Mimi wo sumaseba kokoro no koe wa

Boku ni nani wo katarikakeru darou?

(Eu já ouvi tudo que diz

A voz que sussurra no meu coração?)

A foto, obviamente, mudara bastante. Agora ela mostrava uma Sakura rindo da expressão de Syaoran sendo novamente "estrangulado" por Meiling.

- ... Fizemos uma surpresa para ele... – Foi o comentário de Tomoyo dessa vez.

- Lembro que foi a primeira vez que eu consegui fazer um bolo comestível... – Meiling completou.

- Parece ter sido divertido... – Chiharu disse.

- Não tanto quanto a cara do Li nessa foto. – Eriol disse e todos riram.

Sakura olhava para a foto com um sorriso de quem pensa em algo muito especial que estivera perdido na memória. Syaoran viu essa expressão ser congelada no rosto dela quando as luzes voltaram se apagar.

- Sabia que as pessoas não se casam à toa? – Yuuko apareceu ao lado de braços cruzados e também olhando para os noivos.

- É...

- Eu acho que ainda não falei que o futuro não é muito fácil de mudar...

- Eu acho que sempre soube...

- Pois eu tenho certeza que não há nada tão sem sentido quanto uma confissão que não pode ser lida... – Ela deu dois passos para o lado e começou a comer vários petiscos da bandeja de um garçom.

- Quer dizer que ela não leu...?!

- BAKA! – Syaoran tinha voltado a observar Sakura e levou um enorme susto quando foi atingido por trás da cabeça pelo leque fechado de Yuuko.

- AI!... De onde é que você tirou isso?

- Voltas ao passado não são passeios turísticos! – Ela continuou – Você não vai conseguir o que quer desse jeito!

- Eu me esforcei! Mas não podia adivinhar que... Droga! Eu... Eu prometo que vou me esforçar mais!

- Hum. – De costas para ele, ela comeu mais um ou dois petiscos antes de estalar ao dedos e as luzes voltarem a se acender.

Instantes depois, estava projetada na parede uma nova foto. Todos os seus ex-colegas de classe do colegial e no centro uma mulher bem jovem e bonita com seus cabelos dourados presos num rabo de cavalo e um sorriso carismático no rosto, segurando um grande buquê de flores.

"Ha-Harada-sensei..." Mia Harada foi professora substituta de história por alguns meses, mas mesmo nesse pouco tempo conseguiu ser muito querida pelos alunos. "Esse deve ter sido o dia da despedida...".

- Que saudade dela! – Naoko falava na mesa – Pensei que ela estaria aqui...

- Ela está estudando no exterior... – Tomoyo respondeu – O Li foi aluno dela na universidade... Né, Li? – Ela se dirigiu a Syaoran percebendo-o ainda a pouca distância, mas ele pareceu não ouvir, observando a foto. – Li-kun!

- Ah! O quê?

- Você estudou com a Harada-sensei na universidade, não foi?

- Foi. Ela já me mandou uns postais da América...

Eles voltaram a conversar entre si e ele voltou a tentar se concentrar, desejando do fundo do coração uma segunda chance até que a forte luz o levasse de novo ao passado.

Ele estava sentado por trás da grade da quadra aberta de basquete, enquanto alguns garotos treinavam, entre eles Eriol.

- Aaaah! – Aquele grito era inconfundível, Meiling estava ao seu lado, e riscava violentamente uns números num pedaço de papel, apoiado numa revista aberta em seu colo – Isso só pode estar errado!

- O que você está fazendo?

- Já disse. Testando a nossa compatibilidade no amor! Mas acho que eu ainda não me concentrei o suficiente...

Syaoran tomou dela a revista. O titulo da matéria era Números e amor: Você e ele combinam?

- Meiling!

- Tá, tá. Já sei o que você vai dizer... – Ela falou, irritada, cruzando os braços e as pernas. – Mas bem que você podia pelo menos me contar quem é ela...

