Warning escrita por leth


Capítulo 1
Capítulo 1 Uma morte. Um funeral. Um rapaz.




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O vento ecoava nas janelas da Rua dos Oitis. Em uma casa avermelhada, com grandes portas na entrada, tinha uma jovem lendo seu livro favorito, The book Thief. Estava com os olhos semicerrados, atentos ás paginas. Sua mãe cozinhava no andar de baixo, seu irmão mais novo estava com grandes fones de ouvido ás alturas no quarto ao lado, e seu pai ainda não havia chego. Tudo estava tranqüilo, um dia comum. O sol já ia embora, e logo a lua surgiria. Susan, a jovem leitora, marcou a página do livro com uma folha de carvalho seca, e o fechou. Apoiou o livro na cabeceira ao lado, se espreguiçou, calçou seus chinelos almofadados e desceu para ver se a mãe queria ajuda. Sua mãe disse que não precisava, então ela retornou ao seu quarto no andar de cima. Fechou a porta e se sentou na poltroninha cor de creme em frente á uma mesa de vidro onde ficava apoiado seu notebook. Abriu-o e foi ver alguns vídeos. Minutos de tédio depois, abaixou a tela e foi cantar em frente ao espelho de seu banheiro. Fazia caretas, rindo de si mesma. Parou minutos depois. E ficou se encarando no espelho, e depois olhando ao redor.

- Tão solitário... – sussurrou. – É. – tornou a sussurrar.

Deitou na cadeira que ficava na sacada de seu quarto, e pegou o celular...

Ligo... ou não? – ficou pensando. Mas antes que pudesse decidir, o próprio tocou. Deu um salto assustado, e então riu. – Que coisa. – pensou.

Na tela do celular o nome Markus brilhava.

- Alô? – disse, tremula. Sua barriga estava muito agitada, parecia até que ela tinha um motor dentro de si mesma.

- Oi, hm. Susan? – a voz do outro lado da linha perguntava

- Sim... Oi Markus. – dizia Susan como quem não quer nada, mas suas vontades eram com certeza outras.

- Então... to te ligando pra saber se você tá legal.. sabe... não nos falamos desde aquele outro dia, e eu pensei também em ver se você... ér... queria ir ao cinema comigo, sei lá.

- Ah... sim eu to bem... e você? Ah sim, aquele dia na lanchonete... sabe, sinto muito mesmo por ter derrubado meu chá em você, não foi minha intenção... você sabe.

- É, eu sei. Você não faria isso de propósito... eu sei. Mas e então, gostaria de ir ao cinema comigo? Ou se você não tiver interessada em nenhum filme, poderíamos ir comer alguma coisa, pode ser ai perto da sua casa mesmo, para sua mãe não brigar com você sabe.

- Ah... sim. Claro, eu adoraria. Só preciso ver se minha mãe vai deixar. Bem... eu te mando um torpedo, pode ser? – Dizia Susan. Estava calma por fora, mas por dentro, seu corpo borbulhava feito vulcão... e parecia realmente que ela iria entrar em erupção á qualquer hora.

- Sim, claro. Eu espero seu torpedo então... espero que ela deixe. Bem, vou desligar então, é... espero que ela deixe... novamente. – disse Markus, todo atrapalhando... sua voz estava engraçada e falhando. – Abraço. – Ele disse por fim, e desligou.

Susan não conseguia conter tanta felicidade repentina. Suas bochechas estavam coradas. Apoiou o celular na cadeira e desceu correndo para pedir á mãe.

- Oi mamãe. Eu gostaria de saber se eu bem... poderia ir no cinema com um amigo... eu estou mesmo afim de ver um filme bem legal que está pra lançar...

- Susan... é aquele menino do chá? O tal Markus? Você sabe que eu não quero que você saia por ai com qualquer um, namorando... você é muito nova.

- Mãe... eu tenho quatorze anos e eu... bem, não namoro ele. Eu só vou sair com um amigo, que mal há nisso? – Disse a menina, quase gritando.

- Gostaria que você não falasse comigo deste jeito... mas prometo pensar no seu caso. – Disse a mãe, contento um sorriso ao ver o rosto radiante da filha.

-  Obrigada mãe, você é dez! – disse a menina, dando um beijo no rosto da mãe e saindo correndo pelas escadas.

Já eram quase dez da noite quando Susan resolveu descer para jantar. Aconchegou-se no sofá forrado, deu um longo gole na sua coca-cola e deu uma garfada no strogonoff. Nem viu seu irmão entrar na sala e sentar ao seu lado, também com um prato de comida na mão. Sua mãe já estava na cama, esperando o pai voltar do trabalho.

- Estranho... papai ainda não voltou. – Disse Susan.

