Genesis escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 5
Capítulo 5




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          O domingo por fim chegou, acordando Aoi com raios de sol e fazendo com que ele se virasse no colchão, indo demais para a direita e caindo no chão. A queda tinha sido mínima, mas lembrou o moreno de que ele realmente não estava na sua casa.
          Sacudindo a cabeça para tentar acordar direito, ele viu Uruha dormindo na cama, o cabelo dourado agora fora de ordem e parecendo mais com uma pessoa normal; nos dias anteriores, o moreno havia achado que o garoto-gênio tinha um ar de intocável, e isso sumia quando ele dormia.
          Espreguiçando-se dentro de uma camiseta de mangas compridas e um tanto velha que ele havia pegado emprestado, Aoi viu que Uruha agora abria os olhos castanhos, focando-os lentamente na visita que tinha em seu quarto enquanto recobrava a consciência:
          - Ohayou, Uruha.
          - Aoi... - ele piscou vagarosamente, como se quisesse ter certeza de que o menino na sua frente era realmente o baderneiro mais famoso da escola - Ohayou. Ah! - o loiro de repente pulou e se sentou na cama, alarmado - Quanto tempo faz que você acordou? - ele perguntou, levantando e correndo para um armário diferente do que continha a guitarra, abrindo o mesmo e passando uma escova rapidamente pelo seu cabelo, dando-lhe uma forma decente.
          - Não deve fazer nem cinco minutos. - o outro confessou, se levantando também e abrindo a janela que ficava logo sobre a cama do loiro; era uma vista bonita. Uruha parecia um tanto quanto vaidoso em relação ao seu cabelo, notou o moreno com um sorriso nos lábios.
          - Menos mal... - foi a resposta do outro.
          O moreno, ainda descabelado e com as roupas usadas do loiro que faziam as vezes de pijama, observava a paisagem que o dono daquele quarto provavelmente via todo dia. Era estranho acordar e ver a cidade por outro ângulo, assim como ver Uruha dormindo tranqüilamente por alguns segundos.
          Quando ele se finalmente saiu da janela, encontrou o seu anfitrião já totalmente vestido, e Aoi tinha que reconhecer que o jeito que ele se vestia era no mínimo... Peculiar. Ele tinha estilo, mas também usava peças de vestuário que poderiam parecer femininas demais.
          Nele, no entanto, ficavam perfeitas.
          Piscando e voltando à realidade, ele pegou as suas roupas do dia anterior no chão, tirando a camisa de Uruha e colocando a sua, devolvendo a que pegara emprestada em seguida.
          - Eu vou sair enquanto termina de se trocar. Espero você lá embaixo para o café.
          - Daijoubu. A comida da sua mãe é realmente gostosa.
          O loiro deu um sorriso da porta, concordando com a cabeça:
          - É uma das poucas coisas boas de morar aqui.
          A porta foi finalmente fechada e o moreno terminou de se vestir, brincando com o piercing no seu lábio inferior antes de abrir o mesmo armário que o loiro tinha escolhido naquela manhã, encontrando o espelho e começando a se pentear.
          Quando seu cabelo preto já caía suavemente ao lado do seu rosto como sempre, Aoi se deu por satisfeito, chegando mais perto do espelho para examinar seus olhos e vendo uma coisa brilhar dentro do armário quando fez esse movimento.
          Abrindo a outra porta do armário, o maior rebelde da escola se assustou com o que encontrou: escurecidos pela falta de cuidado e esquecidos no meio das roupas que pareciam não muito usadas por Uruha, estavam alguns pequenos troféus dourados, com o verdadeiro nome do loiro gravado. Na porta do armário sem o espelho, no entanto, fotos de grandes bandas de rock ou artigos sobre o assunto decoravam a madeira. Alguns haviam sido rasgados e depois montados novamente com fita adesiva.
          Piscando, Aoi achou ter encontrado pedaços do passado e da personalidade de Uruha; quando ele começou a ler um dos recortes que estava em pior estado que os outros, ele ouviu passos do lado de fora e correu para fechar o armário, andando pelo quarto até voltar para o colchão onde tinha dormido e para perto da sua mala.
