Rain escrita por Kyra_Spring


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Só pra enfatizar: FELIZ ANIVERSÁRIO, FER!!!! ^w^/



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/97847/chapter/1

–Ei, Roy.

–O que foi?

–Eu estava pensando... você já se imaginou daqui a, sei lá, quinze anos?

–Quinze anos? É bastante tempo, não acha?

–Eu sei. Mas você já pensou nisso alguma vez?

–Ah, às vezes. Mas não consigo imaginar bem o que eu quero fazer, ou onde quero estar. Acho que prefiro que a maré me leve.

–É bem típico de um cabeça fresca como você!

–Você vive fazendo isso... me faz uma pergunta dessa pra depois zoar com a minha resposta.

–Não tenho culpa se você só fala besteira.

            Os dois rapazes começaram a rir. Roy Mustang e Maes Hughes eram amigos há muito tempo. Naquele momento, os dois estavam sentados no topo de um prédio, dividindo uma caixa de cervejas e observando a Cidade Central abaixo deles, banhada pela luz alaranjada do pôr-do-sol. Era uma maneira de espantar a melancolia do fim daquela tarde de domingo, principalmente considerando o que viria na manhã seguinte.

–Sabe, Maes, eu tô com medo – disse Roy, o olhar perdido no céu – Muito medo. E se eu não for o bastante? E se, no final, eu acabar estragando tudo? Às vezes eu penso que isso tudo é um grande erro e que eu deveria desistir dessa idéia e pensar em alguma outra coisa.

–Por que você acha isso? – Maes perguntou, enquanto ajustava os óculos quadrados no rosto – Cara, as suas notas na Academia foram as melhores em dez anos! Os próprios professores te consideram um prodígio. E você tá estudando há mais de um ano pra essa prova. O que pode dar errado?

–Meu medo não é não passar no exame – respondeu o outro, sem desviar o olhar das nuvens – Meu medo é exatamente passar e depois não saber o que fazer. É uma responsabilidade muito grande, não sei se estou à altura dela. E se, quando eu tiver esse poder, acabar fazendo alguma besteira? Pessoas podem se machucar!

            Maes o encarou, surpreso. Com toda a certeza, não era algo que esperava do seu amigo. A razão de viver de Roy era, até onde sabia, se tornar um alquimista do estado e lutar ao lado das pessoas do seu país. Ele tinha talento e inteligência de sobra, e era com certeza uma lenda viva na Academia, com suas notas impecáveis e fantásticas demonstrações de alquimia. Mas ele não sabia que o amigo passava por aquele dilema moral. Pelo menos Maes, cujas ambições eram modestas e incluíam uma integração permanente ao setor de Inteligência e Investigação, algumas promoções e condições de formar uma família, não precisava fazer aquele tipo de questionamento.

            O que também era uma pena, pois assim ele não tinha as respostas que confortariam seu amigo.

            Os dois ficaram em silêncio, bebendo suas garrafas de cerveja sem se encarar. Eles já se conheciam há muito tempo, desde crianças. Roy era alguém que costumava guardar seus maiores dilemas e questionamentos para si mesmo, enquanto Maes sempre buscava a resposta mais simples e direta para seus problemas. Roy era explosivo, imprevisível, e Maes gostava de calma e constância. Diferentes, mas complementares. E amigos, o que era mais importante.

            E então, aconteceu algo engraçado...

–Ah, droga! – Roy começou a praguejar, olhando para cima – Tá chovendo!

–E daí? – Maes deu de ombros – É verão e está quente, uma chuvinha é até boa.

–Eu odeio chuva – sibilou o outro – Sempre quando chove, alguma coisa ruim acontece comigo!

–Não seja bobo – então, o primeiro riu, bebendo um outro gole de cerveja – Você não pode enxergar as coisas assim, tão preto no branco. Tudo tem seu lado bom.

–Ah, é? Então, qual é o lado bom de ficar ensopado, com frio e doente?

–Você tem a chance de conhecer uma enfermeira bonitinha.

–Tá bom, Pollyanna, já entendi – debochou Roy – Agora, será que podemos ir para algum lugar coberto?

            Eles entraram e desceram até a calçada, parando em frente à porta e observando a chuva, que agora caía pesada sobre o concreto.

