O Presente de Aniversário escrita por Karla_Kizem


Capítulo 1
Capítulo 1




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Sentia o vento brincar com meus cabelos.

 

Tinha total consciência da grama embaixo de mim.

 

E total consciência do ser pesado e desajeitado em cima de mim.

 

Meu cachorro.

 

- Spunky! Saia já daí!

 

E ele imediatamente se moveu.

 

Dois milímetros para esquerda.

 

Diverti-me com a ideia de quem não poderia existir no mundo Labrador mais esperto que o meu.

 

Aliás, diverti-me pela primeira vez naquele dia. O que é um fato bastante incomum, considerando que hoje é meu aniversário.

 

Aniversários geralmente são datas comemorativas, de estar rodeada por pessoas que querem sua atenção integral e dizer “como você cresceu...”, de receber presentes inúteis, de tirar fotografias inúteis o tempo todo e fingir estar feliz, sorrindo para as câmeras. Que coisa mais inútil... Eu só sorrio para alguém quando eu quero, ora.

 

Talvez os aniversários não sejam tão ruins assim. Mas, pelo menos para mim, são.

 

E é por isso que eu decidi passar o meu aniversário de 17 anos no meio do nada na companhia do meu fiel cachorro.

 

Talvez as pessoas estivessem procurando por mim... Talvez não.

 

Quem se importa? Eu não.

 

Já faz algum tempo mesmo que eu não me importo mais.

 

Não me importo mais em ter que ser cordial com todos, afinal, quem

precisa disso?

 

Não me importo mais em fazer o que esperam que eu tenha que fazer,

afinal, quem precisa fingir que não é o que é somente para agradar os outros?

 

Não me importo mais em ter que parecer feliz, afinal, eu não sou feliz.

 

Rolei um pouco pela grama, tirando Spunky completamente de cima de mim. É, eu não sou feliz.

 

Para quê ser feliz? O que adianta?

 

Sempre vem alguém que estraga tudo, na melhor hora. Que parece estar zoando de você. Que quer te ver por baixo, testar seus limites como em um campo de treinamento. Esse alguém se chama vida.

 

E a vida não é justa.

 

Olhei no relógio. Não passava das 4 da tarde. Tinha tempo até ter que voltar pra casa da minha avó e inventar uma desculpa qualquer.

 

O que será que eu podia usar?

 

“Desculpa, vó. É que eu já estava a caminho de casa quando fui atacada por um exército de coelhos mutantes da Noruega, e tive que correr bastante. Quando pensei que eles haviam ido embora, fui atingida na cabeça por uma cenoura e...”

 

É, não vai colar.

 

Mas isso pouco importa agora.

 

Pensando bem, o que importa mesmo é o agora.

 

- Spunky, o que você está a fim de fazer?

 

Perguntei, virando-me na direção do cachorro, que estava comendo capim em algum canto mais afastado.

 

Ele correu em minha direção, pegando um graveto no meio do caminho, sem parar de correr.

 

- SPUNKY! PARA! PISA NO FREIO! FAZ QUALQUER COISA!

 

POF

 

É essa exata onomatopéia que exprime o que aconteceu. Ele não parou.

Levantei-me da grama e joguei um graveto para ele buscar.

 

E esperei. Esperei. E esperei.

 

Mas eu nem tinha jogado o graveto tão longe assim...

 

Onde será que ele se meteu?

 

Bufei e caminhei um pouco, sentando-me na areia branca de uma praia, que ficava a poucos metros a frente da porção de grama em que nos encontrávamos.

 

As ondas iam quebrando.

 

As gaivotas cantavam.

 

E finalmente, eu me senti em paz.

 

Olhei para o lado, e vi a mochila que eu tinha trazido. Tudo necessário para um aniversário no mato estava lá.

 

Repelente, biscoito Trakinas, Cheetos, Coca-cola, uma vela, fósforos, uma toalha, um brinquedinho para Spunky e um cata-vento. Pois nunca se sabe quando você vai precisar de um cata-vento. É melhor estar preparada.

 

Foi aí então que eu percebi, lá no fundo da mochila, um pequeno caderninho, com o título “Minhas memórias”, em letras garrafais. Ele era rosa com detalhes com detalhes em dourado, e no canto estava escrito:

 

De: Mamãe                                                                                                                                            Para: Para: Bella

 

Apertei os olhos. Não, eu não posso chorar agora. Não posso...

E então, eu engoli o choro. Já estava acostumada a fazer isso.

 

Folheei as páginas, vendo todas as minhas antigas recordações, momentos felizes ao lado da minha família, situações engraçadas, fotos constrangedoras, tudo. Tudo que uma criança e adolescente comum já deve ter experimentado na vida.