- É... deve está com a outra. – brincou seu irmão mais novo, Dimas.

- Não brinque Dimas... é sério. Estou preocupada, ele já deveria estar aqui... ele normalmente chega ás oito. Porque hoje ainda não chegou? A mamãe já tentou ligar e o celular dele só dá fora de área. É de preocupar, você não acha seu filho desnaturado?

- Ah por favor Su, não dê uma de dona Ester. Você no fundo sabe que ele tá bem... pode ter sido um imprevisto no trabalho, ou um transito perturbador. Você sabe, essas coisas acontecem com freqüência, ok? – Dizia Dimas enquanto acompanha com olhares sua mãe descer as escadas e ir até a cozinha pegar água.

- Tá, mas... – mas sua frase foi interrompida por um soar estranho ao lado de fora.

A campainha tocou,  e a mãe de Susan foi atender a porta.

- Pois não? – perguntou, apoiada na porta, fitando os policiais nos olhos.

- Oi... você é a Ester Vandergeld? Esposa do Sr. Vandergeld?

- Sim... sou eu. Porque? – perguntou, aflita

Susan e Dimas tentaram ouvir o que o homem falava, mas a mãe fechou a porta impedindo que eles escutassem algo.

- O que será que aquele cara está falando do papai? – perguntou Dimas, curioso

- Eu não to com um pressentimento bom, Di. – Disse Susan, com uma forte dor no peito. – Aconteceu alguma coisa de errado. – Ela disse,  indo em direção á porta.

Abriu. Viu a mãe aos prantos.  Nem precisou perguntar o que tinha acontecido, ela já sentia. Apoiou seu rosto nas mãos e disparou a chorar. O policial as fitava com os olhos caídos, tristonhos.

- O quê aconteceu? – perguntou Dimas, ao ver a irmã chorando nos degraus da entrada. – Ei Susan, o que... – perguntou, confuso.

- Vamos lá pra dentro Dimas, a mamãe vai resolver uns negócios... eu te explico lá. – disse Susan enxugando as lágrimas dos olhos. Abraçou a mãe de leve, e entrou apoiando-se no irmão.

Eles não acreditavam. Susan não podia crer. Dimas estava catatônico. Não conseguia fazer nada. A não ser fitar a parede.

 

 

 

Os três – mãe, filho e filha- estavam reunidos no sofá da grande sala de estar. Os três custavam a acreditar que o grande “herói” da casa tinha acabado de sofrer um acidente... e o pior, não tinha sobrevivido. Ele parecia ser tão... forte. Todos achavam isso.

- O que iremos fazer agora, mãe? – perguntava Dimas

- Eu não sei querido. Isso tudo ainda está confuso para mim...

- Mãe, eu não quero ficar aqui. Nessa casa. Eu não quero mãe, não quero – Susan dizia, repetidamente, entre soluços.

- Tudo bem querida... nós podemos... sair, ok? Nós podemos fazer uma grande viagem, por aí. Pelo mundo... – a mãe tentava animar os filhos.

- Mãe, eu estudo.  – Dimas retrucava. – Por mais que eu odeie a escola, não posso abandonar tudo,  certo?

- Eu não to nem aí de abandonar essa droga de cidade.  Aquela porra de escola. Por mim, tanto faz. – Resmungava Susan, enquanto cravava as unhas grandes e pintadas de preto no sofá.

- Nós podemos ir morar... na china... quem sabe? – sugeriu a mãe.

- Mãe, o que diabos faremos morando na China? – indagou Susan, aborrecida.

- Moraremos com seus avós... pode ser? Eles sentem tanta falta de vocês... e nós não agüentaremos mais ficar aqui.. podemos partir essa semana mesmo... sem levar nada, apenas nós.

- Nossa mãe, o papai acabou de morrer e você já está pensando em uma vida nova? E o enterro dele, você não está preocupada com isso? – Perguntava Dimas, desconfiado.

-  Querido, eu não vou querer enterrar seu pai. Seria insuportável pra mim. E não quero que vocês tenham que passar por isso.

- Mãe, eu só vou depois que eu enterrar meu pai. Você pode ir antes e levar o Dimas. Eu irei depois. – Afirmava Susan, com um ar de quem não queria ser contrariada.

- Filha, você só tem quatorze anos, você não vai viajar sozinha... pra china. Nem pense nisso, ok?

- Mãe... eu não sou uma criançinha. Eu não só posso fazer isso, como eu vou. – retrucou Susan.

- Você não vai fazer isso, e não me responda, sua ingrata! – Berrou a mãe, e estapeou Susan na cara.

Susan virou o rosto, colocou a mão na bochecha recém estapeada e gritou “VAI PRO INFERNO, VACA” e subiu as escadas correndo. A mãe sentou-se no sofá, apoiou as mãos nos joelhos, e passou a fitar a parede.

