Donna Koe De, Donna Kotoba De? escrita por Anna H


Capítulo 6
White-Black-White




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Não havia nenhuma luz forte ou o meu celular gritando o despertador, nem mesmo uma prostituta pedindo o dinheiro. Mas meus olhos se abriram mesmo assim. Uma brancura quase anormal tomou a minha visão, e não importava quantas vezes piscasse, ela estava sempre lá. Mas era só um teto. Branco, muito branco. Mas só um teto, que com certeza não era o meu.


... Óbvio que não era o meu. Branco daquele jeito só poderia ser de uma pessoa, e ela estava agarrada a um travesseiro ao meu lado, sob o mesmo lençol – branco também, claro – que eu. Eu realmente não entendia como alguém como ele podia estar sozinho. Certo que a comunicação era de certo modo difícil, mas era um preço muito baixo a se pagar por aquela ... perfeição. E era mais difícil ainda entender como alguém como ele estava saindo comigo, um nanico rude com emprego ruim e um apartamento que mais parece um chiqueiro. Mas eu não estava reclamando. Não, de modo algum.


Eu queria esperá-lo acordar, ver aqueles olhos se abrirem e me afogar na sensação quente do sorriso dele. Mas... Eu trabalho aos sábados. E depois de ... dez anos sem um único relacionamento sério, eu tinha quase... medo de ficar na cama esperando a pessoa ao lado acordar. Talvez ele também não esperasse que eu ficasse, ou que voltasse em outra hora. Talvez eu fosse para ele o que eu tinha feito das outras pessoas antes dele.


“Desculpe. Não resisto, você tem cara de quem faz isso o tempo todo. Quis dar o troco por quem não teve a oportunidade.”


É, eu realmente deveria ir trabalhar agora.


[...]


– Nishimura.


– Hm? – Era o Toshimasa, por isso não me dignei a levantar a cabeça da mesa.


– Nishimura!


– O quê?


– Eu tenho uma coisa pra você ir entregar na contabilidade.


– ... hm-hm... – e virei o rosto, apoiando a cabeça em algum maço de papéis.


–... Nishimura.


– O quê???


– Nishimura... isso...


– Hara, eu sei que meu nome é Nishimura. E eu entrego já a sua conta de

prostitutas na contabilidade.


– Nishimura, isso aí debaixo dessa sua gola-alta-homossexual... Nishimura, ISSO É UM CHUPÃO?! – Hã? Ah, certo, claro, com certeza, ele tinha que ter visto. – E então? Como foi a sua primeira vez? Por favor, não me diga estava bêbado demais para lembrar.


Eu merecia. Eu realmente merecia.


[...]


Pela manhã, achei que não estava em condições de dirigir – meus problemas com divagações estavam um pouco mais sérios que o normal -, por isso achei que seria melhor não dirigir. Ou talvez eu só quisesse uma desculpa para ir a pé para o trabalho e passar pela praça onde geralmente eu conseguia encontrá-lo. Mas ele não estava lá. Não estava de manhã, não estava à noite. Eu não esbarrei nele em nenhuma esquina, e ele não apareceu para me salvar de um eventual ônibus que pudesse me atropelar.


Era apenas um desencontro de horários, eu tentei dizer a mim mesmo. Ele poderia ter estado naquele banco cinco minutos antes de eu passar; ter ido sentar-se lá cinco minutos depois de eu me levantar para ir embora.


Normalmente, eu estaria me xingando até o ultimo nome por ter me tornado tão dependente da presença de alguém. Não precisava de ninguém, eu havia enfiado em minha mente e em minha alma ao longo dos anos; havia aprendido a não precisar. E então, chegava um cara magro passeador de cães e punha tudo isso abaixo com um sorriso e papéis escritos com uma caligrafia bonita.


Verifiquei o telefone celular.



0 Mensagens Não Lidas.



Eu suspirei, passei as mãos nervosamente pelo cabelo e puxei o maço de cigarros do bolso. Pus o último restante na boca e o acendi, esperando que aquilo me tirasse da minha paranóia.


A previsão do tempo do jornal sobre a minha mesa não havia dito que faria tanto frio, e meus dedos estavam congelando. Eu imaginei o corpo fino e pálido dele tremendo dentro de um casaco enquanto tentava não ser carregado pelos cães alheios.


E eu conhecia aquele casaco parado em frente ao portão do meu prédio.


O rosto dele se voltou ao meu, parecendo surpreso, e as maçãs de seu rosto ganharam uma violenta coloração avermelhada. Os lábios dele se moveram quase imperceptivelmente, mas eu tinha certeza do que havia escapado deles. “Tooru”.


Apressei o passo e joguei o cigarro ao chão, apesar de adorar a expressão de nojo que ele fazia quando fumava em sua presença. Ele baixou o rosto, provavelmente tentando esconder o rubor, movendo as mãos impacientemente dentro dos bolsos do casaco negro, e só voltou a olhar-me quando chamei seu nome, a pouco mais de um metro de distância. Eu estava tão surpreso quanto ele.


– Como sabe que... eu moro aqui?


Shinya já estava com um papel preparado em mãos.


“Você me disse uma vez.”


“Seu problema de divagações está começando a afetar sua memória também?” – este ele escreveu no minuto seguinte.


