Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 22
Capítulo 21


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, tudo bem? Estou de volta com mais um capítulo para vocês e com uma novidade: agora sou oficialmente Arquiteta e Urbanista! Isso mesmo, finalmente concluí meu TCC e agora estou com mais tempo livre para escrever. Vou dar uma turbinada na postagem de capítulos da fic. Espero conseguir postar pelo menos 1 capítulo a cada duas semanas, que tal? Por favor, mandem muitas energias positivas para eu ter muita inspiração para escrever, certo?
Acho que algumas pessoas ficarão felizes com esse capítulo, ou nem tanto.
Quero muitos comentários, como presente de formatura! Eu mereço, hein? ;) Beijos



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Sei que sou muito reservada. Não é de mim expor meus sentimentos, muito menos transformá-los em pauta para mesa redonda entre amigos e familiares. Ouvir outras pessoas discutindo detalhes da minha vida como se eu fosse uma criança no pré-escolar é algo assustador para mim, mesmo sabendo que as discussões são motivadas pelas melhores intenções.

Eventualmente isso acontece na minha casa. Sou a filha caçula e, ao que parece, isso dá direito ao restante da família de se intrometer nos meus assuntos. Sempre que caio na besteira de falar para minha mãe ou para o meu irmão sobre algum acontecimento, eles acabam transformando a conversa em uma sessão de análise.

Conversamos brevemente sobre o Carnaval. Minha estratégia foi perguntar muito sobre o festival de blues na serra, quem foi, quem deixou de ir, se estava lotado, se os artistas que se apresentaram eram bons; não deixei espaço para falarmos sobre o Morro Branco. Parece que deu certo. O único assunto sobre o qual falei com minha mãe foi os pais do Davi.

Contei para ela o quanto estava chocada com o lado superprotetor da dona Isabel, o quanto me senti humilhada e desrespeitada com as insinuações dela. Ísis concordou comigo e ressaltou um aspecto que eu não havia percebido até então. Ela disse “Ally, a vida inteira a Isabel lhe tratou como uma filha, como a melhor amiga da Daisy. Agora a situação é diferente, por mais que ela goste de você, agora ela é a sogra. Talvez esteja se sentindo confusa em relação ao seu namoro com o Davi. É natural. Você vai precisar de paciência e também vai precisar de jogo de cintura para conquistá-la como sogra.”

“Não sei se tenho mais paciência nem com o Davi...” Pensei comigo.

Esta noite vamos para o aniversário surpresa da Daisy. Não é a ocasião adequada para discutir o relacionamento, mas não vejo a hora de estar a sós com o Davi e dizer para ele tudo o que estou sentindo e, eu receio, deixando de sentir.

Cheguei cedo ao apartamento da Daisy. Seus pais a haviam levado para jantar, e prometeram mantê-la fora de casa o máximo possível para que pudéssemos organizar tudo. O Davi também não estava em casa, até achei melhor assim, apesar de estar incomodada por ele ter retornado do Carnaval e nem ao menos ter me ligado.

Encontrei com Helena e Anita no elevador quando descia com os salgadinhos para o salão de festas.

- Ah! Que bom que vocês chegaram, tô sozinha, tem muita coisa para arrumar ainda.

Cumprimentei minhas amigas soltando beijos no ar, sem desviar minha rota. Não paramos um minuto para fofocar, colocamos os assuntos em dia entre uma viagem e outra no elevador, ou enquanto arrumávamos as mesas no salão.

Indignação é pouco para descrever a reação da Helena e da Anita quando contei o que o Davi aprontou no feriado. Mas quando finalmente terminamos de arrumar tudo e nos sentamos para conversar, os convidados começaram a chegar. Não seriam muitas pessoas, apenas amigos próximos e alguns familiares.

O tempo estava passando, o salão estava ficando cheio e nada de Davi aparecer. Ele havia prometido que me ajudaria nos preparativos, mas até então não havia aparecido. Tive que bancar a anfitriã e dividir minha atenção entre os convidados. Todos elogiaram bastante a decoração, o acolhimento e a comida, o que me deixou aliviada, com uma sensação de dever cumprido. Mas eu devia esses créditos às minhas amigas do peito.

