O Toque de Um Anjo escrita por Ms Holloway


Capítulo 1
Depois da tempestade




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“Esse é o vídeo-log número 001. Meu nome é Trudy Chacon e há algumas semanas atrás eu morri.”

             Trudy piscou os olhos e fez uma careta. Não estava muito certa se gravar vídeos sobre suas impressões e sentimentos em Pandora ajudariam a fazê-la sentir-se melhor, mas seu amigo Max garantira que era o único jeito de não enlouquecer naquele planeta e que ela deveria tentar.

- Ô, Max, isso está certo?- ela indagou ao cientista moreno e barbudo que estava perto dela examinando algumas das últimas amostras da flora de Pandora ainda colhidas pela Dra. Grace Augustine. Ele estava tentando criar uma espécie de vacina que imunizasse os humanos contra o gás tóxico presente na atmosfera de planeta, para que eles pudessem deixar a base e fazer passeios pelo planeta sem precisar usar máscaras o tempo todo.

- É claro que está certo, Trudy.- respondeu ele sem olhar para ela.

- Mas eu posso mesmo dizer o que eu quiser sobre qualquer coisa e sobre quem eu quiser?

- Exatamente. Tudo em nome da ciência.- disse Max, ainda concentrado no que estava fazendo.

- Ok, vou começar de novo então.

- Não precisa começar de novo.- falou ele. – Enquanto você estava falando comigo, a câmera continuou gravando, aliás, está gravando agora.

- Merda!- ela xingou e Max riu.

- Todo palavrão que você disser, querida, vai ser gravado por essa câmera. Já sei que quando editarmos todos os vídeos logs eu vou ter que pôr sons de censura nos seus depoimentos.- disse Norm entrando no laboratório e fazendo piada com Trudy como sempre.

               Isso havia se tornado rotina nas últimas semanas desde que o mundo de Trudy, afora os Nav`is tinha se resumido a Max, Norm, Bulk, Gillian, entre outros da equipe de cientistas “loucos”, porém honrados da falecida Dra. Grace Augustine. Ao todo eles eram dez, a maioria homens. Com exceção de Norm, os demais eram os criadores do Programa Avatar e definitivamente Trudy não falava a mesma língua que eles. Sendo piloto militar desde os dezoito anos, a linguagem preferida de Trudy era a linguagem dos céus. Ela sentia muita falta de voar, porém, não restara praticamente nada de seu Samson, destruído durante a guerra contra os Navi’s. Além disso, seu braço direito ficara seriamente debilitado para que pudesse voltar a pilotar. Isso era uma das coisas que mais a deixavam desanimada, além de não poder ir muito longe da base que havia sido rebatizada como “Cidade de Ewya”. O lugar onde Jake Sully permitira que os humanos pudessem viver desde que fosse sob suas regras.

“Norm Spelman é um idiota.”- Trudy disse em seu vídeo-log sem conseguir esconder um sorriso. “E isso, amigos é uma verdade universal.”

              Max deu uma gargalhada e Norm esboçou um sorriso sem se ofender com a brincadeira dela. Trudy continou sua gravação, sem mais interrupções dessa vez.

“Há exatos vinte dias, eu pilotava meu bebê, meu fiel companheiro de tantas jornadas, o Sansom 16, pelos céus de pandora em uma guerra sangrenta contra a minha própria espécie. No dia em que eu resolvi me alistar na equipe do Coronel Quarich para vir para este novo planeta nunca pensei que as coisas fossem terminar da forma como terminaram. Eu esperava vir para Pandora, trabalhar duro e fazer alguma diferença entendem? Apesar do que diziam sobre os perigos que me aguardavam nesse planeta, quando cheguei aqui tudo o que pude pensar era que estava no paraíso. O paraíso que um dia a Terra foi para os humanos. A natureza aqui é perfeita. Tudo que vive e respira neste lugar está conectado de uma maneira que nunca vi antes. Mas é claro que nós, os malditos humanos tínhamos que vir pra cá e tentar destruir tudo isso porque não estávamos contentes em destruir apenas nosso próprio planeta. Mas Jake Sully não deixou isso acontecer. Ele veio pra cá como alguém que não faria nenhuma diferença, mas que acabou fazendo a maior diferença de todas. Jake Sully expulsou os humanos e tornou-se um Navi. E não apenas qualquer Navi. Ele se tornou o chefe de todos os clãs em Pandora e instituiu suas próprias leis. Desde então, nenhum humano será permitido em Pandora sem o consentimento dele. Esta foi sua palavra final.

