Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 23
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal! Volteeeei! Desculpa a demora, as razões são as mesmas de sempre. Life sucks.
Aqui um PDV do Roger para vocês me perdoarem! *-*
Beijos, boa leitura e comeeeentem!



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Roger PDV



Cheguei a Los Angeles morto de cansado. Foram dez horas de voo, insônia, três filmes, incontáveis copos de cerveja e... ainda é manhã em LA! Minha agente foi bacana o suficiente para vir me buscar no aeroporto, ela sabe que não curto esse lance de sair com uma comitiva me seguindo, como se eu fosse algum político influente. Felizmente, apenas um ou dois paparazzi se deram ao trabalho de vir me fotografar no aeroporto. Tratei de colocar os fones de ouvido no volume mais alto que meu ouvido aguenta para não ter que ouvir as bobagens que eles costumam dizer para provocar alguma reação.





Sarah me guiou até o carro enquanto eu seguia de cabeça baixa, com o boné cobrindo quase metade do meu rosto. Me sinto ridículo tendo que fazer isso, mas não vou facilitar a vida desses parasitas. Eventualmente precisei tirar os fones de ouvido e levantar a vista, pois havia um grupo de fãs me aguardando na saída. Por sorte, os fotógrafos eram um pouco mais educados do que os de costume, mantiveram a distância e foram até gentis abrindo passagem.





– Peter! Roger Peterson, aqui, por favor! – Chamava o grupo de garotas, eram umas seis meninas mais ou menos da minha idade. Me dirigi a elas tranquilamente, enquanto Sarah me aguardava segurando minha bolsa de mão.





– Olá garotas, tudo bem com vocês?





Elas falavam mil coisas ao mesmo tempo, só consegui compreender um punhado de frases.





“Você é tão lindo!” “ Por favor, você pode tirar uma foto comigo?” “Você vai encontrar a CatSey, Peter?” “Nós amamos vocês!”





CatSey?Ugh,por que eles sempre inventam esses apelidinhos irritantes?





– Espera, você me chamou de Peter? Por quê?





– Não é como seus amigos costumam chamar você? –Uma delas respondeu orgulhosa.





Como essas garotas sabem esses detalhes da minha vida?





– Err, sim, é... mas como você sabe disso? – Perguntei curioso.





– Eu vi em algumas entrevistas a Cathy Seymour se referir a você como “Peter”.





– Sério? Ah, ok então. Bem pessoal, preciso ir. Todo mundo já tirou foto?





Me despedi das garotas e segui para o carro com Sarah, ouvindo o burburinho que ficou para trás: “Oh, como ele é gentil!” “Você viu que ele apanhou minha caneta do chão?” “Vocês perceberam que ele estava puro a cerveja?” “Awwww”.





É divertido encontrar com fãs assim, sem o alvoroço das premieres e sem paparazzi enchendo o saco, por que assim podemos interagir mais e eu posso retribuir um pouco o carinho que elas têm comigo.





Mas confesso que fiquei aliviado ao entrar no carro, não via a hora de chegar ao hotel e cair na cama para tirar uma soneca antes de iniciar a maratona de reuniões.





Estava animado para fechar esse novo projeto com um diretor que eu admiro demais. Se tudo der certinho, é um trabalho que vai ser muito gratificante, tenho esperanças de que esse filme será meu ticket para o reconhecimento como um ator sério e não um galã juvenil. A Sarah está tentando me convencer a fazer alguns comerciais, para grifes famosas, essa coisa toda. Não estou muito certo disso, prefiro trabalhar com alguma marca que venda algo com o que eu me identifique, ela sabe disso, mas ela também me conhece o suficiente para acertar em cheio as minhas preferências.





Antes de desembarcar na entrada do hotel, Sarah me entregou uma das chaves do meu quarto dizendo:





– Bom descanso. Ah, a reunião é às 17:30h, não vai esquecer! – E deu um sorriso torto que eu não entendi.





– Tá, tudo bem. Ei, cadê a outra cópia da minha chave?





– Vai ficar comigo, caso você perca a sua cópia. – Ela piscou e o carro entrou em movimento me deixando para trás na entrada do hotel.





O que deu na Sarah? Ela está meio esquisita hoje!





Como ela já havia feito meu check in no hotel e eu carregava apenas uma bolsa de mão, passei direto para o elevador, sem precisar parar na recepção. Esse esquema era muito conveniente para mim, especialmente em dias em que estou morto de cansado, como hoje.





Ao entrar em minha suíte, joguei a bolsa na poltrona da antessala e me dirigi até o quarto, removendo peça por peça da minha roupa, sapatos, boné, até ficar só de calça. Estava tudo quieto, o quarto imerso em uma penumbra, apenas pequenos feixes de luz externa formando desenhos no espaço.





