Capítulo 22 - A Batalha da Retórica

E o tão esperado debate iria começar em poucos minutos. O sinal toca, indicando o início da discussão. O mediador era um dos professores de História do Ensino Médio, alguém totalmente neutro às chapas. Vale lembrar que ele era um professor bem experiente e estava prestes a se aposentar, mas pelas referências, parecia ter bastante competência. Veríamos logo...arrumando seus óculos e dando uma tossidinha, o professor Fonseca dá início ao debate.

- Boa tarde - diz o professor - Vamos acabar logo com isso...que entrem os convidados para o debate de hoje, das duas únicas chapas que estão competindo...de um lado, Jonathan Zadori, da chapa Amigos da Megatec

- Aeeeeeeeeehhhhh!!! - ouve-se vários gritos e aplausos.

- O que?! - estranhei ao ouvir isso nos bastidores. Dei uma espiada por trás da cortina e vi um grupo enorme de pessoas que deve ter chegado há menos de cinco minutos. Como pode? Até agora não tinha ninguém ali!

- Ah...parece que chegou mais gente, né? - comenta Karina, sem nenhuma surpresa.

- Mas não tinha ninguém até agora!

- Bem...talvez seja por causa dele - ela aponta para a figura que estava logo atrás de Jonathan, meio escondido atrás das cortinas do outro lado e acenando para a plateia.

- Beto!! Lindo! Nós te amamos! - gritam as meninas. Ele só continua acenando e deixa Jonathan entrar.

- Garotas... - resmunguei. Agora era a vez de Wilson entrar.

- E do outro lado - o professor demora um pouco para ler o que estava no papelzinho - Err....quem?  Ah...Wilson Abadias, da chapa NERD!

Wilson adentra no palco, com acenos e sorrisos, mas não ganha uma recepção tão calorosa assim.

- Uuuuh!!! - o público começa a vaiar

- Hahaha! Também amo vocês! - ele sorri, com o otimismo de sempre. Mesmo recebendo uma bolinha de papel e borrachas na cara, ele mantém o bom humor - Não precisa jogar presentes, gente. Faço isso pelo bem de vocês. Hehe - realmente...aquele cara conseguia levar tudo na boa.

Após uma longa caminhada até o local do debate, Wilson se senta em sua cadeira, bem de frente a Jonathan e o cumprimenta. Os dois se dão as mãos, embora Jonathan o olhasse com uma cara de "vou te devorar no almoço". O professor continua a ler o resto dos papeizinhos com uma cara de tédio.

- Bem...vamos começar...quem começa tem direito a fazer uma pergunta a seu adversário que, por sua vez, terá um minuto para responder e depois quem fez a pergunta tem direito à réplica. A escolha dos temas é livre. O debate tem duração de uma hora. E...bem, decidam no par ou ímpar quem começa e...tentem não se matar.

Wilson pede par e ganha. O professor dá a palavra a ele.

- Han, han - ele dá uma tossidinha - Bem, minha primeira pergunta tem a ver com locais de estudo. O grêmio tem feito alguma coisa para melhorar o barulho insuportável na sala de estudo em grupo? Dá pra ouvir aquele barulho desde a biblioteca

- Perfeitamente - responde Jonathan - Por sinal, colocaremos nosso colega Roberto para ser o novo monitor da turma

Jonathan aponta para Beto, que estava logo ali, atrás da cortina. Ele dá um aceno e todas as meninas gritam. Wilson não parecia convencido.

- Ele costuma frequentar muito às salas de estudo?

- Claro. Várias garotas já conversaram com ele lá! - responde Jonathan

- Mas...

- Não pode falar mais, Sr. Wilson - o professor o censura - Sua réplica já foi respondida

- Mas eu mal falei qualquer coisa

- Então devia aproveitar melhor seu tempo...Sr. Jonathan, sua vez

- Com todo prazer - ele sorri maldosamente - Sr. Wilson...afinal, quais são suas principais propostar de modo geral?

- Ótima pergunta - ele parecia animado - Pretendemos, principalmente, lutar pelo bem dos alunos injustiçados. E, principalmente, acabar com os abusos dos alunos maiores e mais fortes contra os mais fracos. 

- Chegou em um ponto interessante...quer acabar com o bullying, não é? Muito bom...mas não deveria ser a favor da nossa campanha anti-bullying?

- A campanha anti-bullying de vocês? Mas vocês estavam roubando dinheiro dos alunos na cara dura!

