Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 38
Capítulo 38. Tempestade (ii)


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas.
Só pra constar, eu tenho um amigo romeno, bom, o pai dele era romeno, da região da Transilvânia e tudo. Ele está me azucrinando que o castelo de Bran não era o castelo do Drácula, que o castelo do Drácula chama "Castelo do Drácula" e blá blá blá. Pessoas, espero que esteja claro para todos que apesar de eu pegar um ou outro nome TUDO AQUI É FICÇÃO! Não sou dessas autoras que se trancam na geladeira pra entender o psicológico de um personagem morrendo congelado e faminto nas geleiras do norte do pacífico. Precisava de um nome e um nome de castelo eu peguei. Quando for um dado de vdd eu aviso.
A música de hpje é "My body is a cage", e eu gosto da versão do Arcade Fire, mas não sei se a original é deles. Espero que aproveitem a leitura.



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My body is a cage

That keeps me from dancing with the one I love

But my mind holds the key

My body is a cage

That keeps me from dancing with the one I love

But my mind holds the key


I'm standing on the stage

Of fear and self-doubt

It's a hollow play

But they'll clap anyway


My body is a cage

That keeps me from dancing with the one I love

But my mind holds the key

You're standing next to me

My mind holds the key


I'm living in an age

That calls darkness light

Though my language is dead

Still the shapes fill my head


I'm living in an age

Whose name I don't know

Though the fear keeps me moving

Still my heart beats so slow


My body is a cage

That keeps me from dancing with the one I love

But my mind holds the key

You're standing next to me

My mind holds the key

My body is a...


– Alguns guerreiros de tribos pagãs comem a carne dos mais valiosos guerreiros do lado derrotado, para assimilar sua força e habilidades. – Elizabeta tinha uma voz doce, sempre teve.

– Mas Dom Maxxel disse que é pecado... – Um Vlad de cinco anos perguntava desconcertado.

– Mas imagine se o sangue de outrem pudesse curar meu corpo meu pequeno irmão... Imagine? Mas claro que isso seria um absurdo, principalmente ao custo de minha alma, até porque...

Elizabeta adormeceu naquele instante, mas não acordou mais. Parou de respirar três dias depois. Vlad esperou que ela completasse aquela frase durante dois meses.

.

.

.

– É um ataque ousado.

Vlad ergueu os olhos dos papeis que lia à luz de velas, para observar aquele homem tão parecido com seu próprio pai murmurando bobagens no batente de sua porta. Observava os cabelos compridos, mais armados que o seu, os olhos escuros e a barba mal feita, quando um cheiro forte e um tanto quanto podre de vinho invadiu suas narinas. Radu estava bêbado.

– Concordo. Mas lutamos por isso, meu irmão. Nosso pai deu a vida por isso. – Não ia perder tempo discutindo estratégias de guerra com um bêbado.

– Não. Está louco. – Radu se aproximou, agarrando o colarinho de Vlad e o levantando da cadeira, com muita força e velocidade para alguém tão alterado. – ESTÁ COMPLETAMENTE ENSANDECIDO!

Vlad era forte, mas sempre foi magricela e frágil se comparado ao brutamontes que era seu irmão. Armou-se de seu melhor olhar e encarou o irmão. Seus olhos amarelos tiveram pouco efeito, mas serviram para desestabilizar o outro o suficiente para não se esforçar mais do que o normal para ficar sobre os próprios pés, sem correr o risco de ser erguido do chão.

– Radu, espero que não tenha se esquecido, por um segundo sequer, que posso ser seu irmão, mas sou o governante escolhido e, portanto, rei da Valáquia e general dos exércitos. Não vou tolerar esse tipo de comportamento no futuro, não importa o quão bêbado estiver.

– VOCÊ NÃO É MEU REI! É UM MONSTRO! – E com isso lá se vai o corpo de Vlad para o alto de novo.

– Cuidado Radu, pode ser condenado por traição e decapitado por isso.

– Monstro. Um ataque desses... Vai matar milhares... – Radu finalmente soltou o irmão. – Nossa mãe enlouquecendo com tamanha crueldade e você planejando um ataque sinistro e...