– Você deve estar congelando aqui. Vai subir? – eu disse depois de olhá-lo por longos segundos. Ele acenou rapidamente com a cabeça e me acompanhou pelas escadas. Sim, a construção era antiga e não tinha elevadores.


Ele estancou na entrada do meu apartamento, encarando o estado deplorável da bagunça. Talvez aquilo fosse capaz de fritar o cérebro dele.


Depois que a porta foi fechada, foi a vez de nós nos encararmos. Ele remexeu algo dentro do bolso e pareceu hesitar.


Era a primeira vez que eu experimentava um silêncio tão pesado na presença dele.


Ele suspirou e separou milimetricamente os lábios. Ele ia falar. Ou me entregar o pior bilhete da minha vida.


– Antes que você fale qualquer coisa. – Eu consegui intervir. – Eu... preciso dizer algo.


Os olhos escuros dele me fitaram e todo o corpo dele pareceu se tencionar. Eu precisei me apoiar na mesa atrás de mim.


– Shinya, ... – Vamos, Nishimura, eu pensei, verbalize a sua decadência. – Shinya, eu preciso de você. É isso. Eu passei um único dia com a idéia de não te ver mais e eu devo estar beirando a insanidade agora. Eu sou uma desgraça em relacionamentos e eu preciso de você.


Os lábios dele se fecharam e, lentamente, se curvaram em um sorriso . O rosto foi baixado para esconder a vermelhidão que tomava conta de suas bochechas e ele caminhou até mim e abraçou minha cintura com força enquanto escondia a face em meu ombro.


Eu era um nanico rude com um apartamento sujo. Um nanico rude com um apartamento sujo e a criatura mais... frágil, delicada e doce era minha.


Lentamente, eu deixei meus braços o envolverem, com um medo irracional de que a qualquer momento eu pudesse acordar, mesmo que o perfume suave dos cabelos dele fosse real demais para um sonho. Ele afastou-se um pouco, o suficiente para que pudéssemos olhar nos olhos um do outro. Havia algo indefinido no chocolate escuro da íris dele, algo por trás daquela felicidade ardente me assustou. Provavelmente o reflexo da minha paranóia.


Toquei seu rosto do modo mais suave que podia e o puxei de encontro aos meus lábios. Eu não queria viver outro dia sem aquele toque. E as mãos dele estavam quentes, parecendo perdidas em meus cabelos.


[...]


Era a primeira vez em meses que eu acordava antes das três da tarde em um domingo. Era a primeira vez em anos que eu sentia braços apertando meu corpo ao acordar.


Shinya estava agarrado às minhas costas, o rosto encostado suavemente à minha nuca, fazendo sua respiração lenta bater em minha pele e as mãos agarravam o tecido de minha camisa com força.


Eu já estava desperto há certo tempo, mas ele parecia tão... tranqüilo que senti remorso até de pensar em me mover dali, até que ele finalmente se virou para o outro lado, encolhendo-se numa bola pálida em meio aos lençóis. O pequeno feixe de luz que atravessava a cortina batia em seu ombro, fazendo-o quase brilhar. O cabelo castanho-pálido caía bagunçado sobre seu rosto fino, e a marca avermelhada em seu lábio só o tornava mais atraente.


Ele se moveu novamente, exalando o ar com um pouco mais de força ao se virar e ficar de costas no colchão, como se o meu olhar compenetrado estivesse atrapalhando seu sono tão tranqüilo. As pálpebras tremeram rapidamente e ele levou as costas da mão aos olhos, cobrindo-os instintivamente da claridade. Eu me espichei sobre ele e puxei a cortina mais grossa para bloquear a luz que parecia incomodá-lo tanto. Shinya suspirou levemente, voltando o rosto a mim, as maçãs do rosto quase imperceptivelmente coradas.


– O quê?


“Há quanto tempo?”


– ... – certo, ele tinha me pegado. – Não muito.


Ele permaneceu em silêncio, mas eu conhecia aquele olhar. “Maníaco sexual” era o que ele geralmente escrevia quando me olhava daquele jeito.


– O que eu fiz, agora?


Shinya reforçou o olhar.


– Quem mandou ser essa coisinha perfeita? – respondi com azedume, deitando-me de volta com os braços atrás da cabeça. Ele soltou um risinho e se inclinou sobre o meu peito, aproximando o rosto do meu. – O quê? Ontem você não achava que eu era um maníaco sexual quando--- – os orbes castanhos dele rolaram para cima e ele juntou nossos lábios furtivamente, num movimento tão rápido que só notei ter acontecido quando ele invadia minha boca com a língua quente.


A manhã já havia passado quando resolvemos que era hora de levantar. Ele parecia aflito dentro do meu apartamento escuro e desarrumado enquanto tentava organizar algumas pilhas de papéis, revistas e livros que estavam largadas em cima da mesa do computador.


Eu estava tentando achar algo que servisse de lanche quando ele apareceu na cozinha com o caderno e a caneta.


“Você só mora comigo se jurar de pés juntos que não vai fazer isso na minha casa”


– ... Então de que serve um namorado obsessivo por organização se eu vou ter que ser organizado também?


Ele me encarou e rolou os olhos. O sorriso veio logo em seguida.


Eu definitivamente não me lembrava de um dia ter me sentido tão completo como naquele momento.


Como em todos os outros em que havia a presença silenciosa de Shinya ao meu lado.


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