Alice S Memories escrita por Yako-chan


Capítulo 5
Capítulo 4 Outra Vida




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 Tudo parecia ter sido deletado de sua memória, como se nunca tivesse acontecido, nem lembrava de sentir falta de algo, mas ela sabia que havia sido uma criança feliz, que tivera uma família, um lar, e que nada lhe faltara realmente naquele tempo havia sido feliz, Alice pensava agora que naquele tempo era sedo demais para que ela começasse a perceber que mundo não era colorido, aconchegante e acolhedor como o jardim de sua casa, onde tudo aconteceu, nem que além das cercas ele não era em nada gentil nem simples, não se podia fugir dele quando as coisas ficavam ruins, não era como voltar pra casa quando começa a chover, mas naquela noite não choveu, somente as chamas, mas era assim que Alice pensava na época, um mundo colorido e mágico, que se desmanchou como um castelo de areia ante o mar, ele ruiu quando a realidade se fez presente naquela noite.

Mas longos anos se passariam antes que ela notasse isso, e quando finalmente percebeu viu que era tarde demais para querer não fazer parte dele, ao longo desses anos descobriu que a realidade era vazia, como um grande vazio precisando ser ocupado, mas que talvez nunca seria, por muitas vezes se pegou olhando para a janela de seu quarto, perdidamente olhando para o horizonte longínquo e se lembrando do jardim de sua casa, este agora não parecia mais o lugar perfeito seu pequeno reino havia perdido todo o valor em suas memórias quando cresceu, e agora ele nem deveria existir mais, teria sido consumido pelas chamas junto com a casa e seu passado de sonhos que se tornaram pesadelos.

E agora fazia cerca de dez anos que havia chegado aquele lugar, muito mais tempo do que pensariam que ela iria ficar ali, e mesmo com todo esse tempo ela ainda podia ouvi-los gritando. Noite após noite era a mesma coisa, ela se deitava em sua cama, esperando que ao menos daquela vez fosse ter uma noite de sono tranquila, sem sonhos, mas os sonhos vinham e junto com eles o pesadelo.

Era sempre o mesmo pesadelo, ela começava sonhando com um lugar mágico, um lugar do qual não se lembrava mais e que em algum momento fora parte de sua infância, onde havia uma festa com seus amigos lá, mas nunca se lembrava de seus rostos ou vozes quando acordava, nem mesmo nomes, mas no sonho de repente eles começavam a entrar em pânico, gritando para ela acordar e quando via seu quarto estava em chamas, ela gritava e corria para o quarto dos seus pais para encontrá-los, mas quanto tocava a maçaneta o ferro quente lhe queimava, ela chamava, mas só os ouvia gritando, só podia ouvir isso, ouvindo-os gritando, ouvindo-os morrer.

Então acordava, gritando, ela costumava acordar e chorar, mas suas lagrimas secaram e ela esqueceu como chorar, parece que esqueceu ao longo dos anos, Alice descobriu que era muito mais fácil esquecer, assim podia segurar as memórias dolorosas. E ela sempre teve o mesmo sonho todas às noites durante os últimos dez anos.

—Dez anos...é o suficiente para conduzir alguém a loucura! Claro que, no meu caso, isso não importa...eu já estou louca, é por isso que eles me trancaram aqui e descrevem-me lá fora como “Uma outra pobre alma eternamente fugindo da realidade”.—Dizia para si mesma sentada na cama.—Não posso culpá-los realmente por me trancarem tarde demais.

Já era dia quando uma enfermeira chegou e a cumprimentou.

—Bom dia.—Disse a mulher entrando no quarto, Alice olhava para ela, sem nada dizer ultimamente ocupava sua cabeça com pensamentos nada ordenados e com muito pouco sentido, para ficar falando a toa então ficava olhando para a enfermeira.

“Eu acho que é mesma enfermeira que veio na manhã de ontem, e também pela manhã de antes de ontem, e pela manhã antes disso, e antes que...etc, mas eu não tenho certeza”

Pensava, os dias ali eram apenas uma espécie de borrão juntos para ela agora, a enfermeira abriu as cortinas para deixar o sol entrar, mas Alice não queria e deitou novamente puxando as cobertas sobre a cabeça para mantê-lo afastado.

—Venha agora querida.—Ela diz.—É um bonito dia, não gostaria de ir um pouco lá fora para uma mudança de ares?