 

Mas foi uma anotação em especial que me chamou a atenção:

 

13/09/2007

 

DESVENTURAS EM SÉRIE

 

E então, tudo acabou. Assim, em um “puf”.

 

Sabe quando você vive uma vida inteira já com expectativas de um futuro certo, feliz?

 

E de repente, tudo muda?         

 

E o seu castelinho simplesmente desmorona?

 

Estou escrevendo aqui porque não tenho mais forças para chorar. Minhas lágrimas já secaram. Só o que restou foi a dor.

 

A dor que certamente me acompanhará pelo resto da vida inteira.

 

A dor de ter perdido a minha família, por minha causa.

 

Em um acidente que eu mesma provoquei. E não merecia estar aqui, viva, agora.

 

Eu não mereço mais viver. ”

 

Terminei a última linha com lágrimas nos olhos. Eu sabia que elas voltariam. Posso tentar, mas não sou de ferro. Eu precisava chorar.

 

E chorei tudo novamente, até soluçar.

 

Como não me lembro dessas anotações? Não faz tanto tempo assim que escrevi...

 

Talvez porque eu tenha me tornado vazia...

 

Mente vazia...

 

Somente um corpo andando sem alma, sem lembranças, sejam boas ou ruins.

 

Sem vida.

 

E finalmente vi o que havia me tornado. Um corpo sem alma...

 

Muita gente já havia me perguntado o que eu gostaria de aniversário.

 

Eu, obviamente, ignorei.

 

Mas se alguém perguntasse novamente, agora, o que eu gostaria de

aniversário, saberia exatamente o que responder.

 

Alguém que pudesse me entender.

 

Esse seria o meu maior pedido. Pois pedir a minha vida de volta, só me traria mais desapontamento e tristeza. Isso eu não poderia.

 

Pensando de outro ângulo, ambos são impossíveis. As pessoas não

compreendem a minha dor. A minha culpa. Ninguém pode me consolar.

 

Minha avó fez de tudo, mas nem ela, a pessoa mais próxima de mim depois de meus pais, conseguiu.

 

Pois ninguém pode me consolar. Ninguém...

 

A não ser...

 

Peguei o caderninho, e comecei a escrever uma carta para a única pessoa que iria me entender...

 

De: Mim                                                                                                                                                 Para: Eu mesma

 

Querida eu,

 

Escrevo-te essa carta porque você é a minha única esperança. A nossa última esperança.

 

Talvez só nós saibamos o quanto é difícil, simplesmente, ser nós mesmas.

 

Quanto tempo, quantas noites passamos em claro, tentando descobrir um novo sentido para a vida, um razão pela qual continuar lutando?

 

Abdicamos do amor, porque é desnecessário. Abdicamos de tudo que alimenta uma pessoa feliz.

 

Por quê?

 

Responda-me. Por que fizemos isso?

 

Hoje é nosso aniversário. 17 anos juntas.

 

Feliz Aniversário pra você.

 

Além disso, fazem exatos quatro anos que a nossa família partiu.

 

Você já parou de se culpar?

 

Eu ainda não.

 

E não sei se consigo fazer isso. Mas tenho certeza que se estivermos juntas nessa, conseguiremos. Você está comigo?

 

Porque, se estiver, aquela tarde de Setembro como esta irá mudar de significado. Basta você querer.

 

Se quiser parar com tudo isso, eu paro também.

 

Se quiser orgulhar os nossos pais e seguir em frente, farei isso também.

 

Se quiser ter um milhão de amigos, eu arranjo, nem que precise ir até ao

Afeganistão para consegui-los.

 

Se quiser mergulhar em um romance de cabeça, diga-me quem é o cara.

 

Se quiser sorrir, pular, correr, dançar, por favor: avisa-me.

 

Por favor.

 

Uma palavra e estaremos libertas.

 

 Uma palavra e tiraremos um enorme peso das costas.

 

Uma palavra e os pesadelos com fogo e gritos acabarão.

 

Só uma palavra.

 

Você aceita ser feliz ao meu lado?

 

 

Sinceramente,

 

Mim.

 

Terminei de escrever já com os olhos marejados. Encarei o pequeno pedaço de papel, tão pequeno, mas tão importante, em minhas mãos trêmulas.

 

Então eu o abracei. Abracei aquela folha com todo o amor que pude dar, com todo afeto que eu não tive tempo de receber, com todo carinho que não permiti entrar na minha vida.

 

Dobrei a carta e observei o horizonte. Já eram 6 horas da tarde.

Suspirei. Estava na hora.

