mesmo sendo tão esquisito!

Eu estava começando a ficar realmente assustada. Sasuke, apesar de misterioso e aparentemente psicopata, ainda conseguia ser irritantemente sincero; não se importava em dizer o que pensava ou sentia se assim lhe aprouvesse, como quando comentou sobre minhas pernas ou declarou seu ódio.

O engraçado – ou trágico – é que mesmo agora, três dias depois dessa afirmação (em que ele parecia passar as férias na casa de meus pais como se fosse da família), não consegui arrancar mais nenhuma informação de seus lábios que pudesse ao menos iluminar um pedaço dessa sala escura em que me encontrava.

Quando o questionei sobre o significado disso tudo, disse simplesmente:

"Esqueça isso por enquanto. Não é bom aborrecer uma mulher grávida".

O encarei por alguns segundos e quase ri, prestes a perguntar o que diabos ele queria dizer com aquilo até me dar conta de que ainda não havia desmentido minha suposta gravidez. Tentei entender o motivo d'ele não ter contado à minha família, mas a frustração que ele despertava em mim não me deixou fazê-lo. Só mais tarde percebi que se o tivesse feito, ele provavelmente teria continuado sua narração. Então, tentei não me sentir estúpida, pela milésima vez.

Na verdade, algo em nossa conversa me incomodou e decidi não olhar mais para aquele gesso cheio de assinaturas pendurado em minha parede.

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No terceiro dia desde que eu chegara à casa de meus pais, acordei muito mais cedo que de costume. Olhei minhas malas no canto do quarto, esperando serem totalmente desfeitas, assim como minha bolsa, que eu não abria desde o aeroporto. A revista de gestantes ainda estava amassada em algum lugar dela, e talvez até a embalagem de cookies vazios também se encontrasse lá.

Tudo naquele lugar me dava preguiça e estafa. Não sei como ainda consegui me arrastar até o banheiro e escovar os dentes.

Ainda com meu pijama de flanela cinza, desci as escadas de madeira, pensando em passar algum tempo em frente à televisão. Não sabia o que era sentar para assistir baboseiras há pelo menos dois anos e meu conhecimento sobre a programação da tv era indiscutivelmente escasso. Com sorte, talvez eu achasse E.R passando em algum canal.

O relógio na parede indicava 06:14 hs, e mesmo já tendo feito meu asseio matinal, meus olhos permaneciam semicerrados quando me joguei no sofá desleixadamente.

Antes mesmo que o tato do meu corpo ainda entorpecido de sono pudesse reagir ao choque que levei ao notar que o sofá não estava desocupado, a voz rouca caçoou de mim:

— Eu sabia que era apenas uma questão de tempo até você não resistir e se atirar em mim.

A primeira coisa que devo ressaltar aqui é que Sasuke estava sem camisa. Não que eu fosse pervertida ou algo do tipo; eu lidava diariamente com pacientes sem camisa no hospital. A diferença era que Sasuke não estava sangrando e parecia ter uma terrível familiaridade com o ambiente de academia.

Droga.

Seria tão mais fácil se ele fosse gordo, careca e suado. Ou não tivesse um dente. Ou cheirasse mal. Ou não tivesse uma voz gutural terrivelmente sexy quando acorda.

Eu me levantei num pulo, me afastando até ficar aos pés do sofá. O que foi muito pior, por que agora eu tinha uma visão completa da cena.

O cobertor, quase do mesmo tom de terra do sofá, cobria a metade inferior do corpo de Sasuke. Os cabelos bagunçados, os olhos semi-serrados, a barba de dois dias, até mesmo o cínico levantar de sobrancelha que ele me deu, me fez ter vontade de sair correndo dali. Mas como Konoha nunca me deixava tomar atitudes totalmente aceitáveis, eu simplesmente agarrei uma das almofadas e repeti a cena de tentar nocauteá-lo com algo que além de não lhe causar dano físico algum, apenas serviria para que ele se divertisse ainda mais às minhas custas.

Observei tensa enquanto ele puxava o cobertor para o lado e analisava a almofada, agora em seu colo. Depois, sentou-se no sofá sem tirar os olhos de mim, parecendo achar graça de alguma piada particular.

— Não pulei em você, seu... Grande... Idiota. E se tivesse pulado, seria com intenções criminosas e não... Sexuais. – cuspi as palavras, tentando parecer ofendida e ameaçadora, mas minha real vontade era sair correndo de volta para meu quarto, ou melhor, meu antigo quarto e ficar debaixo das cobertas até que Sasuke fosse embora da minha casa.