O esforço foi compensado quando a Daisy finalmente chegou com os pais. Ela correu para um abraço coletivo comigo e com a Anita e Helena. Claro que ela sabia que nós três estávamos por trás da surpresa.

Não me passou despercebido a satisfação da dona Isabel, pelo menos quanto a um de seus filhos eu conseguia agradar. O que me surpreendeu foi ela ter vindo até mim agradecer pelo empenho e elogiar a festa.

Como se eu nunca tivesse feito isso pela filha dela.” Pensei amargamente.

Cerca de meia hora depois, Davi chega visivelmente bêbado, na companhia de João, Natália e Suellen. Eu simplesmente não sabia o que pensar. Eu havia convidado o João e a namorada por que são amigos do Davi e naturalmente, fazem parte do ciclo de amizades da Daisy também. Mas aquela garota? O que ela estava fazendo ali?

Antes que eu esboçasse qualquer reação – por alguns segundos fiquei muda e estática – Anita aproximou-se de mim, me puxando pelo braço para um canto mais reservado do salão de festas.

- Amiguinharis... até que enfim o Daviris chegou! Pensei que ele fosse faltar a festaris da própria irmã! Mas vem cá, quem é aquela... meninaris?

Suspirei pesado e respondi sibilando por entre os dentes.

- É a piriguete que te falei. Aquela que passou o carnaval inteiro na cola do Davi. Pelo visto, não descolou.

- E você fica calmaris assim? Não vai falar com ele? Ela nem foi convidada para a festaris!

- Ah amiga, não vou fazer cena aqui no aniversário da Daisy né, ela não tem nada a ver com isso. – Me deixei cair vencida na cadeira. Nem ao menos me dei ao trabalho de ir falar com eles. Que se danem, eles nunca fizeram o menor esforço para me fazer sentir bem, não vou gastar a pouca energia que me resta com isso. – Estou de saco cheio, pensava que nunca mais olharia para a cara dessa garota.

Fiquei com a Anita nessa mesa no canto do salão, quase me escondendo do restante das pessoas e, principalmente, do Davi. Não queria falar com ele. Helena aproximou-se e sentou-se conosco, questionando também sobre a desconhecida com cara de piriguete. Tive que repetir a história toda para ela também. Cada vez que lembrava, mais chateada ficava.

Minhas amigas tentaram em vão me distrair, conversando bobagens e contando suas aventuras de carnaval. Esforcei-me para prestar atenção, mas não conseguia tirar os olhos da cena que se desenrolava do outro lado do salão, onde Davi conversava animadamente com João e Natália, e a tal Suellen descaradamente cheia de atenções para ele.

Passaram-se cerca de quarenta minutos até ele perceber minha presença e ir falar comigo. Como sempre, fez aquela média de namoradinho apaixonado, que já não colava mais comigo. Fiquei quieta, não retribuí as carícias, não ri de suas piadas e nem ao menos procurei ficar de mãos dadas. Ele sabia que tinha culpa no cartório e por isso fingiu não perceber o quanto eu estava chateada. Essa atitude acabou me obrigando a abordar o assunto.

- Davi, o que a Suellen está fazendo aqui? Ela não foi convidada.

Ao contrário do que eu esperava, ele não ficou inventando desculpas esfarrapadas. Respondeu claramente que ele próprio a havia convidado, o que me deixou mortificada.

- Qual o problema, ela é nossa amiga também?

- Nossa, amiga? Defina quem é esse “nós” por que com certeza eu não estou inclusa aí, e posso garantir que a Daisy também não está! – Repliquei cinicamente.

- Mas ela passou o Carnaval inteiro com a gente, é nossa amiga, não?

- Ah Davi, não vem com essa pra cima de mim. Me deixa, vai lá fazer companhia para sua amiguinha. Depois quero ter uma conversa séria com você.

- Que conversa? Não pode falar agora?

- Não.