 

 xx

 

- Ele era um grande homem. – Dizia Markus á Susan.

- É, ele era. Esse é o problema. ERA. – respondia Susan, indignada.

 

Era o dia do enterro de seu pai. Somente alguns amigos tinham comparecido. Dimas tinha convencido a mãe a ficar e enterrar o pai junto de sua irmã. Elas ainda não tinham se entendido. Susan evitava ao máximo falar com a mãe. Algo nela estava diferente. Ela parecia nem ligar para o pai morto. E essa idéia ridícula de ir pra China? Tudo bem que ela não queria mais ficar ali... mas a China era muito longe.

O enterro já estava no fim, e Susan estava conversando com Markus enquanto sua mãe e Dimas cumprimentavam algumas pessoas. Patético, pensava Susan.

- Me passa o endereço de onde você vai ficar... o telefone. Tudo. – Dizia Markus. – Eu preciso me comunicar com você, eu quero você, Susan.

- Ok, eu vou anotar em um papel e vou te dar... Markus. – Respondia Susan, fingindo não escutar que ele acabara de dizer que a queria.

- Obrigada. – Markus agradeceu, e deu um beijo em seu rosto, e pegou um papelzinho que estava em seu bolso e entregou pra ela. – Procure uma caneta... e anote para mim, por favor.

- Hm... Tá ok. – Susan respondeu, e saiu procurando por uma caneta. – Oi, com licença, o senhor por acaso teria uma hmmm... Caneta? – Susan perguntou ao cara que estava sentando perto de uma saleta vazia.

Os olhos do rapaz eram de um negro absoluto. Estavam brilhando. Talvez de lágrimas. Sua roupa estava amarrotada, e seus sapatos estavam sujos de lama. Ele fitava sem piscar para a sala vazia á sua frente. Talvez alguém próximo havia estado ali.

- Com licença, senhor... eu gostaria de saber se o senhor tem uma caneta para me emprestar. – Perguntou Susan denovo. Mas o rapaz não respondeu. – Ah, deixa pra lá. – Ela murmurou e saiu andando em busca de uma caneta.

Quando estava próxima ao portão de entrada, indo até a “recepção” ver se alguém de lá tinha uma caneta, o rapaz que a havia ignorado surgiu ao seu lado e lhe estendeu a mão. Nela, havia uma caneta.

- Aqui está. – Ele disse, e tornou a voltar para dentro.

- Obrigada. – Susan gritou para o rapaz conseguir escutar.

Anotou o endereço de onde ficaria, mas não anotou telefone. Ela não sabia ao certo qual era. Procurou por Markus, e quando o encontrou, lhe entregou o papelzinho, e disse que se quisesse ligar para ela, para que ligasse para o celular. Deu um breve abraço nele e seguiu para o carro, para ir para o aeroporto.

- Ei, calma, Susan. – Dizia Markus, correndo atrás da menina. – Eu queria... dizer que... sinto muito. Não tive a oportunidade de dizer isso antes, mas bem... sinto muito mesmo. – Tornou a repetir.

- Ah, ok. Obrigada, eu acho. Hm... tchau então. – ela disse e atravessou o jardim do cemitério.

Markus a olhou entrar no carro. Depois olhou para o céu cinzento. Algumas folhas percorriam por ali perto. Estavam secas. Como tudo por ali. Nada estava bem. Sua amada estava indo para a China e ele nem teve coragem de dizer á ela o que sentia. Estava parado ali, pensando, quando foi interrompido pelo mesmo cara que deu uma caneta á Susan.

- Ela esqueceu de devolver minha caneta. – Ele disse, com as mãos fechadas, nas costas.

- Ah, o quê? Desculpe, eu te conheço? – Perguntou Markus, confuso. O rapaz que lhe interrompia de seus pensamentos parecia ter aproximadamente uns dezenove anos. Estava usando um sobretudo por cima da roupa amarrotada, dessa vez. Seus cabelos oleosos caiam por sob o rosto pálido.

- Não. Mas agora conhece. Sua namorada, Susan, não devolveu a caneta. – Disse o rapaz desconhecido.

- Ah, você a conhece? Conhecia o pai dela? – perguntou Markus

- Eu a conheço. Ela não me conhece. E não conheço o pai dela, também.

- Então como você sabe o nome dela? – Perguntou Markus, muito confuso desta vez.

- Intuição. – Disse o rapaz misterioso, e saiu andando antes que Markus pudesse perguntar mais alguma coisa.

- Ei, espere. – Markus dizia, e corria atrás do rapaz. Mas ao virar o casebre ali perto, o rapaz tinha sumido. Só restavam folhas. – Mas que diabos aconteceu aqui?

 

 


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