          Não foi Uruha que abriu a porta, mas uma das suas duas irmãs, sorrindo:
          - Shiroyama-san! Não vai descer para tomar café?
          - Ah, vou sim. Obrigada por me chamar, já terminei.
          - Vamos descer juntos, então!
          Colocando seu sorriso padrão no rosto, Aoi saiu do quarto, não sem antes lançar um olhar para o armário que ele sabia guardar alguns pequenos tesouros agora. Que espécie de passado teria o menino gênio?

          O resto da manhã e da tarde correu normalmente, embora Aoi estivesse ficando cheio da física e das malditas fórmulas. Pouco depois do almoço, o moreno levantou-se com violência da cadeira e jogou-se na cama de Uruha, já que o seu colchão havia sido levado embora.
          - Chega! - ele bradou com a cara no travesseiro, sua voz saindo abafada mas mesmo assim sendo entendida pelo outro - Obrigada pelo favor.
          - De nada. - o loiro tampou a caneta que estivera usando e olhou para o livro - Não que eu ache isso tudo maravilhoso, mas ainda faltam algumas unidades para você estudar.
          - Danem-se as unidades. Eu nunca estudei tanto para uma mísera prova de uma porcaria de matéria inútil.
          Um Aoi irritado era algo que fazia Uruha sorrir, e o loiro até acabou rindo sozinho por alguns segundos. Fechando o livro, cadernos e tudo mais, o dono do quarto se espreguiçou, parando no meio do caminho quando o moreno falou de novo:
          - Você quer ser músico, Uruha?
          - Por que a pergunta? - o outro respondeu com um questionamento, usando um tom de voz estranho.
          - Eu... Achei que quisesse. Pela sua resposta ontem.
          O convidado optou por omitir seu achado naquela manhã, achando que essa revelação poderia irritar o outro; querendo ou não, ele devia um grande favor para Uruha, e foi por isso que ele se segurou. Aoi, geralmente, não tinha receios quanto a abrir sua boca, o que evidentemente não era um comportamento que o mantivesse afastado de encrencas e detenções enquanto em aula.
          - Eu... Não vou poder ser um.
          A voz do loiro agora era realmente triste, fazendo com que o homem deitado levantasse a cabeça para vê-lo melhor. Uruha estava na cadeira giratória do seu computador, usando os pés para girar seu corpo preguiçosamente de um lado para o outro, encarando o chão.
          - Isso não responde a minha pergunta.
          - Eu sei. - Uruha lançou um olhar não muito piedoso na direção do moreno que ocupava sua cama antes de descer os olhos novamente - Meu...
          - Pai. Seu pai não apóia você de jeito nenhum.
          - É. - respondeu o loiro, não parecendo muito surpreso com a dedução do outro - Ficou óbvio depois de ontem no jantar, ne?
          Aoi sacudiu a cabeça positivamente.
          - Ficou. Mas eu sei como se sente, meu pai também não gosta do que faço. Aliás, inclua minha mãe nisso também.
          O bonito rosto de Uruha se ergueu mais uma vez, e Aoi se mexeu na cama, dando espaço para que o dono da mesma viesse se sentar ali. Os dois se acomodaram de pernas cruzadas, de frente um para o outro.
          - O quê seus pais querem de você?
          - Que eu tenha um emprego "seguro". Um emprego de verdade, case e tenha filhos. Uma vida comum e apagada, como a deles. - o moreno respondeu azedo, fazendo uma careta.
          - Você tem sorte. Pelos menos seus pais querem que você seja normal... Já meu pai quer me transformar em um enfeite, em algo que ele pode exibir para os amigos.
          O moreno mordeu o lábio inferior; a sua reputação nunca tinha sido das melhores e não era segredo que seus pais não tinham muito o que mostrar, mas ele nunca havia pensado a que a situação inversa da sua poderia ser ruim. O loiro por fim suspirou, espremendo-se entre o corpo do outro homem e a parede, podendo finalmente deitar. Ele continuou a falar, mas olhando para o teto:
          - Meu pai já teve muito dinheiro, pertencia a grupos influentes e tudo mais... Mas perdeu tudo. Perdeu porque é um idiota que não tem inteligência. Daí agora... Ele descobriu que poderia me usar para isso. Quer me transformar em algum jovem executivo sem vida para me exibir e recuperar o prestígio dele. Sem se preocupar comigo nem nada.
