Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 40
Conspiração




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- Acha mesmo que esse moleque vai conseguir? – o traficante perguntou para seu capanga que também esperava na calçada. Era mais de onze da noite, a rua estava deserta e escura.
- Ele disse que ia ser fácil.
- É bom mesmo, senão mando estourar os miolos dele!

Minutos depois um carro apareceu na esquina e foi diminuindo a velocidade até parar ao lado deles.

Ricardão sorriu ao ver o belo Audi que parecia novo. De dentro dele, saltou um rapaz meio dentuço e de boa aparência.

- Rapaz, gostei de ver. Você é bom mesmo!
- Valeu.

Um dos capangas levou o carro dali, que já tinha destino certo numa oficina de desmanche e o traficante levou Titi para dentro do seu apartamento onde eles podiam conversar a vontade.

- Quando o Gil falou de você, eu não botei muita fé não, mas parece que você leva jeito pra coisa. Quantos anos você tem mesmo?
- Vou fazer dezoito no fim do ano.
- Tá quase no ponto. Você sabe que isso aqui não é pra pirralhos, então é bom você trabalhar direito.
- Pode deixar.

O sujeito foi até a cozinha e voltou com uma lata de cerveja em cada mão, dando uma ao Titi.

- Agora vamos conversar. Talento eu sei que você tem, mas e o resto da sua turma? Como fica?
- Vou deixar de andar com eles.
- Isso eu sei. O que quero saber é se dá pra aproveitar mais alguém. Aquele do cabelo espetado deve ser da sua idade.
- O Franja? Pffff! Aquele ali é um nerd bobalhão que só tá andando com a gente porque faz o dever de casa da Magali.
- Já vi que você é o único que presta. Agora me fala uma coisa: o que os outros fariam se acontecesse alguma coisa com aquela garota valentona?
- A Magali? Sei lá, acho que cada um ia seguir pra um canto. Eu nem sei por que eles ainda andam com ela. Antes era por causa do Tonhão. Hoje eu não sei.

Ricardão pensou um pouco e tornou a perguntar.

- Acha que eles iam querer se vingar ou coisa assim?
- Se vingar de quê?
- Responde minha pergunta.
- Acho que não, sei lá! Às vezes penso que eles querem é pular fora de vez da gangue!
- Querem, é?
- É. O Franja gosta de uma patricinha que não dá bola porque ele anda com a gente. O Cascão tá desanimado com a vida e não quer saber de mais nada.
- E a ruivinha? Achei que fosse sua namorada.
- Mais ou menos. A gente tem um rolo que tá meio caído ultimamente. Ela anda mais com a Magali, mas acho que ia preferir ser patricinha como as outras.
- Sei. Então não tem perigo nenhum dos outros moleques fazer nada?
- Er... não...
- Beleza. Então já é!
- É o quê?

Ricardão deu um sorriso maldoso e falou.

- Escuta, por acaso você não gostaria de dar uma lição naquela magricela?
- Lição? Como assim?
- De repente a gente poderia fazer uma festinha com ela!

Levou um tempo até que ele entendesse o que o outro queria dizer com “festinha”. Aquilo pareceu ao mesmo tempo excitante e assustador.

- Você vai mesmo...
- Sim, eu vou. Por causa dela, três caras do meu bando foram presos. Isso não pode passar batido.
- E a droga que ela tá vendendo?
- Muito arriscado deixar esse bagulho na mão dela e não tá rendendo grande coisa. Mas deixar passar batido eu também não posso, então tenho que aplicar algum castigo nela.
- Tá, só que foi o Tonhão que aprontou. Ela nem tava sabendo de nada!
- Deixa eu te ensinar uma coisa, moleque. O chefe de um bando é responsável por tudo o que acontece. E um bando não mexe com outro, simples assim. Se ela não foi capaz de manter todo mundo no cabresto, então tem que pagar por isso. Você não vai amarelar, vai?

O sujeito remexeu no sofá, mostrando que tinha um revólver na cintura. Titi viu na mesma hora o que ia acontecer caso ele continuasse discordando do traficante.