Sobre a cama, uma figura humana que a princípio não consegui identificar, o que me causou um mini ataque de pânico – ainda não havia desligado completamente o ‘modo celebridade’ em minha mente. Minha primeira reação foi dar um passo para trás, tateando a cômoda em busca de algum objeto contundente que pudesse usar para minha defesa e perguntar “quem está aí?”, acreditado ser algum maluco me perseguindo ou uma fã obcecada.





Passaram-se alguns segundos de silêncio, suspense no ar e meu coração disparado como um louco, adrenalina a mil. Do alto da minha paranoia e senso de autopreservação, eu estava pronto para qualquer coisa, até para a luta corpo-a-corpo se fosse preciso.





– Quem. Está. Aí? – Repeti pausadamente, tentando pensar no que fazer. Talvez fosse melhor fugir do que correr o risco de lutar contra um maluco mal intencionado.





De repente a luminária da cabeceira da cama foi acesa, e eu pude ver a figura da Cathy posando sensualmente em cima da cama, vestida somente com um lingerie preto, com direito a cinta-liga e tudo mais. Parecia uma deusa grega, com seus cabelos loiros arrumados em um visual selvagem.





Senti um misto de alívio e indignação. Alívio por ver que não havia ameaça nenhuma. Indignação pela brincadeira de mau gosto. Mais exaltado do que deveria, bravejei:





– Puta que pariu, Catherine, você quer me matar de susto?!





Sua expressão passou de sensual para cômica para magoada em uma fração de segundos. Fiquei meio embaraçado, por ter sido rude, eu sabia que a intenção era das melhores.





– Poxa, Roger, esperei horas por você, preparei tudo para nós termos um momento especial depois de tanto tempo sem nos vermos, e é assim que você reage?





Sentei à beira da cama, beijei sua testa, bochecha e sua boca, abracei-lhe ternamente. Diante dela agora, percebi o quanto estava com saudades dela.





– Desculpa, fui meio grosso com você. O susto foi grande e eu estou morto de cansado. Mas como você entrou aqui, afinal?





– Combinei com a Sarah. Ela me deu a segunda via da sua chave e eu vim mais cedo para preparar tudo.





Só então olhei em volta e percebi as flores, taças de champagne, velas compondo a decoração especial para nosso reencontro.





– Ha, tá explicado!





– Explicado o quê? – Indagou curiosa.





– No caminho para o hotel pedi as chaves para a Sarah e ela me entregou apenas uma, com uma desculpa de que guardaria a outra caso eu perdesse a minha. Mas ela nunca faz isso, então fiquei meio sem entender qual era a dela.





– Ela é minha cúmplice. – Sorriu, me puxando mais para perto, suas mãos desenhando padrões no meu tórax. – Sabe, eu gosto da Sarah, ela sempre apoiou nossa relação, nunca tentou afastar você de mim...





– Por que ela faria isso?Por acaso ela participou de outras de suas armações?





Cathy ignorou a primeira pergunta, como sempre, só falou o que lhe era conveniente.





– Não, essa foi a primeira vez. Estou feliz que posso confiar nela.





Não sei o que ela estava querendo dizer com isso e estava cansado demais para pensar. Deitei-me com os olhos fechados, para descansar alguns minutos. Eu sabia que Cathy não me deixaria dormir, e honestamente, não dava para pensar em cansaço perto de um mulherão como ela.





A caminho do restaurante, tive oportunidade de perguntar a Sarah sobre o lance da chave do meu quarto. Tinha que descobrir o que estava por trás dessa nova e inesperada amizade entre Cathy e minha agente.





– Quer dizer que agora você virou ‘parceira de crime’ da Cathy? – Indaguei, sério enquanto sentava ao seu lado no banco traseiro da van. Ela sorriu, parecia que já estava preparada para meu interrogatório.





– Vai dizer que não gostou da surpresa?





– Claro que gostei. Mas desde quando você é amiga da Cathy?





– Eu não sou amiga dela, não seja ingênuo. Mas por enquanto, até fecharmos alguns contratos para você, é interessante que seu nome fique em evidência, não acha?





– Você sabe o que penso disso.





– Sei, mas minha função aqui é fazer as coisas acontecerem para você. E quando elas acontecem, você fica satisfeito, não fica?





– Sim, claro. Quero que você saiba que não sou um ingrato. Mas acho que há outros meios de se alcançar esse objetivo.





