Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 24
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, tudo bem? Estou de volta com mais um capítulo. Esperava ter finalizado ele a duas semanas atrás, antes de viajar, mas não consegui terminar a tempo.
Espero que gostem. Por favor, não deixem de comentar, suas opiniões são o combustível para eu continuar escrevendo.
Beijos e boa leitura!



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Ally PDV

Depois da conversa com minha mãe sobre a pós graduação na Inglaterra, meu mundo foi sacudido de volta para seu lugar e para as possibilidades que a realidade me oferecia. Os dias sem contato nenhum com Roger também me ajudaram a pensar com um pouco mais de clareza, apesar de ter sentido terrivelmente falta de conversar com ele. Não que eu tenha admitido isso para mim mesma.

            Mas minha natureza prática não me permitia ficar parada esperando que o destino resolvesse as coisas por mim. O fim do namoro com Davi, apesar de parecer algo distante, ainda me fazia questionar se eu tinha realmente tomado a decisão acertada, mas só nos momentos quando eu ficava sentindo pena de mim mesma. Nada estava dando certo, minha vida estava estagnada em todos os sentidos e eu precisava urgentemente de uma mudança. Sentia-me sufocada.

            A recusa de minha mãe em ajudar no meu plano de viajar para a Inglaterra me decepcionou a princípio, mas me fez refletir nos dias seguintes e, por mais que eu não quisesse admitir, ela estava certa. Eu trabalhei tanto para juntar dinheiro e investir no meu escritório, abri mão de tantos prazeres aos quais jovens da minha idade têm direito e não se privam, rejeitei propostas de trabalho interessantes por que eu sempre quis ser dona do meu nariz e não receber ordens de algum chefe autoritário. Como poderia jogar isso tudo pro alto agora por causa de uma paixonite por um cara que eu mal conheço e não pode me oferecer garantia nenhuma? Pelo menos não o que eu esperava, por que francamente, já era absurdo o suficiente ele ter se tornado uma espécie de amigo. Sim, havia a pós graduação, era uma boa oportunidade de crescer profissionalmente, mas minha mãe estava certa quando disse que nesses dois anos em que eu viveria fora, eu poderia estar estruturando meu próprio escritório aqui e realizando algo concreto.

            Decidi deixar esses planos de viagem de lado e tocar minha vida com os dois pés na realidade e superar o Davi. Decidi também não abrir mão da amizade de Roger, mesmo que fosse à distância ele se tornou de certo modo parte da minha vida e se ele deseja permanecer dessa forma, não sou eu que vou cortar esse laço.

            Estava esperando alguns dias até criar coragem - e engolir o orgulho – para conversar novamente com minha mãe e aceitar sua oferta de ajudar com as despesas para montar meu escritório. Agora que defini tudo em minha cabeça, seria mais fácil seguir adiante com meus objetivos e me senti contente por fazer algo que agradaria profundamente minha mãe e lhe faria sentir orgulho de mim. Isso significava muito para mim.

Estive tão envolvida com minhas resoluções nos últimos dias que não me dei conta do quanto senti falta de conversar com Roger. Fiquei um pouco triste em ter que contar para ele sobre meu fracassado plano de encurtar a distância entre nós. Claro que eu faria questão de mostrar que o principal objetivo era aprimorar minha carreira e que minha decepção era tanta por causa disso. Tenho certeza de que ele também faria sua maior cara séria concordando comigo.

A quem estávamos tentando enganar?    

Para minha total frustração, quando Roger voltou da viagem à Califórnia, não tive oportunidade de tocar nesse assunto, pois ele estava agindo completamente estranho. Pensei até que estivesse meio bêbado. Foi no final da manhã de um sábado, na segunda semana de março. Eu havia acabado de chegar da praia, tinha tomado banho e fui trabalhar um pouco. Conectei o Skype, caso Roger estivesse online, mesmo sabendo que era pouco provável ele estar na internet em um sábado à tarde [na Inglaterra]. De repente me vi desejando terrivelmente falar com ele, ouvir sua voz e suas piadas bobas. Senti um frio na barriga ao pensar na notícia que tinha para lhe dar. Tentei elaborar a melhor forma de contar que eu não poderia ir para a Inglaterra e que meu sonho da pós graduação teria que ser adiado por período indeterminado. Meu orgulho não me permitiria entrar em detalhes e contar para ele que o motivo era por que não tinha dinheiro suficiente para custear a viagem e que minha mãe havia recusado me ajudar. Também não queria que ele pensasse mal de minha mãe, apesar de Roger não parecer ser o tipo de cara que pensa mal de alguém.