 

Vinte dias antes

 

                 As chamas do fogo lambiam as laterais do helicóptero e Trudy suava em bicas. Estava ficando quente demais muito depressa. Ela tinha alguns cortes no rosto por causa dos estilhaços do vidro quebrado da janela do helicóptero, mas isso era pouco perto do que aconteceria a ela se seu bebê explodisse.

- Eu fui atingida... – ela falou no rádio. – Me desculpe, Jake. Tô saindo!

                Os dedos dela pressionaram depressa os botões de emergência da aeronave para mantê-la no ar o suficiente para que pudesse pensar numa maneira rápida de sair dali. Ela sabia que Quarich mandaria mais fogo em poucos minutos.

- Não me decepcione agora, bebê!- Trudy murmurou puxando o páraquedas debaixo do acento na cabine principal do helicóptero juntamente com uma máscara de oxigênio. Depressa ela pôs a máscara no rosto e o páraquedas nas costas e levou a mão direita à cordinha de segurança. Porém, na pressa ela acabou se esquecendo de tirar o cinto de segurança e seu braço direito ficou preso por torturantes segundos. Ela forçou o braço o máximo que pôde tão forte que acabou conseguindo uma contusão e gemeu duramente de dor. Seus olhos se encheram de lágrimas. Mas ela precisava escapar, por isso continuou forçando o braço, tentando ignorar a dor que sentia até que este se soltou com um estalo que a fez gritar.

             Já estava com um dos pés para fora da aeronave quando Quarich disparou mais um míssil contra ela, tão certeiro que destruiu o helicóptero de uma vez, deixando-o em pedaços. Mas Trudy já tinha ido. O instinto de sobrevivência falou mais alto e ao ouvir o som inconfundível do míssil se aproximando, ela se jogou para fora do helicóptero, mergulhando na imensidão à sua frente.

- Por favor, me ajude Ewya... – foram suas últimas palavras.

               Parte do fogo queimou-lhe a pele e quando ela tentou puxar a cordinha do paráquedas para fazê-lo funcionar, este não se abriu. Trudy tentou abrir por várias vezes usando o braço que não estava machucado, mas não adiantou. A pressão do ar era forte demais em seus ouvidos mesmo com a máscara de oxigênio, o barulho da guerra ao seu redor também era ensurdecedor, mas não levou muito tempo para que todos esses sons ficassem para trás porque rapidamente Trudy foi caindo na inconsciência enquanto seu corpo era tragado pela gravidade. No entanto, ela ainda pôde ouvir o som de um grasnado distante enquanto sentia a si mesma flutuando em uma superfície gelada e lisa, quase como a pele de um sapo.

             Trudy acordou cerca de duas horas depois. Já estava escurecendo e não havia um único som audível. Ou era isso ou seus ouvidos estavam tapados por causa dos sons intensos que ela escutara antes de seu Sansom explodir. Onde estava? Ela se perguntou, com medo de abrir os olhos. Sentia o vento muito forte batendo contra seu rosto e fazendo arder seus machucados decorrentes da explosão de seu helicóptero. Seu braço direito estava doendo bastante também e sangrava. Seu rosto ardia porque pequenas bolhas se formaram em parte de seu rosto, queimaduras provocadas pelo fogo intenso da explosão.

