- Gostei dos seus olhos, tia. Parece com os de uma menina lá de umas fotos do papai. Só que o cabelo dela é... laranja. Tem umas que tá vermelho. Tinha uma que tava amarelo. Já teve até rosa, você acredita, tia ?- eu ri dela.

- Acredito, sim . Oque você acha dela ?

- Ela é linda. Aquele cabelo e os olhos dela... eu não sei, tia, mas tudo nela me faz sorrir, eu não sei por que.- ela disse, abraçando a bola, ou pelo menos tentando. E eu não queria me desgrudar daqueles olhinhos azuis. Tão sérios, tão lindos, e de alguma maneira, eu encontrava paz neles. Aquela criança, cuja qual eu não sabia nem o nome, era o projeto de pessoa mais bem feito do mundo. Traços suaves, um rosto angelical e uma voz cativante.

- Aposto que ela é mesmo. - eu respondi, sorrindo para ela. Se ela era filha de quem eu pensava que era, tenho certeza de quem ela estava se dirigindo quando falava do cabelo. Ou dos olhos.

- Quando eu crescer quero ser que nem ela. Papai disse pra mim que ela era a pessoa mais incrível que ele já conheceu, além da mamãe, só que ele não fala mais com ela. Ele não me diz porquê. - ela disse, dando de ombros, tão linda. Tinha o jeito do Jeremy, gestos tão descontraídos mas que ao mesmo tempo mostravam-se perfeitamente calculados, de uma boa maneira. Ela fazia isso sem nem se dar conta. Algo que eu invejava nas outras pessoas. O poder de dar opiniões e viver a vida sem ter que se machucar ou aos outros a sua volta. Aquele pequeno ser a minha frente parecia ter um futuro promissor, em qualquer tipo de atividade que escolhesse. - Eu queria muito conhecer essa menina. 

- Ela pode estar mais perto do que você imagina... 

- Eu acho que não, tia. Papai disse que é impossível achar ela de novo. Fico triste por isso. Papai também. E a mamãe... - ela parecia ter mais compreensão do que muitas outras pessoas que eu conhecia. Quantos anos ela tinha ? Dois ? Três no máximo. Falava tão bem, sem vacilar em nenhuma letra. Jeremy e possivelmente Kathryn deveriam ter a educado muito bem... - Tia, vou ter que ir agora. Papai daqui a pouco volta e ela vai brigar se não me encontrar.

- Tudo bem, querida. 

- Brigada por ter pego minha bola. 

- De nada, lindinha. Tome cuidado.

- Vou tomar. - e ela foi, sorrindo, chutando a bola. Às vezes ela soltava uma risada, que parecia o soar de sinos. Ouvir sua voz e presenciar sua alegria fazia algo crescer dentro de mim. Saudade. De Jeremy, de Kathryn... de família. Eu tinha que sair dali antes que alguma coisa desse errado para mim. Mas qual seria a pior coisa que poderia me acontecer naquele momento ? Jeremy aparecer para pegar sua filha ? Eu começar com a seção masoquismo emocional por ficar lembrando de família ao ver a menina brincar ? Se é isso que estou temendo, melhor voltar para a única pessoa que poderia evitar tudo isso agora, e que já deve estar preocupado. Josh. Me virei, caminhando na direção dele, que estava debruçado sobre as mãos na grama, de olhos arregalados na minha direção, que passavam da garotinha para mim numa sequência frenética. 

- Certo... quem era ela ? - ele disse, meio confuso, se ajeitando para me dar espaço para sentar ao seu lado. Eu o encarei, tentando ficar séria agora.

- Duas hipóteses: Uma criança qualquer, daquelas que se encontrar em todo lugar ou... - eu tinha medo de falar para ele a segunda. Eu não tinha a mínima ideia de como ele poderia reagir a tal situação. Poderia ser indiferente. Poderia ser histérico. Poderia ser preocupado... 

- Ou... - ele repetiu, esperando pela continuação. Josh não era daqueles de se desesperar por algo. Ele levava quase tudo normal ou indiferentemente. A indiferença dele poderia me machucar ?

- Ou... - eu continuei, ainda com medo. Uma palavra poderia resumir tudo. - Jeremy. 

- Você... quer dizer que... aquela garotinha... é filha do Jeremy ? - Sua mandíbula estava rígida por um instante, logo voltando ao normal. Josh levantou os olhos para encontrar com os meus. Tudo passava por eles. Medo; preocupação; felicidade.