Mas toda essa preparação foi em vão. Roger começou nossa conversa com um papo tão enigmático que eu esqueci totalmente o que tinha para conversar com ele. Por um lado, o assunto até que tinha a ver com isso, mas meu coração afundou um pouco quando ele perguntou “Você gostaria de me ver novamente?”. Por que eu sabia que essas especulações dele não levariam a nada. Parecia mais uma coisa de autoafirmação – como se ele precisasse! – essa mania que os homens têm de querer comprovar que são desejados. Mas eu achava que não era o caso do Roger. Então, não considerei muito sua pergunta e respondi com todo meu ceticismo. Ele pareceu confuso, o que eu achei muito fofo e me fez sorrir um pouco. Mas cada vez que eu olhava para ele na tela, ficava mais triste por que sabia que seria impossível reencontrá-lo de verdade. Ainda assim não entendia o por quê de todo seu entusiasmo. Ele estava quase saltitando em sua cadeira, muito diferente de como ele costuma se comportar durante nossas conversas.

Mas a coisa mais estranha que aconteceu foi a pergunta que ele fez depois que lhe expliquei minhas teorias de probabilidade e minhas hipóteses. Ele ficou sério e perguntou:

- E o que você acha de uma possibilidaderealisticamente romântica?

O que diabos ele queria dizer com aquilo? Acho que devo ter feito uma expressão de confusão tão grande, que ele comentou vitorioso:

- Rá! Agora foi você que ficou perdida!

Não pude conter um sorriso.

- Pode apostar! Realisticamente romântica? Você está contradizendo a lógica. Faça o favor de explicar essa teoria revolucionária! – Brinquei.

Seus olhos brilharam, como se ele estivesse esperando ouvir exatamente aquilo. E eu não tinha como não me deixar contagiar por seu entusiasmo. Ele estava genuinamente feliz, seja lá por qual fosse o motivo. De repente uma ideia me passou pela cabeça e foi como um tapa na cara. Ele esteve com Cathy Seymour a semana inteira. Talvez seja essa a razão desse bom humor todo. Meu coração afundou novamente, mas procurei segurar o sorriso para que ele não percebesse minha súbita mudança de humor. Ele estava feliz e isso era o suficiente para que eu ficasse feliz também. Afinal, eu tinha o privilégio de ser uma das poucas pessoas com quem ele compartilhava suas alegrias. Esse pensamento me fez sentir um pouco melhor.

- Com todo prazer!  - Roger respondeu, aceitando o desafio. – Uma possibilidade realisticamente romântica é aquela que tem chances reais de acontecer, mas não deixa de ser romântica, no sentido literário.

Fiquei em silêncio, esperando ele completar o raciocínio, mas ele não falou nada, ficou encarando a câmera com um sorriso triunfante, esperando uma reação minha. Mas eu continuava sem entender onde ele queria chegar, então permaneci calada por alguns segundos até que suspirei, vencida, e admiti:

- Ok, continue...

- O quê, você não entendeu ou não concorda comigo? Por que honestamente, se você não concorda, precisa ter um pouco mais de otimismo.

Eu soltei sem querer um riso sem graça, pensando “Bem, hoje não é um bom dia para se falar em otimismo,” considerando os últimos acontecimentos e o que eu tinha para dizer para ele.

- Não, eu não entendi, Roger, e de todo modo, não vejo como isso seja possível.  – Respondi um pouco exasperada. Mordi o lábio arrependida, mas era tarde, ele percebeu.

- Você está chateada, Ally? Foi algo que eu disse? Me desculpa, cheguei tão ansioso para falar com você, queria tanto te contar essa novidade. Não sei como a conversa se enveredou para essa discussão pseudo-filosófica. – Ele sorriu com um olhar um pouco preocupado.

- Não, eu que peço desculpas. Não é nada com você. Só tive um aborrecimento em casa, nada demais.  – Mudei de assunto na esperança de ainda salvar seu bom humor. O efeito foi imediato. – Então, que novidade é essa que você tem para me contar?

