Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 25
Lembranças podem doer




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Após olhar a geladeira pela décima vez, Magali finalmente se convenceu de que não tinha nada para comer. Sua mãe ainda não tinha voltado do supermercado e todo o estoque de comida tinha acabado. Não tinha mais nenhuma fruta, doce, biscoito ou bolos. Os pãezinhos que o Quim tinha lhe dado também acabaram.

— Ai, que fome! – ela reclamou esfregando a barriga e consultou o relógio. Ainda era cedo e sua mãe ia demorar para chegar.

Ao ver que não tinha outra alternativa, ela pegou os trocados do seu bolso e contou cada moeda pensando no que daria para comprar com aquele dinheiro. Talvez um doce ou algumas balas. Pensando nisso, ela correu para a loja de doces o mais rápido que pode. Seu estômago doía cada vez mais e sua boca salivava constantemente.

Assim que colocou o pé na loja, uma gostosa mistura de cheiros invadiu suas narinas. Cheiro de balas, doces, pipocas, chocolate e vários outros que eram um verdadeiro perfume para ela. Após dar uma rápida olhada ao redor, por fim ela decidiu.

— Oi, seu Zeca. Me dá isso aqui de balas? – ela falou colocando as moedas no balcão. Chupando cada bala bem devagar, ela imaginou que ia conseguir disfarçar melhor a fome até sua mãe chegar com a comida.
— Deixa eu ver... aqui está.– ele contou rapidamente as moedas e logo colocou algumas balas nas mãos dela. Será que dava para sobreviver até o almoço com apenas seis balas?

Um homem entrou na loja carregando um grande saco de cimento, atraindo a curiosidade da menina.

— O que ele vai fazer com o cimento?
— Estou reformando o depósito da loja para dar mais espaço.
— Ah, tá.

Magali já ia saindo quando eles ouviram o barulho de algo se quebrando lá nos fundos da loja.

— Porcaria! – Seu Zeca saiu do balcão rapidamente, desaparecendo no fundo da loja. Então ela percebeu que estava totalmente sozinha e sem nenhuma alma viva por perto.

O cheiro daqueles doces, mais a visão de tantas coisas deliciosas, fez com que seu estomago roncasse mais alto do que nunca. E se ela pegasse um doce? Não, aquilo era errado. Mas ela estava com tanta fome! Um só, apenas um e pronto. Seria só aquela vez e nunca mais. Era uma situação de emergência e no fundo ela sabia que aquelas balas não iam resolver seu problema.

Outro barulho forte veio lá dos fundos, seguido de muitos praguejamentos do seu Zeca indicando que ele estava muito distraído para saber o que se passava na loja. E não havia ninguém ali, já que o horário era de pouco movimento. Sem ninguém para vigiar, sem testemunhas... o que ela tinha a perder?

Por fim ela decidiu e após uma olhada rápida, acabou pegando um pacote de biscoitos recheados que estavam numa prateleira ali perto e saiu rapidamente da loja com o coração palpitando de medo e o rosto queimando de vergonha do seu ato criminoso. Se a fome não fosse tão intensa e dolorosa, ela teria deixado o pacote ali mesmo e ido embora só com suas balas.

Foi um alívio quando ela saiu da loja e viu que ninguém tinha percebido. Ou quase ninguém.

Agola você vilou ladlona? – uma voz familiar falou atrás dela, fazendo seu corpo tremer da cabeça aos pés.
— Deixa só o seu Zeca saber disso! – Outra voz falou e ela deparou-se com Cebolinha e Cascão que a olhavam com os braços cruzados e um sorriso de deboche no rosto.
— É mentira, eu não roubei nada! – ela tentou se defender e Cebolinha retrucou.
Loubou sim que a gente viu, não é Cascão?
— Eu vi com esses dois olhos, ó! – o sujinho confirmou apontando para os seus próprios olhos.
— Não conta pra ninguém não! Eu vou devolver!
— Me dá aqui antes que você come tudo! – Cebolinha ordenou e ela acabou obedecendo.
— Tem mais coisa aí no seu bolso!
— Eu comprei essas balas!
— Tá bom que eu acledito! Agola me dá tudo, senão eu conto plo seu Zeca!

Ela começou a chorar angustiada. Além de ter sido pega no flagra, ela também ia perder as balas que tinha comprado?

— Só isso?
— Aposto que ela deve ter comido o lesto com papel e tudo!
— Comi nada!

Diante dos seus olhos, os meninos dividiram as balas entre eles e Cebolinha abriu o pacote de biscoito, tirando um e comendo prazerosamente sendo imitado pelo Cascão.

— Vocês estão comendo? – Ela perguntou com os olhos arregalados.
— Não, sua tonta! A gente só tá guardando na barriga. Hahaha! – Cascão respondeu com a boca cheia e os dois deram uma risada.
— Eu vou contar pro seu Zeca!
— Vai contar o quê, ô aspilador de comida? Que você loubou os biscoitos e a gente comeu?

Ele estava certo e Magali sabia disso. Para delatá-los, ela teria que confessar seu roubo e aquilo estava fora de cogitação.

— Só que você também não vai poder contar nada!
— Quer apostar? – Cebolinha falou desafiadoramente.
— Se contar, eu também conto que vocês comeram tudo e ainda roubaram minhas balas!
— E você acha que alguém vai acleditar? Nós nem entlamos na loja.
— Todo mundo sabe que você é muito esganada, ninguém vai acreditar em você!
— Seus bobões!

Os dois saíram dali dando risada e comendo os biscoitos, deixando Magali chorando no meio da rua.