          Aquele era um desabafo e tanto. Aoi notou que não sabia o que fazer, não estando acostumado com pessoas que se abriam com ele com tamanha facilidade. Ou talvez o caso ali não fosse facilidade, e sim semelhança: os dois jovens tinham mais em comum do que imaginaram a primeira vista.
          - Você não tem que ouvi-lo, Uruha. Siga seu caminho. Se seguisse, ficaria que nem eu.
          - Um cara que pega milhares de detenções e arruma encrenca com os outros? - o loiro perguntou, erguendo uma sobrancelha e parecendo cético.
          - Obrigada pela carinhosa descrição... - o outro devolveu com o mesmo sarcasmo, suspirando em seguida - Olha, posso não ser um exemplo, mas estou tentando te ajudar.
          - Eu sei... Desculpe. - o outro falou depois de algum tempo - Esse assunto sempre me deixa meio nervoso. Dá raiva. Dá muita raiva...
          O moreno de repente levantou da cama, abrindo o armário de Uruha e parando de costas na frente dele. Dando um sorriso estonteante para o dono do quarto, ele falou:
          - Enquanto eu penso em um bom conselho para você, faça suas malas. Nós vamos sair para dançar e esquecer do mundo hoje.
          O loiro sorriu sinceramente para o garoto que conhecia há pouco tempo, concordando com a cabeça e começando a fazer o que Aoi mandara. Escolhendo as roupas que usaria aquela noite, ele parou e olhou para o mais velho:
          - E qual a desculpa que vai dar para minha mãe?
          - Que você vai ver o ensaio da minha banda e dormir por lá.
          - Sorte sua que isso vai ser o bastante. Minha mãe foi com a sua cara. - comentou o loiro, terminando de fazer as malas - E você tem uma banda de verdade?
          Aoi concordou com a cabeça, sorrindo com orgulho:
          - Sim. E ainda seremos grandes.
          - Grande vai ser a ira do meu pai se nos descobrir... - Uruha comentou com uma voz desanimada, fazendo o moreno gargalhar. Não demorou muito para que o loiro também o acompanhasse na risada e assim os dois desceram as escadas, atraindo os olhares das irmãs de Uruha e passando sem dificuldades pela mãe do mesmo.
          Aoi pensou que a mudança de quase-inimigos para quase-amigos era uma boa coisa.

          Quando chegaram na casa de Aoi, os pais do mesmo não se encontravam, o que foi inclusive benéfico para os ânimos dos dois adolescentes; seus pais estavam provando ser os problemas que tinham ultimamente, por isso a ausência não foi um incômodo.
          Aoi se trocou dentro do seu quarto enquanto Uruha mudou de roupa no banheiro adjacente; momentos depois, o moreno desceu para a cozinha, indo preparar alguma coisa para comer antes de sair. Nas casas noturnas eles nunca serviam comida decente, e mesmo que isso acontecesse, os preços eram absurdamente altos.
          Os passos que ouviu pelo corredor da sua casa indicaram que o loiro estava chegando, mas Aoi descobriu que não era possível evitar que seu queixo caísse quando o outro apareceu; Uruha vestia uma blusa preta simples, fechada com dois botões na frente, mas que deixavam um pedaço da sua barriga a mostra, assim como a parte do seu corpo que vinha após seu pescoço. As mangas, também escuras, pareciam ter sido mal costuradas à peça, deixando os ombros nus e cobrindo quase por completo seus dedos.
          O mesmo problema de costura parecia repetir-se na calça, sendo justa até mais ou menos o meio da coxa, onde ficava aberta e unida ao restante do tecido que ressurgia na altura do seu joelho por fios pretos e finos, que formavam padrões abstratos. Ele parecia usar algum tipo de plataforma ou então todo o visual era realmente inesperado, porque Aoi acreditava que o loiro parecia mais alto.