- Exatamente. - eu assentia. Josh sorriu, mas eu continuei séria. Seus olhos brilhavam, cheios de surpresa e alegria. De qualquer jeito, ainda era possível enxergar uma tensão neles. 

- O que... ela disse ? - ele se pôs à minha frente, cruzando as pernas. Fiz o mesmo.

- Agradeceu por eu ter pego a bola. Ela... disse que eu tinha os olhos parecidos com os de uma menina das fotos do “papai”, só que o cabelo era diferente, e ela gosta deles, de todos os tipos e cores. Disse que quer ser igual a “ela” quando crescer. Que ela e a família ficam tristes porque não vão mais achá-la. - eu sorria com cada palavra, lembrando dela, do jeito dela.

- Esse “ela” seria você. - não foi uma pergunta. Eu só assenti. - Mas, Hayles... isso é... ótimo. Ele está aqui ! Ele quer te ver ! Vamos encontrá-lo ! - ele disse, já se levantando. Eu apenas segurei o braço dele, evitando que ele começasse a correr por ai.

- Josh, não. 

- Por que ?

- Porque... lembra que você tinha medo de ver ele ? Lembra que você não sabia qual podia ser a reação dele ?

- Sim, mas ele quer ver... 

- Ele quer me ver. Eu digo, não que ele só queira me ver, mas... só temos essa certeza. Quem sabe se ele teria a mesma alegria em te rever ?

- Jeremy é racional. - ele afirmou, num tom de deboche.

- Me pergunto se ele foi racional quando você anunciou a sua saída. - eu provoquei, fazendo-o se sentar de novo.

- Jeremy pode ter mudado, ele tem uma filha agora. Ele pode ter me perdoado. 

- Por que uma filha iria mudar isso ?

- Bom, se a banda não tivesse acabado, ele não teria uma filha. 

- Quem disse ? A banda não impedia ninguém de fazer qualquer coisa. Não te impediu de se casar com Jenna. - assunto delicado, Hayley . Por que você tocou nele ? Josh agora parecia recuar, literalmente. Recuar da ideia de procurar Jeremy. Recuar de mim . - Não ! Me desculpe, Josh ! Não fique assim... eu... não deveria ter falado isso. 

- Não, eu que deveria ter parado de me sentir afetado quando falam dela. - ele parou, meio afastado de mim, e se sentou, desistindo da ideia. Ficou olhando para mim por alguns instantes e baixou a cabeça, afundando-as nas mãos. A distância era algo que me irritava.

- Isso não é o pior agora. - e continuei a encará-lo, esperando que os aqueles olhos castanhos pudessem encontrar os meus. O silêncio continuava, e minha vontade era faze-lo em pedaços. Me aproximei, sentando a sua frente de novo, mas ele não se moveu. Não estava acostumada a ficar tanto tempo sem ele, mesmo que estivesse na minha frente, não poder ver o brilho dos seus olhos, ou seus lábios flexionados num sorriso perfeito me deixada frustrada. Pousei minha mão sobre sua perna. Ele levantou a cabeça mas parecia estar de olho em outra coisa. 

- Jeremy. - ele sussurrou, ainda olhando para outro lugar. - Ele está lá, Hayles. É ele ! - ele se sobre saltou. 

- Josh, para de gritar. - eu disse, recolhendo as pernas e descansando a cabeça nos joelhos.

- Olhe. - ele insistiu, tocando meu ombro. Por mais que seu toque frequentemente me acalmasse, agora parecia uma sentença de morte. Eu não tinha medo de que Jeremy me visse. Pelo contrário! Seria uma das melhores coisas agora. Teria Jeremy e Josh comigo, pelo menos, não igual aos velhos tempos, mas saberia que ele sente a minha falta que nem eu sinto a dele. Ou não. Josh tinha dito que Jeremy conseguiu uma filha saindo da banda. Porque não cogitar a ideia de que ele levou o fim numa boa ? E que ele estava levando uma vida “normal” agora, com Kathryn e filha ? Josh poderia ter alguma estrutura na afirmação. Mas isso seria contraditório ao que a garotinha disse ?Talvez. Ela não falou nada sobre Josh.