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— Cebola? Ai, minha nossa! Você tá bem? – Mônica falou tentando ajudar o rapaz a se levantar. Seu nariz sangrava, o olho estava inchando e um ferimento enorme foi feito no seu lábio inferior.
— Eu tô bem, deixa...
— Deixa nada! A gente vai agora mesmo falar com o diretor, isso não pode ficar assim!
— Faz isso não, por favor! Se a gente dedular, aí é que ela vai acabar comigo!
— Isso não pode continuar assim, você tem que reagir!
— ...

Ela o levou até a enfermaria, mais uma vez. A enfermeira estava até acostumada a vê-la levando o rapaz, muitas vezes amparado por causa da dificuldade para andar.

Feito os curativos, ela saiu por alguns minutos deixando-os sozinhos.

— Tem certeza de que não quer falar com o diretor?
— Tenho. Vai ficar tudo bem, eu plometo!
— Sei não...
— Por favor, confia em mim!

Após hesitar um pouco, ela acabou cedendo diante do olhar suplicante do rapaz. Pensando bem, ela já viu que ele não era tão fraco quanto parecia e foi graças a um plano dele que seu celular foi recuperado. Sem falar que ele tinha conseguido enfrentar toda a gangue da Magali sozinho.

— Tá bom, eu não vou falar nada. Mas olha, você não pode deixar assim não, viu?
— Pode deixar.

Depois que ela saiu, ele deu um sorriso apesar da dor que sentia no lábio. Sim, sim... ele tinha um plano e pretendia colocá-lo em prática nos próximos dias. Bastava esperar por uma boa oportunidade.

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— Caramba, você socorreu o cobaia de novo? – DC perguntou na hora da saída.
— Foi, e daí?
— Daí que você não devia perder tempo com esse Mané.
— Já falei que ele não é nenhum Mané.
— Mesmo? e por que você acha isso? – ele quis saber.
— Porque... ele é inteligente, é isso.
— Blé! Tão inteligente que fica apanhando da Magali todos os dias. Grande coisa!
— Nem vou discutir, minha mãe deve estar chegando.
— Ela ainda não chegou. Olha, Mônica, você é muito legal e tudo, só que não é certo você ficar andando com esse cara! Todo mundo já tá comentando e se continuar assim, ninguém vai querer conversar com você.

Ela ficou com o rosto vermelho de indignação.

— Ninguém tem nada a ver com a minha vida!
— E não tem mesmo, acontece que a gente precisa escolher com quem anda e tem que ser as pessoas certas, entende? As pessoas sempre reparam essas coisas.

Por um instante, ela parou e o encarou visivelmente surpresa.

— Ué, desde quando você liga pro que os outros pensam? Achei que você fosse do contra!

Ele engasgou um pouco e tentou contornar.

— E sou, pode crer!
— Então?
— Er... tipo assim... tem coisa que... que... – ele tentava se explicar e acabou se enrolando todo.
— Tá, deixa isso pra lá. Minha mãe chegou, tchau.
— Tchau...

O rapaz ficou olhando enquanto ela entrava no carro. Que porcaria, por que ela tinha que ser tão teimosa? No início até que tinha sido divertido, mas agora ele estava começando a ficar cansado com tanta teimosia. Ela só fazia o que queria e não escutava ninguém. Uma garota não podia ser desse jeito.

— Ih, já vi que ela não tá nem aí pra você, né?
— Não enche, Carmem.
— Ai, que jeito de falar! Eu só fiz um comentário, viu?

DC procurou se acalmar e teve uma idéia.

— Escuta, você é amiga da Mônica, não é?
— Eu? Nós somos apenas colegas de sala, se é isso que quer saber.
— Ah, que pena... é que eu tava precisando de alguém pra ficar de olho nela, saca?

Carmem se ofendeu.

— E você vem pedir isso logo pra mim?
— Calma, gatinha, não é isso que você tá pensando!
— É o quê então?

Ele olhou para os lados, como que verificando se alguém estava escutando e falou.

— Eu estou muito preocupado de ela saber um certo segredo meu e acabar contando pra Magali.

Os olhos dela se iluminaram ao imaginar que segredo era aquele.

— Ai meu santo! Então você é o...
— Ô, abaixa o volume aí! Quer que todo mundo fique sabendo?
— Foi mal. Nossa, que emoção! Você enfrentou a Magali de verdade!
— É, é. Só que agora eu tô achando que a Mônica desconfia de mim. Ela vive tentando ser amiguinha da Magali e pode acabar me dedurando.
— Que horror!
— Então eu preciso que você fique por perto pra ver se ela sabe mesmo de alguma coisa, entende?
— Claro, fofo! Eu vou ficar grudada nela, você vai ver.
— E não conta nada pra ninguém não, tá? Nem pras suas amigas. Você promete? – Ele perguntou dando seu melhor sorriso e segurando a mão dela, fazendo-a derreter toda. Daquela vez seu instinto fofoqueiro teria que ser domado a todo custo.
— Está bem, eu prometo. Pode deixar!
— Beleza. E qualquer dia desses, quem sabe a gente não pega um cineminha!
— Ui, nem acredito!

Ela estava tão empolgada que não percebeu um brilho maldoso nos olhos dele.

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No caminho de casa, Magali ia chutando uma lata enquanto remoia toda sua revolta. Todas as vezes que aquelas lembranças assaltavam sua mente, ela sentia uma raiva tão grande que só era amenizada depois de uma boa surra no Cebolinha. Aquele cretino ia pagar pelo que tinha lhe feito nem que isso levasse a vida toda.

Por causa de um erro, um único erro, toda sua vida fora estragada. E tudo por culpa dele.

 


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