- Ouviram isso, estudantes? - Jonathan jogou uma isca e Wilson estava mordendo. Até um analfabeto político como eu podia ver isso - Esse caluniador ainda insiste em sujar nosso nome sem provas!

- Ora, essa...teríamos uma prova bem aqui se vocês

- Nós o que? O que nós fizemos? Não fizemos absolutamente nada! 

- Cínico...você sabe muito bem o que fez - Wilson se levanta - Não é...senhorita mestra das cócegas? - ele aponta para Deisy, que estava do outro lado apenas assistindo o debate.

- Cócegas? Deve estar enganado...Deisy é apenas uma massagista muito talentosa - nisso, todos os meninos presentes aplaudem

- Tsc! Vocês jogam baixo

- E vocês acusam sem provas, além de abusar do poder de imprensa!

- Como?

- Tenho medo disso...alguém que tem o poder político e o poder de imprensa ao mesmo tempo! Vocês trarão uam ditadura para essa escola!

- Agora é você que está acusando sem provas!

Nisso, o professor de História simplesmente afasta a cadeira e começa a ler um jornal. É. Parece que não fazia mais sentido marcar tempo ou algo assim. Agora era só ficar ali e fiscalizar para que eles não se matem. Será que existe algum professor responsável naquela escola?

- E aí, desculpem o atraso. Como vai o debate? - diz o professor Denis, se aproximando do nosso lado dos bastidores. Falando em professor responsável.

- Não parece estar indo muito bem - responde Demi - Jonathan está jogando tudo contra o Wilson...aquele mentiroso de uma figa

- Ele precisa se manter calmo

Bem, nossa sorte é que Wilson não era estourado e mesmo que fosse não teria muita chance com alguém do ensino médio, e, só reforçando, muito maior que ele. A discussão continuava, dando mais pontos para Jonathan.

- Vocês não concordam, caros estudantes e eleitores? Alguém que domina o grêmio e o jornal só pode estar planejando tomar controle de tudo! Talvez eles queriam tomar o lugar do diretor!

- Considerando que é o Wilson, não duvido que ele queira fazer isso mesmo - comenta Karina

- Shhh...se ouvirem você...ninguém sabe dos planos do Wilson

- Que absurdo! A NERD quer o poder pelo bem dos alunos e não para benefício próprio! Nós representamos os alunos injustiçados, os fracos e oprimidos, os...

- Os nerds! - grita alguém da plateia

- Isso! Os nerds...quer dizer, não só os nerds, mas todos que se sentirem prejudicados de alguma forma! E, se vencermos as eleições, lutaremos por isso!

- Promessas, promessas e promessas - critica Jonathan - Qual sua experiência no ramo político, Sr. Wilson? Acha que as coisas são tão fáceis assim?

- Bem, eu...

- Como eu pensei! Vocês, a chamada "NERD", notórios estudantes não-se-do-que, não tem a menor ideia de onde estão entrando! Ouviram isso, queridos estudantes? São pessoas inexperientes e duvidosas que vocês querem para o grêmio?

- Nããããooo!!! - um coro enorme se faz. Parece que todos estavam contra a gente. O que estava acontecendo?

- Ei...vocês estão falando sério? - agora era Wilson que se dirigia à plateia - Como podem confiar nesses caras? Eles são um bando de mafiosos!

- E que provas você tem? Não se cansa de nos difamar? Se não fossem crianças, processaria vocês agora mesmo!

- Ora...tá bom, então, farei a mesma pergunta a vocês...qual sua proposta geral?

- Assim como você, o bem dos alunos! Continuaremos nossa campanha anti-bullying. Mas para isso, precisamos do apoio financeiro de vocês, alunos. A verba da escola não é suficiente para uma campanha tão importante

- Como pode falar isso aqui? Assim, na frente de todo mundo? Professor, ele não está indo contra as regras pedindo dinheiro dos alunos?

- Zzzz - o professor parece ter adormecido

- Professor! - Wilson grita

- Hã? Ah, ah, sim...o que foi?

- Como pode deixá-lo pedir dinheiro dos alunos assim, descaradamente. Isso não é contra as regras?

- Bem...as regras não dizem nada sobre alunos doarem dinheiro ao grêmio voluntariamente. Então, é permitido.

- Viu só? O que não é proibido, é permitido. Além disso, os próprios alunos fazem isso para sua segurança pessoal

- Ora...é um absurdo! Pois nós temos o jornal da escola e nos esforçaremos para ter uma campanha anti-bullying sem cobrar nada de vocês!