O restante da noite se arrastou até o fim da festa, eu basicamente não levantei da mesa onde estava e monopolizei a atenção das minhas amigas, sem o menor arrependimento.

Havia muito o que conversar, mas eu preferi apenas ouvir as histórias delas. Estava com saudades de sentir a paz de não esconder sentimentos, de falar o que desse na telha e simplesmente desfrutar sua companhia.

Em determinado momento, senti vontade de contar sobre Roger, mas não me senti à vontade para falar sobre o assunto. Parecia loucura falar sobre ele em voz alta. Temi pela privacidade de Roger, não por considerar minhas amigas indiscretas, confio nelas de olhos fechados. Mas não creio que elas tenham noção do quanto um comentário, por mais inocente que fosse, poderia afetar a vida e carreira dele. Também tive receio de ser mal interpretada. Não sabia o que minhas amigas pensariam da coisa toda. Quando estávamos em Londres, na viagem em que tive a felicidade de conhecê-lo, elas interpretavam minha “paixão de fã” como um passatempo, um lado meu meio infantil, ao qual não davam muita importância.

Refleti sobre o que estava fazendo com Roger. Aquilo podia ser considerado um tipo de traição? Esconder que estou conhecendo outra pessoa... Mas não estou nutrindo a menor esperança em relação a ele, e por isso controlo meus próprios sentimentos para não acabar me apaixonando por ele. Será que controlo mesmo?

Cada vez que pensava sobre o Roger, mais me distanciava do que um dia senti pelo Davi. Sim, eu tinha consciência que nunca poderia ter um relacionamento com o Roger, mas eu reconhecia nele o tipo de homem que quero ter na minha vida. E esse tipo é completamente diferente do Davi.

Esse pensamento me fortaleceu para a conversa que nos aguardava ao final da festa.

Todos os convidados já haviam deixado a festa, menos a piriguete e o casal de amigos do Davi. Eles conversavam animadamente enquanto eu e as meninas limpávamos o salão e guardávamos os objetos de decoração. Quando estávamos quase terminando, eles finalmente foram embora, deixando o Davi livre para nos ajudar a empilhar as cadeiras de plástico. Em seguida, as meninas se despediram e também foram embora, Daisy despediu-se, deu boa noite e subiu com os pais.

Eu estava exausta e chateada. Poderia ter deixado a conversa para o dia seguinte, mas eu precisava aproveitar aquela coragem temporária que me invadiu.

Sentamos no jardim do condomínio, Davi estava sóbrio e sonolento. Respirei fundo e comecei meu discurso.

- Eu não sei bem como começar essa conversa. – cruzei e descruzei as pernas, desconfortável. – Eu não aguento mais, Davi. É isso.

Ele fez uma cara de surpresa, ou seria mágoa?

- Não aguenta mais o quê? Você nunca está satisfeita comigo! Qual o problema agora?

Suspirei profundamente. Quando lhe encarei, pensei que não fosse conseguir dizer tudo o que estava sentindo. Abri a boca e as palavras começaram a sair como uma metralhadora, inclementes, incessantes, como em uma catarse.

- O problema, Davi, é que você está sempre fazendo coisas que me chateiam e só se dá conta disso quando me vê triste e chorando pelos cantos. Você não me conhece! Você diz que gosta de mim, mas não sabe o que me deixa feliz, nem o que me desagrada. Você sempre procura se redimir das bobagens que faz tentando me impressionar com estereótipos, com coisas que você acha que toda garota gosta. Só que eu não sou ‘toda garota’. Eu sou a Ally, e quero ser amada e respeitada por quem eu sou. Durante esse tempo todo busquei ser compreensiva e aceitar tudo o que você fazia e suas desculpas, justificando para mim mesma que ‘Oh-meu-Deus, eu finalmente consegui o que sempre quis, deveria ficar feliz e parar de reclamar.’ Mas quer saber? Cansei disso tudo, não acho justo com você, mantê-lo aprisionado a mim quando claramente o que você quer mesmo é curtir a vida e ter uma boca para beijar eventualmente quando se sentir sozinho. Também não é justo eu me submeter a todos os seus caprichos só por que eu sou a pessoa que está mais envolvida nesse relacionamento. Para mim chega, você está livre e eu também.

