Capítulo 31 - O Amargurado Rival do Grupo de Ciências

 Minha vida como celebridade instantânea da Internet continuava de vento em popa. Isso seria bom...se o meu vídeo, agora considerado a nova sensação da Web, não fosse uma grande humilhação. Como alguém pode levar uma rasteira de um moleque de 5 anos? Tudo bem que eu sou magro ao extremo, mas isso já é ridículo. Bem, pelo menos posso aprender uma lição com tudo isso: no mundo cruel do colégio você pode ser popular de duas maneiras: sendo o cara legal, o que é difícil pacas, ou sendo o cara mais zuado. O posto dessa última categoria era do Wilson, agora era meu. O cara que levou uma rasteira de um pivete e ainda terminou com um sorvete de chocolate no cabelo. Foi uma semana conturbada de sarro, gozações e tiradas, mas, como quase tudo na vida, também tinha um lado bom. Pelo menos para o Wilson, era um lado ótimo.

- Incrível, Daniel. Só nessa semana o seu vídeo já ganhou milhares de views e já fizeram várias montagens! - ele diz, na semana seguinte, durante o encontro do grupo de informática.

- Não precisa ficar me lembrando toda hora! Minha irmã fez questão de baixar a mp3 da montagem de funk que fizeram - retruquei, sem a mínima vontade de ficar no grupo. Mas pelo que parecia, o trabalho mais popular foi mesmo o nosso.

- Nossa, vocês são demais - diz um dos caras da sala - Não é todo mundo que lança um meme tão bom!

- Foi espontâneo, meu caro - diz Wilson - Não teríamos conseguido sem o Daniel! Esse cara é o máximo!

Os dois alunos olham para minha cara e não conseguem segurar a risada. Ter um meme vivo na sua escola é garantia de diversão...a não ser que você seja o meme...

- Ai, gente. Também não precisa rir tanto dele - diz Demi, enquanto mexia em alguma coisa na Internet - Tadinho. Ele teve tão boa intenção

- Ah, obrigado - agradeci. A Demi, ela é mesmo uma fofa. Só essa garota para deixar meu dia mais alegre e..ei, o que é isso que estou vendo na tela do monitor dela? Não, não vai me dizer que...ela não usa FireFox?!

- O que foi, Daniel? Ficou quieto de repente - ela estranha.

- Não é nada. Ah...o professor já deve estar chegando

De fato, o professor chega na sala e começa a rir assim que vê a minha cara. Claro que ele também sabia o motivo da piada.

- Desculpe - ele se desculpa, após rir claramente, o que, claro, despertou a risada de mais pessoas da sala - Mas aquele vídeo ficou muito bom mesmo

- Muito bom ter tocado nesse assunto, professor! - diz Wilson - O vídeo do Garoto do Sorvete é nosso projeto de grupo

- Sério? Seria interessante e...

- Fizemos até um texto discutindo sobre o poder dos vídeos virais na Internet atual! - diz Wilson

"Ele fez...até isso?", pensei.

- Uau! Isso é incrível! Só com isso vocês já conseguem um grande mérito no grupo!

- Mérito? - perguntei.

- Sim. Os alunos com mais mérito ganham uma menção honrosa no fim do ano - responde o professor Cerati, ainda segurando o riso ao olhar para minha cara. Pena que isso só serviu para colocar mais lenha na fogueira. É claro que uma menção honrosa era tudo que o Wilson mais queria.

- É isso aí! É disso que eu tô falando! - diz nosso entusiasmado líder, mais entusiasmado ainda - Vamos conseguir a menção honrosa mais honrosa que esse colégio já teve!

- Err...acho que essa seria a primeira menção honrosa que o colégio tem - tentei argumentar, mas Wilson praticamente me ignora.

- Detalhes, detalhes...agora que já temos o mérito do grupo de Informática, vamos correndo para o próximo grupo

- Mas já? - estranheie.

- É claro! Não podemos perder tempo! Vamos nessa! - ele se levanta, coloca a cadeira no lugar e já vai saindo da sala. O professor até tenta tirar alguma satisfação.

- Wilson? Não vai terminar de assistir a reunião?

- Desculpa, professor. Temos muito trabalho a fazer. Nosso projeto é esse mesmo. Daniel, pessoal. Vamos lá!