– Mas esse é o mais rápido e mais eficiente. Lembre-se que em Hollywood, um dia é equivalente a uma semana. Infelizmente você vai ter que segurar as pontas com a Cathy por algum tempo. Você acha que não percebi que você não está mais gostando dela?





– Do que você está falando, Sarah?





– Ah, Roger, dá um tempo! Tá na cara, em suas atitudes, até no tom da sua voz quando fala dela.





Minha cabeça estava girando. Eu não sabia que eu era uma pessoa tão fácil de ler. Minhas atitudes são tão óbvias assim? Será que o público vê o mesmo que Sarah, ou ela só percebe por que me conhece pessoalmente? Ela identificou com precisão algo que nem eu mesmo havia admitido. Eu não sabia o que pensar!





– Você não acha que o público vai deduzir a mesma coisa que você? Eu nunca imaginei que alguém poderia reparar!





– Ficar de olho em você também faz parte do meu trabalho.





– E o que você quer que eu faça??





– Sinto muito, Roger, mas você terá que segurar as pontas com a Cathy por um tempo.





– Por um tempo? Como assim? Você quer que eu mantenha uma farsa para convencer o público? Isso é ridículo!





– Mas é assim que as coisas funcionam. Você sabe disso e já deveria ter se acostumado. – Falou de modo pragmático, como se estivesse fazendo uma transação comercial.





Fiquei chocado, ou melhor, indignado. Virei mercadoria! Eu não tinha decidido terminar o namoro com a Cathy – ainda – mas parece que ser forçado a fazer algo contra minha vontade era o combustível que faltava para eu desejar com todas as forças me ver livre dela. Não aceitaria fazer parte dessa empreitada inútil.





– Sarah, até parece que você não me conhece. Eu não vou fazer isso! Eu já estava considerando terminar o relacionamento, agora você só me fez ter certeza que é isso mesmo que eu quero. Não vou entrar nesse jogo.





– Tudo bem... é sua carreira que está em jogo. Você sabe, um dia se está no auge, no dia seguinte já é notícia antiga. Você se esforçou tanto para chegar até aqui. Só estou pedindo para segurar as pontas mais um pouco, afinal, a Cathy pode ter seus defeitos, mas não é uma pessoa totalmente desagradável, pelo menos você não pensava isso a pouco tempo. Além do mais, na maior parte do tempo, vocês estarão distante um do outro. Não é lá grande sacrifício.





Hesitei por um instante. Ela tinha razão, não seria um grande sacrifício. A verdade é que eu queria estar disponível. Não queria ter meu nome associado ao dela. Queria poder dizer sem remorso, “Eu não estou comprometido com ninguém, sou livre.” Mas por que eu fazia tanta questão de proclamar minha independência? No fundo da minha consciência eu sabia.





– Mas eu quero estar livre para...





– Para quê, Roger?





– Gaguejei tentando ganhar tempo para inventar uma desculpa plausível.





– Erm... para sair com meus amigos! É isso.





– Ah, corta essa! Você nunca deixou de sair com seus amigos por causa da Cat. Pense sobre isso, decida-se e me dê uma resposta amanhã, combinado?





Eu não via outra opção senão aquiescer à sugestão de Sarah. Ela sabe o que faz. Além do mais, não será por muito tempo. E como ela disse, não será grande sacrifício.





– Não precisa, já me decidi. Eu topo. Mas, por favor, não abuse da minha boa vontade.





– Muito bem. Vamos aos negócios.





No caminho discutimos alguns detalhes sobre a reunião, que seria com executivos de uma grife que querem que eu seja representante de sua marca de roupas masculinas. Sarah me mostrou um portfólio com algumas campanhas da grife. Mais uma vez me convenci que minha agente é um gênio, ela é muito competente e me conhece como ninguém. O estilo da grife tem tudo a ver comigo, gostei da proposta casual mesmo nos visuais mais sérios. Eu só não estava preparado para um pequeno detalhe, que vim descobrir durante a reunião.





Tratava-se de uma grife brasileira. Além das sessões de fotografias, gravação de comerciais, e outros requisitos de campanhas publicitárias, o contrato contemplava minha presença obrigatória no evento de lançamento da nova coleção, uma festa em grande estilo, que acontecerá daqui a dois meses. NO BRASIL.