– EU VOU ENCERRAR A GUERRA!

– AO CUSTO DA VIDA DE MILHARES DE CRISTÃOS! E SÓ PARA SENTIR O CHEIRO DO SANGUE SENDO DERRAMADO!

Vlad se virou, dando as costas para seu irmão, murmurando para os guardas que haviam sido alertados pelos gritos a tirarem Radu de seus aposentos, mandando que alguém o levasse para seu castelo, para sua família.

Sabia que milhares dos seus morreriam, ele também, possivelmente, mas isso não faria diferença. Podia terminar a guerra, render e mostrar a luz de sua religião para aquele povo, parar a matança dos dois lados. E se morresse no processo? Quem se importaria?

Quase que como respondendo a pergunta, Doamnei entrou no quarto, carregando uma caneca com chá.

– Sinto muito a intromissão, mas ouvi gritos, meu senhor.

Vlad ainda achava engraçado. Por costume, ainda que fosse a rainha só teria permissão de se aproximar do rei se fosse por ele convocada, mas Vlad deixou bem claro que Doamnei era a única companhia que aprovava e que se recusava a mandar alguém ir buscá-la. Era só o que faltava, não poder conviver com sua noiva e ser obrigado a conviver com serviçais o tempo todo (afinal, quem ia chamá-la caso contrário?). Mesmo deixando isso claro, Doamnei parecia desconfortável ao ficar a sós com o noivo, por mais que estivesse disposta a passar por cima de qualquer um para “defendê-lo” nas situações mais críticas; não que precisasse de defesa, mas gostava de ver até onde ela iria. Até o fim, aparentemente. Seria uma excelente rainha. Era uma leoa, perfeita para se casar com o filho do dragão.

Aceitou o chá, permitindo que ela olhasse os papéis em que mexia.

– Vosso irmão tens razão. É um ataque ousado.

Vlad não estranhou o fato de Doamnei entender os planos, mas bufou de ser questionado outra vez. Com ela, no entanto, e só com ela, teria paciência.

– Pode significar o fim da guerra. Paz para nossos filhos.

– Nossos filhos? Pode morrer nessa batalha!

– Já estaremos casados. E pretendo partir para o ataque apenas após me certificar de deixar um herdeiro em seu ventre. Ficará bem.

Doamnei, completamente fora do costumeiro, começou a rir. Sob o olhar inquisidor do noivo, apenas, disse:

– Se assim avalias “bem”, meu senhor, tenho pena de nossos filhos.

E com as mesuras necessárias, deixou os aposentos. Aquela foi a única vez em que sua língua ferina foi voltada para Vlad e ele definitivamente não gostou.

.

.

.

– É verdade que bebe o sangue de seus inimigos?

.

.

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– Tão típico. Tão fraco. – Vlad murmurava enquanto ajeitava o pescoço na madeira entalhada, os joelhos prensados contra o chão, os pés já dormentes enquanto a armadura despedaçada prensava suas costelas feridas. Observou pelo canto de seus olhos as pernas revestidas pela armadura acobreada de seu irmão, tão diferente de sua armadura negra. – Realmente Radu? Depois de tudo, é com lágrimas nos olhos que me verá partir?

– És meu irmão, é claro que me dói ser o carrasco.

Vlad riu, alto, antes de o executor erguer a navalha por cima de sua cabeça.

– Mataste minha noiva, no dia de meu casamento. Uma guerra declarada apenas para assumir o maldito trono da Valáquia, as custas da alma de um anjo. Creio que então, amado irmão, teremos a oportunidade de continuar esta conversa no inferno.

– Possivelmente. Mas não hoje, meu irmão.

– Haha. – Vlad virou um pouco a cabeça, para conectar seus olhos âmbares uma ultima vez com os verde musgo de seu irmão, deliciado ao vê-lo retrair a expressão. Como se fosse obrigado a ver sua própria alma dentro dos olhos do próprio diabo. – Acredita mesmo que terá alguma chance contra mim no inferno? Não será nada, além de comida de cachorro.