Alice não respondeu, ela não costumava falar muito a não ser com o medico que cuidava dela, sempre o mesmo nos últimos dez anos em que esteve ali, embora enfermeira Nina não trabalhasse mais no local, e no começo nem com ele falava direito depois do trauma e também depois de saber que aquilo não era apenas um hospital como pensava, ele agora estava ali sentado na poltrona de sempre com uma prancheta na mão e Alice deitada em sua cama, ficar sem falar acabou se tornando um espécie de jogo para ela, um que ela usava para se manter entretida naquela prisão, mas ele não gostava quando ela chamava aquele lugar assim.

—Não é uma prisão, você estará livre para sair quando estiver curada. —Ele falava mais uma vez em resposta as palavras dela.

—Não há cura para mim. —Ela sempre dizia para ele, e assim que este terminou saiu à enfermeira voltou e tentava novamente tira-la da cama, Alice lhe lançou um olhar de raiva, fazendo bico, mas depois seu olhar se transformou em um sorriso educado, resolveu deixá-la ajudar a se levantar e foi ao banheiro, tomar banho era sua parte favorita do dia, toda manhã deixava a água límpida lavar as imagens que o pesadelo trazia a sua mente, após terminar ia até o espelho para escovar os cabelos, ela sempre olhava para seu reflexo, e via uma garota estranha que sempre olhava para trás.

Os longos cabelos louros, pele clara, olhos azuis como um oceano no qual poderia afogar alguém que os encarasse demais.

—Eu tenho que admitir, se eu não fosse louca eu provavelmente teria sido uma menina “popular”...—Comentava sozinha e voltava a escovar os cabelos enquanto os secava, ao terminar saiu, mas não antes de olhar mais uma vez para seu reflexo.

—Sim, definitivamente eu teria sido popular...talvez em outra vida.—E saiu, tinha um guarda-roupas pequeno mais havia conseguido acumular uma boa quantia de roupas ao longo dos anos, apesar de nunca sair de Rutledge, mas dez anos é muito tempo, tende-se a crescer nesse tempo quando no inicio dele você é uma criança, Margaret e a tia lhe enviavam roupas as vezes, em meio aquelas havia um vestidinho azul claro, dele parecia se lembrar de alguma coisa, uma lembrança da sua infância, mas achou melhor simplesmente reprimi-la e seguir em frente. Mas aquele vestido ela manteve por todos aqueles dez anos, o mesmo que ela vestia no dia que foi levada para o hospital, realmente era bem pequeno agora, embora na época fosse um pouco grande para ela quando mais jovem, um pequeno vestido azul com um avental branco costurado para frente, mas que durante quase três anos, se recusou a retirá-lo, só fazia isso na hora do banho, ou quando o tiravam a força muitas vezes foi preciso esperar que dormisse para tirar e lavar o vestido, e ela o usou até que já estivesse grande demais para caber nele.

Mas além daquele, houve outro vestido azul, um que ela mesma fez a pouco mais de um ano, uma versão maior daquele mesmo vestidinho e cada detalhe exatamente o mesmo, exceto para o tamanho, e que ela usava durante seus “humores” como eles costumavam chamar, ela sabia que as enfermeiras e médicos odiavam quando ela usava o vestido, diziam que era insalubre, mas ela simplesmente olhava para eles com uma expressão vazia, como se não entendesse até que assim eles a deixassem sozinha, Alice usava o jogo da tal coisa da insanidade um pouco a seu favor, quando isso a ajudava a conseguir o que queria.

Ela pensou em ir lá fora, mas acabou por ir contra essa idéia, parecia que havia uma tempestade a caminho, ela não gostava muito quando havia tempestades, muito menos quando estava tentando dormir, elas faziam o pesadelo ainda pior, pesadelos estes que a faziam realmente enlouquecer, mais do que já era, às vezes perdia o controle, ela nunca tinha muita noção de quando isso acontecia tudo parecia “distorcido e monstruoso”, era o que mais ou menos se lembrava de quando esses surtos aconteciam, e quando acontecia isso era quando também a levavam ao lugar onde somente os pacientes mais perigosos ficavam, diziam que somente lá poderiam controlá-la para que não viesse a machucar ninguém ou a si mesma, e aquele era um dos lugares que poderia dizer indescritíveis.

Ficou um pouco na janela talvez olhando para fora, as nuvens escuras e pesadas formavam-se e avançavam junto do vento, Alice desejava que talvez aquela tempestade fosse chegar enquanto ainda fosse dia e terminasse antes do anoitecer.


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Notas finais do capítulo

comentem =)



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