A primeira coisa que pensei foi: “Ally!”. Uma enxurrada de ideias passou pela minha cabeça quando ouvi as palavras “Haverá um evento de lançamento da nova coleção no Rio de Janeiro. Nós queremos você lá.” Por alguns segundos senti meu corpo inteiro dormente.Tive que me controlar para não sorrir como um idiota e me concentrar. Não conseguia parar de pensar em pesquisar a distância entre Rio de Janeiro e Fortaleza. Seria a primeira coisa que faria quando retornasse ao hotel. A ideia de existir uma possibilidade - por mais remota que fosse - de encontrar a Ally, minha garota do envelope azul, despertou meus sentidos. Senti um arrepio. Eu estaria mentindo se dissesse que essa possibilidade não teve um peso gigantesco sobre minha decisão de aceitar a oferta. Para encontrá-la eu aceitaria até metade do cachê. Mas é claro que os executivos da grife não precisam saber disso.





Senti que aquilo era uma espécie de sinal, que o que eu estava começando a sentir por Ally merecia um pouco mais de atenção, por mais incompreensível que pudesse parecer, eu precisava viver isso e ir até o final para ver onde isso vai dar.





Saí da reunião com espírito elevado, contando os segundo para chegar ao hotel e entrar na internet. Queria falar com ela e contar a novidade. Queria ver qual será sua reação.





No estacionamento, estava estacionado um carro que eu conhecia muito bem. Encostada nele, conversando animadamente com os passageiros, estava Cathy. Senti como se alguém tivesse estourado minha nuvenzinha de sonho.





Ao me ver, ela gesticulou com os braços e correu em minha direção. Lancei um olhar fulminante para Sarah, que caminhava ao meu lado. Ela deu de ombros e respondeu à minha censura silenciosa com um tapinha em meu ombro e disse “Você prometeu”.





Sorri resignado enquanto Cathy se pendurava em meu pescoço falando duzentas palavras por segundo das quais eu não compreendia e não fazia a menor questão de compreender nem duas.





Entrei no carro que parecia estar lotado de adolescentes prontas para irem ao baile de formatura. Estava ficando com dor de cabeça com aquele monte de pessoas conversando ao mesmo tempo, com aquelas vozes agudas.





Fomos a uma festinha privada na casa de alguém. Eu optei por tomar uma cerveja e esperar pacientemente até que Cathy se cansasse e resolvesse ir embora. Já não me divirto mais com esse tipo de festa como antes. A dois anos atrás, quando conheci Cathy, éramos novos em Hollywood, tudo era excitante, conhecíamos pessoas interessantes todos os dias, ganhávamos muita coisa de presente, curtíamos festas badaladas cheias de pessoas poderosas, bebíamos tudo de melhor qualidade de graça. Estávamos deslumbrados e eu não conseguia entender como uma garota sofisticada e popular como a Cathy se interessaria por um cara simples como eu.





Eu costumava gostar do joguinho de sedução que ela fazia e de seu estilo de vida ‘viva la vida loca’. Mas com o tempo cansei de ter que carregá-la bêbada para casa depois das festas, da falta de compromisso de seus amigos e acima de tudo, da obsessão dela por fama.





Olho para seu exibicionismo, dançando sensualmente com as amigas. Eu costumava ficar excitado com isso, mas hoje descobri que esse não é o tipo de comportamento que admiro em uma garota, mas já não gosto dela o suficiente para me importar. Não existe mais sintonia. Quero apenas ir embora desse lugar.





Naquele momento, percebi de uma vez por todas que não gosto mais de Catherine Seymour. Mais um sinal. Meu coração estava vago. E eu acho que já sei quem vai preenchê-lo.





Um cara conhecido aproximou-se com uma long neck na mão e um cigarro na boca. Era o namorado da Patty, uma das amigas de Cathy. Nos conhecemos desde as primeiras vezes que saí com Cathy. Ele é um cara bacana, reservado, tem uma conversa boa e não dá a mínima para o frenesi em que a namorada está constantemente envolvida.





– E aí, meu irmão, a quanto tempo! Está meio desanimado hoje?





– Oi cara, bom te ver! Estou cansado, cheguei hoje de manhã cansado do voo e a Cathy não me deixou descansar. Depois tive uma reunião e agora estou aqui.





Ele deu uma risadinha, deu uma tragada no cigarro e continuou:





– Sei como é... a Cathy é um furacão né. E a Patty vai na onda dela, às vezes eu também fico morto.





– Isso mesmo.





Ele apontou para as duas, que dançavam animadamente em cima da mesa de centro da sala e questinou:





– Você acha que algum dia esse fogo vai baixar?





– Não sei... – hesitei - Sinceramente, não quero estar aqui para descobrir. – Murmurei para mim mesmo.





– O que você disse? – Ele me encarou surpreso.





– Nada não. Estou cansado pra caramba. Vou tomar mais uma e depois dar o fora daqui.





Depois de muito choramingar para que eu ficasse, Cathy deu-se por vencida, percebeu que eu estava irredutível e não iria ceder aos seus apelos. Ela recusou-se a me acompanhar, o que no final das contas foi até melhor para mim. Eu queria dormir mais do que tudo.