Voltou os olhos novamente para frente, observando o pôr do sol. O último que veria. Pensou em todas as vidas que tirara em nome de seu Senhor e o quanto sua fé lhe custou. E depois pensou se sua virtude em ter sido amado por Doamnei era maior que seu pecado por tê-la deixado morrer e depois pensou mais uma vez no sol que se punha laranja no horizonte e fechou os olhos, esperando que as trevas assolassem sua visão para sempre, percebendo-a imediatamente vermelha. Sentiu a lâmina cortar sua carne e antes de não sentir mais nada sentiu seu crucifixo escorregar de seu peito. O último som que ouviu sendo o som do metal caindo sobre uma poça de sangue e depois, nada.


Nada por muito tempo. Até que era capaz de ouvir gritos, clamores, sentir dor. Muita dor e muita sede. Uma sede avassaladora. Sede pelo gosto, pelo cheiro, pelo pavor, e nem suas mãos amarradas foram capazes de impedir o massacre que se sucedeu.


Batidas suaves em seu rosto seguidas de um “Vlad! Vlad!” insistente o fizeram acordar. Demorou alguns segundos para entender que o sangue que ainda sentia em suas roupas era na verdade uma fina cama de suor. Olhando para cima, encontrou a expressão preocupada de Integra sobre si. Estava diferente... Será que Vlad já a tinha visto preocupada antes? Um olhar mais atento de Vlad o fez perceber que na verdade o que estava diferente é que nunca havia visto Integra sem o tapa olho antes. O olho ferido apresentava uma cicatriz quase grosseira e o olho em si um aspecto nublado, desfocado. Morto. Frio como os olhos de Doamnei ao afundarem nas águas do lago, cuja refração da luz pouco permitia distinguir. Sentiu um nó se formar na garganta e levou a mão ao pescoço, desesperadamente procurando pelo corte que cortara sua cabeça minutos atrás, hiper ventilando entre a necessidade de estancar o sangue e o medo de encontrar algo.

Integra achou o comportamento do rapaz estranho e estava desconfortável com o olho exposto, mas perceber que o conde estava inda apavorado com aquele medo irracional que persegue aqueles que ainda não estão totalmente acordados a fez pensar mais em acalmá-lo do que nela mesma. Se bem que acontecimentos recentes haviam mostrado que um Vlad calmo era extremamente benéfico para a saúde de Integra.

Ele parecia angustiado, quase desesperado durante o sono, mas Integra estava começando a duvidar se foi uma boa ideia acordá-lo quando ele levou as mãos aos cabelos (quebrada ou enfaixada, parecia não importar), apertando a tez com força, como que para forçar fisicamente um pensamento a parar de se repetir em sua mente, a tirá-lo de seu crânio a qualquer custo.

Dois minutos depois, Vlad estava apenas mirando o teto, enquanto Integra mexia no abajur do lado da cama. Uma vez o rosto do rapaz iluminado, a Hellsing percebeu que Vlad estava mais lutando contra uma dor de cabeça do que tentando superar algum pavor desconhecido, agora que sabia onde estava. Menos mal.

– Vlad?

– Sim, Milady.

– O que aconteceu?

– Uma... Lembrança eu acho.

– Quer falar sobre isso?

“Não”. Foi a primeira coisa que Vlad pensou.

– Pode ajudar. – Integra murmurou, percebendo o silêncio dele.

Vlad respirou fundo. Pelo visto não havia muito o que fazer:

– Não é nada de novo. Digo, nada que eu não soubesse mas... Ainda sim...

E Integra desistiu de continuar com aquele assunto. Estava com sono, cansada e com um começo de dor de garganta absolutamente irritante. Puxou o cobertor acima dos dois mais uma vez, mas dessa vez propositadamente cruzou um braço na cintura de Vlad.

– Tente dormir Vlad. Vai ser mais fácil lidar com tudo isso quando estiver descansado e, de preferência, recuperado. Está estressado, nós dois estamos. Tudo parece monstruoso agora, mas vai melhorar. Tente dormir.

Vlad sinceramente duvidava que voltar a dormir ia ajudar em alguma coisa. Primeiro porque sonhar era o único motivo pelo qual ele se lembrou de ter sido assassinado (saber era uma coisa, vivenciar outra completamente diferente), segundo porque naquela manhã aconteceria o enterro de Ileana, o que por si só condenaria o dia inteiro.