          Será que a batalha já tinha terminado? Trudy perguntou a si mesma. Quem teria vencido? De repente, um pensamento louco lhe veio à mente. E se não estivesse mais viva? E se agora ela fosse um espírito pairando sobre as montanhas Aleluia?

           Não, era loucura demais. Ela estava viva. Podia sentir seu corpo todo dolorido e o oxigênio que provinha da máscara que usava. Se estivesse morta, não teria consciência de nada disso. Sendo assim, ela resolveu criar coragem para abrir os olhos e o fez, um de cada vez. Mas logo em seguida arrependeu-se da ideia.

           O cenário que se descortinou a sua frente era belo e incrivelmente assustador ao mesmo tempo. Ela estava mesmo nas montanhas Aleluia, na mais alta delas, deitada em uma pedra, um abismo a sua frente e centenas de banshees pairando ao seu redor. Como não os tinha ouvido antes?

           O medo calou sua voz e Trudy se retraiu na pedra, observando os gigantes esverdeados com estampas coloridas em seus corpos de répteis, grasnando ameaçadoramente para ela.

- Ai, meu Deus...ai, meu Deus...ai, meu Deus... – Trudy começou a murmurar, aterrorizada. Ela não tinha uma arma consigo. Se um daqueles bichos quisesse estraçalhá-la faria isso em segundos.

          Foi então que um dos banshees veio batendo suas longas asas e empurrando os outros de perto dela. Era um animal lindo, verde água, com pintas vermelhas, roxas e amarelas em suas costas. Os olhos amarelo-vivo e o papo enorme, cor de laranja.

“Pronto, estou morta!”- Trudy pensou ao ver a aproximação do animal. Não deixava de ser espetacular, mesmo que os motivos dele fossem matá-la para ser sua próxima refeição.

         Os outros banshees foram se afastando quando este maior apareceu. O animal grasnou em alto e bom som e ficou diante de Trudy, parado, batendo suas asas. Os olhos amarelos parecendo fitá-la com compreensão.

- Ok, se vai me devorar, por que não faz logo e acaba com isso?- Trudy disse aquelas palavras quase gaguejando. Estava morrendo de medo. Nunca tinha passado por uma situação como aquela antes em Pandora.

         O banshee abriu sua enorme boca, mas o que saiu não foi um grasnado ameaçador e sim um som semelhante ao que seria uma versão bizarra de um gato miando. Trudy piscou os olhos sem entender. A criatura parecia estar querendo agradá-la ou algo assim.

- Qual é o problema com você?- Trudy perguntou notando que todos os outros banshees tinham ido embora, apenas aquele permanecera ali com ela.

         Tentando compreender o que estava acontecendo ali e munindo-se de coragem, Trudy deu um passo à frente em direção ao banshee por mais que levantar-se fizesse todos os ossos de seu corpo doerem.

       Ele fez outra vez o som suave e amigável e para a total perplexidade dela, o banshee se curvou em uma reverência.

- Você só pode estar brincando né? Quer que eu monte em você?

        O banshee grasnou baixinho, como que assentindo.

- Você só pode ser louco!- ela exclamou. – Você por acaso está me confundindo com um Navi por causa da pena na cabeça?- ela parou de falar porque uma ideia tinha acabado de lhe ocorrer.

- Peraí, foi você quem me trouxe pra cá?

        O animal abriu suas enormes asas cobrindo-a completamente e fazendo sombras ao seu redor antes de mais uma vez se abaixar. Parecia insistir para que ela montasse nele.

- Se eu subir em você vai me levar até onde estão os meus amigos?

      O banshee chegou pertinho dela e a cutucou com seu bico uma vez. Trudy caiu para trás e reclamou:

- Hey, cuidado! Assim você vai me machucar mais do que já estou machucada!

      O bicho grasnou num tom triste, parecia magoado. Trudy notou isso.

- Olha, tá tudo bem. Eu não quis te chatear. É que eu nunca pensei que alguém da minha espécie pudesse montar em você. O Sully contou que existe até um ritual pra isso, uma tal conexão...