- Não, não vou. Ela merece uma lição mesmo. Mas...
- Mas o quê?
- Você vai matar ela?
- Matar? Não. Isso pode dar rolo pro meu lado. A gente vai fazer uma festinha durante a noite e soltar ela de manhã. Aquela ali vai aprender a lição e ficar tão apavorada que nunca mais vai mexer onde não deve outra vez.

Titi ficou mais aliviado ao saber que Magali não seria morta. Não lhe passava pela cabeça que de qualquer forma, aquilo era algo hediondo e covarde de se fazer. Ele não era capaz de avaliar a dor pela qual Magali ia passar nas mãos daqueles animais.

- Quando vai ser?
- Assim que ela terminar de vender o bagulho, você vai junto com ela entregar o dinheiro. Aí a gente pega ela, leva pra um barraco e pronto. A festa tá pronta. Vai ser fácil e se você fizer tudo direito, vai poder se divertir um pouco também.

O rapaz foi embora dali pensativo. Era certo fazer aquele tipo de coisa? A surra que ele tinha levado da Magali voltou a sua cabeça, enterrando temporariamente qualquer vestígio de culpa. Não, ela merecia aquilo depois de tudo o que tinha feito com ele e o resto do grupo. Durante anos eles foram aterrorizados por ela, estava na hora de acabar com aquilo de uma vez. Era a sua chance de se livrar da Magali e de quebra os outros iam ficar livres também.

Era hora de mudar de vida. Ele queria algo maior, mais lucrativo e emocionante do que passar a vida importunando os bobalhões e roubando o dinheiro do lanche deles. Andar com Magali era muito limitado. Ela os aterrorizava e não dava nada de bom em troca.

Os outros iam ficar até melhores sem ela e ele ia conseguir algo mais lucrativo. No fim, todos iam sair ganhando.

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Quando chegou da escola, Nimbus guardou seu material e foi para o quarto do irmão.

- Ô DC! Você tá vivo aí?
- Não enche!
- Cara, você não pode continuar matando aula desse jeito, senão a mãe vai ficar sabendo!
- Só se você contar!

Depois do fiasco daquela noite, DC não conseguia encontrar coragem para voltar ao colégio. Aproveitando que sua mãe trabalhava fora e só voltava em casa a noite, ele resolveu dar um tempo esperando que a poeira baixasse um pouco e assim ele pudesse voltar ao colégio.

- Uma hora você vai ter que voltar, cara. Senão eles vão ligar cá pra casa e falar tudo pros nossos pais. Aí você tá fodido da silva!
- Eu não vou ficar fora tanto tempo assim, só o suficiente. Fala aí, o que o pessoal andou comentando lá na escola?

Nimbus sentou-se na beirada da cama e contou sobre as fofocas que tinha ouvido.

- Rapaz, o pessoal tá boladaço com você!
- Bolado por quê? Eu falei que não era o tal herói! Vocês acreditaram porque quiseram acreditar!
- Só que depois você mudou e falou que era ele e até apareceu fantasiado na festa da Carmem, esqueceu? No início você tava falando a verdade, mas depois mentiu na maior cara dura!
- Ah, não enche! Eu achei que não ia ter problema nenhum, tá legal? O tal herói nunca aparece, nunca dá as caras, então eu resolvi aproveitar e pronto!
- Dã! Achou mesmo que ele ia deixar barato?

DC cobriu a cabeça, sentindo-se mais irritado ainda. Certo, aquele plano foi realmente ridículo, não tinha nenhuma desculpa.

- E a Mônica? Parece que ela tem um lance com o herói. Será que ela sabe quem é?
- Se sabe, até agora não falou pra ninguém. Ela tem andado muito com o Cobaia ultimamente.

Ele descobriu a cabeça e sentou-se na cama fazendo uma cara esquisita. Nimbus logo reparou.

- O que foi? Que cara é essa?
- Sei não, é que eu tava pensando numa coisa aqui...
- Pensando o quê?
- Qual é a última pessoa daquele colégio de quem você iria desconfiar? Quem é que tem menos chances do que todo mundo de ser o herói mascarado?

