A Utopia do Perigo. escrita por Raissa Muniz


Capítulo 4
A medonha sra. Carter.


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo à minha amiga Rama Nogueira, que sempre esteve presente na construção das minhas ideias para escrever esse e outros textos. Ela, mais do que ninguém, sabe a profundidade do que estou falando. A propósito, a "Leka", como verão a seguir, é uma homenagem à você, Rama. Uma homenagem bem barata já que você não é falante e eu não me descrevo como a Ennie, mas isso é outra história. AHSUAHS Espero que todos vocês gostem. s2



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Dessa vez minha mente retardada preferiu o lixo.

Sim, o lixo propriamente dito. Um cesto de lixo, se é que me entende. Ah, não vou ficar explicando a simetria do lixo da sala de aula.

Enfim, amassei o papel novo e o joguei no lixo. Se fossem contar quantas vezes eu já fiz isso com meus textos, certamente os ecológicos certinhos da minha sala me matariam. Pois é, eles fariam isso. Sempre achei que aquele grupinho saía batendo nos outros com aquela desculpa barata de proteger o meio ambiente apenas pra ter motivos concretos para seus feitos inúteis, mas isso é outra história.

O papel caiu silenciosamente em cima dos outros papeis com idéias idiotas dos outros alunos da sala. Suspirei, voltando para minha carteira bagunçada. No momento exato que sentei o sinal para sair tocou. E só, os cinqüenta minutos se resumiram nisso. Eu avisei que o cara era um chato. Ou talvez seja eu mesma, não importa.

Apressei o passo em direção ao laboratório de Biologia, pisando mais uma vez em inúmeros pés alheios. Acostumada com o nível de palavras indevidas que me eram jogadas, suspirei em uma tentativa de relaxar o corpo. Como já era de se esperar, não consegui.

— Sentem-se nas suas carteiras e abram o exercício que foi lhes passado na última aula. — Ordenou a elegante Sra. Carter depois que todos já haviam entrado. Ela era professora da escola desde que atingiu a maioridade para dar aulas e possuía uma estatura intimidadora. Alta e com curvas, tinha cabelos negros que caíam abaixo da cintura, fazendo um visível contraste com sua pele cor de creme. Seus traços me lembravam vagamente uma tia do interior que tinha vindo da Itália, embora a Sra. Carter não fosse italiana.

Sentei-me mais uma vez e tentei me concentrar na aula. Pelo menos naquela.

Não por que eu gostasse de Biologia — eu nem tenho preferência por matéria alguma —, mas porque algo naquela mulher chamava a atenção — não só a minha, mas de todos. Sempre achei que era a forma suave como ela se portava, ou como mostrava segurança ao explicar o assunto, como se simplesmente estivesse ensinando crianças a falar. Não posso especificar, mas algo nela era incomum, e de alguma forma, interessante.

Meus pensamentos estavam perdidos em devaneios sobre a origem daquele comportamento estranho quando senti algo leve que fora jogado na minha orelha esquerda. Era uma bolinha de papel.

— Mas quem foi o filho da...? — Não consegui terminar a frase. De repente percebi que estavam todos prendidos na explicação e eu acabara com a concentração da turma. Bem, pelo menos não era a única que não estava conseguindo entender como se classificava um ornitorrinco em um filo. Mas essa não era a questão no momento. Imediatamente me lembrei do que me fez parar meu possível xingamento e voltei meus olhos para a docente que estava parada do lado da minha carteira.

Ai, eu podia esperar coisa pior? O olhar que ela estava me lançando era tão seguro e profundo que mais parecia que ela queria me derreter. O que eu podia fazer? Eu não pedi pra jogarem a bola em mim.

— Esse comportamento não será tolerado novamente, Ennie. E que fique bem claro que estamos tentando aprender a classificação de animais, não de classes sociais ou personalidades, como você deu a entender que falaria. — Falou ela em um tom ameaçador.

O que era aquilo agora? E eu não estava separando ninguém por classes sociais, era pelo bom e velho palavrão mesmo.

— Não importa o que pensa. Quem fez isso está apenas testando sua capacidade de autocontrole, e como todos viram, ela está bem alterada. — Continuou ela como se estivesse lendo meus pensamentos.

Ler pensamentos? Ai Deus, que mulher medonha.

— Ei Ennie! O que foi aquilo? – Perguntou Leka, minha melhor (e única) amiga que tinha nome de cachorro. — Achei que ela fosse explodir você ou fazer algo parecido... Foi muito, muito estranho... — Continuou ela com sua mania de falar demais.

— Também não entendi. Pode ter sido simplesmente o estresse... Ah, eu não quero pensar nisso. — Respondi. — Não vou encanar meus pensamentos por causa de um sermão de professor. Isso todo mundo leva.

— Você está certa, mas não foi isso que observei. Ela não falou aquilo como uma repreensão comum, foi mais como uma forma de proteção. — Falou Leka, pensativa.

Droga, como ela poderia saber tão bem o que eu estava pensando?

— É, era isso que eu estava pensando. Mas tipo, esse negócio de proteção... Ela protege todo mundo, é o trabalho dela... — Falei, hesitando no final das frases.

— Não Ennie, não é. Ela não é mais responsável por nenhum ato nosso. Não estamos mais no jardim de infância, minha cara. Bem vinda ao Ensino Médio. — Leka pronunciou essas palavras com clareza demais, de uma forma que não fizera antes. Era como se ela tivesse certeza e eu realmente fosse a criancinha do jardim de infância.

Simplesmente calei-me diante de tal afirmação. Esse era o problema de ter amigos falantes: quando eles estavam convictos, você nunca podia mentir para si mesmo dizendo que tinha imprecisão nas suas vozes. Nunca podia fugir dos acontecimentos e se esconder atrás dos encanamentos da pia do banheiro. Ok, isso foi uma metáfora. (Não espalhem, mas isso é uma metáfora agora, porque há dois anos era a mais pura realidade).



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Notas finais do capítulo

Bem, espero que gostem. Comentem e deem sugestões para os próximos capítulos. ;)



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