Acordei quase meio dia, meio desnorteado e impressionado com o fato de Sarah ainda não ter me ligado para lembrar de algum compromisso. Ou será que ela ligou e eu não ouvi o telefone tocar? Estendi o braço e peguei o celular que estava no criado mudo. Nenhuma ligação, nem da Sarah nem da Cathy. Estava tudo muito estranho, mas eu estava adorando aquela paz. Enviei uma mensagem para Sarah só para confirmar quais os compromissos do dia. Ela respondeu que eu participaria de um evento beneficente esta noite e que deveria comparecer mais cedo para os ensaios.





Ok, eu consigo sobreviver.





Isso significava que eu tinha algumas horas livres até lá, certo? Não, ela havia me deixado dormir até mais tarde como recompensa pelo meu “sacrifício” de fazer a média com a Cathy ontem, mas que precisaríamos sair dentro de uma hora para a alfaiataria para experimentar meu traje de hoje à noite.





Que droga, será que não vou conseguir um segundo livre? Não vejo a hora de falar com a Ally e contar a novidade. Estou sonhando em ver qual será a reação dela. Mas vai ter que ficar para depois.





Levantei da cama para pegar o jornal que jogaram por baixo da porta. Folheei as notícias enquanto sentava à mesa mordiscando uns cookies servidos ontem quando cheguei. Na página de fofocas, lá estava a foto de ontem, Cathy com os braços ao redor do meu pescoço e eu com cara de paisagem no estacionamento do restaurante. Não dava para dizer se eu estava feliz ou não. Ponto para mim, Sarah não pode reclamar, fiz minha parte. Na legenda o texto meloso,





“A dedicada namorada Cathy Seymour vai buscar o amado Roger Peterson após reunião do galã com executivos. Novo trabalho à vista? Ficamos curiosos!”





Devo concordar que Sarah é um gênio. Pelo menos ela usa a bisbilhotagem a meu favor.





Os dias em LA passaram conforme o programado, cumpri meus compromissos profissionais e, eventualmente, quando tinha uma folga ao longo do dia e restava ainda um pouco de energia no meu corpo, aproveitava para rever alguns amigos e sair para conferir o cenário musical, que sempre está fervendo com novidades. Claro que a Cathy ficou na minha cola a maior parte do tempo em que estive desocupado, e é claro que a mídia fez a festa nos perseguindo em todos os lugares por onde passamos, o que tornou impraticável tentar entrar em contato com a Ally.





Cara, eu queria muito falar com ela. Acostumei tão rápido com aquela voz rouquinha falando com sotaque no Skype. Tímida, mas determinada. Autêntica. Impressionante como ela não se deixa intimidar pelo meu status de ‘celebridade’, é quase como se ela achasse que isso é um defeito. Bem, no fundo concordo com ela. Acho que antes de ser famoso eu também pensava assim.





No último dia em LA, Sarah me levou para almoçar em West Hollywood e enquanto isso combinar os compromissos para os próximos dias, quando estivesse de volta a Londres.





Eu já tinha decidido aceitar o acordo com ela sobre manter as aparências do meu relacionamento com a Cathy Seymour, mas cada vez que eu pensava na viagem ao Brasil – e consequentemente na Ally – não conseguia evitar de sentir uma ponta de arrependimento. Eu queria saber quando aquilo tudo acabaria para eu ficar livre e poder investir em conquistar a garota do envelope azul.





Entre um assunto e outro, enquanto Sarah estava distraída estudando o cardápio, puxei o assunto casualmente, tentando parecer o mais neutro possível.





– Sarah, hum, esse lance de manter as aparências com a Cathy...





Sarah me lançou um olhar inquisitivo por sobre o cardápio e respondeu distraída,





– Sim?





– Até quando você acha que vamos ter que fazer isso? Por que uma hora teremos que parar, né? Como é que vai ser?





Ela respondeu com seu ar de mulher de negócios, o que me irritou um pouco. Sarah era minha agente, mas em muitas ocasiões era mais do que isso para mim, eu a considerava uma amiga e ficava sinceramente magoado quando ela lidava com minha vida como se fosse uma funcionária de escritório arquivando papéis.





– Até quando for vantajoso para você... e para Cathy também, claro. É um acordo que ambas as partes têm que cumprir, você não pode pular fora só por que já alcançou seus objetivos. Como eu disse, tem que cumprir com os objetivos da Cathy também.





– Mas que objetivos são esses? Quem determina isso? E quem determina quando acaba? Eu preciso saber!