Nisso, as coisas começam a virar. Do nada, os alunos aplaudem Wilson. Enfim um lado positivo naquela discussão toda.

- Não confiem neles! - grita Jonathan - Ele diz que não vai cobrar nada agora, mas o que garante que não vá cobrar nada no futuro? Você acha que só o jornal vai garantir sustentação para essa campanha?

- Err..faremos o possível - responde Wilson 

- Heh! Nada confiável...vocês, estudantes, preferem trocar o certo pelo duvidoso? Nós, alunos do grêmio, temos feito um  bom trabalho todos esses anos e se não conseguimos melhorar é porque a situação é difícil e por isso, e só por isso, pedimos a colaboração de vocês. É difícil de entender?

- Vocês...- Wilson fazia um último apelo - Vocês estarão cometendo um grave erro votando nesses caras! O que eles fazem é terrível!

- Continua acusando sem provas, Sr. Wilson. Se continuar assim, terei mesmo que processá-lo e...

- Eu não queria chegar a esse ponto, mas...SIM, eu tenho uma prova!

Todos se calam. Inclusive nós, que acompanhávamos o debate ali dos bastidores. Como assim? Os malditos levaram nossas últimas provas. Como ele poderia ter uma?

- Do que está falando? - retruca Jonathan - Vocês...

- Claro que temos! Produçããão! Põe na tela!

Nisso, Jorjão entra em cena e desce o projetor de slides. Mesmo assim, demora um pouco para colocar na tela.

- Calma aí...eu já ajeito isso - diz Jorjão, se atrapalhando com o retroprojetor

- Jorjão

- Retroprojetor sempre dá problema, sabe como é, né?

Claro que a plateia dá várias vaias enquanto isso, mas Jorjão consegue por na tela a nossa prova. E era exatamente o vídeo que Demi gravou. Jonathan fica branco. E eu também fiquei pasmo!

- C-Como...

- Wilson! - gritei dos bastidores - Como assim? Eles não tinham levado nosso único arquivo?

- Eu menti. Foi mal - responde nosso dissimulado líder - Eu tinha uma versão do vídeo em casa. Fiz um back-up, caso eles viessem nos ameaçar. Também não coloquei na rede para que ninguém desconfiasse de nada!

- E por que não disse isso logo? Não precisávamos ter passado por isso!

- Mas aí não poderíamos participar das eleições do grêmio. Além disso, foi muito mais legal assim, não foi?

Não sei dizer se ele é um gênio ou um maluco, talvez os dois. Enfim, Jonathan fica furioso.

- Armação! Isso é tudo uma montagem para me incriminar!

- Do que está falando? É claro que não! Tá na cara que é você! E aquele cara que você está conversando...é o Fabião ali, não é? - Wilson aponta para Fabião que, a essa altura, já estava com o pé para fora do anfiteatro.

- Não tô mais nem aqui...falou! - é o que ele diz antes de sair correndo.

- Covarde! - reclama Jonathan - Vocês...devíamos ter sido mais rigorosos!

- Uuuuh!!! - agora a plateia vaia Jonathan e o grêmio. Ganhamos? Parece que sim! Todo esse teatro do Wilson parece ter tido algum resultado...ou não

- Espera aí, gente. Vocês não estão entendendo! - Jonathan ainda tenta explicar - Parece que...não tem jeito...vou ter que revelar tudo

- Revelar tudo? Não tem mais nada para ser revelado e...

- Claro que sim! Acontece que..tudo é parte de um plano

- Plano?

- Isso mesmo - o presidente continuava - Primeiro, fingimos ajudar os valentões para ganhar a confiança deles, mas depois iríamos acusar todos. É tudo uma estratégia e...

Mas agora quem recebia bolas de papel e borrachadas era Jonathan. Parece que as coisas finalmente ficaram bem para o nosso lado. Ganhamos o poder do grêmio também? Isso era ótimo! Mas ao mesmo tempo assustador! As profecias de Wilson para ganhar o poder da escola com uma gangue estavam finalmente se cumprindo

- Legal! É isso aí! Vocês fizeram a escolha certa! Com certeza, nós seremos melhores líderes do que esses caras e...

- Não tão rápido! - reclama uma garota que se levanta no meio da multidão. Não era a...Demi conhecia ela bem

- É a Patrícia da minha sala. O que ela quer?

- Sei lá - estava tão perdido quanto.

- Gente - ela se volta para os estudantes - Tinhamos corruptos o tempo todo, mas também não podemos deixar nosso grêmio nas mãos de alunos que detém o poder de imprensa. Apesar de tudo, concordo com o que Jonathan falou...esses malucos podem trazer uma ditadura para a nossa escola!