Dos meus pais... Casa dos meus pais. Adotivos.

Permanecemos alguns segundos em silêncio, quando ele decidiu que já estava farto de me encarar e desviou o olhar para a estante. O móvel de madeira escura possuía muitos porta-retratos. Havia apenas uma fotografia minha, quando tinha 16 anos, ao lado de Naruto. Eu não gostava muito de tirar fotos, por achar que ocuparia o lugar de quem era verdadeiramente da família nos álbuns. As outras poucas fotografias em que eu aparecia, levei comigo quando fui embora e se encontravam naquela caixa de recordações debaixo da cama do meu apartamento.

Fiquei surpresa ao encontrar muitas fotos em que Sasuke aparecia ao lado da minha família; era engraçado como nunca mais prestei atenção àquela casa. As raras vezes em que eu aparecia, era na expectativa de ir logo embora. Talvez, se o tivesse feito, teria visto antes os retratos de Sasuke.

Redirecionei o olhar e contemplei um retrato de Minato e Kushina abraçados e sorridentes, na época em que ainda eram namorados. Algo se aqueceu em meu coração e quando percebi, já tinha o canto da boca levantado, num meio sorriso. Eles pareciam tão felizes e apaixonados quanto na noite anterior, quando me desejaram boa noite.

Seria possível permanecer tanto tempo junto, sem enjoar da cara do outro?

Eles tinham seus desentendimentos, eu sabia. Kushina, assim como Naruto, era hiperativa e impulsiva, enquanto Minato parecia pensar bastante antes de falar ou fazer qualquer coisa; entretanto, eu sabia que era exatamente isso que os faziam perfeitos um para o outro.

Desde de criança, quando freqüentava a casa dos Uzumaki com meus pais, sempre os vi como uma família perfeita. Não no sentido de não haver brigas, mas me baseava no fato em como eles as resolviam. Eu poderia ver Kushina praticamente espancando Naruto por alguma idiotice que ele fizera, para logo em seguida vê-la o abraçar da forma mais carinhosa e protetora do mundo.

Acho que Sasuke percebeu que minha mente se perdera em algum ponto daquela fotografia, por que se remexeu no sofá e pigarreou.

— Quando pretende contar à eles? Ou continuará a ser egoísta o suficiente para privá-los da convivência com o neto? – seu olhar alternou entre meu rosto e meu ventre, e pela primeira vez, eu consegui claramente distinguir curiosidade e irritação, tanto no seu tom de voz, quanto em sua expressão.

Passou por minha cabeça responder algo como 'eu não era obrigada a dar satisfação do meu útero para descamisados que dormiam no sofá da sala dos outros', mas isso só agravaria o estado de demência que aquele lugar me proporcionava.

Então respirei fundo e tentei agir como a adulta que era, e sentei-me a seu lado no sofá. Tentei não me importar com qualquer coisa clichê chamada de corrente elétrica que meu corpo poderia receber, mas afastei-me para a ponta do sofá, só por precaução.

Encarei o topo da televisão à minha frente, mas algo me dizia que ele contemplava meu perfil.

— Não estou grávida.

Eu esperava que minha revelação o surpreendesse de alguma forma, entretanto ele relaxou os ombros, como se apenas estivesse esperando uma confirmação do que já sabia.

— Já imaginava.

Ora, aquele maldito sabichão! "Já imaginava?" Abri a boca, prestes a retrucar, porém ele se adiantou:

— Sendo uma médica, apesar de indiscutivelmente... Excêntrica, não seria irresponsável a ponto de se jogar da casa da árvore ou ingerir tanto alimento não saudável, se estivesse grávida.

Certo. Além de me chamar de excêntrica, ainda vigiava o que eu andava comendo. Eu queria protestar quanto à isso, mas tinhas outras coisa mais importantes com o que me preocupar. Como por exemplo, por que um policial que parecia ter roubado minha vaga de filha adotiva me odiava.

— Você tirou suas próprias conclusões. Aquela revista de gestantes só foi comprada por que alguém roubou a minha New Medicine. Isso, sem mencionar os cookies.

— Outra vez essa história dos biscoitos. – ele soltou um ruído parecido com um riso.

Cookies. De chocolate. Que comprei para eu comer. Sozinha.

— Ainda não chegou o momento de falarmos sobre isso, em específico.