– Provavelmente até o final do ano. Daqui para lá a imagem de vocês não estará mais tão associada ao filme que vocês fizeram juntos, vocês estarão envolvidos com outros projetos, isso irá distrair o público e uma eventual separação parecerá natural. Mas no momento, vocês ainda precisam ter seus nomes associados na mídia para obter mais visibilidade.





Até o fim do ano... ATÉ O FIM DO ANO?! Eu não vou ficar fingindo que estou apaixonado pela Cathy e bancando o namorado perfeito esse tempo inteiro! Eu quero viver minha vida!





Minha mente estava perdida em um turbilhão de sentimentos. Raiva, arrependimento, angústia, resignação, aceitação, derrota. Eu sabia que ao concordar com essa farsa precisaria fazer sacrifícios e concessões, mas esperar até o fim do ano? Em seis meses muitas coisas podem acontecer, a vida da Ally continua, ela pode conhecer alguém especial, se apaixonar e esquecer do amigo virtual famoso. Em seis meses eu estarei amargurado e arrependido por ter tomado a decisão mais idiota da minha vida.





Até agora eu ainda não tinha me dado conta de que para obter sucesso na carreira bastava me dedicar ao meu ofício, estudar, ser profissional. Eu tinha a ideia romântica de que, se eu fosse bom o suficiente, seria respeitado e ganharia credibilidade o suficiente para conseguir bons papéis e ter uma carreira de sucesso. Eu não contava com esse lance de marketing que, surpreendentemente, tem um papel vital em determinar o futuro de um artista. É ridículo. Você passa a vida se esforçando para ser reconhecido pelos seus méritos e acaba dependendo de meios sórdidos, vendendo a própria vida pessoal para se manter relevante. Hollywood às vezes me dá nojo.





Mas eu me comprometi, agora não poderia mais voltar atrás.





Voltei para a Inglaterra com o coração pesado, ponderando o que poderia fazer para evitar que as consequências desse acordo com a Sarah interferissem de modo significativo na minha vida e calculando meios de seguir com meus planos sem quebrar o acordo. Isso envolveria algumas mentiras e esquemas, coisas que não são muito do meu feitio, mas a essa altura, se tornaram inevitáveis.





Aproveitei os dois dias que ficaria em Londres antes de voltar para o set no interior, para encontrar com Jim e tomar umas. Jim é meu amigo desde a infância, sabe quem eu sou e sempre fui antes de ficar famoso. Me trata com a mesma naturalidade de quando apostávamos corrida de bicicleta pelas ladeiras da cidade, o mesmo companheirismo de um amigo que encobria minhas desculpas esfarrapada para meus pais quando era suspenso na escola. Ele não dava a mínima para minha fama, não queria se aproveitar disso, ao contrário, se ressentia de ter que ficar afastado por causa disso, pois ele nunca quis tirar vantagem dos benefícios de ter um amigo com influência e, por esse motivo, nos víamos com menos frequência do que desejávamos.





Escolhemos um bar decadente em Camden, onde tínhamos certeza que eu não seria reconhecido.





– Brother, que coisa mais ferrada! - Jimmy murmurou, pensativo, depois que contei para ele sobre minha decisão de aceitar o jogo de marketing da Sarah - Por que você aceitou esse acordo idiota, meu irmão? Você sabe o que isso significa? Você vendeu a alma ao diabo, sabia? Esqueça o significado da palavra ‘paz’. Se você está vendendo seu relacionamento agora, por que é bom para sua imagem e da Cathy, pode ser que no futuro você não tenha escolha, mesmo que não queira expor seus relacionamentos futuros, a mídia vai te explorar mais ainda, por que você permitiu uma vez.





– Obrigado pelas palavras de encorajamento, brother. – Respondi desanimado. Suspirei e dei um gole generoso em minha cerveja.





– Foi mal cara, mas eu sou seu amigo, não estou aqui para babar seu ovo como a maioria das pessoas faz. Estou aqui para falar a verdade. Mas sei lá, você é quem sabe o que é melhor para sua carreira. Eu to por fora disso...





– Tudo bem, você está certo. Doeu exatamente por isso, por que sei que você tem razão. Eu preciso acreditar que alguma coisa boa vai resultar disso para conseguir enfrentar os próximos meses.





– Ah brother, esquece esse assunto. Vamos tomar outra rodada! Alguma novidade sobre a menina das correspondências?





Sorri agradecido pela mudança brusca de assunto e o sorriso cresceu ainda mais ao mencionar Ally. Contei para ele tudo sobre o trabalho que peguei para uma grife brasileira e como não queria desperdiçar a oportunidade de ir ao Brasil, tinha que dar um jeito de encontrá-la. Jimmy recostou-se na parede alcochoada, cruzando as mãos por trás da cabeça.