Seu irmão ficou pensando um pouco e como não tinha conseguido responder nada, DC voltou a falar.

- A Mônica tem alguma coisa com o herói, que parece gostar dela.
- E?
- Acontece que ela tem andado muito com o cobaia do Cebolinha. Você não acha isso muito estranho?

O rapaz acabou entendendo onde o irmão queria chegar, mas achou aquilo bem absurdo.

- Fala sério, você tá viajando mesmo, heim? O Cobaia ser o herói mascarado? Em que planeta? Aquele ali é cagão demais pra fazer esse tipo de coisa.
- Isso é o que todo mundo pensa.
- Se o Cebolinha tivesse peito pra enfrentar Magali e sua turma, acha mesmo que ele ia ficar apanhando todo dia dela? Que nada, ele já teria dado um jeito nela a muito tempo!
- Vai ver ele resolveu fazer alguma coisa só agora. Pensa comigo, Nimbus: ele se faz de herói, enfrenta a Magali, conquista o respeito de todos e acaba por cima quando todo mundo souber que o herói é ele!Faz ou não faz sentido?

Nimbus balançou a cabeça dando um risinho de deboche e continuou.

- Faria sentido se não fosse por um pequeno detalhe.
- Que detalhe?
- Primeiro: O herói é forte, tem atitude e estilo. O Cebolinha não passa de um fracote magricela. E tem mais uma coisa.
- O quê?
- Seu mané, esqueceu que ele troca as letras?
- ... – Ele tinha esquecido daquele pequeno detalhe.
- O herói fala direito, cara, e com voz de macho e tudo! Aquele ali, coitado, troca as letras e ainda fala feito um bobalhão! Não tem como ele ser o herói.

DC ficou cabisbaixo, pensando no que o irmão tinha falado.

- Vou descer pra esquentar o almoço pra nós, mas amanha você vê se dá um jeito de voltar pra escola, tá legal?
- Tá, tá. Credo, parece a nossa mãe!

Nimbus desceu e DC ficou ali pensando em tudo o que eles tinham conversado. Claro que o problema de fala do Cebolinha o confundia bastante, mas ainda assim havia fortes suspeitas. E se ele tivesse arrumado um meio de conseguir falar direito? Ainda assim muitas coisas não se encaixavam, mas ele decidiu que ia investigar de qualquer jeito. Ele ia desmascarar o herói e acabar com a raça dele sem a menor piedade.

- Esse desgraçado filho da mãe tá ferrado! – Ele falou consigo mesmo cerrando os punhos com raiva.

__________________________________________________________

Mônica saiu da academia feliz por ter conseguido ir bem nas aulas. Que coisa mais estranha aquela... tantas lembranças, memórias e coisas que ela tinha aprendido sem ter vivido nenhuma daquelas experiências. Era uma sensação nova e até muito boa.

Ela conseguia tocar piano, lutar taekwondo e até se lembrava das regras de etiqueta das quais sua mãe fazia tanta questão. As coisas estavam ficando cada vez mais fáceis naquele mundo. E tudo parecia estar indo bem.

Dois dias se passaram desde a festa e tudo parecia estar indo bem entre ela e o Cebola, apesar de eles não estarem namorando. Como estavam as coisas entre eles? Ela ainda não sabia. O que ele estava esperando para pedi-la em namoro? Seu desejo era ir embora daquele mundo e deixar seu duplo namorando com ele. Assim tudo ia ficar perfeito.
 
“Ela tem muita sorte, viu? O Cebola daqui não é tão complicado quanto o de lá! Aff! Hã? O que ela tá fazendo aqui?” de repente, ela tinha visto Magali andando na calçada com duas sacolas nas mãos. Ela parecia distraída e não tinha notado sua presença. Como não tinha mais nada para fazer naquela tarde, Mônica resolveu segui-la.

As duas andaram alguns quarteirões até alcançarem uma grande casa onde tinha uma placa na entrada.

“Adote um gatinho?” O que Magali estaria fazendo num lugar como aquele? Como a casa estava aberta e com um movimento razoável de pessoas, Mônica acabou entrando e continuou observando Magali a distância.