Roger abriu um sorriso caloroso, que refletia em seus olhos e iluminava seu rosto por completo. Ele recostou-se em sua cadeira, se espreguiçou e voltou para próximo da tela, cruzando os braços sobre a mesa, diante do teclado do notebook, de modo que seu rosto ficou bem próximo da câmera, preenchendo quase a tela inteira. Era quase como se ele estivesse diante de mim em carne e osso. Senti um arrepio, e, em um impulso, estendi a mão e toquei seu rosto na tela. Ele sorriu ainda mais, o que me deixou um pouco desconcertada.

- Ally... eu assinei um contrato de publicidade com uma grife...

Wow! Aquilo era uma boa notícia! Pelo menos para meu lado fã, que sempre desejei vê-lo naqueles comerciais sexy de perfumes ou roupas íntimas masculinas, era perfeito!

- Sério? Isso... isso é ótimo!  - Gaguejei. – E você pode... tipo, revelar a marca, ou é algum daqueles lances sigilosos, para deixar o público na expectativa?

Roger deu uma gargalhada e respondeu ainda rindo:

- Bem, tem esse lance de sigilo por enquanto, sim. Mas para você eu conto, até por que você é parte do motivo por que eu aceitei a proposta.

O QUÊ???

Congelei com a boca escancarada formando um “O”, olhando para ele, até que percebi que não podia ficar com aquela cara de idiota encarando a câmera e então perguntei incrédula.

- Como assim EU sou parte do motivo pelo qual você aceitou a proposta? O que eu tenho a ver com seu trabalho?

Roger parecia estar se divertindo com minhas reações. Senti-me um pouco embaraçada, mas minha curiosidade agora estava me matando. Como seria possível ele fazer alguma decisão profissional considerando a mim? De que modo eu influenciaria seu trabalho? Aquilo era aterrorizante e ao mesmo tempo lisonjeiro. Eu não sabia como me sentir e minha reação foi tão genuinamente assustada, que ele ficou preocupado e apressou-se em se explicar:

- Calma Ally. Deixa eu explicar. É uma campanha de uma grife brasileira. Vou fazer fotos, alguns clipes promocionais e a minha presença é obrigatória no evento de lançamento da campanha, que vai ser aí no Brasil! Foi por isso que eu pensei em você! Você entende o que isso significa? Nós vamos poder nos encontrar novamente, Ally!

Roger estava ofegante, tão tão animado que eu fiquei sem respirar por alguns segundos. Aquela notícia era demais para meu coração. Minha cabeça estava girando, não apenas com o absurdo se revelando diante de mim, mas com o que aquilo tudo significava.

Ele aceitou o trabalho para poder me ver? “Não seja tão pretensiosa, Ally.” Minha consciência logo advertiu. Eu sei que é lógico que o trabalho deve ser lucrativo para ele de várias maneiras, mas ele próprio disse que eu era um dos motivos. E agora a possibilidade de nos encontrarmos novamente, era demais. Eu tive que lembrar de respirar de vez em quando, por que eu só conseguia encarar sua imagem enorme na minha tela, um turbilhão de pensamentos e emoções atravessando minha cabeça e coração simultaneamente.

Como faríamos para nos encontrar? Se ele vem a trabalho, essas visitas costumam ser super rápidas, o artista mal tem tempo para dormir. Como ele vai conseguir escapar de sua comitiva para encontrar uma garota qualquer do Ceará? Será que eu teria coragem de me mandar daqui para o Rio de Janeiro ou São Paulo só para vê-lo à distância, no meio da multidão, como eu havia afirmado que NÃO faria? Isso me faria parecer um tanto falsa. Definitivamente ele não viria para cá, isso é uma certeza. Muitas outras questões se formavam em minha cabeça, eu precisava dizer alguma coisa por que minha cara de idiota na tela do notebook já devia estar assustando Roger. Decidi ser sincera e expressar minhas dúvidas e inseguranças.

- Wow! Roger, eu não sei o que dizer!

- Bem, você poderia começar tentando parecer mais animada. Parece que você acabou de receber uma notícia de morte.

Ops, minha cara estava tão ruim assim?

- Desculpa! Desculpa... bem, você acabou de contradizer minhas teorias do que eu acreditava ser impossível. Estou um pouco chocada, é só isso...

Roger relaxou mais em sua cadeira e fitou atentamente minha imagem em sua tela.

- Eu sabia! Ha ha, eu sabia que você ficaria chocada!

Retribuí o sorriso, meu coração cheio de... cheio de... não sei dizer o quê, expectativa? Carinho? Senti uma vontade imensa de poder estar do seu lado e abraçá-lo.