"Ainda não chegou o momento de falarmos sobre isso".– repeti mentalmente, imaginando um tom de voz afetado. Cretino, ladrão de cookies.

— Visto que você achou que eu era um assassino por portar uma arma e me acusar de roubar uma revista que comprei especialmente para você, não creio que possa me acusar de tirar conclusões precipitadas. – ele continuou — Além disso, ainda não ouvi nenhum agradecimento pelo gesto.

Ele levantou o travesseiro com que dormira, e debaixo dele retirou uma revista sem o plástico, e que parecia ter sido manuseada diversas vezes. Pude reconhecer a New Medicine, embora ainda não pudesse identificar a matéria da capa.

Sasuke estendeu a mão e eu apanhei a revista, ainda com relutância.

— Espero que não se importe. Andei lendo algumas matérias muito... Interessantes.

Encarei seus olhos escuros e senti uma vontade imensa de simplesmente... Derreter. É, isso aí. Senti vontade de me liquefazer, escorrer pelo sofá, me desmanchar no chão da sala e ficar por lá até que alguém me empurrasse com um rodo para o quintal e o sol me atingisse para que eu finalmente evaporasse.

E realmente achei que isso aconteceria, quando uma sensação quente que nasceu em meus pés chegou ao meu rosto e minhas mãos começaram a suar. Céus! Eu não poderia estar corando! Não na frente dele! Pelo amor de Deus, não fazia isso desde os meus dezoito anos!

Quer dizer, não havia absolutamente nenhum motivo para tal! Nós simplesmente nos encaramos e... Só.

Me dei conta que havia prendido a respiração durante esses breves segundos, e tentei fazer com que minha expiração se parecesse com um riso de escárnio, tal qual ele fizera, minutos atrás.

— Obrigada. – murmurei, por fim. — Mas isso não altera o fato de que pegou meus cookies sem permissão.

Desviar os olhos dele não foi exatamente fácil, mas fingi achar a ponta do cobertor que Sasuke usara algo digno de atenção.

— Bem, você acha isso. – lentamente, ele foi deslizando para o meu lado do sofá até ficar próximo o suficiente para que conseguisse me-

— AH! EU NÃO ACREDITO! SASUKE-TEME VAI FINALMENTE AVANÇAR NA SAKURA-CHAN!

Os gritos de Naruto poderiam ter acordado qualquer um do outro lado da cidade, se todos habitantes já não se levantassem com as galinhas.

Parado no último degrau da escada, meu irmão tinha aquele sorriso idêntico ao de Minato destacando-se na face travessa.

Levantei-me num pulo, ereta. Toda a vontade de me liquefazer dando lugar á vontade de me transformar em uma estátua de decoração e o nervosismo sem precedentes dando lugar à vontade de bater em Naruto.

— Ninguém vai avançar em ninguém aqui, baka! Se você não sabe, ele me odeia! – estiquei o braço, apontando para Sasuke no sofá, que sustentava uma expressão neutra, como se ele nunca estivesse prestes a me... Beijar.

Me beijar. Caramba, ele ia me beijar!

Essa constatação foi como uma flecha envenenada que se alojou em meu peito e fez o veneno se espalhar por minhas veias rapidamente. Sasuke, o homem que dizia me odiar, estava prestes a me beijar e nem me passou pela cabeça não retribuir. Horrorizei-me comigo mesma.

Sabia que meus olhos estavam arregalados e minha boca aberta, devido à esse conflito interno, mas tentei me concentrar novamente naqueles dois homens irritantes.

— Não odeio você. – a voz de Sasuke, calma, me atingiu de modo mais grave ainda.

Olhei novamente para ele; meus olhos explicitamente dizendo: "Como assim? E aquela história de 'ódio' e não sei mais o quê?"

Ele pareceu entender minha dúvida, por que completou: — Vamos dizer que agora... Eu apenas... Não gosto muito de você.

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.

.

Eu não precisava nem cogitar a possibilidade de Naruto permanecer de boca fechada sobre o incidente com Sasuke. Tão logo Minato e Kushina desceram para o café, aquele desgraçado já estava tagarelando sobre como o Uchiha em breve se tornaria seu cunhado.

Embora as suposições absurdas de Naruto me irritassem profundamente, confesso que o que mais me deixou incomodada foram os olhares cúmplices que Kushina e Sasuke trocavam. O modo como eles conversavam pelo olhar quase me fez ir até a sala e... Jogar almofadas em suas caras. Por que era isso que eu sabia fazer.