– Você não disse que ela era tradutora, algo do tipo? Por que não dá um jeito de contratá-la como intérprete da sua equipe durante sua permanência no Brasil?





Como não pensei nisso antes? Claro! Eu inventaria uma desculpa para a Sarah de que alguém que eu conheço já trabalhou com Ally e a recomendou com excelentes referências. Eu só precisava saber se ela aceitaria viajar até o Rio de Janeiro e ficar alguns dias acompanhando minha equipe. Provavelmente não, ela deve ter os compromissos dela, mas eu precisava tentar.





– Meu irmão você é um gênio! Ah, moleque, desse jeito seria muito mais fácil do que ter que inventar uma desculpa para viajar até Fortaleza só para vê-la. A Sarah nunca permitiria. Se eu fosse visto em uma cidade no meio do nada no Brasil, imagine as histórias cabulosas que sairiam na mídia. Valeu, brother!





Com ânimos renovados depois da brilhante ideia de Jimmy, retornei ao meu flat, próximo ao set do filme, a alguns quilômetros de distância de Londres. Ainda tinha o restante do dia livre. Joguei minha mochila na poltrona ao lado da mesa de estudos, tomei uma ducha e em seguida corri para o notebook para checar se Ally estava online.





Não estava. Decidi pedir comida para matar o tempo enquanto ela não aparecia. Era por volta de meio dia aqui na Inglaterra, o que significa que em Fortaleza deveria ser umas oito da manhã, sábado. Bem, ela poderia estar dormindo ainda, ou pode ter saído para a praia. Como eu poderia saber? Mas minha ansiedade em falar com ela era tão grande que não me importava de esperar.





Duas horas depois, eu já estava deitado na cama vendo tevê, quando o toque do Skype começa a soar. Em um pulo eu já estava diante do notebook, cabelo desgrenhado, do jeito que eu estava deitado, mas quem se importa?





Atendi a chamada mais ofegante do que deveria.





Ally! Até que enfim! – Exclamei quando ouvi sua voz dizendo “Oi” em um tom preguiçoso.





Ela estava linda, com a pele levemente bronzeada, cabelos úmidos e um vestido de alcinha verde claro. Bem que eu desconfiei que ela estava na praia.





Você está tão, hum, bronzeada. Adivinhei que você estava na praia! – Deixei escapar.





Ally sorriu timidamente, brincando com uma mecha de seu cabelo, que parecia ainda mais escuro estando úmido. Queria estar perto dela para poder sentir o cheirinho de cabelo lavado.





É, não tive como escapar, minhas amigas me obrigaram a ir com elas à praia hoje cedo. Não curto muito pegar sol, mas não sei dizer não às minhas amigas.





Bom, se minha opinião vale, acho que você fica linda bronzeada, e essa cor do seu vestido combinou perfeitamente. Você está linda, Ally.





Percebi um leve rubor em sua pele bronzeada. Ally mal conseguia olhar para a câmera, de tão sem graça que ficou. Olha só para você, Roger, todo se derretendo por causa de um par de bochechas coradas! Eu estava animado demais em poder falar com ela novamente para conter qualquer emoção, então foi com a maior naturalidade que soltei:





– Senti falta de falar com você.





Ally não tinha como ficar mais desconcertada. Seus olhos se arregalaram de surpresa, um sorriso amplo estampou-se em seu rosto e seus olhos brilharam. Agora ela estava encarando a câmera diretamente, e pareceu que estava olhando dentro dos meus olhos.





– Eu também senti falta de falar com você. Muita. E... obrigada, hoje você está mais gentil do que nunca.





Dei uma risada nervosa. É, acho que ela percebeu que tinha algo estranho em mim. Eu estava tão ansioso que decidi não enrolar mais antes de entrar no assunto sobre o qual esperei a semana inteira para falar.





Como foi de viagem? – Perguntou curiosa.





– Errr... foi ok, eu acho... – Respondi meio confuso. Considerando a novidade que eu tinha para contá-la, sim a viagem foi ótima. Quanto ao resto, foi apenas ok.





Ally,– hesitei – você gostaria de, hum, me ver novamente?





A cara de surpresa que ela fez não tem preço! Dei uma risada enquanto estudava sua reação passar de atônita para confusa para contente? E para confusa novamente. Depois de alguns longos segundos ela respondeu lentamente.





Você... está meio estranho hoje... aconteceu alguma coisa?





Aconteceu sim, eu descobri que estou gostando de você e estou feliz em falar com você hoje e vê-la tão linda e tão... Roger, concentre-se!