–Sabe, cara, as coisas são bem como a Troca Equivalente que você falou – disse Maes – Nada pode ser cem por cento ruim, afinal de contas deve haver alguma coisa boa que venha daí. Do mesmo jeito, nada pode ser cem por cento bom, a menos que haja alguma coisa ruim, alguma coisa paga por esse bem.

–Eu sei disso – respondeu Roy – Mas... será que estamos pagando o suficiente pelo que queremos conquistar?

–Quem pode saber? – Maes deu de ombros – A questão não é tratar tudo como uma equação. Não estamos falando de conservação de massas e quantidades, aqui. A questão é: faça o melhor que você puder com o que tem. O pagamento vai ser equivalente, nós é que temos que ser sábios o bastante para identificá-lo. Acho que a Troca Equivalente funciona mais como filosofia do que como princípio científico. E – então, sorriu, ao encarar o amigo – acho que, uma vez que você está dando o seu sangue para fazer essa prova e se tornar um alquimista do estado por alguma razão maior do que simplesmente privilégios e fundos de pesquisa, alguma coisa boa virá em troca.

–Acha mesmo? – o outro sorriu também – Acha que eu consigo?

–É claro! – o primeiro respondeu como se o outro tivesse questionado alguma coisa absurdamente óbvia – E acho que, quando você faz algo e se dedica de coração, você nunca sai de mãos abanando. É só manter a cabeça no lugar, e se lembrar do que você queria quando começou.

            Roy encarou o amigo. Maes era o tipo de pessoa que tinha sabedoria e simplicidade na mesma medida. E era otimista, e acreditava nele. Ele só queria ter tanta fé quanto o amigo, mas enquanto pudesse contar com a fé de alguém naquilo que estava fazendo, podia se sentir mais seguro a respeito de suas próprias atitudes.

–Bem – então, ele deu de ombros – Isso não muda o fato de que está chovendo e estamos presos aqui.

–Dias de chuva são legais – defendeu Maes – E cheios de possibilidades. Você vai ver.

            É... seu amigo talvez pudesse estar certo, pensou Roy. Mas precisaria de mais do que aquilo para convencê-lo de que a chuva era algo tão bom assim...

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Pela primeira vez em sua vida, Roy desejou de todo o coração que chovesse até o céu desabar. Mas, como uma brincadeira de muito mau gosto de Deus, aquele era mais um lindo dia. Aliás, ali todos os dias eram cheios de sol e o céu era sempre azul. A ironia chegava a arder em seus olhos.

            Ishval. A cidade do sol eterno.

            O que estava acontecendo ali provavelmente seria retratado nos livros de história, dali a alguns anos, como uma guerra sangrenta em que os bravos soldados amestrianos lutaram contra os rebeldes ishvalianos. Mas quem estava lá sabia a verdade. Não era uma guerra. Era um massacre. Era possível ler isso nos olhos de todos ali.

            Todos tinham olhos de assassinos. Olhos frios, endurecidos pelo horror constante.

            Até mesmo Hughes... Logo ele, com aquele olhar. Isso era triste.

            Naquele dia, Roy estava em sua barraca, sentado no chão, olhando para o nada. Ele não percebeu imediatamente quando Maes apareceu na porta, e só notou a presença dele quando ele disse:

–A exterminação do distrito 27 começa às dez e meia. Eles estão contando com você, como sempre.

–Vocês são mesmo uns feitores de escravos – murmurou Roy, sem se virar na direção dele.

–Eles estão esperando muito de você – observou Maes – Você está perto de ser promovido, também.

–Ei, Hughes – a voz dele estava morta e sem emoção – Por que estou matando pessoas do meu país?

            Colocar aquela pergunta em palavras era estranho. Estranho... e opressivo.

–Os ishvalianos perturbaram a ordem no país – respondeu Hughes, seco. Roy ficou um pouco decepcionado. De certa forma, esperava uma resposta diferente da versão oficial do Exército – Os superiores da Central deram ordens de eliminá-los.

–“Eliminá-los”, hein... – o tom de Roy se tornou ácido – Que palavra conveniente para definir “massacre indiscriminado”.

            Maes o encarou, intrigado. Qual era a dele, agora? Eles já não tinham passado da fase dos dilemas morais, àquela altura?