- Mas Roger, como vai ser isso? Você acredita mesmo que será possível a gente se ver? Em que cidade será esse evento? E mais importante, QUANDO?

- Eu sei que é uma coisa muito louca para você absorver assim de cara. Mas acredite, eu já pensei e repensei mil vezes a melhor forma de fazermos isso dar certo. Serão poucos dias, pouco mais de um fim de semana, suponho. Por isso nós temos que dar um jeito de aproveitar ao máximo esse tempo para ficar juntos.

Ele falava sem parar em um tom entusiasmado, eventualmente recuperando o fôlego entre uma frase e outra.

- Eu tive uma ideia, mas... – Ele hesitou por um momento – vou precisar que você confie em mim. Você confia em mim, Ally? Sei que nos conhecemos a pouco tempo, e tecnicamente nunca nos falamos pessoalmente, então fique totalmente à vontade para recusar, se você achar que estou passando dos limites, certo?

- Hum, certo. Eu só estou um pouco confusa. E se eu não conseguir chegar até você?

- Então, eu pensei sobre isso. A princípio pensei em ir até Fortaleza, mas seria muito difícil desviar a atenção da mídia enquanto eu estiver no país. Seria impossível ir até Fortaleza para encontrar você sem ter que explicar para o mundo inteiro o que me fez ir até aí, entende?

- Sim, entendo.

Concordei balançando a cabeça positivamente. Na verdade isso foi uma das primeiras coisas que passou pela minha cabeça. Só que eu não acreditava que ele fosse realmente capaz de se destacar até aqui para me ver. Aparentemente eu estava errada.

- Então – e é aqui que peço que preste atenção e confie em mim – se você tiver disponibilidade, e se quiser, claro – Ele acrescentou apressado – eu pensei que poderia contratar você como parte da minha equipe, como intérprete. Infelizmente - ou felizmente, nesse caso – eu não falo português, vou precisar de alguém disponível durante todos os dias em que estiver no Brasil.

Roger sorriu meio torto e meu coração disparou.

Uma onda de insegurança me invadiu e me deixou ainda mais vulnerável do que eu estava. Isso tudo é muito surreal. A menos de uma semana eu tinha perdido as esperanças de ver Roger Peterson novamente, estava começando a me conformar com a ideia. Agora ele me aparece com essa proposta perfeitamente conveniente. Dúvidas de outra natureza começaram a surgir em meus pensamentos. Será que meu inglês era bom o suficiente para não fazer feio diante do Roger e das pessoas com quem ele trabalha? E se ele não gostar de mim? E se ele se decepcionar? E se sua equipe achar que não sou boa o suficiente?

- Eu... eu confio em você. Você já falou com sua equipe? Tipo, você não costuma interferir nesse tipo de assunto, costuma? O que eles dirão disso?

- Você não precisa se preocupar com isso. Sarah aceitará o que eu pedir. E mesmo que ela queira contratar outra pessoa, eu posso contratar você por minha conta, se ela não concordar. Mas isso não acontecerá. Sarah não tem por que não aceitar você. Se eu disser que já conheço e confio em você, para ela não fará a menor diferença.

- Eu não quero causar nenhuma inconveniência...

Roger deu uma risada exasperada, como se eu estivesse falando um absurdo.

- Ally, eu faço questão de ter você lá comigo, se você assim desejar. Não será nenhum inconveniente. Estou disposto a fazer tudo o que for possível para poder passar pelo menos alguns minutos perto de você. Por favor, se sua única condição para aceitar minha proposta é a aceitação da minha agente, eu lhe garanto que isso não será um problema.

- Tudo bem. – Concordei, um pouco mais aliviada. – E quando será esse evento?

Eu precisava fazer as contas de quanto eu teria que gastar com passagem e hospedagem. Não sei se o pagamento por esse trabalho de intérprete seria suficiente para cobrir as despesas. Se ao menos isso fosse possível, eu estava disposta a trabalhar de graça, só para poder ficar perto de Roger. Mas se não for suficiente, precisarei juntar dinheiro nos próximos meses para me garantir. Não quero ter que mexer na minha poupança.

- Você aceita? Mesmo? – Roger abriu um sorriso lindo, seus olhos brilhando azuis esverdeados, como o mar da Grécia no verão. Eu não conseguia acreditar que eu despertava esse tipo de reação nele.  – O lançamento da grife será daqui a aproximadamente dois meses. No final de maio.

