Capítulo 45 - Segundo Semestre

 Férias são ótimas não é verdade? No entanto, elas tem um grave defeito: um dias elas acabam. E isso é ainda mais triste quando são férias de meio de ano, porque um mês nunca me parece ser suficiente para compensar os duros dias de estudante do Ensino Fundamental.

  Bem...talvez vocês não se lembrem com muita clareza, sendo assim, é melhor refrescar sua memória, querido leitor que adora se divertir com meus apuros. Meu nome é Daniel Armando Luz e, atualmente, estudo no sétimo ano de uma escola técnica bastante conhecida nessa região. Estudar é algo absolutamente normal e necessário nos dias de hoje, certo? Tudo bem, eu não me importo de assistir aulas, aprender a editar a Wikipédia e a fazer blogs nas aulas de informática, fazer lições (tá certo que eu também não faço todas) ou estudar para provas perversas (principalmente daquela desgraça que chamam de Matemática). Tudo isso é suportável. O maior problema...são os outros alunos. É verdade. Quando se está na base da pirâmide social escolar, sua vida não é nada glamurosa. Perceba que quem está no topo dessa pirâmide não se contenta apenas em ignorá-lo...não, eles precisam se mostrar superiores. Sempre. E é por isso que eu repito que escola é um lugar barra pesada! Certa vez, Jean-Paul Sartre disse que o inferno são os outros. Acho que ele também não era muito popular na escola...

 - Mããe...o Daniel ainda não terminou de comeeer! - dedura Marcela, minha irmã mais velha. Ela está no primeiro ano de Educação Física e é a pessoa mais chata que você pode imagina conviver.

- Daniel, coma todos os seus legumes - reclama minha mãe.

- Ah, mãe...eu não gosto de agrião - tentei escapar, olhando com a maior cara de decepção para aquelas folhas verdes e amargas no meu prato.

- Mas é importante comer bem ,Daniel - argumenta meu pai, alguém fanático por esportes que me considera a ovelha negra da família por odiar qualquer atividade que exija mais de cinco minutos de esforço para perder calorias. Na verdade, eu também suspeito de ter sido trocado na maternidade, mas minha certidão de nascimento é bem clara. É. Eu já pesquisei por isso.

- Paiii...esse negócio é muito ruim

- Dá aqui..eu como, vai! - fala Marcela - Tanta gente passando fome e você regulando umas folhinhas?

- Pra mim seria é maldade oferecer esse troço para quem tá passando fome

- Chega! Não briguem! - meu pai interfere - Mas ela está certa quanto a comer legumes, Daniel. É bom para seu condicionamento físico!

 Ele me olha com uma cara animada, mas só de ouvir falar em condicionamento físico me desanimava. O pior é que ele estava empolgado desde o semestre passado.

- Você vai entrar de vez para o grupo de esportes da sua escola, Daniel? Você não sabe como fiquei orgulhoso desde que você deu o ponto final para aquela partida de basquete! Queria muito ter estado lá para assistir

- Não foi grande coisa...

- Deixa de modéstia, filho! Sabia que você tinha talento para ser um grande atleta

 Marcela, que acompanhou bem essa "fase triste" da minha vida não consegue segurar o riso. Bem, é verdade que marquei o ponto final de uma partida de basquete bizarra que fui obrigado a participar (*). Sim. Obrigado..porque...bem, esse é mais um detalhe da minha conturbada vida escolar que voltaria com toda a intensidade assim que as aulas voltassem. Vocês vão lembrar bem, assim que chegarmos à minha não tão querida Escola Técnica Megatec. E, no dia seguinte, lá estava eu. Primeiro dia de aula do novo semestre. Realmente, como as férias foram curtas...mas, vamos lá, coragem. Uma hora você teria que encara isso, não é, Daniel? Tá legal. Entrando pelo portão, caminhando devagar pela entrada, indo para o bebedouro do pátio...até agora, tudo tranquilo. Legal. Talvez eu consiga passar pelo menos os quinze minutinhos da entrada em paz. É. Acho que dá. Tudo tranquilo. Tudo em paz. Tudo...