Eu retrucava cada gracinha de meu irmão escandaloso, mas continuava atenta ao modo como Kushina e aquele ladrão de biscoitos interagiam. Não era possível que ele, que nem fazia parte da minha família pudesse se comunicar telepaticamente com minha mãe e fosse tão íntimo daquele ambiente e situação caseira. Ele até sabia em que lugar do armário ficavam guardadas as tigelas de cereal.

Sasuke parecia ter convivido com minha família desde que nascera. Aliás, ele próprio parecia da família. Sua desenvoltura e expressão de 'não há nada de anormal acontecendo aqui, é só mais um dia em que minha mãe faz panquecas, meu pai lê o jornal e meu irmão faz alguma idiotice' me deixavam com... Ciúme.

Inferno. Era isso.

A questão era que eu não precisava sentir despeito algum. Afinal, fora eu mesma que escolhi ir embora daquela cidade e manter o mínimo de contato possível com minha família adotiva. Eu quem escolhi aparecer uma ou duas vezes por ano. Eu quem escolhi me privar de todo aquele calor e acolhimento para passar plantões e mais plantões em um hospital de paredes brancas e geladas para me tornar alguém que eu nem tinha mais certeza que queria ser.

Era óbvio que eu amava a medicina e que queria ser reconhecida em minha carreira. Mas o meu erro foi achar que para conseguir isso eu precisava me livrar de quem eu era. Que preço paguei por isso?

Me desfiz dos meus modos infantis e espontâneos, para tentar apagar a personalidade que pretendi deixar em Konoha e todas as dores que ela me trazia. E o que eu tinha?

Eu tinha um emprego, um apartamento e um bom salário que eu não tinha tempo para utilizar.

Até mesmo Sai, meu ex-namorado, que era um artista plástico desencanado, começou a reclamar de minha ausência. Eu chegava em casa e geralmente me agarrava à um pote de sorvete, pegando no sono antes mesmo de conseguir terminá-lo.

Eu estava sozinha, e por escolha própria. Como alguém poderia escolher para si algo tão ruim quanto a solidão? Em que eu estava pensando quando decidi deixar totalmente para trás as pessoas que me amaram e se importaram comigo?

Era eu quem deveria estar ali, colocando geléia nas panquecas que Kushina fazia todas as manhãs. Era eu quem deveria rir, relembrando alguma situação engraçada que acontecera nas últimas férias. Era eu quem deveria aparecer nas fotografias da estante.

De repente me dei conta que Sasuke não roubou apenas meus cookies. Roubou o meu lugar na família. E a culpa era minha.

Então, me senti a pessoa mais egoísta do mundo.

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Revirei o fundo do meu antigo guarda-roupa e o encontrei. Estava empoeirado, e apesar dos anos, conservou-se do mesmo jeito em que eu o tinha em minhas memórias.

Sorri, saudosamente e agradeci em pensamento à minha mãe por não tê-lo jogado fora.

Depois de limpá-lo e prepará-lo devidamente, saí de casa pela porta da cozinha, já que todos se encontravam na sala, assistindo qualquer coisa na tv.

Assim que o larguei no chão e pus meu pé sobre ele, eu soube o que precisaria fazer dali pra frente; não só em relação à andar de skate, mas em relação à minha família. Agora eu só teria que-

— O que pensa que vai fazer? – apesar do tom devidamente divertido, me assustei com a pergunta de Sasuke, que brotou do inferno, atrás de mim.

Demônio de homem.

— Pegar minha família de volta. – levantei o queixo, decidida.

Ele observou minhas roupas e ergueu a sobrancelha; um hábito seu. — E achou que conseguiria isso... Andando de skate.

— Você não entenderia. – dei-lhe as costas e me preparei para pegar impulso, mas ele me deteve segurando-me pelo antebraço.

E me beijou.


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Notas finais do capítulo

Capítulo não betado e não revisado também. Eu empaquei no começo e já estava cansada de reler a mesma coisa.

E MUITÍSSIMO OBRIGADA pelos reviews maravilhindos que vocês mandam.

Sei que esse capítulo não teve muita graça, mas depois que desemperrou saiu tão naturalmente que não vou me importar com isso. Afinal, eu escrevo primeiramente para mim mesma. =)

O próximo capítulo será o último, mas talvez depois eu faça um bônus, com um epílogo narrado pelo Sasuke. Veremos...

Digam se gostaram deixando reviews!

Besitows,

StrawK.