Capítulo 49 - Grupo de monitoria disciplinar vs. Trio dos metaleiros encrenqueiros

 Após a aula, Wilson não conseguia pensar em outra coisa a não ser no que Jonathan poderia estar tramando por trás de tudo aquilo. De certo modo, até dava razão a meu excêntrico líder...se me lembro bem, aquele safado era a primeira pessoa a aceitar qualquer tipo de suborno e todos vimos claramente ele não apenas recusar, como repreender os garotos por agirem daquela forma. Até alguém desligado como eu podia farejar alguma coisa de estranho no ar...e dessa vez não era nada que Jorjão tivesse comido. Resolvemos deixar as coisas daquele jeito por hora e continuar a observação no dia seguinte. Claro que quando digo "resolvemos" significa "Wilson resolveu". Seja como for, só nos encontramos no dia seguinte, e no intervalo lá estávamos os cinco, de novo, observando a ação de Jonathan e Deisy (a dupla do dia) em sua patrulha de monitoria disciplinar.

- Difícil de acreditar que estejam levando isso mesmo a sério - fala Wilson em voz baixa, segurando sua câmera com a mesma sede de verdade do dia anterior - O que será que eles pretendem?

- Talvez tenham mesmo encontrado uma vocação - comentei.

- Mas não acha estranho eles terem vocação para um trabalho honesto? - ironiza Karina.

- Olhando por esse ângulo... - cogitei. Nisso, Demi chama a atenção para Deisy abordando um garoto. Seria uma novidade?

- Ali! Ela vai dar uma bronca naquele menino! - ela aponta.

- Fiquem ligados

Tentamos observar tudo discretamente, mas Deisy parecia mesmo rigorosa.

- Tsc, tsc - ela balança a cabeça negativamente - Jogando lixo na lata errada

-Mas...o que eu fiz de errado? - o menino questiona.

- O que o senhor fez de errado? Acabou de jogar papel alumínio na lata para metais

- Mas alumínio não é um metal? - ele tenta argumentar, mas Deisy não estava disposta a discutir.

- Ele é um papel antes de ser alumínio...se fosse metal, se chamaria "alumínio papel". Deveria tê-lo jogado na lata para papel!

- Isso não faz sentido nenhum!

- As regras da escola dizem claramente para que alertemos contra qualquer tipo de vandalismo e atentado contra a cidadania. O que os seus colegas vão pensar vendo você fazendo isso? Todos vão começar a jogar papel alumínio na lata para metal, o que vai prejudicar todo o sistema de reciclagem da escola. Você não pensa no seu planeta, mocinho? Vou anotar seu nome e dar cartão amarelo

- Isso é ridículo!

- Ridículo, é? Está desacatando uma monitora disciplinar! Se colocar isso na sua ficha...você vai para detenção, sabia?

- D-Detenção? Espere! Eu não posso...tenho aula de inglês à tarde e...

- Devia ter pensado nisso antes de me desacatar...a coordenação está muito mais rigorosa agora, sabia?

- Oh, não - lamenta o garoto, mas era tarde...ela já havia anotado o nome dele na caderneta e ele estava marcado para detenção. Qualquer um perceberia isso como abuso de poder.

- Qualquer um perceberia isso como abuso de poder! - fala Wilson - Eles podem não estar mais lucrando às nossas custas, mas estão causando um terror geral na escola

- O que eles ganham com isso? - pergunta Demi.

- Eu gostaria muito de saber - é tudo que Wilson diz, com uma expressão desconfiada. É. Tinha coelho naquele mato, a questão era saber como achar o coelho. Wilson grava a conversa, mas o barulho do pátio não permitia um bom entendimento da conversa.

- Isso só mostra ela repreendendo o garoto - fala Demi - Na vez que eu flagrei o pessoal do grêmio pegando dinheiro dos alunos era de manhã, o pátio estava mais quieto e dava para perceber claramente o que estava acontecendo.

- Verdade - completa Wilson - Não dá pra provar nada com isso...tsc. Mas se continuarem assim, com certeza alguém vai reclamar do abuso deles, não?

- Bom, os processos de detenção seguem para a coordenação, que, se eu conheço bem, não vai ter o trabalho de conferir se as decisões são justas ou não - fala Karina - A única forma seria falar diretamente com a diretora, mas ela parece estar sempre ocupada.

Incrível como ela sempre tinha razão. Talvez seja difícil o leitor imaginar o quão ruim é a coordenação da nossa escola, mas ela é simplesmente péssima. Sendo realista: a disciplina da nossa escola estava nas mãos daqueles malditos da gangue do Jonathan....e se a diretora não conhecesse logo a cobra que estava criando, as coisas iriam de mal a pior...e, na verdade, elas foram. Wilson suspira.

- Precisamos pensar em alguma coisa...ainda temos o resto do intervalo para isso e... - ele parece ter olhado ao horizonte do pátio.

- O que foi, Wilson? Viu alguma coisa? - pergunta Demi.

- O...nosso lugar!

- Nosso lugar? - repeti, quando olhei na direção que ele estava olhando. Era o "canto dos nerds". Tá, tudo bem, não era um dos melhores apelidos, era um canto desconfortável, mas era o local mais pacífico para pessoas rejeitadas como nós cinco. Isso até ele ter sido ocupado por três delinquentes (*)...acho que eram Abelardo, Solano e Murilo os nomes deles. No entanto, agora o local parecia vazio.