 

O crepúsculo - o fim de um dia. Pode ter sido ensolarado, chuvoso, mas ainda assim, um dia.

 

Um dia que já acabou. E o próximo sempre será diferente.

 

Bom, isso parece ótimo para mim.

 

Olhei para carta novamente e a abri. Reli todas as linhas emocionadamente, como se quisesse memorizar cada palavra, cada curva de cada letra...

 

- Sim, eu aceito.

 

Dito isso, uma brisa repentina adentrou a praia, fazendo meus cabelos castanhos voarem para trás.

 

Levantei os braços e sorri.

 

Soltei a carta em direção ao mar, que flutuou como uma pluma até sumir dentro da água salgada.

 

- Obrigada – sussurrei.

 

Senti algo molhado perto do meu tornozelo.

 

- SPUNKY! VOCÊ VOLTOU! Mas onde está seu gravetinho? – ele estava lambendo a minha perna.

 

Incrivelmente, Spunky conseguiu passar 2 horas atrás de um graveto e não achar. Acho que vou ter que passar o título de cão mais esperto do mundo para outro cachorro...

 

- Ei, garoto! O que é isso na sua boca?

 

- CACHORRO! VOLTA AQUI COM A MINHA CÂMERA! – ouvi uma voz masculina gritar ao longe.

 

E a voz foi ficando mais perto, mais perto, até revelar um rapaz bem afeiçoado de cabelos acobreados, olhos verdes e surpresos, talvez por encontrar alguém nessa praia deserta.

 

- Esse cachorro é seu? – ele apontou para Spunky, que se escondia atrás de mim.

 

- Nossa, desculpe a falta de educação. Esse cachorro é meu, sim – estendi a mão para Spunky – Pode devolver a câmera do moço?

 

Ele esperou uns três segundos, mas largou a câmera no chão. Toda babada, mas isso é um detalhe.

 

- Olá – o rapaz falou, pegando a câmera da areia – Sou Edward Cullen – disse com um sorriso torto.

 

- Bella Swan.

 

- Vem sempre por aqui?

 

- Só quando eu quero pensar um pouco. Hoje, por exemplo, eu tive muito que pensar. E você?

 

- Venho sempre aqui para tirar fotos. Das paisagens, das pessoas, de tudo. Esse lugar me faz relaxar...

 

Ficamos um tempo em silêncio. Parece que tínhamos muito em comum.

 

- Então – ele disse, quebrando o nosso contato visual – Gostaria de sair para jantar hoje comigo? Isto é, se quiser conversar um pouco com alguém...

 

Caramba. Ele me chamou para sair.

 

- Desculpe – eu devia estar muito corada nessa hora – Mas eu tenho umas contas a acertar, e eu não posso fazer isso outra hora.

 

- Eu compreendo. Você parece ter tido um dia difícil.

 

Eu nada respondi. Apenas fiquei encarando aquele homem. Seria ele real? Ou será que as pessoas podem ser assim, tão receptivas, calorosas e compreensivas?

 

Mas, como eu sempre disse, isso pouco importava agora.

 

Já estava virando para me despedir, quando ele segurou meu braço delicadamente.

 

- Posso tirar uma foto sua?

 

- Claro – eu gaguejei.

 

- Eu sempre tiro fotos de coisas misteriosas que desafiam a minha mente

– ele piscou para mim – Interprete como quiser.

 

Ele limpou a lente e mandou-me ficar próxima do mar. Focalizou, andou um pouco para esquerda, depois para a direita, até que desistiu e tirou a foto no mesmo lugar que estava a princípio.

 

-Ficou maravilhosa – ele falou, olhando a foto na máquina, e logo após para mim – Foi ótimo te conhecer, Bella – ele sorriu – Até breve.

 

-Até breve, Edward – eu disse pegando a coleira de Spunky e virando de costas.

 

Andei poucos metros até que parei abruptamente.

 

-QUANDO EU POSSO TE ENCONTRAR NOVAMENTE? – gritei para ele.

 

- SEMPRE QUANDO PRECISAR PENSAR UM POUCO– ele gritou de volta, piscando para mim – ESTOU A SUA DISPOSIÇÃO.

 

E então, eu fui embora.

 

Feliz.

 

Porque havia recebido o mais precioso presente que poderia pedir: o

meu próprio perdão, e uma nova vida.

 

Feliz Aniversário, Bella.

 

 


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler até aqui. E já que leu até aqui, que tal deixar um comentário?? Não dói e deixa uma autora feliz...

E Feliz Aniversário novamente, Bella. Você merece.

*BATENDO PALMAS LOUCAMENTE*



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