Sala Vazia escrita por Jade Amorim


Capítulo 2
Recomeçar




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O outono cai como a idade quando você está longe

A primavera floresce e você acha um amor verdadeiro

Mas não sabe o que fazer agora

Pois procurar era só o que sabia fazer

E a procura acabou há alguns meses atrás


No fim todos vão embora, seja pelas próprias pernas ou nos braços da morte. Eu, com a idade que tenho, deveria saber. Mas saber dessa fatalidade não significa que ela seria aceita quando chegasse sua hora. Quando você ama, você ama, e é algo tão além da razão que a simples possibilidade de ficar longe é a coisa mais apavorante que se pode imaginar.

 

Se a pessoa nunca sentiu isso é porque de fato nunca amou. O amor da qual me refiro é aquele que sai da boca de poetas boêmios, loucos e apaixonados. Não existe maneira de explicar a sensação mágica e a dependência, não do corpo, mas da alma. É uma coisa tão única de cada pessoa, tão incondicional que o que ele representa para mim pode não ser para outro.

 

Quando você perde quem ama, você perde uma parte de si que nem sabia que existia antes daquele momento. E, incompleto, você não é nada. Não faz diferença se o copo está meio vazio ou meio cheio, falta uma parte, e assim sua sede não será saciada. Achar outro amor também não é uma tarefa fácil, quando você ama numa intensidade quase insuportável, não consegue aceitar menos que aquilo. Mas é a única solução, pois é somente com amor que o buraco do antigo amor é preenchido.

 

Chega a ser meio assustador quando se depara com o sentimento. É arrebatador, a boca se abre num sorriso inconsciente. Todo aquele receio da dor aparece apenas quando se está sozinho no seu quarto. Perto da pessoa, tudo que você consegue fazer é observar o desenho dos lábios, as covinhas do sorriso e os olhos apertados brilhando contra o sol.

 

Comigo não foi diferente, sua espontaneidade foi como um balde de água fria depois de uma sauna quente. Um choque. De uma pessoa completamente muda para outra que gaguejava era uma evolução, constrangedora, mas uma evolução. No primeiro instante a vontade foi de correr, mas seus olhos eram como correntes, não conseguia fugir. A garota no parque tinha um livro nas mãos, Shakespeare. Uma romântica, afinal de contas!

 

— Sou Sakura – sussurrou enquanto me olhava de esgueira. Os olhos eram dos verdes mais bonitos que já vi. De repente, senti-me nu na presença daqueles olhos, senti como se eles pudessem ver além de mim.

 

— Kakashi – respondi no mesmo tom de voz. – Já... já li este livro, o fim não é dos mais felizes.

 

— Quem não conhece o fim de Romeu e Julieta? – respondeu, abrindo um sorriso mais radiante que o sol escaldante daquele dia. – O fim não é feliz, mas o amor é real, é isso que importa.

 

Me prendi naquelas ultimas palavras, refletindo como havia sido toda a minha vida. Senti que a minha procura havia acabado, mas agora, diante da bela garota, não sabia como agir. Perseguir o amor fora a minha obsessão desde que Rin partiu. Já tinha desistido, mas algo dentro de mim nunca morreu.

 

A depressão veio arrebatadora depois de sua morte, vivi recluso nos anos seguinte, contudo prestava atenção em todos, em busca do remédio para aquele sentimento. E ela estava ali, sorrindo para mim, mas não sabia o que dizer. Deparei-me com o amor depois de muito tempo, mas só naquele momento notei que não havia me preocupado de como agiria quando o encontrasse.

 

 

E tudo que você vê é outro lugar onde poderia estar

Quando você está em casa,

Lá fora nas ruas existem muitas possibilidades de não ficar sozinho


Nos primeiros meses, sair de casa era incogitável. O mais perto que chegava da realidade eram as noites de chuva, a cadeira posta na frente da janela entreaberta, geralmente um álbum de fotos na mão, não tinha nenhuma definição senão nostalgia.

 

Observava as pessoas correndo para casa, para qualquer abrigo. Alguns com guarda-chuvas, outros com um jornal e ainda tinha aqueles que haviam sido pegos de surpresa. O cheiro de chuva era inebriante, e ver aquelas pessoas correndo para suas famílias, seus lares quentes e aconchegantes me fazia lembrar de como eu já fui um deles.

 

Nas noites em que estava mais inspirado lia por horas a fio. Shakespeare era o meu preferido, não importava se era Sonhos de uma noite de verão ou Romeu e Julieta. Lia, devorava as páginas.

 

Por muito tempo, a sensação que tinha ao ler aquelas palavras era o mais perto que me aproximava do amor. De tanto ler e reler descobri que precisava amar novamente, de que nada valeria ficar naquele luto eterno. Contudo, sabia que não ia me apaixonar duma hora para outra, não era assim que acontecia. O amor é que nem uma borboleta, se você a persegue, ela foge, se você espera, ela vem e pousa perto de você. Decidi, que, para começar, voltaria a viver, sair de casa.