- Dois meses?! – Suspirei surpresa. Eu não esperava que fosse tão em breve. Como juntaria dinheiro nesse período? Era impossível. – Roger... Sinto muito, acho que não vai dar...

Respondi, desanimada. Eu já estava começando a me acostumar com a ideia, mas dois meses era muito pouco tempo para eu juntar dinheiro suficiente sem interferir muito nas minhas finanças.

- Não? – Roger não disfarçou seu desapontamento. - Posso saber por quê? Tem a ver com seu trabalho ou você tem algum outro compromisso? Eu entendo...

- É que... – Eu não queria falar para ele dos meus problemas financeiros. Não queria parecer oportunista. Não que ele fosse pensar isso de mim, Roger não era esse tipo de cara. Mas era uma questão de orgulho. – Eu não posso, Roger, dois meses é muito pouco tempo.

            Tentei ser evasiva para não ter que dizer a verdade, rezando para que ele não insistisse no assunto. Eu estava tão desapontada – ou até mais – do que ele. Acho que o destino realmente não quer que a gente se encontre. E sempre é uma questão de dinheiro. Isso prova o tamanho do abismo que existe entre nós. Não apenas a distância física, mas de poder aquisitivo e cultural também. Tudo estava no caminho e, eu não tenho certeza se vale a pena insistir nisso. É um jogo de cartas marcadas.

- Ally... eu sinto que tem algo que você não quer dizer...

Ele hesitou por alguns segundos, como se estivesse procurando a melhor forma de dizer o que tinha para dizer. Então começou a falar pausadamente, passando as mãos pelos cabelos. O que me distraiu um pouco.

- Olha, se você está preocupada com as despesas, está tudo incluso na minha oferta. Você não precisará pagar passagem, hospedagem nem alimentação. E vou garantir que seus honorários compensem os dias de trabalho que você vai perder. Por favor, Ally?

Lógico que ele percebeu qual era meu problema. O que não me fez sentir menos humilhada, mas pelo menos não fui eu quem falou. Eu realmente não me sentia confortável nessa posição de depender dos outros e pedir ajuda financeira. Foi difícil para mim até pedir ajuda à minha própria mãe para custear meus estudos. Ter que expor minha situação ao Roger foi mortificante. Mas ele foi tão gentil, tão atencioso, que eu não tive como negar seu pedido. Até por que era tudo o que eu queria também.

- Você tem certeza, Roger? Não me sinto bem tendo que fazer isso... não acho certo. Você não tem que pagar por minhas despesas.

- Mas sou eu que estou insistindo para você ir me ver! Nada mais justo. Você vai largar sua vida e suas obrigações por um fim de semana para estar comigo. E não é como se eu não pudesse bancar isso. – Ele fez uma careta e murmurou, - Nossa, agora eu soei meio presunçoso, não foi?

-Não, eu entendi o que você quis dizer. Obrigada, tudo isso para mim é meio surreal. Não consigo acreditar.

- Pode acreditar, baby. É mais do que real! Vou começar a providenciar os preparativos o quanto antes.

Roger agora estava relaxado, me estudando pela tela do notebook. Eu podia perceber por que seus olhos não estavam direcionados para a câmera, e sim um pouco abaixo. Havia um esboço de sorriso no canto de sua boca, seus olhos atentos, captando minhas expressões, eu supunha. Relaxei também e procurei demonstrar minha animação apesar da bagunça emocional em que eu me encontrava. Eu precisava resolver tantas coisas nesses próximos dois meses. Como explicaria à minha família e às minhas amigas sobre essa viagem? Como as meninas reagirão quando eu falar sobre Roger? Nem sei se devo contar para elas toda a verdade. Acho que ele que vai ter que decidir, esse é um assunto delicado que diz respeito a ele. Não posso sair contando às pessoas que vou me encontrar às escondidas com Roger Peterson.

Em meio a toda essa confusão emocional, eu encontrei um porto seguro, que era a certeza de que Roger gostava de mim ao ponto de ter todo o trabalho de armar um esquema mirabolante só para me trazer para perto de si. Isso já era grande coisa! Acho que talvez estivesse na hora de eu demonstrar mais o quanto ele significava para mim também. Sempre procurei conter meus sentimentos por ele, não dar vazão ao que eu acreditava ser uma ilusão absurda. Mas agora eu me sentia um pouco mais à vontade para compartilhar com ele o que guardei em meu coração tão secretamente que estava quase me sufocando.