          - O que foi? - o outro perguntou, sentando-se à mesa e pegando um dos sanduíches que o moreno havia acabado de fazer. O dono da casa percebeu que os lábios do outro também tinham um brilho incomum, assim como seus olhos também pareciam mais luminosos.
          - Você tem roupas assim em que canto da sua casa? - o outro inquiriu, ainda surpreso, mas recuperando seu humor de sempre e sorrindo de uma forma um tanto quanto diferente, que Uruha não conseguiu interpretar.
          - Em um fundo falso no meu armário, claro. - o outro respondeu com sarcasmo, mas seu rosto ficou sério logo depois - Misturadas com minhas roupas mais normais. Meu pai jamais as acharia e minha mãe não mexe ali, então não tem problema.
          - Entendo. - o outro concordou com a cabeça - Isso é um ponto a favor se quiser ter uma banda um dia.
          - Sabe, Aoi. - ele comentou, quase terminando seu sanduíche - Eu quero impressionar as pessoas pelo meu talento, não pela minha aparência.
          O mais velho dos dois ali sorriu, sabendo de antemão que aquela seria a resposta do loiro sentado à sua frente. Terminando sua leve refeição também, ele se levantou da mesa e se debruçou na mesma, olhando para o rosto perfeitamente maquiado à sua frente:
          - Mas se as pessoas puderem admirá-lo por ambos os fatores... Também não seria uma combinação interessante?
          Sorrindo mais uma vez e voltando ao seu quarto para pegar o seu ingresso para a casa noturna que estava no bolso de outra calça, Aoi perdeu a expressão de espanto que havia sido estampada na cara da ilustre visita de Uruha, que havia inclusive corado um pouco. Balançando a cabeça, o adolescente se livrou da cor vermelha que havia se espalhado no seu rosto.
          Ela não tinha nada a ver com o jeito que o rosto de Aoi parecia sedutor, mesmo sendo o outro garoto dois anos mais velho apenas. Ou com o fato de que o piercing destacava seus lábios atraentes de uma forma que beirava o injusto ou ainda que ele vestia uma camisa larga, vermelha, que deixava parte do seu tórax a mostra quando ele se inclinava para frente daquela maneira, expondo a pele cor de creme.
          Absolutamente nada a ver.

          Em questão de cinco minutos, os dois adolescentes saíram de casa, e Uruha sentiu seu sangue gelar quando notou que Aoi se dirigia para a garagem. Aoi... Não tinha nem de perto a idade necessária para dirigir.
          - Aoi, você vai pegar o carro?
          - Vou. É do meu pai, ele não repara quando eu pego.
          O loiro ergueu uma sobrancelha, cético.
          - E se os policiais te pegarem?
          O moreno deu um sorriso estonteante para o outro, já entrando no carro:
          - Eles sempre desistem depois de uns cinco minutos de perseguição.
          Uruha estava afivelando o cinto enquanto o outro falava, não percebendo o que Aoi tinha dito até finalmente entender as palavras e abrir a boca em um espanto mudo:
          - O quê? Você já foi perseguido antes?
          Enigmático, o moreno se limitou a torcer os lábios em algo que lembrava um sorriso maligno, ligando o motor da máquina. Arrumando os espelhos retrovisores por meio de um botão no painel, ele olhou para o loiro sentado ao seu lado, acelerando o carro de propósito antes de falar:
          - Se você vai ser um rebelde, pelo menos seja um por completo. Agora vamos, senão vamos chegar amanhã de manhã na festa.
          Uruha colou suas costas ao banco que ocupava; brincar de ser o rebelde na escola era muito diferente de fazer o que Aoi estava fazendo naquele momento, e ele se perguntou se fazer amizade com aquele tipo de pessoa era a atitude correta a ser tomada. Ele não conseguia entender como ele cogitava essa idéia agora, sobretudo porque isso jamais seria possível quando ele era mais novo.
          Espantado com a visão que era a cidade transformada em borrões de cores e sons conforme Aoi dirigia com maestria mas ainda sim em alta velocidade, Uruha descobriu que talvez fossem amizades como aquela que trouxessem vida para a existência apagada e tediosa que ele vinha levando.
          Talvez fosse hora de reunir sua coragem e declarar guerra contra seu pai.


Continua...

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