 

 

As chamas e a fumaça sobem por todas janelas

E desaparece com tudo que você adorava

E você não derrubou uma lágrima pelas coisas que não precisava

Pois você sabia que estava livre enfim


Como eu já sabia, para se recomeçar deveria apagar tudo que fazia você se apegar ao velho. Num ímpeto a vontade era de tacar fogo em toda a casa, mas a ideia pareceu absurda quando analisada novamente. Não havia necessidade de fazer um estrago tão grande, apenas as coisas pequenas era o suficiente.

 

Olhei em torno e vi porta-retratos em todos os cantos, memórias de uma vida há muito tempo vivida. Não chegava nem a parecer real. Havia também cartas, presentes, jóias, frascos de perfumes nas prateleiras, ursos de pelúcia sobre a cama do quarto de hóspedes e, principalmente, todas as roupas ainda dentro do armário dividindo espaço com as minhas.

 

As jóias não mereciam o fogo, acalentariam a pele de muitas jovens apaixonadas, então optei por fazer uma pequena doação a alguns casais que passavam perto de minha janela. Os perfumes provavelmente acarretariam num incêndio caso queimados, foram para a lata de lixo mais próxima.

 

Agora, e as roupas, ursos, fotos e cartas? Fogo.

 

Afastei todos os móveis da sala, talvez fosse mais inteligente fazê-lo no quintal, mas a casa precisava do banho da fumaça para se purificar. Organizei um monte bem no centro, caso o fogo saísse do controle estava preparado com baldes d'água e um extintor. Peguei isqueiro e neste momento me lembrei de seu rosto dorminhoco e um cigarro na boca, de como seus olhos eram misteriosos e sua boca luxuriante.

 

Sorri ao ver que a lembrança já não me doía, apenas acendia fagulhas de saudades. Joguei o pequeno objeto flamejante e observei com um misto de dor e admiração tudo se transformar em cinzas. A fumaça era rala, um pouco sufocante, mas não era alarmante, não tinha como o fogo continuar quando tudo havia sido reduzido a pó. E assim, após pouco mais de duas horas de fogo crepitante ele se extinguiu.

 

Surpreendi-me por não ter soltado uma lágrima sequer, meu lamentar seco havia sido superado graças às páginas de um romance. Inacreditável. Tudo que precisava estava arrumado dentro de uma mochila, então saí pela porta para nunca mais voltar, passei pela placa de Vende-se e segui meu rumo na noite estrelada da cidade.

 

Fui para um quarto de hotel naquela primeira noite, na manhã seguinte procuraria um apartamento e buscaria meu carro na casa da Hinata. Ela ficaria feliz em me ver recuperado, ao menos parcialmente e, certamente, Naruto aliviado por poder me devolver as rédeas da empresa e ir viajar com a mulher grávida.

 

 

Pois tudo que você vê é outro lugar onde poderia estar

Quando você está em casa,

Lá fora nas ruas existem muitas possibilidades de não ficar sozinho


— Ei, moço – ela estralou os dedos perto do meu rosto. – Está ai? Terra chamando, oi!

 

Sua voz era doce, apesar do jeito agitado que agia. Encantador. Fui tirado do transe num sobressalto e lhe sorri.

 

— Desculpe... estava pensando... – sussurrei um pouco envergonhado.

 

— Ah, tudo bem, às vezes eu fico assim também, me perco dentro de mim e acabo esquecendo do que está em volta. – Ela sorriu. Deus, já tinha dito como o sorriso dela era maravilhoso? – Bom, eu acho que já vou indo. Ainda não almocei sabe – ela apontou para o livro – perdi totalmente a noção de tempo e espaço.

 

Ela fez a menção de continuar seu caminho, mas sabia que não podia me dar ao luxo de perdê-la. Aquele esbarrão parecia uma oportunidade da qual tinha certeza de que nunca mais teria. Segurei seu braço de leve, ela se virou interrogativamente.

 

— Também não almocei – comecei, temeroso e nervoso com os arrepios que sentia percorrer meu braço por estar tocando-a. – Tem um restaurante ali do outro lado da rua que tem a melhor comida italiana da cidade. Quer me acompanhar?

 

Não tinha a intenção de ir a algum restaurante antes de conhecê-la, estacionei o carro para comer alguma coisa ali na praça mesmo e voltar para a busca de um novo lar quando esbarrei na moça que corria apressada. Mas não podia dar-me ao luxo de perdê-la.

 

— Tudo bem, parece uma ótima opção, e eu realmente amo comida italiana!

 

Sorri e dei-lhe o braço para guiá-la. Não devia ser muito mais jovem que eu, apesar do jeito espontâneo de uma adolescente, mas não chegava aos vinte e cinco anos. Sabia que havia encontrado não uma substituta, mas um novo amor e não a deixaria ir.

 

 

 

 

 

 

Continua...


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Notas finais do capítulo

Aí está o primeiro capítulo bonitinho para vocês! Dependendo da quantidade de reviews eu posto outro capítulo até domingo. Caso contrário só na sexta da semana que vem!

Beijinhos e abraços,
Jade.