As coisas eram mesmo rápidas para ele, não? O que podíamos fazer? Bem, por mim tanto faz, não importa o lugar que eu fosse, ainda seria o garoto do sorvete por um bom tempo. Os cinco se levantam e seguem para se inscrever no próximo grupo. De certo modo, éramos mesmo uma gangue para andar tanto em grupo.

 Quanto às inscrições...acho que não comentei isso, mas, em todo caso, os grupos aceitam inscrições a qualquer momento, desde que os estudantes se responsabilizem por se adaptar em cada um deles. Claro que para Wilson isso não era um problema...e claro que ele achava que isso também não era um problema para nenhum de nós.

- E para que grupo nós vamos agora? - pergunta Demi

- Seria legal para algum que tivesse um lanchinho depois das reuniões...esse de Informática era muito mão de vaca - diz Jorjão

- Bem, no grupo de Literatura também não servem nada - comenta Karina - Mas você pode ler à vontade

- Literatura? É...talvez depois...mas parece que o de Ciências está mais perto! - diz Wilson, diminuindo o passo

- Ciências? Parece ser difícil - comentei

- Ah, não vamos saber se não tentarmos. Vamos lá. Precisamos aproveitar a nossa sorte de conseguir mérito com o clube de informática e garantir alguma coisa legal no de Ciências também!

- Tá, tá...vamos para o grupo de Ciências... - falei, sabendo que ele só falou isso porque estávamos passando bem perto da sala do grupo. Bem, vamos acabar logo com isso. Até que minhas notas em ciências não eram ruins, mas também não eram aquela maravilha. Sendo sincero, o único grupo que eu me daria mais ou menos seria o de Informática...porque de resto.

Bem, o que falar do grupo de Ciências? Era uma sala reservada para atividades de laboratório. O grupo era dividido em subgrupos...com alguns fazendo experiências de Física, outros de Química, outros tentando projetar um robô. Coisas doidas assim...Wilson parece ter se identificado bastante.

- Uau! Gostei desse lugar! Você respira ciência aqui! - diz ele. Desnecessário dizer que é um apaixonado por ciência, embora ele pareça gostar de todas as matérias da escola.

- Respirar ciência? - reclama Demi - Só tô respirando um negócio forte pra caramba! Isso é o que, heim?

- Pelo cheiro, parece alguma coisa com amônia...mas ainda tá bem fraquinha - fala Wilson, com ar de cão farejador.

- Você já cheirou amônia? - perguntei

- Meu tio é químico e já veio para a festa de Natal depois de fazer umas amostras com esse troço...a família ficou tiririca com ele

- Ele nem tomou banho?

- Ele foi do trabalho direto para a festa. Queria o que?

Só posso dizer que tenho medo de conhecer a família dele. Não demora muito para alguém perceber nossa presença ali.

- Boa tarde, meninos - diz uma professora baixinha, de óculos e cabelos curtos. Não era bonita, nem feia e vestia um avental branco. Era professora de Química do Ensino Médio - Meu nome é Simone. Sou a orientadora principal do grupo de ciências, posso ajudá-los?

- Gostaríamos de nos juntar ao grupo - responde Wilson, obviamente no nome de todos nós

- Que ótimo! Vocês tem alguma ideia de projeto? Dependendo do que for, posso ajudar vocês a se encaixarem em algum grupo que já esteja trabalhando

- Não, não....queremos montar um projeto inédito

- Inédito? - ela pergunta sorrindo. Parecia uma mocinha simpática.

- Isso. É para isso que viemos aqui! Para lançar o maior projeto de todos!

- Sério? Bom que estejam animados...mas...o que exatamente vocês querem?

- Ainda nõa sabemos, só sabemos que vai ser grande! - ele continuava a falar por todos. Demi só sorria. Karina era indiferente e Jorjão mais ainda (ele estava mais preocupado em saber o que teria de lanche). Só eu estava achando que aquilo daria encrenca...mas é claro que daria, principalmente porque Cassio Frontes estava naquele grupo.

- Ora, ora...se não é Wilson Abadias - diz o cara

- Ah, esse cara tá na minha sala - comenta Jorjão

- Sério? - perguntei. Era um garoto baixinho, de óculos, cabelo curto e andar curvado. Era uma aparência de...nerd? Ou algo muito parecido com um

- Ah! Cassio! Há quanto tempo! - ele o cumprimenta. Parece que se conheciam. Bem, Wilson estudava naquela escola há um bom tempo, natural que conhecesse bastante gente.