- Ha! Daniel! E aí? - diz uma voz, irritantemente animada, logo atrás de mim. Fecho os olhos, tomo coragem e olho para trás. Claro que era ele. A pessoa cujo sentido na vida se resume em tirar a minha paz. Wilson Abadias, acompanhado de seu fiel escudeiro Jorjão, devorando um pacote de salgadinhos logo naquela hora da manhã. O primeiro, magro, de óculos e não muito alto. O segundo, mais fortinho para os lados. Você entendeu. Nenhum dos dois havia mudado nada desde a última vez que os vi, quer dizer, acho que o Jorjão engordou mais. Ou talvez seja só impressão. Esses dois, por mais irônico que pareça, eram meus melhores amigos naquele lugar.

- Wilson - cumprimento, não muito animado - Como sempre, animado, logo de manhã

- É claro! Finalmente vamos poder voltar às nossas atividades com tudo! Esse semestre promete!

- Não acho que prometa tanto... - tente contra argumentar - ...Já fizemos bastante coisa no semestre passado....acho que podemos descansar agora, não podemos?

- Do que está falando, Daniel? Descansar é para os fracos! Só poderemos descansar no dia que formos reconhecidos como o grupo mais popular dessa escola! - ele responde, tirando ânimo sabe-se lá de onde. Bom, a psicologia moderna ainda não está avançada o suficiente para entender a mente de Wilson, mas posso dizer que ele tem uma estranha obsessão em tornar pessoas como nós, párias escolares, em seres populares. É por isso que formamos nossa própria gangue, é, você não ouviu errado, somos a gangue dos rejeitados. Mais conhecidos como Notórios Estudantes da Revolução Divertida, ou a NERD. E ainda queríamos ser levados a sério com um nome desses...

- Err..não conseguimos alguma popularidade desde aquele musical que fizemos? - falei, relembrando da versão de Saltimbancos que tentamos fazer na festa junina da escola. Exatamente. Pode dizer que nosso trabalho é pagar mico...e o mico já podia arranjar uma máquina de débito para pagarmos no cartão, de tantas bizarricez que participamos.

- É exatamente sobre isso que queria falar - continua Wilson - Procurei algumas opiniões no site da escola...e descobri algo muito grave

- O quê? - perguntei, já que ele iria falar de qualquer jeito.

- Nosso musical ganhou o segundo lugar no concurso de apresentações do grupo de eventos, mas...vendo os comentários, descobri que várias pessoas votaram em nós por terem achado engraçado...e não pelo nosso talento

- Estávamos ridículos naquelas fantasias, Wilson. Claro que riram da gente. Mas pelo menos falaram da gente, não?

- Mas não foi uma popularidade positiva! - ele argumenta - Precisamos fazer alguma coisa realmente legal...algo que todo mundo goste por ser legal e não por ser ridículo

Quando disse que ele não mudou nada, não mudou nada mesmo. A questão é que alcançar uma popularidade positiva com nosso grupo não era tarefa das mais fáceis. Eu diria praticamente impossível. Mas vai tentar discutir com aquele cara?

- Gente! Como vocês estão? - fala uma voz conhecida e fofa. Ah, sim! É verdade! No meio de todas as encrencas daquela escola, havia algo bom. Muito bom, eu diria. A garota que chegou agora se chama Demétria Gomez, também conhecida como Demi. Era uma garota bonita, simpática, que cantava, atuava e até já fez bicos de modelo. Por alguma razão, ela andava com a gente e era membro da nossa gangue. Não que eu estivesse reclamando, mas que era estranho, era. Também não havia mudado muito, com a diferença de que seus cabelos pareciam um pouco mais ondulados.

 - Ah! Demi! Bem-vinda de volta! - cumprimenta Wilson.

 - Ficou sumida nessas férias, heim? - fala Jorjão - Nem na Internet você apareceu

 Isso porque nenhum de nós saía muito de casa nas férias e se comunicava via internet. A tecnologia diminui os contatos pessoais, enfraquece laços sociais, todo aquele blá-blá-blá, mas para preguiçosos como eu, o conforto da tecnologia compensa tudo isso.

 - Bom, eu viajei com a família para o Norte do país...tirei várias fotos. Cheguei ontem em cima da hora, por isso nem postei ainda - ela fala, toda animada - E vocês? Viajaram para algum lugar?