Err, não, nada demais... e então, você não respondeu minha pergunta.





Essa é uma pergunta genérica ou... você está falando sério? – Ally questionou desconfiada.





– É sério, quero saber se você gostaria de me ver novamente.





– É claro que eu gostaria de ver você. Mas é uma coisa meio improvável, por isso perguntei se você estava falando sério. Por que eu poderia responder com duas possibilidades distintas: uma realisticamente hipotética e outra romanticamente hipotética.





Agora quem ficou confuso fui eu. Como pode haver tantas possibilidades quando se trata de dizer se ela quer ou não me ver?





Dá para você explicar essas possibilidades?





­- Ok. - Ela hesitou um pouco antes de começar a falar. – Bem, em uma possibilidade realisticamente hipotética, a única forma de eu poder ver você seria se eu fosse a algum lançamento dos seus filmes nos EUA ou na Inglaterra, ficar acampada o dia inteiro na fila próximo ao tapete vermelho, sendo empurrada e passando fome até que você finalmente aparecesse e passasse apressadamente cumprimentando os fãs, dando autógrafos, tirando fotos, e depois seguiria seu caminho. Eu poderia ver você por aqueles três segundos e só. Mas que sentido teria fazer isso? Viajar para outro país para ver você por alguns segundos, sem poder conversar, olhar nos seus olhos, nada. Nesse caso, eu diria que não, eu não gostaria de ver você. Preferia ficar em casa e ver seu rosto na TV em HD, passar, voltar e parar minhas cenas favoritas e repetir quantas vezes eu quisesse ouvir falando a mesma coisa. Essa é uma possibilidade real, mas inviável.





Quanta ponderação sobre uma coisa tão simples! Se bem que, ao receber a notícia sobre o trabalho no Rio, a única coisa que consegui pensar a princípio foi exatamente isso. Que tipo de idiota sou eu para esperar que uma garota viaje para outro estado só para me ver passar rapidamente na sua frente na frente do hotel ou no evento que eu fosse comparecer? Roger, você é um otário vacilão.





Nossa, você é BEM realista mesmo! – Exclamei embaraçado – Mas concordo, tem toda razão. É o que acontece mesmo, infelizmente não tenho como dar a atenção merecida a todas as pessoas que vão me ver.





Encolhi os ombros me sentindo culpado por involuntariamente fazer minhas fãs passarem por isso e envergonhado por ter feito uma pergunta tão presunçosa. Mas eu precisava saber se ela realmente gostaria de me ver, caso contrário nem me atreveria a fazer a proposta que eu estava prestes a fazer.





Ally espelhou meu movimento, encolhendo os ombros também e respondendo de forma apologética.





É que tenho essa natureza meio prática, sabe? Analiso a situação e, se vejo que é impraticável, não me iludo e nem perco tempo tentando o impossível. Deve ser meu ascendente em Virgem falando mais alto.





– Está coberta de razão. – Sorri, encorajando-a a continuar falando. – E quanto à outra possibilidade?





Ally concentrou-se, sorriu levemente e começou sua explicação solenemente:





Uma possibilidade romanticamente hipotética seria se eu tivesse a sorte de encontrar com você em algum lugar onde pudesse conversar um pouco com você, que você percebesse de fato minha existência e que nós pudéssemos desfrutar a companhia um do outro, nem que fosse por algumas poucas horas. Isso valeria a pena, mas como eu disse é uma hipótese romântica, impossível de acontecer.





Tive que piscar algumas vezes e fechar a boca para depois exprimir alguma reação por que eu estava completamente fascinado pelo modo como ela pensa e se expressa. Eu poderia ficar o dia inteiro a ouvindo falar sobre qualquer assunto. O modo sincero como ela diz o que pensa e sente me desarmam completamente. Mas agora era a vez dela ficar impressionada com o que eu tinha a dizer. Eu mal podia me conter, estava ansioso para contar a novidade maravilhosa, mas ao mesmo tempo estava morrendo de medo de receber uma resposta negativa, afinal ela acabou de deixar claro que não perderia seu tempo em uma tentativa ridícula de me ver por três segundos.





Mas meu plano era mais otimista do que isso. Ela não tinha como dizer não. Procurei fazer a proposta como um homem de negócios oferece uma parceria vantajosa para outro homem de negócios.





E o que você acha de uma possibilidade realisticamente romântica?

 

 




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Notas finais do capítulo

Hahaha sacanagem terminar o capítulo assim né? E então, o que acharam? Deixem suas impressões e, por favor, compartilhem a história!
Beijos, amo vocês. ♥