Ele pareceu confuso, como se não acreditasse em uma palavra do que eu disse. E ficou em silêncio uns minutos, como se estivesse esperando que eu voltasse atrás no que havia dito.

- Ally... por quê isso agora? A gente está se conhecendo, tentando se ajustar. Você não pode desistir agora. – Exclamou inconformado.

- Davi, não é “isso, agora”. Desde que começamos a namorar temos tido atritos, você não consegue me entender e eu não consigo aceitar seu comportamento. A gente se gosta sim, mas não é o suficiente para termos um relacionamento saudável. Eu estou triste, não aguento mais tanta chateação. Esses dois meses se arrastaram como se fossem dois anos.

- Não, Ally! Como uma pessoa deixa de gostar assim da noite para o dia? Você tá gostando de outra pessoa?!

Pareceu mais uma afirmação do que uma pergunta. Senti um arrepio na espinha.

- Não, não conheci ninguém!

- Então por quê você tá fazendo isso comigo? – Indagou inconformado, como se não acreditasse que pudesse existir outra razão para eu não querer ficar com ele.

- Eu já disse, Davi.

- Não, só pode ter alguém metido nessa história. É aquele surfista, não é? – Acusou, referindo-se ao Gustavo, o gato rock n’ roll.

Suspirei desanimada. Por quê ele tem que ser tão cabeça dura e orgulhoso? Lembro-me do tempo em que achava essa atitude dele um charme, uma ‘marca registrada’ de sua personalidade, e o admirava por isso. Agora eu só conseguia achar aquilo um sinal de imaturidade.

Respirei fundo, buscando toda paciência dentro de mim, e prossegui.

- Davi, você acha que a única razão para eu deixar de estar apaixonada por você seria por eu estar gostando de outra pessoa? Paixão é um sentimento poderoso, sim, mas é tão frágil quanto poderoso. Eu gostava demais de você, demais até para meu próprio bem. Eu exaltava suas qualidades e procurava esquecer seus defeitos. A paixão fez com que eu enxergasse você de forma deturpada. Eu coloquei você em um pedestal. Tudo bem, não é culpa sua. Mas foi você que desceu do meu pedestal sozinho. Suas atitudes me fizeram perceber o meu erro.

- Você quer dizer que nosso namoro foi um erro? Sinceramente, eu não esperava isso de você, Ally. – Sua voz tremeu e  eu tremi junto. - Com todas as minhas falhas, eu gosto de você de verdade. Do meu jeito, mas gosto. Você não consegue perceber isso por que está muito ocupada procurando mais defeitos em mim.

Ele parecia realmente desolado com minhas palavras. Confesso que quase fracassei em manter a compostura. Quase deixei tudo de lado só para poder confortá-lo. Era uma reação natural. Eu não estava acostumava a vê-lo assim tão vulnerável. Raras foram as vezes que o vi tão emocionalmente fragilizado. Talvez ele tivesse razão. Talvez eu estivesse tão ocupada com meus próprios sentimentos que fiquei cega quanto aos sentimentos dele. Mas agora era tarde. O encanto estava quebrado. Minha decisão estava tomada. Talvez eu me arrependa no futuro; mesmo assim, vou pagar para ver.     

Davi quebrou o silêncio, decidido:

- A gente vai resolver isso. Eu prometo que vou mudar, você vai ver. Não vou desistir de você, Alicia Curtis. Não pense que vai se livrar de mim tão fácil.

Levantou-se e seguiu até o hall dos elevadores, sem olhar para trás. Permaneci sentada por alguns minutos até me recompor, segurando as lágrimas que se formavam e engolindo o soluço que estava preso na garganta.

Meu coração dizia que eu tinha tomado a decisão certa. Mas não conseguia evitar de pensar que poderia me arrepender. Fui para casa com o coração pesado, por mais que tivesse tirado um grande peso dele. A muito tempo não sabia como era ficar sem gostar de ninguém. Não tinha ideia de como seria nos próximos dias, semanas, meses.