      O banshee continuou esperando, parecendo alheio aos medos e dúvidas dela, preparado para voar assim que ela subisse nele. Trudy se sentia fraca e zonza. Seu corpo todo estava ferido e ela não sabia ainda qual era a gravidade de seus ferimentos. Ela estava fazendo um esforço enorme para se manter de pé e acordada. Se não tentasse sair dali com a ajuda do banshee ficaria presa naquela montanha flutuante para sempre. Seu comunicador estava quebrado e ela não tinha outro jeito de contactar Sully ou Norm. Mas ela também sabia graças à Jake que para montar um animal de Pandora era preciso ser um Navi e possuir o Tsáhalo. Ela não fazia a menor ideia de como faria isso sendo uma humana. Amarraria a ponta dos cachos de seus cabelos nas rédeas do animal?

- Muito bem, vou confiar em você.- disse ela por fim, resolvendo se arriscar e subindo nele. Fez um esforço sobrehumano para não escorregar de cima dele, pois a pele do banshee possuía a superfície lisa e dura. – Me leve de volta até meus amigos!

        Imediatamente, a criatura empinou e lançou-se no abismo com Trudy montada em seu lombo, segurando suas rédeas naturais. A sensação era a mais maravilhosa que ela já tinha sentido, e a mais assustadora também. A princípio, Trudy não quis abrir os olhos. Ficou apenas sentindo o vento tomando conta de seu corpo. Mas logo a curiosidade foi maior e ela abriu os olhos, se deparando com a imensidão azul do planeta à sua frente, viu a névoa em volta das montanhas e o verde das florestas que abrangia a maior parte do território. Ela viu também a árvore das almas, cuja copa era formada de arbustos finos e brancos, como cipós feitos de algodão.

      Trudy sentiu uma imensa paz de dentro de si, como há muito não experimentava, mas seu corpo estava fraco e a dor nos ferimentos era tão intensa que ela não resistiu mais uma vez e desmaiou antes que percebesse sem certeza alguma de seu destino.

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                Norm observava as pessoas na base andando de um lado para o outro enquanto faziam suas malas e encaixotavam coisas. Jake tinha sido bem claro quando dissera que não queria mais nenhum deles ali agora que a vitória tinha sido dos Navi. Mesmo assim, ele fora benevolente em poupar a vida de todos os fuzileiros sobreviventes, incluindo o restante dos funcionários que viviam na base, além da vida de Parker, o maior culpado pela revolta dos Navi. Se não fosse pela ambição desmedida dele que só pensava em ganhar milhões explorando o unobitânio, a relação entre humanos e nativos poderia ter sido melhor e muitas vidas, de ambos os lados teriam sido poupadas.

            E falando em vidas perdidas, Norm não conseguia deixar de pensar em Trudy. Ele ainda não conseguira parar para falar com Jake, mas ele queria saber se Sully tinha alguma notícia dela. Ele tinha perdido contato com ela há muito tempo, muito antes de perder seu cavalo durante o combate na floresta. Ainda tinha esperanças de que ela pudesse estar viva.

           Ele avistou Max sorrindo triunfante à porta do laboratório, assim como ele, olhando as pessoas se preparando para a viagem de volta ao planeta Terra. Caminhou até ele, sem esconder sua angústia pelo desaparecimento de Trudy.

- Ei, Norm!- saudou Max, sorridente. – Finalmente esses babacas estão indo embora. Sabe o que isso significa? Que vamos poder trabalhar em paz, por nossa conta, sem seguir ordens de ninguém, poderemos continuar com nossas pesquisas...

- Max, você soube alguma coisa da Trudy?- Norm perguntou.

          O cientista franziu o cenho e disse:

- Pensei que ela tivesse voltado para a base com você. Ainda não a vi...

- Droga, Trudy, onde você se meteu?- esbravejou Norm, nervoso.

 

 

Continua...


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