- Ah...qual é? Nós nunca faríamos isso e...

- Eu proponho que eliminemos essas duas chapas e escolhamos novos representantes

- Mas...

- Proposta aceita - diz o professor, agora de pé e acordado 

- P-Professor?! Mas...assim, em cima da hora

- Parece que nenhum de vocês agrada o público, não é? Alguém aí ainda quer votar neles?

- A Demi vai beijar de graça? - grita algum moleque safado lá do fundo

- CLaro que não! - a própria responde lá dos bastidores

- Então a gente também não quer vocês no grêmio! Caiam fora daí! - grita a multidão. Patrícia parece ter despertado um sentimento de revolta.

- Hehe...mas ainda temos uma carta na manga - diz Jonathan, caído no chão, mas ainda disposto a lutar - Reconsiderem isso...e o jantar do Beto ainda está de pé!

As meninas se empolgam, mas Patrícia logo se opõe

- Parem com isso agora! - ela grita brava - Shut up, ok? Eu também acho o Beto um gato, mas isso aqui é mais sério! Nosso grêmio precisa de alguém melhor do que esses corruptos!

- Nunca pensei que fosse dizer isso, mas ela tem razão - diz Demi - Ela pode ser paty, mas até que pensa um pouco

- Pelo visto não podemos julgar os outros pela aparência, não é? - comenta Karina

- Então...como vamos decidir isso? - o professor já estava bocejando de novo.

- Se ninguém mais quiser se candidatar...eu me coloco como candidata à presidência do grêmio! - diz a patricinha, toda empolgada - E escolho a minha chapa..vou chamá-la de Legendary Charm. Não é o máximo, meninas?

- Uhuuuu!! Arrasou, amiga! - diz uma das amigas de Patrícia.

- E vamos lutar para tornar essa escola um lugar mais justo e principalmente mais cool. Já repararam no horror que são esses uniformes? Vamos entrar com recurso para melhorar a qualidade ou o visual deles. E também...aumentar o número de tomadas. Mal dá pra carregar um celular por aqui. Que horror!

E ela continuou a falar um monte de propostas, desde melhorar a pintura até deixar os banheiros mais limpos. Mesmo assim, nada de falar sobre bullying ou coisas do gênero. Ela podia ser tudo, mas a maldita falava bem.

- O que acham?

- Patty! Patty! Patty! - gritam todos.

- Ela é tão bonita quanto a Demi ou a Deisy. Vamos mudar o fã clube? - diz um dos caras do fã clube da Demi

- Demorou. Sem ressentimentos, Demi - ele dá um beijinho na foto que tirou com ela. Mais sem-noção, impossível

- Perfeito! Então Patrícia e a chapa Legendaru Charm ganham a presidência. Agora já posso ir para casa, não é? - diz o professor Fonseca, já cansado e com dor nas costas.

- Mas vai acabar assim?

- Já foi decidido - repete o professor - Passar bem, Sr. Wilson

- Não, não....perder para um bando de patricinhas que nem inscritas estavam...elas vão pintar esse colégio de rosa! - reclama Deisy.

- Olha, até que não é má ideia, heim? - diz Patrícia, que subiu no palco para fazer mais um discurso - Bem...vamos discutir mais alguma coisas. People, minha cabeça tá cheia de ideias. Vamos lá, eu...

Como aquilo foi acontecer? Aquela deve ser a escola mais maluca do universo! Tudo era tão absurdo que não estranharia nada se chegasse um cozinheiro, dissesse "tá na mesa, pessoal!" e todo mundo saísse atropelando ele. E agora? Estaríamos sob controle das patricinhas?

- Que pena, gente - diz o professor Denis - Mas vocês tiveram uma oa experiência nessa campanha, não?

- Bem...pelo menos desmascaramos os caras do grêmio - diz Wilson, mantendo o bom humor

- Tudo bem. Cuidar do grêmio devia dar trabalho mesmo - diz Jorjão

- Sendo assim...vamos comer alguma coisa? - Wilson sorri, tirando a gravata e limpando o suor.

- Opa. Tô dentro - Jorjão concorda, obviamente.

- Espero que esteja tudo realmente bem - diz Karina - Afinal...aquela Patrícia odeia a gente, não odeia?

- Relaxe. O que ela pode fazer com a gente? - responde Wilson

O que ela podia fazer com a gente? Não sei...mas não acho que nossa vida iria ficar mais fácil dali para a frente...