            Mesmo assim, ele não o culpava. Pelo menos aquilo era um atestado de que Roy, apesar de tudo, ainda conservava alguma humanidade, em algum lugar. E foi exatamente isso que o motivou a mudar de assunto e dizer, num tom açucarado:

–Ah, falando da Central – ele tirou um envelope do bolso da casaca – Eu recebi uma carta da Gracia, da Central! E ela veio com uma foto... – sua voz se derreteu – Quer ver? Quer ver?

            Se fosse em qualquer outro momento, Roy daria uma risada, chamaria Maes de idiota babão, mas acabaria vendo a maldita foto de qualquer forma. Mas não naquele momento. Ele sabia que Maes estava tentando desviar a sua atenção daquilo, e ele não poderia permitir isso. Então, recusou.

–Ah, ela diz que me ama tanto... ela é mesmo uma grande mulher – ele continuou tagarelando sobre Gracia, com um sorriso tolo nos lábios – Assim que essa guerra terminar e tudo ficar em paz outra vez, vou pedi-la em casamento! E eu vou te convidar para o casamento também, então fique preparado.

            Nessa hora, Roy perdeu a paciência. Mas não tinha forças ou vontade de simplesmente mandá-lo calar a boca. Em vez disso, decidiu ser apenas ácido e cruel, e dizer, numa voz baixa e sem emoção:

–Então você irá abraçar a mulher que ama com as mãos sujas de sangue.

            Roy não precisou se virar na direção de Maes para saber que aquilo o atingiu como um soco. Ótimo, assim talvez ele parasse de falar bobagens e o deixasse em paz. Mesmo que aquilo fosse um golpe extremamente baixo.

            Ele só não esperava que o outro fosse reagir daquela forma.

            Maes o pegou pela gola da casaca, puxando-o ameaçadoramente, como se dali a um segundo fosse começar a socá-lo até quebrar todos os seus dentes. E começou a berrar:

–E VOCÊ TEM ALGUM PROBLEMA COM ISSO? – Roy não reagiu, apenas ficou impassível, encarando o amigo. Aquela reação podia até ser inesperada, vinda de Maes, mas fazia todo o sentido, naquela situação.

            Ele parou um instante. E continuou, com a voz mais baixa, mas ainda cheia de fúria:

–Ter uma casa e viver ao lado de alguém que você ama é uma felicidade que pode existir em qualquer lugar. Mas é a maior felicidade! E eu vou fazer tudo para ter isso. EU VOU SOBREVIVER! – parou um instante, antes de continuar – Vou suportar sozinho o que aconteceu aqui, e sorrir quando estiver com ela. Eu vou... fazê-la feliz...

            “Sobreviver...” Agora Roy estava claramente confuso. Não diziam que as crenças morriam em Ishval? E, agora, ali, na sua frente... havia alguém que ainda tinha algo a se agarrar... Alguém que se recusava a deixar de acreditar...

            Ele já havia sido assim um dia, não é? Acreditando em alguma coisa...

–Não temos tempo para falar de coisas tão triviais assim – disse Maes por fim, soltando a gola dele. O tom dele estava impessoal – Temos trabalho a fazer. Apresse-se e prepare-se.

            Ele ficou em silêncio por um instante, antes de pedir:

–Pode me dar trinta segundos, por favor?

            Maes o encarou, ainda com o mesmo olhar raivoso. Provavelmente ele não iria perdoá-lo por algum tempo. Mesmo assim, ele disse:

–Apenas por trinta segundos.

            “Eu também tenho que sobreviver aqui”, pensou Roy, de olhos fechados. “Como pude esquecer disso? Como pude esquecer... do que me trouxe até aqui? E, droga, ele estava certo de novo! Não tenho tempo para isso. Ainda não. Terei tempo para me lamentar e me torturar depois, quando essa guerra maldita terminar e eu conseguir chegar até onde quero. Mas agora não. Eu tenho que sobreviver. Tenho que continuar... para não deixar que isso aconteça outra vez.”

            E, então...

–Fique de pé, Alquimista das Chamas – a voz de Maes ainda estava impessoal, mas agora tinha algo diferente nela. Obstinação. A teimosia de alguém que queria seguir em frente e sobreviver, e não queria fazer isso sozinho – É hora de trabalhar.

            Então, ele ficou de pé. E colocou suas luvas – suas armas.