Será que algum dia serei capaz de gostar de alguém de uma forma tão inocente e sem reservas como gostava do Davi? Não conheço outra forma de amar senão aquele amor sufocado, pouco gratificante e cego que senti por ele.

Se o tempo é poderoso e cura tudo, confio nele para arrancar o Davi do meu coração até que a última raiz tenha sido eliminada e que eu esteja preparada para preenchê-lo novamente com um amor leve, que me faça sorrir mais do que chorar.

No som do meu carro tocava a música “Almost Lover” da banda A Fine Frenzy. Muito apropriado! Parece que ele é equipado com algum dispositivo que detecta meu estado de espírito.

Encarei os dias seguintes como um zumbi, apenas cumprindo minhas obrigações e compromissos profissionais, encontrei minhas amigas algumas vezes e conversamos bastante sobre o assunto. O que foi bom para mim. Todas concordaram comigo e apoiaram minha decisão.

Nos dois primeiros dias foi difícil não pensar no Davi e no fim do namoro; o telefone não parava de tocar. Tentei ao máximo ignorar as ligações dele, mas não podia deixar o celular desligado, por causa dos meus clientes. Ao final do dia não aguentava mais ouvir o telefone tocando. Como já havia encerrado meu horário de trabalho, podia desligá-lo sem me preocupar em perder ligações importantes. Minhas amigas sabiam onde e como me encontrar, caso precisassem. Mas elas sabiam que eu queria ficar um pouco só.

Foi difícil ficar em casa à noite sozinha, sem os abraços, sem os beijos dele. A gente se acostuma rápido a ter aquela pessoa a quem dedicar nosso carinho e atenção, que nos faz sentir protegida e querida. E a coisa física também. Isso faz falta, mesmo que o amor tenha acabado.

Se ao menos o Roger não estivesse viajando... em apenas uma conversa no MSN ele poderia me distrair, falar alguma de suas gracinhas, ser fofo como sempre e preencher o vazio que eu sentia. Queria guardá-lo em um potinho, ele seria minha poção mágica contra tristeza e doenças do coração.

Ah Roger, como pode um cara desconhecido, que vive tão longe fazer tanta falta e ser tão fundamental para mim?

Uma tarde, estava vendo o noticiário na TV, coisa que nunca faço, quando minha mãe chegou do trabalho. Até então não havíamos conversado sobre o fim do meu namoro. Sei que ela não fez perguntas por que me conhece e sabe que eu estava chateada demais para querer tocar no assunto. Mas não acho justo mantê-la tão afastada dos meus assuntos. Quando ela sutilmente perguntou como eu me sentia, percebi que ela se referia ao Davi. Sorri e respondi tranquilamente:

- Estou bem, mãe, obrigada. Pensei que fosse sofrer mais, mas estou aliviada. Apesar de sentir falta dele, sei que vai passar.

- Você parece bem tranquila mesmo. Fiquei preocupada. Pensei que você fosse ficar bem abalada com o fim do namoro. Confesso que estou bastante surpresa com essa sua calma. Você gostava tanto do Davi, para onde foi toda aquela paixão?

- Evaporou, eu acho.  Não tem paixão que resista à imaturidade do Davi. Cansei de me conformar com a falta de consideração e molecagem. Acho que foi isso, sei lá...

Minha mãe sentou-se na poltrona de frente para mim, colocou a bolsa na poltrona ao lado e tirou os sapatos. Pelo visto ela está afim de conversar hoje...

- Estou orgulhosa da sua postura. Mas acho que não precisa ser forte o tempo inteiro. Você está em casa, sou sua mãe, se está triste não vou lhe julgar.

- Não estou bancando a forte, mãe. Só estou conformada. Mas estou triste sim. Queria que fosse diferente. Mas não faz sentido querer que o Davi seja diferente. Seria o mesmo que desejar que ele fosse outra pessoa, e isso não é possível.

- Não, não é possível... – Murmurou hesitando. – E como ele reagiu à sua decisão? Duvido que tenha aceitado numa boa!