 Nós três nos olhamos. Não. Parece que ninguem viajou. Normalmente eu só viajo nas férias de verão e ainda assim para a casa do meu tio no interior onde o tempo se dilatava e os mosquitos sugavam meu sangue. O que tem de tão agradável no campo?

 - É...nessas férias fiquei em casa mesmo - respondi.

 - Eu também - fala Jorjão - Mas a gente descansou bastante

 - Ah! Que bom! Espero que esse semestre seja ainda mais legal que o anterior

 - Com certeza será, minha cara!- fala Wilson, com animação evidente - Estando juntos, aposto que conseguimos chegar no topo nesse semestre!

 - Bom ver que já está animado - comenta Demi - E a Karina? Como será que ela está?

 - Estou bem, obrigada - diz a própria, chegando atrás de Demi como um fantasma. Karina era a quinta integrante do nosso grupo. Era um ano mais nova do que a gente, mas com uma inteligência bastante avançada. Ela amava Literatura, mas queria se formar em Engenharia de Software. Misteriosa, calada e séria...acho que nunca a vi sorrindo e, pelo que parece, ela também não havia mudado nada.

 - Ai, que susto.. - reclama Demi, após dar um pulo para trás - Mas...bom te ver, Ká! Passou bem de férias?

 - Terminei de ler vários livros. Acho que foi um mês proveitoso - diz a menina. Já era esperado que ela passaria as férias lendo - E vocês não parecem ter mudado muito, não é?

 - Só mudamos de focados para muito focados, Karina! - fala Wilson - Agora que o grupo todo está reunido, vamos retomar nossa campanha!

 - Não vá dizer que você já tem alguma ideia? - perguntei, mesmo com medo dessa pergunta.

 - É claro que sim, meu caro Daniel! - ele fala, sorrindo euforicamente - Hehe! Sempre frequentei o blog da escola para saber das novidades e olhem o que eu vi!

 Ele tira um papel de dentro da mochila, mostrando um novo anúncio da escola. Olhei o folheto e meus olhos quase saltam ao ver do que se tratava.

 - Você não pode estar falando sério, está? - falei.

 - Claro que sim! Isso vai acelerar nossa popularidade absurdamente!

 Ah, sim, claro...o que dizia o folheto? Algo assim: "Programa de monitoria disciplinar. Ajude a manter a ordem na escola. Mais informações na direção"

- Monitoria disciplinar é sinônimo de respeito. A diretora Silvia realmente tem ideias boas

 - O que exatamente faz um monitor disciplinar? - pergunta Demi.

 - Bem - Karina iniciaria uma explicação - Seria algo como fiscal de corredor. Anotamos problemas disciplinares e teríamos autoridade para repreender alunos ou até mandá-los para a coordenação. Imagino que seja algo assim.

- Isso mesmo - fala Wilson - Vi a diretora Silvia postando algo sobre melhorar a disciplina na escola. Um monitor disciplinar deve ser isso mesmo. Vamos ser como..policiais da escola!

- Parece legal, heim?- completa Jorjão - Mas achei que a diretora não quisesse deixar intermediários com a coordenação e por isso ela aboliu o grêmio.

- Eu também achei, mas talvez ela queria colocar o monitor como alguém ligado exclusivamente à coordenação. O grêmio tinha atividades independentes.

- E o que te faz pensar que a gente tem alguma chance? - perguntei.

- Somos disciplinados, não somos? - pergunta Wilson. Nós nos entreolhamos.

- Err...somos? - perguntei.

- Claro que somos! Assim que der o intervalo, vamos falar com a diretora Silvia! Hehe! Gente! A NERD acaba de renascer!

E é claro que ele fala isso alto o suficiente para todo mundo nos olhar torto e reafirmar a ideia de que éramos os mais estranhos daquele lugar. Logo depois, o sinal toca e cada um vai para a sua sala.

- Vamos, Daniel? Acho que o pessoal da nossa sala não mudou muito - diz ele, sem perder o ânimo um minuto sequer.

"Mas o semestre mal começou...", pensei, "É pedir muito ter paaaaz!! Aahhhhh!!!!"

(*) = ver capítulos 38 a 41