–Sim, vamos – ele disse. Sua voz, porém, não estava morta como antes. Também havia obstinação e teimosia nela, enquanto ele caminhava a passos largos e decididos para fora, seguindo Maes – É hora da guerra.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Para variar, estava chovendo. Como sempre que precisava fazer alguma coisa ruim ou dolorosa.

            Roy já havia protelado aquilo por tempo demais. E, durante todo o dia, havia pensado em formas de fugir daquela responsabilidade. Mas não conseguiu pensar em nada, e ao final do expediente, saiu da sua sala em direção ao carro, arrastando os pés de propósito e indo na velocidade mais baixa que conseguia, tudo para atrasar aquele momento ao máximo.

            Mas, mais rápido do que gostaria, ele chegou. A chuva estava fina, morosa. Fazia frio, e ventava um pouco, o que jogava algumas gotas de água em seu rosto. Era com certeza o pior dia que poderia escolher para algo assim. Desceu do carro e passou por portões antigos e escuros, caminhando por um gramado bem aparado sob um grande guarda-chuva, até parar em frente a uma placa de pedra com um nome muito conhecido seu...

–Olá... Hughes – ele não sabia ao certo como agir, só sabia que, se por um lado tinha que dizer alguma coisa, por outro se sentia um estúpido ao ficar ali, sob a chuva, conversando com um pedaço de pedra – Sei que deveria ter aparecido antes, mas... você sabe, muito trabalho.

            Muito trabalho. Tentar descobrir quem havia feito aquilo ao seu amigo, por exemplo.

            Ele ficou em silêncio, apenas lendo a lápide de Maes outra vez. Desde o enterro dele, não havia mais colocado os pés naquele cemitério. E, agora, sabia que tinha tanto a dizer... tanto que deveria ter dito, antes que ele partisse...

            Na verdade, nunca passou pela sua cabeça que Maes poderia ir antes dele. Afinal de contas, ele era o inconsequente da dupla, que fazia besteiras e colocava a si mesmo em riscos! Hughes era o caseiro, aquele que achava a perspectiva de passar um fim de semana inteiro em casa com a família a melhor coisa do mundo. Era uma inversão que não deveria ter acontecido, e com a qual ele não sabia lidar.

–Lembra daquele dia, na véspera do exame de qualificação de alquimistas nacionais? – ele disse, sentindo uma fragilidade em sua voz que não queria que estivesse ali – A gente no topo daquele prédio... Sempre íamos pra lá, não é? Bem, pelo menos até o fim daquele verão. Depois veio um monte de coisas... Ishval... seu casamento... enfim, acho que foi o último verão da nossa adolescência – e, olhando para cima – Bem, estava chovendo naquele dia também. Mas... pelo menos tinha sol, e hoje não tem...

            “Roy, você está falando sobre o tempo com um cara morto!”, ele pensou, não conseguindo acreditar na própria imbecilidade. “Será que você é tão estúpido que não tem nada melhor para dizer?”.

            É claro que tinha. Milhões de coisas, aliás. Mas, por alguma razão, era como se elas simplesmente se recusassem a vir à tona. Era a maldição dos dias de chuva, com certeza. Neles, tudo dava errado. E ele sempre terminava fazendo papel de idiota.

–Foi um erro ter vindo aqui – ele disse, em voz alta – Me perdoe, Maes. Você sabe que eu sou péssimo com essas coisas. E está chovendo, o que piora tudo. Eu sei que eu deveria te dizer alguma coisa decente, mas não dá. Eu não consigo – abaixou a cabeça, sentindo-se envergonhado – Me perdoe. Adeus.

            Ele deu as costas, e começou a andar depressa em direção aos portões, olhando apenas para o chão. Sentia-se um miserável, e queria ir embora daquele lugar o mais rápido que pudesse. Que belo amigo ele era! Incapaz de dizer alguma coisa, qualquer coisa, por mais que devesse!

            Foi então que aconteceu algo que o faria rever seus conceitos sobre aquele dia.

            Quando chegou ao portão, parou. Afinal de contas, qual era o problema dele? Nada justificava aquela fuga covarde! Era sua responsabilidade encarar aquilo, e ele tinha que se forçar a ir até lá e enfrentar tudo o que estava tentando impedir a si mesmo de ver. Ele se fora. E Roy não pôde impedir. E, agora, recusar-se a encarar esse fato só o faria perder tempo.