- Heh! Sabia que cedo ou tarde viria para cá - Cassio fala em tom provocativo.

- Sabia?

- Sim. Afinal de contas, estamos destinados a nos enfrentar no campo acadêmico

- Quem é esse cara? - perguntei

- Cassio Frontes! - Wilson responde - Também estuda nessa escola desde o jardim de infância, mas desde a primeira série que caímos em salas separadas

- O que ele quis dizer com se enfrentar? - pergunta Demi

- Heh! Wilson nunca falou de mim para vocês?

Todos nós, tirando Jorjão, fazemos que não com a cabeça. O tal Cassio então se apresenta

- Digamos que eu sou a sombra de seu amigo Wilson. Enquanto ele só se preocupa em brincar, ser popular e se meter em politicagens de grêmio escolar...eu sempre me dediquei à ciência e ao trabalho!

Outro doido...só para variar

- Mas mesmo assim - ele continua - Esse desgraçado do Wilson... - ele parecia estar com uma voz chorosa - Esse desgraçado do Wilson sempre tirou notas maiores do que eu! Nunca consegui superá-lo, por mais que estudasse

- Ei, calma! Você leva muito para o lado pessoal

- Ah...é como o Mozart e aquele outro cara - comenta Jorjão - Você sabe...o..

- Salieri? - lembra a enciclopédia ambulante, mais conhecida como Karina

- Isso. Ele mesmo - Jorjão sorri, mas Cassio continuava choramingando.

- Wilson...esse grupo de ciências...será o palco da nossa batalha pela hegemonia da ciência estudantil

- É um desafio?

- Sabia que você ia entender..hehe

Ótimo. Um rival de ciência. Era tudo que a gente precisava.

- Heh! Gostei! Entrei para esse grupo justamente para lançar o melhor projeto! Que seja...faremos um duelo de projetos...e o que levar o mérito, será o vencedor

- Claro

- Meninos, se acalmem - a professora tentava apaziguar a briga inutilmente - Lembrem-se que outros grupos também estão trabalhando para levar mérito nesse grupo

- Heh! É inútil! No fim, apenas nós dois teremos os melhores projetos mesmo - diz Cassio - O tema é livre...não importa a área...Astronomia, Física, Química, Biologia, Robótica ou Computação. Farei um projeto que finalmente vai me colocar à sua frente, Wilson!

- Gosto do seu estilo...hehe...pode contar com um grande projeto para enfrentar, Cassio! - responde Wilson, encarando a obsessão de seu rival como uma competição saudável, mas não era bem isso que o olhar maníaco de Cassio denunciava.

- Heh! Não pense que ainda sou um mero aprendiz de cientista! - provoca Cassio - Nesses últimos anos estudei muias coisas por fora e estou pronto para derrotá-lo em qualquer coisa! Esteja preparado!

- Pode apostar que estou...ou melhor...estamos! - ele olha para trás e esperava realmente que algum de nós iria entender patavinas de qualquer projeto que ele escolhesse. Apenas faço uma cara de paisagem e Cassio estica a provocação.

- Hahauha! Esse é o seu grupo? Desses aí...no máximo a garota robô parece ser boa em ciências - ele diz, olhando para Karina

- Garota robô? - estranheie

- Estranho me chamar assim - ela responde, embora fosse um apelido que cabesse bem na personalidade dela - Não sou um robô...

- Claro que não - respondi

- Ou será que sou...vamos ver...Daniel, mande eu bater em alguém

- Hã? Por que?

- Pelas leis da robótica, um robô nunca deve ferir um humano e deve obedecer ordens de humanos, a menos que essas ordens contrariem a primeira lei. Se eu for um robô mesmo, não vou bater em quem você me mandar

- Para de falar besteira! - cortei, antes que mais uma conversa filosófica com Karina se iniciasse. Cassio ri e parecia confiante.

- Dessa vez eu vou derrotá-lo, Wilson! Pode anotar!

- É o que veremos!

- Meninos...por favor, mantenham a postura - a boazinha professora Simone ainda tentava conseguir alguma atenção.

Um rival de longa data, projetos de ciência absurdos...parece que isso não vai ser tão fácil quanto o projeto de Informática (pelo menos espero não virar um meme dessa vez)