- Roger...

- Ally...

- Obrigada. Quero que você saiba que... eu estou feliz em saber que vamos nos ver em breve.

- Eu também! Não acredito que vou ver minha garota do envelope azul em dois meses. Parece um sonho!

- E... quero que você saiba que não estou fazendo isso pelo dinheiro.

- Ally! Eu nunca pensei que isso fosse sobre dinheiro. Para com isso. Vamos curtir o momento.

- Ok... Vou curtir o momento... Peter... – Murmurei a última palavra, certa de que ele não ouviria.

Mas é claro que ele ouviu.

E seu rosto se iluminou em um sorriso tão lindo que me deu vontade de chorar. Mordi o lábio, sentindo o sangue subir até meu rosto, queimando minhas bochechas. Torci para que o bronzeado na minha pele disfarçasse o rubor. E então, seu olhar se intensificou e com a voz um pouco rouca, ele sussurrou:

- Seu Peter.

MEU PETER? Ele disse mesmo isso? Acho que estou sonhando!

A conversa se estendeu até o início da noite, pois já passava das dez da noite na Inglaterra e Roger precisou desconectar para estudar alguns textos. Eu ainda tinha tempo suficiente, então marquei uma reunião extraordinária com o eurotrio feliz. Guardei segredo sobre minha amizade com Roger das minhas melhores amigas por quase seis meses, mas agora que a coisa está ficando real, é hora de compartilhar meu segredo e tirar essa culpa da consciência. Tenho sido uma péssima amiga negando que elas participem da minha vida como deveriam. Mesmo assim, ainda não tive coragem de contar para Daisy. Não sabia como dizer para ela que, enquanto namorava seu irmão, alimentava essa amizade virtual com outro cara, mesmo sabendo que era apenas amizade e não tinha a menor chance de ser mais do que isso.

Pedi uma pizza e fui tomar banho enquanto Anita e Helena não chegavam.

A campainha tocou bem quando eu terminei de pentear o cabelo. Corri até a sala e quando abri a porta dei de cara não apenas com minhas amigas, mas com o entregador de pizza.

Se tivéssemos combinado, não teria sido tão sincronizado.

Sentamos à mesa e, entre uma mordida e outra na pizza, Anita questiona.

- Amiguinharis, o que você tem de tão importanteris para falar que não pode ser por telefoneris? A gente se viu hoje de manhã na praia. Já está com saudaderis? – Anita deu uma daquelas suas risadas fanhas que sempre me arrancavam uma risada. Helena assentiu fazendo coro à pergunta de Anita.

- Também fiquei curiosa, Ally, está acontecendo alguma coisa? Por que a Daisy não veio?

Ops, se alguém tinha que perceber e questionar a ausência da Daisy, é claro que seria a Helena.

- Preciso contar uma coisa para vocês. Uma coisa que vem acontecendo a algum tempo, mas eu não tive coragem de contar para ninguém.

Anita arregalou os olhos e falou com a boca cheia de pizza:

- Ai meu Feuris! Vofê tá gráfidaris!

- Anita, termina de engolir, criatura, depois você fala! – Respondi apressada, rindo do jeito desengonçado da minha amiga. – Não é nada disso, eu já disse para vocês que eu e o Davi não chegamos às vias de fato.

- Então o que é? É algo grave? Tem a ver com saúde? – Helena indagou séria.

- Não... não sei por onde começar, pode soar tão bobo, mas foi algo que tomou proporções que eu não imaginava e...

- Certo, agora você poderis começar a fazer sentidoris. – Anita me interrompeu, revirando os olhos.

- Hum, ok. Bom, antes de tudo, eu preciso que me prometam que nunca irão falar sobre isso com ninguém. É muito importante manter esse assunto em segredo.

As duas me encaravam confusas e curiosas.

- Tudo bem, agora fala. – Helena disparou.

- Lembram que em Londres, quando encontramos o Roger Peterson, ele me entregou um cartão com um endereço?

- Roger Peterson? O que ele tem a ver com o que você tem para falar? – Questionou Helena.

- Tudo. – Respondi calmamente, não dando espaço para mais questionamentos. – Eu queria ter contado antes, mas me senti meio boba, e também não quis criar expectativas. Eu escrevi para aquele endereço. Não esperava nada em retorno, nem achava que minha carta fosse chegar às mãos do Roger. Mas chegou. E ele respondeu.