- Eu não quero olhar. - eu virei o rosto para a direção oposta da que Josh olhava. Eu não quero ver ele, eu não quer ver Kathryn, eu não quero ver a garotinha de novo. Eu não quero ver a “Família Feliz”.Não que eu não queira os ver feliz . Isso se resumiria a um único resultado : perda de raciocínio. Eu iria querer estar do meio daqueles sorrisos e risadas. Eu iria me lembrar do tempo em que eu estive entre eles. E por que a perda de raciocínio ? Simples! Eu iria correr para lá. Está acontecendo a mesma coisa. Um início de negação e repulsa em encontrar a pessoa, ou as pessoas, no caso, seguido por um outro de magnetismo para ela, ou elas. Mas quem diria que isso iria acontecer em menos de um hora ? Nesse caso, tem três pessoas me puxando.

- Jeremy está com Kathryn. Ela veio trazer alguma coisa para a menina. Agora ele está falando alguma coisa. - Josh continuava a se curvar compulsivamente para a cena.

- Eu não quero saber. - enquanto eu mantinha meus olhos num ponto fixo, num outro horizonte.

- Ela está apontando para a bola. Jeremy sorriu e pegou ela no colo. - Josh parecia sorrir ao mesmo tempo, eu podia sentir isso em sua voz. - Ela deve estar falando de você.

- Espero que não. 

- Por que isso agora, Hayles ?Você estava tão feliz depois de falar com ela. - eu podia sentir seus olhos passando pelo meu rosto.

- Eu sou estranha, Josh, mudo muito rápido de humor. Eu ainda me sinto ótima por tê-la encontrado. Mas me sentiria estranha por encontrar Jeremy. 

- Explica. - ele levantou o meu queixo, fazendo-me olhar diretamente nos seus olhos. Ele estava agachado a minha frente, se apoiando em um só joelho. Eu desviei o olhos, para não perder o fio do pensamento.

- Ela... era inofensiva. Só uma criança. Do mesmo jeito, a maneira como ela falava, que ela me olhava era tão calmante, era do mesmo jeito que Jeremy fazia. 

- E qual é o problema do Jeremy, então ? 

- Eu... não sei direito. É meio que trocar o certo pelo duvidoso. O certo é que, se eu ficar aqui, ainda vou ter você, pra me deixar melhor. O duvidoso é que, se eu for lá, posso correr o risco de ter que escolher entre você e Jeremy. Ou não. Quem sabe... 

- O certo é que se você ficar aqui, não sabe quando vai ter essa chance de novo, e vai ficar se remoendo por não tê-la aproveitado, por mais que eu tente te fazer melhor depois. A única dúvida aqui é se eu devo ou não ir junto. 

- Eu não quero ir lá. - eu voltei e afundar o rosto entre os joelhos, envolvendo minhas pernas com os braços. 

- Me de uma razão sensata para não querer isso. 

- Medo. 

- Do que, Hayles?

- Eu... sinto medo. Medo da rejeição. Do mesmo tipo que eu senti quando eu soube que você estava por perto. Mas dessas vez, eu não sinto medo que aconteça comigo. Eu tenho medo de que aconteça com você . Eu tenho você de novo a pouco tempo. E simplesmente pensar em ter que escolher entre os dois melhores amigos já é como se me dividissem em duas.

- Por que você se preocupa tanto comigo ? E... 

- Porque você é a única coisa que eu tenho agora. - eu o interrompi. Josh riu.

- Continuando, você sabe que eu posso lidar com ele. E nada iria me impedir de ficar com você, ou iria ? Oque Jeremy tem em relação com nós ? 

- Eu não sei. Eu não gosto de decepcionar quem eu amo. Se eu tiver ele de novo, não vou querer deixá-lo.

- Você não vai deixá-lo, Hayles. Aliás, como você vai deixá-lo se nem o conseguiu de volta ainda ?

- Não me pergunte. 

- Ele continua lá. Conversando com a menina. - um minuto de silêncio - Você que ir lá ?

- ... eu... ainda não sei. Quer dizer... eu quero ver Jeremy, a reação dele quando e ver e tudo mais, mas que sabe se ele vai ter a mesma reação com você ?

- E a preocupação comigo de novo... - ele disse, debochando.

- Josh, eu sempre vou me preocupar com você. Por que é tão difícil entender ? 

- É difícil entender porque isso está surgindo só agora. - queria entender porque isso me magoou. Soou como uma exigência, ou uma cobrança do que eu não fiz no passado.

- Quer saber de uma coisa ? Agora eu sei mesmo o significado de um certo ditado. - eu me levantava. 

- Qual seria ? - Josh continuou. 