            Ele precisava... pedir perdão a Maes.

            Mas, claro, tinha que estar chovendo. Como se o próprio céu estivesse disposto a apontar suas falhas e erros. Não era apenas Maes. Ele já havia errado demais, com pessoas demais.

            Aquilo era uma punição? Destino? Troca equivalente? Ou qualquer porcaria do gênero?

            Roy havia aprendido a não acreditar nem na troca equivalente e nem em destino. Agora, talvez por isso, os próprios pareciam querer castigá-lo por isso. Tirar dele algo que era muito importante, porque ele fez o mesmo com tantos outros. E a chuva... bem, a chuva era apenas uma piada de mau gosto de Deus para deixar isso ainda mais claro.

            Era como se seu coração estivesse sendo rasgado ao meio. Pensar nisso era doloroso demais.

            Foi por isso que ele deixou o guarda-chuva cair no chão. Para que a chuva o encontrasse.

            Para que, de alguma forma... ela lavasse aquela dor que ele tentou inutilmente ignorar.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

            Maes realmente não esperava encontrar Roy ali.

            Era aniversário do coronel. O outro havia quase enlouquecido nas duas últimas semanas para organizar uma grande festa-surpresa para o amigo. E, apesar de ele ter a impressão de que Roy já sabia o que eles planejavam, ficou feliz ao ver que o amigo ao menos fingiu uma expressão de surpresa que parecia suficiente sincera. E havia música, e bebida, e os doces mundialmente famosos de Gracia, e todos os amigos mais próximos. Tudo estava perfeito. Maes tinha certeza disso.

            Então... por que Roy estava parado no telhado do quartel, olhando para o nada?

–Coronel Mustang, faça o favor de voltar à sua sala e cumprir o seu papel – ele disse, com um tom sarcástico – Eu não perdi duas semanas da minha vida organizando tudo aquilo para você ficar aqui em cima sonhando acordado.

–Ah, é você – Roy deu uma risada ao vê-lo, mas logo voltou a ficar sério outra vez, e voltou a encarar o céu. Estava escuro, nuvens pesadas se acumulavam.

            Maes conhecia aquele lado do amigo. Aquela melancolia. Aquilo era algo que ele ainda não havia conseguido apagar, infelizmente.

–Você não é acha que é jovem demais para ficar assim todo depressivo com aniversários? – perguntou Maes, aproximando-se dele e olhando na mesma direção – Deixe isso pra, sei lá... daqui a quinze anos!

–Quinze anos... – o outro murmurou, e então deu uma risada alta – Isso me lembra daquele dia da véspera do meu exame de qualificação de alquimista nacional.

–Nossa, você ainda se lembra disso? – Hughes também riu – A gente imaginou tanta coisa, e olha só onde viemos parar.

–O que eu sei é que não passei no exame, naquele ano – Roy deu de ombros – Mas, mesmo assim...

            Ele não terminou. Em vez disso baixou os olhos, acabrunhado.

            Até quando Roy iria se torturar daquela forma?

            Para os outros, o coronel Mustang era uma fortaleza. Nada o atingia, nada o tocava. Ele era indestrutível. Mas Maes, que havia estado ao lado dele por tantos anos, já havia percebido há muito tempo que toda aquela força era apenas uma máscara. Ele sentia medo, ele tinha mais dúvidas e remorsos que a maior parte das pessoas que conhecia.

            Ele era tão... tão humano... mesmo que tivesse passado tanto tempo tentando se convencer do contrário...

            Então, os dois sentiram gotas pesadas de chuva. Logo, Roy estreitou os olhos, e Maes deu uma risadinha. O ódio do amigo por chuva era algo hilário. E, nas palavras do próprio Roy, completamente justificável, afinal “é como se a chuva tivesse a missão de me atrapalhar em todos os aspectos possíveis”. Mas, dessa vez, ao contrário das outras, ele não começou a reclamar. Em vez disso, apenas fechou os olhos e voltou o rosto para cima.

–Uau, essa é nova – debochou Hughes – E aquela história de ser inútil e tudo o mais?

            Roy não respondeu. Ele tinha suas próprias razões.

            Talvez aquele fosse um novo começo. Talvez tudo pudesse ser diferente.