Vlad virou a cabeça, surpreendendo-se ao se perceber distraidamente fascinado pelo perfume do cabelo de Integra. Pensou no jeito torto que ela lhe disse o que disse antes de voltar a dormir, mas acabou aceitando que era o mais racional. Afinal, o que ela diria para ajudar que não fosse pura hipocrisia? Já tinha dito que passado era passado antes e nada do que ele sonhou era novidade para ele. Bom, vivenciar certamente era, já que deveria ser impossível se lembrar de alguma coisa que aconteceu com você daqui a alguns anos, mas a novidade mesmo era a perspectiva. E seu maior medo? E se eu virar Alucard? E se estiver caminhando para isso? Bom, ele tinha a leve sensação de que Integra iria adorar a possibilidade, e esse tipo de alegria nos olhos dela era algo que ele definitivamente não queria ver.

“Definitivamente, eu preciso de ajuda para lidar com isso tudo...” ele pensou, antes de fechar novamente os olhos, permitindo-se puxar mais Integra para perto de si, conseguindo um pouco mais de calor e um pouco mais de conforto. Na atual situação, ele aceitaria qualquer coisa para se sentir um pouquinho mais importante, um pouquinho mais necessário, um pouquinho mais humano.

Integra aceitou seu toque com naturalidade, o que por alguns minutos mandou Vlad para um estado de absoluto êxtase. Até que...

– Alucard...

Vlad gelou. E se condenando mentalmente pela associação de idéias, ficou subitamente irritado ao ver que Integra, mesmo buscando seu calor, sonhava na verdade com a pele fria do vampiro.

E pela milésima vez ele se perguntou o quanto Integra o aceitava em sua vida pela esperança de que ele se tornasse o monstro, seu desejo de ter Alucard mais uma vez a seu lado, o quanto o fantasma de Alucard ela reconhecia em suas feições e, sempre, se sua absoluta presença não era o que impedia Integra de esquecer do vampiro e se apaixonar por alguém mais humano e mais mortal. Mesmo que não fosse ele. Principalmente se não fosse ele.

E então pensou nele como o que era, o valor que lhe era atribuído e se tantos dilemas lhe faziam valia, se alguém se importava, se mudariam algo. Se não era melhor que ele se apagasse, sem aviso, sem motivo, por causa de um celular quem sabe?

Seu coração deveria ter doído naquele momento, suas entranhas deviam ter congelado e o normal era que ele procurasse mais calor no corpo de sua companhia, se fingisse amado ou chorasse seus demônios mais uma vez, mas não. Quando uma pessoa entra em choque não sente mais dor, o corpo não deixa.

Levantou-se devagar, não tinha pressa. Sem se dar ao trabalho de trocar sua camisa rasgada, prendeu seu punhal de prata no cós da calça negra e com a precisão de uma fada dos dentes retirou a pistola de baixo do travesseiro de Integra.

Ele podia fazer aquilo. Ele podia apagar. Vlad nunca fora menos que um caçador afinal.

Um cruzado. Um assassino. Afinal, todo mundo mata por uma ideologia, todos agem por amor. Sua própria ideologia e amor próprio, tão fortes e cegos que destroem tudo ao seu redor, até que o vácuo criado o suga e faz suas entranhas virarem do avesso.

Para ser Alucard? Ele podia se camuflar na noite. Ele podia se cobrir de vermelho. Ele podia deixar aflorar sua sede por sangue. Ele podia recuperar um determinado celular.

Integra não ouviu quando a porta se fechou. E Vlad viu a neve romena mais uma vez manchada de sangue.


My body is a cage

We take what we're given

Just because you've forgotten

That don't mean you're forgiven


I'm living in an age that

screams my name at night

But when I get to the doorway

There's no one in sight


I'm living in an age

Realizing I'm dancing

With the one I love

But my mind holds the key


You're standing next to me

My mind holds the key


Set my spirit free

Set my spirit free

Set my body free

Set my body free


Set my spirit free

Set my body free



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Notas finais do capítulo

Até!



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