- “A gente só dá valor quando perde” . É a explicação que eu tenho pra te dar, por isso só estar acontecendo agora. - Josh também se levantou. Agora nós dois nos encaravam, há poucos centímetros de distância.

- Você pensou que eu estava reclamando. - não foi uma pergunta. Eu assenti, baixando o olhar. - Hayles, quando você vai entender que eu nunca vou reclamar de você, ou de qualquer coisa que você faça ? - ele puxou me pulso, me fazendo o abraçar automaticamente.

- Quando você entender que eu só quero você bem. E que é por isso que eu não vou falar com Jeremy. 

- Então, quer dizer que você quer meu bem ? Certo, se é assim é mais do que sou obrigação ir lá. Sabe por que ? Porque se você não for, você vai se arrepender e vai arranjar milhares de motivos banais pra se sentir culpada por tudo, e quem vai sentir tudo isso junto e mais um pouco ? Eu. Enfim, caso você não for lá agora mesmo, eu acabo indo, e resolvendo tudo que tiver pra resolver com Jeremy. Bom, é uma escolha sua. Jeito fácil ou difícil. Hm... - era estranho encontrar paz naquilo. 

- Você sempre tem que achar um jeito de me obrigar a fazer as coisas. - eu resmunguei. 

- Não, eu tento achar um jeito de te trazer vida de novo. - ele me apertou mais ainda. Tudo começou a ficar mais claro na minha mente. Eu encontrando Jeremy, os dois sorrindo feito idiotas, e depois Josh aparecendo, Jeremy surpreso, eu o acalmando... e tudo ao normal. Tão simples assim ? Eu tinha a impressão de que não. Mas era oque Josh projetava na minha mente. 

- Me atirando pra morte ?! Bela maneira. - eu ironizei. 

- Não estou te jogando para morte, estou tentando te salvar dela. - ele justificou.

- To vendo como...

- Você vai ou não ? - Josh me afastou. 

Eu respirei fundo, tentando relaxar cada músculo do meu corpo, e esvaziar cada pensamento que não se relacionasse a situação. Josh tinha razão, sobre a parte de que eu iria arranjar milhares de motivos e tudo mais. Eu iria procurar nos cantos mais obscuros por qualquer coisa que fosse me culpar. Por não ter usado essa oportunidade, por estragar minha vida, e a de todos a minha volta, por estar me aproveitando de Josh para tentar melhorar a minha situação, e atrasando a dele, quando ele poderia estar fazendo coisas incríveis por aí, estava perdendo tempo comigo. Tudo bem, eu já estou começando a me culpar. Se isso faria mal para ele ? Diz ele que sim, só me resta acreditar. E por que não iria ? Eu tinha razões para confiar nele. Outras para não, mas isso não vem ao acaso agora.

Não havia visto o rosto de Jeremy para saber se ele estava feliz ou não enquanto a garota falava de mim, se é que a ideia de ter sido eu quem falou com ela passou pela cabeça dele. Se ela falou dos olhos, é remota a chance disso ter acontecido. Imagino que tenha, em algum lugar da memória dele. Seria uma surpresa me encontrar, então ? Talvez. Mas como saber se a garotinha não estava mentindo sobre Jeremy ou Kathryn sentirem minha falta ? Era quase impossível, crianças nessa idade são perceptivas e quase sempre repetem exatamente oque os pais dizem. Eu poderia confiar nela.

Outra coisa era a dúvida de que Jeremy ainda não teria perdoado Josh. Ou teria. Dúvida... Eu nunca vi ele guardar mágoas por muito tempo, mas isso em outra época. Como saber se ele continuava assim ? Só inda lá pra saber. Mas correr o risco de sequer ter que escolher entre eles ? Inimaginável seria a dor. Me veio a cabeça a imagem de Jeremy se curvando para bater em Josh, assim como naquele dia. Kathryn o impedindo, mas a criança estava assustada, atrás do pai, com uma cara quase de choro. Eu abraçava o braço do Josh e nós dois tentávamos acalmar Jeremy, que parecia não querer nos ouvir. Outra era Jeremy sorrindo ao ver Josh, assim como teria feito me vendo. Eram duas ocasiões distintas, mas ambas possíveis. Eu só tinha que testar pra ver qual seria o resultado.

- Hayles ? Você vai ou não ? - Josh disse, passando a mão na frente do meu rosto. Eu não tinha percebido que estava tão desligada.

- Onde ele está ? - foi a única coisa que eu disse. Uma espécie de confirmação. Ele só sorriu.