            Era o que ele estava fazendo, não é? Tentando fazer a diferença. Tentando mudar o mundo.

            Era uma missão tão grande... e ele era tão pequeno...

–Maes... – ele murmurou, ainda de olhos fechados. O toque da chuva em seu rosto era inesperadamente gentil e agradável – Você se lembra do que me disse naquele dia, antes da prova?

–Sim – respondeu o outro – Aquilo sobre a Troca Equivalente e tudo o mais...

–Você ainda acredita nisso? – a voz dele estava mais débil do que gostaria.

            Maes não respondeu imediatamente. Em vez disso, parou e pensou por uns instantes, antes de dizer:

–Eu tento – então, ele abriu um sorriso tristonho – Todo dia. Eu tento. Tenho uma família em casa me esperando. E eu preciso acreditar que o que faço terá uma recompensa. Preciso acreditar que... ainda existem pessoas pelas quais vale a pena seguir em frente.

            Roy não esperava nada menos do amigo. Ele vivia pelas pessoas que amava. E isso era uma das coisas que mais admirava nele.

–E você, Roy? – disse o outro – Você acredita?

            Ele também não respondeu imediatamente. Na verdade, havia pensado naquilo uma infinidade de vezes naqueles quinze anos. E, a cada vez que pensava, chegava a uma resposta diferente.

            Mas, naquele dia, de certa forma... as coisas pareciam fazer sentido.

            E ele queria acreditar, também.

–Acredito que devo fazer o que estiver ao meu alcance para cumprir a Troca Equivalente – ele respondeu – E fazê-la real. Eu prometi, lembra? Chegar ao topo, ajudar quem está abaixo de mim... não posso me esquecer disso. Não posso...

            Eles ficaram em silêncio mais uma vez. Estava tudo bem. A resposta que os dois buscavam era simples e eloqüente naquele silêncio.

            Por fim, Hughes disse:

–É melhor descermos logo. Você vai precisar se enxugar, afinal de contas daqui a pouco cortaremos o bolo. A pobre stripper que colocamos lá dentro já deve estar sufocando a essa hora...

–Você trouxe um bolo com uma stripper? Na mesma festa onde a sua mulher e a sua filha estão? – Roy ergueu uma sobrancelha, dando uma risada alta.

–Claro que não, idiota, mas achei que isso talvez o incentivasse a descer mais rápido – Maes também riu.

–Está bem. Pode ir na frente, irei em um minuto.

            Maes acenou, e saiu. E Roy encarou a chuva uma última vez, antes de dar as costas e entrar.

            Ele não se sentia inútil, naquela noite. Na verdade... sentia-se mais esperançoso.

            Ele sabia que muita coisa havia acontecido. E que muita coisa ainda aconteceria, e que provavelmente sua fé sofreria mais e mais abalos. Ele tinha consciência disso. Mas, mesmo assim... era como se, de certa forma, ele soubesse que tudo poderia ficar bem.

            A resposta que ele buscava era mesmo simples. E eloqüente. Ela sempre esteve ali. E, mesmo que ele ainda não a compreendesse tão bem quanto gostaria, a simples idéia de poder alcançá-la já era encorajadora.

            Uma resposta simples, e eloqüente. Como o silêncio.

            Não... não como o silêncio.

            Como o som da chuva...

 

ame wa itsuka yamu no deshouka zuibun nagai aida tsumetai (A chuva irá parar um dia, eu imagino? Por um tempo muito longo até agora tem sido frio)
ame wa doushite boku o erabu no tsutsumarete ii ka na (Por que a chuva escolhe cair sobre mim? Eu imagino se está tudo bem em deixá-la me cobrir)

ame wa yamu koto o shirazu ni kyou mo furitsuzuku keredo (A chuva continua caindo hoje também, sem conhecer o final)
sotto sashi dashita kasa no naka de nukumori ni yorisoi nagara (Enquanto nós silenciosamente nos aconchegamos juntos sobre o guarda-chuva que eu trouxe)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Nota da autora: é, eu sei que ficou podre. (-_-) No momento, é quase meia-noite e meia, e só agora consegui terminar a fic. Juro que tentei fazer jus à música e à pessoa homenageada com essa fic, mas não deu. Desculpe, Fer!!! >—< Bem, deixem reviews, obrigada por lerem e até mais! ^^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rain" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.