- Não mesmo! O problema do Davi é esse, ele não reconhece quando está errado e nem a gravidade do erro, o que é pior! Ele disse que não desistiria, que me provaria que estou enganada... Espero que mude de ideia, já está difícil do jeito que tá.

Encolhi-me no sofá, com a cabeça repousando sobre o encosto lateral.

- Ele tem procurado você?

- Nos dois primeiros dias foi mais difícil, ele me ligava o tempo inteiro, me mandou mensagens, não me deixou em paz. Mas acho que ele deve ter percebido que eu não estava afim de papo, por que faz uns dois dias que ele não dá sinal de vida.

 - Que bom, você precisa de espaço e tempo para superar tudo isso. Mas estou aliviada por ver que você é mais forte do que eu imaginava. Você nasceu para ser uma grande mulher, filha, a cada dia suas atitudes me dão mais certeza disso.

Nossa, por essa eu não esperava! É bom ouvir isso, especialmente vindo da minha própria mãe. Sua confiança em mim, na minha capacidade de decisão me dá mais confiança em mim mesma, especialmente nesse momento em que a insegurança de vez em quando me assombra.

- E o que você pretende fazer daqui por diante? – Indagou, mudando de assunto. E isso me fez lembrar daquelas ideias que estavam rondando meus pensamentos no Morro Branco: a pós graduação fora do país. Essa era a oportunidade ideal para tocar no assunto. Endireitei-me no sofá e, meio sem hesitante, introduzi o tema.

- Err... andei pensando... Tem uma coisa que eu gostaria de fazer a muito tempo; venho amadurecendo essa ideia e pensando em como colocá-la em prática. Mas eu precisaria da sua ajuda... quer dizer, se você puder, claro.

- Claro, filha, você pode contar comigo para qualquer coisa! Eu até já tenho uma ideia do que se trata e estou feliz que você tenha tocado no assunto.

- Como assim você já tem uma ideia? – Fiquei confusa e ao mesmo tempo assustada.

Será que minha mãe tem capacidade de ler meus pensamentos? Não, Deus, por favor não!  Tremi só de imaginar o que ela pensaria de mim se soubesse o que passa pela minha cabeça.

- Você acha que não percebo o quanto você trabalha duro? Fica o dia inteiro de frente para o computador com suas traduções, atolada de trabalho e não tem espaço nem para contratar um ajudante ou estagiário para lhe ajudar. Já está na hora de você ter o seu escritório, se estabelecer de vez, você não acha?

Sim, eu venho batalhando todos esses anos para juntar dinheiro e montar meu escritório. Sim, eu sei que ela vê meus esforços e se preocupa com isso, mas onde ela quer chegar com essa conversa?

- Claro, mãe... é o que pretendo, um dia... você tem razão...

- Então, eu decidi que está na hora de dar uma mãozinha para você levar esse projeto adiante! Tenho umas economias, é suficiente para você comprar os principais equipamentos para o escritório, para dar o pontapé inicial no seu negócio!

Fiquei muda. Não sabia o que dizer. Estava feliz por ela estar disposta a me ajudar a realizar esse sonho. Não queria jogar areia nos planos dela, ela parecia tão animada. Mas algo dentro de mim dizia que este não é o momento, que eu preciso viver essa experiência fora para depois me estabelecer para sempre aqui, jogar minha âncora em Fortaleza e ficar por aqui para sempre.

- Poxa mãe, não sei o que dizer. Obrigada! – Foi o que consegui responder, enquanto pensava em uma maneira de contar meus planos sem parecer ingrata.  - Na verdade, meu plano não era exatamente esse. Quer dizer, claro que quero montar meu escritório, eu sempre quis. Mas acho que ainda preciso aprimorar meus conhecimentos na prática. Acho importante a vivência do idioma para a melhor compreensão da linguagem. Isso é importante para mim como tradutora, sabe?

- Sim, concordo... mas onde você está querendo chegar com essa conversa?

Me enchi de coragem e falei de uma vez, sem rodeios qual era minha inteção.