- Oi, D. Sandra. Trouxe umas coisas pros gatos.
- Oi, Magali! Obrigada, eles estão sempre precisando!

A mulher checou o conteúdo da sacola, que eram pacotes de ração para gato. Depois Magali foi mais para dentro da casa e sentou-se no sofá com um gato no colo. Sua fisionomia estava mais suave e menos endurecida que de costume. Certamente era um lado dela que Mônica não conhecia. Quer dizer, não conhecia naquele mundo, mas era bem mais próximo da sua amiga original.

Como não queria ser vista ali, ela resolveu sair da casa e esperar que o duplo da sua amiga saísse também. Meia hora depois, Magali saiu da casa em direção ao ponto de ônibus e Mônica foi atrás dela.

- Magali!

A outra levou um susto e logo assumiu sua postura hostil e agressiva.

- Tá querendo o quê? Arrumar encrenca?
- Que nada, calma aí! É que eu vi você saindo daquela casa.
- O que você tem com isso? Vai cuidar da sua vida!
- Eu heim! Que raiva é essa? Só quero conversar, não vou morder não!
- Não quero conversar com uma burguesa filhinha de papai que nem você.
- O que você tem contra mim? Anda, fala logo! A gente precisa resolver isso!
- Você é louca por acaso? A gente não tem que resolver nada!
- Eu só quero te ajudar!
- Desde quando eu preciso da sua ajuda? Se liga, tá legal? Volta lá pras suas porcarias de maquiagem e me deixa em paz!

Mônica perdeu a paciência e segurou o braço da valentona, fazendo com que ela se debatesse com raiva.

- Me deixa em paz, que droga! Já disse que não quero conversar com você! – Magali falou tentando se soltar. Era impressionante como aquela garota era tão forte.
- Mas EU quero conversar. Olha aqui, você tá muito ridícula se comportando desse jeito, ouviu?
- Ridícula é você, que fica babando pro cobaia do Cebola! Por acaso você sabe o que ele me fez?
- Sim, eu sei. Sei que ele errou, aprontou e te fez sofrer muito.
- E ainda fica do lado dele? Se quisesse mesmo me ajudar, ficaria CONTRA ele!
- Não é assim que a gente resolve as coisas, viu? Olha, eu também era muito zoada na infância, você nem imagina o quanto!

Resumidamente, Mônica contou a Magali as gozações que sofria dos garotos. Ela ouvia tudo em silêncio, se identificando com várias coisas.

- E o que você fazia com eles?
- Eu batia em todo mundo.
- Então você me entende! As pessoas só te respeitam se você der muita porrada!
- Não! Isso não é respeito, é medo!
- Dá no mesmo! Ninguém nunca mais mexeu comigo de novo!
- E nem comigo, só que eu não usei força bruta, aprendi a fazer de outro jeito.
- Blé, isso pode ter funcionado com você, mas comigo não rola! Se eu amolecer, todo mundo vai montar em cima!
- É disso que você tem medo? Magali, deixa de ser boba! Você não precisa sair batendo em todo mundo pra ter respeito!
- Preciso sim! Eu não vou deixar ninguém ficar zoando comigo que nem antigamente!

Aquela garota parecia ter a cabeça bem dura. Como convencê-la de que havia outras formas de ser respeitada sem partir para a violência?

- Magali, se você me der uma chance, eu posso te ajudar!
- Vai a merda, tá legal? Eu não preciso e nem quero sua ajuda, sei me cuidar sozinha!
- Precisa sim, dá pra ver que precisa! Larga de ser teimosa, criatura!

Magali viu seu ônibus chegando e resolveu por um fim naquela conversa. Ela deu o sinal para que o veículo parasse e antes de embarcar, falou para Mônica.

- Larga do meu pé, valeu? Eu não quero sua ajuda e nem a de ninguém! Sei me cuidar sozinha. Se me encher o saco de novo, quebro sua cara! Eu também sou forte e bato muito bem!

Ela embarcou e não teve como Mônica segui-la. Ela só pode olhar o ônibus se afastando sem poder fazer nada.

- Droga... o que eu faço pra ajudar essa teimosa?



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