Sorri levemente ao ver as caras chocadas das minhas amigas, que a essa altura já tinha esquecido a pizza esfriando sobre a mesa.

Nas horas seguintes fui obrigada a contar cada detalhe dos últimos meses e de como eu “consegui” ganhar a atenção do Roger Peterson, bem nem eu mesma sabia. Elas queriam saber como ele me tratava, se era igual ao jeito como ele se porta em público. Perguntaram sobre a Cathy Seymour, e eu fiquei sem ter o que falar, por que eu simplesmente não sabia como andava o relacionamento dela com o Roger, ele nunca mencionou isso, e eu nunca me senti à vontade muito menos no direito de perguntar. Foram tantas perguntas, que quase esqueci de contar o principal, o motivo pelo qual as chamei para conversar, em primeiro lugar.

- O Roger vem para o Brasil.

- Sério? – Anita e Helena gritaram simultaneamente.

– Você vai encontrar com ele? – Helena perguntou.

- Ele disse que queria me ver. E o único jeito de podermos nos ver de verdade seria acompanhando a comitiva dele, então ele me convidou para fazer parte da equipe de intérpretes que o acompanharão. Eu seria a intérprete dele.

- Ain que lindoris, ele quer te veris! Amiguinharis, você está podendo, Rogeris Peterson quer te conheceris. Tem que aproveitar!

- Você já deu uma resposta para ele? O que você está pensando em fazer? – Helena questionou sem me deixar responder Anita.

- Eu aceitei.

Por alguns segundos instalou-se um silêncio no apartamento, eu quase podia ouvir suas respirações ofegantes. Parecia que elas estavam recebendo a notícia do casamento do Príncipe da Inglaterra.

- Ally, nem sei o que dizer, tudo isso que você está contando é muito surreal, não acontece na vida real. Você vai trabalhar com Roger Peterson, ele quer ser seu amigo... Você já parou para pensar que ele pode ter outras intenções...?

- Eu não penso em outra coisa, amiga... – Suspirei, aliviada por finalmente poder compartilhar meus sentimentos com minhas melhores amigas. – Às vezes acho que estou me metendo em uma roubada, que ele vai brincar com meus sentimentos, me usar e depois esquecer de mim, mas o Roger não é assim...

- Olha lá ela achando que já conhece o cara! – Helena se recostou no sofá, jogando as mãos para cima, exasperada e com o típico vinco de preocupação se formando bem no meio de sua testa. – Ally, escuta, não quero estourar sua bolha nem nada, mas você sabe que essa possibilidade é real. Roger pode ser um cara legal, mas ele ainda é o ator famoso e cheio de dinheiro que pode estar só querendo se distrair um pouco com uma garota bonita e legal como você.  

- Eu sei, por isso não alimento esperanças. Mas gosto dele, gosto de conversar com ele e me sinto especial por ele ser tão atencioso comigo. Quero ver onde essa história vai parar. Se ele quiser ser meu amigo, por que rejeitá-lo? E ainda tem a oportunidade profissional que não posso deixar passar.

Eu esperava estar sendo convincente, pois minhas palavras faziam muito sentido, mas nem eu mesma estava certa do que dizia.

- Pois é amigaris, aproveita o momentoris! Quantas pessoas têm a chance de estar pertoris do Rogeris e ser amigaris dele? Sem contar que você vai conhecer o Rioris de Jareiro! – Anita deu uma piscadela e uma batidinha reanimadora no meu joelho.

- Tudo bem, vocês têm razão. Mas se cuida, Ally, não quero ver você arrasada por causa de outro cara.

Estávamos tão absorvidas na conversa que não percebemos quão tarde já era. Passava de meia noite. Despedi-me de Anita e Helena com o coração mais leve. Meu segredo foi revelado, agora posso contar com seu apoio nos meus momentos de insegurança, que certamente não serão poucos.

Agora preciso contar para minha mãe sobre a oportunidade de trabalho que me apareceu. Claro, para ela vou contar a versão editada, que não abrange meu envolvimento com Roger.


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Notas finais do capítulo

Bom, o eurotrio foi fácil, será que a dona Íris vai engolir fácil esse papo de "oportunidade de trabalho"?
Comentem, comentem, comentem!
As coisas estão esquentando, em breve Ally e Roger irão se encontrar, esperei tanto por esse momento!
Beijão, até a próxima!