- Quero fazer uma pós-graduação fora do país. Na Inglaterra, de preferência. Mas, para isso, preciso de uma ajuda financeira. Minhas economias não são suficientes para pagar os custos da universidade e de moradia...

- Você pretende gastar todo o dinheiro que juntou até agora em uma viagem? E o que vai fazer quando voltar? Vai começar tudo do zero? Você só pode estar brincando, Alicia!

- Bem, eu posso continuar fazendo minhas traduções a distância, só preciso do meu computador, isso já me garante manter o contato com os clientes. Mas não é o suficiente para me manter enquanto estiver lá, tem o problema da diferença de moeda, essas coisas. Pretendo arrumar um trabalho quando estiver lá, mas não posso confiar que conseguirei na primeira semana...

Minha mãe se exaltou como eu nunca havia visto antes. Não pensei que ela pudesse se chatear tanto com a ideia de eu estar longe por alguns anos. Mas ela realmente não esperava por isso.

- E você fala como se já estivesse com tudo acertado, como se minha opinião sobre o assunto não valesse de nada, como se sua decisão já estivesse tomada! O que está acontecendo, Ally? De onde você tirou essa ideia maluca de jogar tudo para o alto? Isso tem a ver com sua decepção com o Davi? Você não precisa ir para o outro lado do mundo para esquecê-lo, minha filha!

Ah mãe, relaxa, foi um amigo meu que me incentivou, um inglês, aquele ator Roger Peterson, a gente vem conversando sobre isso pelo MSN,sabe como é, né?

Pensei ironicamente, dando graças a Deus por ela realmente não poder ouvir meus pensamentos.

- Não mãe, calma! Estou falando com você justamente por que sua opinião é importante para mim e por que preciso de sua ajuda. Sem seu apoio não posso nem atravessar a rua, quem dirá cruzar o oceano! Mas eu não esperava por essa sua reação. Achei que você ficaria feliz em saber que quero crescer como profissional.

Por alguns segundos vi em sua expressão um ar de compreensão, aquele olhar de mãe quando não quer contrariar o filho, mas precisa. Em seguida ela se recompôs e com firmeza declarou a sentença do meu destino:

- Ally, ninguém quer ver você crescer como profissional mais do que eu. Estou disposta a ajudá-la a concretizar seu sonho, mas uma coisa real, que lhe trará um resultado palpável, e não uma viagem que só vai fazer você ficar estagnada no tempo por um, dois anos. Se quiser montar seu escritório, pode contar comigo. Mas eu não vou investir nessa sua viagem sem cabimento. Sinto muito, minha filha.

Fiquei mais chateada do que deveria. A chance de minha mãe concordar com a viagem era de 50%. Eu deveria saber que ela poderia discordar, por vários motivos além dos que ela expôs.

Eu não queria admitir nem para mim mesma que existia um motivo especial para minha decepção. Esse motivo atendia pelo nome de Roger Peterson, ou Peter, como ele costuma assinar as mensagens. No fundo eu sabia que parte da minha motivação para ir para a Inglaterra era a possibilidade de poder encontrá-lo novamente, de me tornar sua amiga e ficar próximo dele. Mesmo que as chances de que isso realmente pudesse acontecer fossem próximas de zero, eu queria agarrar essa chance com unhas e dentes. Ver minha mãe rejeitar meu pedido tão diretamente, sem rodeios, me magoou de verdade. Sem o apoio dela, eu não teria a menor chance de juntar dinheiro suficiente para a viagem.

A conversa com minha mãe esgotou todas minhas energias. Tranquei-me no meu quarto pelo resto da noite. Fui para a cama mais cedo, mentalmente cansada. Sem esperanças, com o coração pesado e desejando mais do que nunca poder ao menos falar com o Roger.


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Notas finais do capítulo

Será que Ally finalmente conseguiu superar seus sentimentos por Davi hein? Ela está sendo bem forte, isso é bom! ;)
Comentem, please. E divulguem a fic, se gostarem!
Obrigada, meu leitores queridos. ♥33