- É mesmo! - fala Demi - Tá liberado

- Tava sentindo saudade daquele canto - fala Jorjão - Dá pra comer tranquilo ali

É. Parece que ele só pensava em comer mesmo. Mas estranho estar liberado...será que os caras enjoaram de lá?

- Melhor tomar cuidado - fala Karina - Estou com um mau pressentimento

- Que nada - diz Wilson - Eles enjoaram de lá mesmo. Vamos voltar para o nosso lar!

Bem, lar é exagero, mas era uma de nossas "bases". Chegamos perto, embora Wilson tenha sido o mais audacioso e tenha chegado sentando e ocupando mesmo. É. Parecia sossegado. Como eu disse, parecia.

- Então...vamos pensar um pouco - fala Wilson, sentado no banco e com certeza com alguma ideia louca na cabeça. Contudo, isso não dura muito tempo.

- Ham..ham - ouvimos uma tossidinha. Assim que levantamos o olhar, vimos os três valentões de camiseta preta (parece que se recusavam a usar uniforme) bem na nossa frente.

- Ah...vocês - fala Wilson.

- Vocês de novo no nosso lugar que roubamos justamente - comenta Abelardo, o mais baixo, mas aparentemente o líder. Solano, o maior de todos, socava a palma da mão com um olhar não muito amigável. Murilo, o de altura média, apenas olhava de maneira reprovadora.

- Então...vocês - Wilson continua sorrindo - Sabe que adoramos a sua versão heavy metal de Cai, Cai Balão? (**)

- Nossa banda foi forçada a fazer aquilo - diz Abelardo - Iriam aliviar um pouco nossa suspensão se participássemos daquela porcaria de festa junina

- Mas nós ganhamos, né, Abel? - fala Solano, mudando de humor repentinamente - Acharam a ideia criativa...bem que a gente podia lançar um CD...eu tava pensando numa melodia pra "Pedro, Antônio e João" legal que...

- Cala a boca, Solano! - grita o mais baixinho - Então...onde estávamos? Ah, sim...então vocês estão invadindo nosso espaço de novo

- Tecnicamente...era nosso espaço no começo - argumenta Wilson.

- Quem vive de passado é museu! - retruca o delinquente - Já falei que só queremos ficar quietos aqui no nosso canto...mas se alguém enche nosso saco como vocês, somos obrigados a meter a porrada

- Mas nós não fizemos nada - Wilson ainda insistia em argumentar. Nós quatro já nos afastamos do banco e estávamos nos afastando cada vez mais...só o suficiente para poder fugir quando desse, claro, tentando puxar o Wilson com a gente...não podíamos deixá-lo ali. Mas a coisa tava ficando feia pro nosso lado.

- Já fomos bonzinhos o bastante de poupar vocês quando chegaram aqui da última vez...eu só costumo perdoar uma vez

- Tá legal, tá legal, a gente sai - Demi tenta aliviar a situação, mas eles estavam mesmo a fim de uma briguinha.

- Relaxa aí, mocinha - fala Murilo, o de altura média - A gente tava quieto, só fomos ali buscar uma balinha de morango

- Balinha de morango? - repeti.

- É minha preferida. Algum problema? - Abelardo me olha nervoso. Olhei com uma cara de "claro que não, imagina" e ele continua seu discurso.

- Fomos ali buscar uma bala e quando voltamos vemos cinco folgados no NOSSO cantinho...a gente não procura briga, mas vocês pediram

Mas não são eles que estão começando a brigar? Aaaah....só tem maluco nessa droga de escola! Wilson parecia estar fadado a entrar numa bela enrascada, quando ouvimos uma voz conhecida...e desagradável.

- Ora, ora, ora... - diz Jonathan, se aproximando do grupo - Uma briga de gangues em pleno horário de intervalo...

- Hã? Vocês? - Abelardo olha para trás.

- Usando o canto escondido do pátio para esse tipo de violência...tsc, tsc, tsc...vocês realmente precisam de disciplina

- Do que esse mané tá falando? - Murilo critica.

- Mais respeito com seu monitor disciplinar! Não ouviram as últimas novidades da escola?

- Bah! Acho que tava dormindo na hora que passaram na minha sala - fala Abel, fazendo pouco caso.

- Sua ignorância vai lhe custar caro, meu amigo - Jonathan parecia confiante. Enquanto eles se desentendiam, Wilson e nós tentávamos sair de fininho, mas Deisy nos barra.

- Ninguém sai daqui! - ela repreende, entre um sorriso e o estouro de uma bola de chiclete - Vocês também devem algumas explicações, mocinhos

- A....a gente? - Wilson tenta desconversar. Já eu e os outros três apenas sentimos a gotinha escorrer.

- É claro...bem ou mal vocês também estão envolvidos nesse incidente - ela explica.

- É...e briga não é nada legal - continua Jonathan - Vocês terão que ser julgados pela Monitoria Disciplinar

- Monitoria Disciplinar - repete Abelardo, ainda mais sarcástico - Está falando com os três caras mais fortes dessa escola, imbecil. Acha que temos medo de babacas como vocês?

- Uuuuuuuuu - Demi, Jorjão e eu nos arrepiamos. Karina apenas assistia em silêncio. Jonathan dá um sorrisinho.

- É...vocês realmente estão pedindo...- ele fala - Vão se arrepender disso!

- Macacos me mordam - fala Wilson - A coisa tá esquentando

Verdade...será que o Jonathan consegue mesmo encarar esses delinquentes. Espera? Ele disse "macacos me mordam"?  Alguém me tira daqui!

(*) = ver capítulo 25

(**) = ver capítulo 44