- Ahn?

- A pessoa de quem você gosta...

- E-e-eu...

- É ela, não é? Eu sabia!

- De quem você está falando?

- Mia Harada!

- Quê???

- Você não me engana! Eu vejo o jeito que você olha para ela!

- Que besteira! – Syaoran ficou de pé, começando a se afastar e Meiling o seguiu.

- Então me diga o que é que você tanto vive conversando com ela na sala dos professores.

- Deve ser sobre a faculdade... – Enquanto falava, ele observava atentamente o portão. A aula ainda não tinha começado e ele nem se surpreendeu quando o sinal tocou, eles foram para a sala e Sakura só apareceu dois segundos antes do professor chegar, ofegante ao mesmo tempo em que respirava aliviada e sorria desejando bom-dia aos seus amigos.

- Bom-dia, Syaoran-kun. – Ela se sentou ao lado dele, enquanto o professor entrava e ele respondeu num quase sussurro antes de se calar como os outros.

E a aula começou. Syaoran não conseguia nem queria prestar atenção, enquanto todos tomavam nota concentrados, ele rabiscava a folha de seu caderno, impaciente. Sorte que ele se sentava em uma das últimas cadeiras no fundo. Quase sem querer, seus olhos recaíram sobre a figura de Sakura, ao seu lado e ele se deteve a observá-la apoiando a ponta da caneta no queixo e encarando o quadro com uma careta. "Como eu pude tê-la sempre do meu lado e nunca dizer o que realmente sentia?... Tenho que parar de ser tão covarde!... Essa chance eu não vou deixar escapar, eu decididamente vou..." Provavelmente sentindo que era observada, Sakura olhou para o lado e no mesmo instante ele desviou o olhar, voltando a escrever qualquer coisa no caderno, o rosto vermelho como um pimentão.

KI NO MO TO SA KU RA   LI S ya O RA N

"É! Isso com certeza é um bom sinal!" Aquele era o teste de compatibilidade que tinha visto na revista de Meiling mais cedo. Ele achou que se tinha provado mais de uma vez que ele e ela não eram compatíveis, devia ser confiável. Sorria de orelha a orelha ao levantar o rosto e constatar que tudo ao seu redor continuava igual. Deu uma olhada em Sakura e voltou a escrever, assumindo uma expressão séria.

KI NO MO TO SA KU RA   O SHI MA MA TSU O

2 3 0 5 3 4 0 5 4 0 1 2 3

5 3 5 8 7 4 5 9 4 1 3 5

8 8 3 5 1 9 4 3 5 4 8

6 1 8 6 0 3 7 8 9 2

7 9 4 6 3 0 5 7 1

6 3 0 9 3 5 2 8

9 3 9 2 8 7 0

2 2 1 0 5 7

4 3 1 5 2

7 4 6 7

1 0 3 = 13%

- HA! Eu sabia! – Ele acabou exclamando em voz alta, chamando atenção de todos, inclusive do professor.

- Algum problema, Li?

- N-não, senhor.

- Então venha aqui responder isso.

- C-certo.

SSSSSSS

- ...Mas acho que não terei problema nos exames finais...

- Vocês sabem onde Sakura e o Hiragisawa foram?

Syaoran estava almoçando com Tomoyo e Meiling na sala de aula. Quando o sinal tocou, Sakura se retirou ,dizendo que almoçaria depois, ele disse que tinha algo para falar com ela e ela respondeu que voltaria logo.

- Hiragisawa-san tem encontro do conselho estudantil e a Kinomoto... acho que foi ver algum coisa do clube de ginástica... – Meiling respondeu.

- Falando em clube de ginástica, parece que o Oshima vai mesmo ser expulso... – Tomoyo comentou e Syaoran quase se engasgou com a comida.

- O quê?

- É, ontem ele acabou discutindo também com a treinadora...

- Estão fazendo a coisa certa. Agora que só há um capitão para os meninos e as meninas, seria a Kinomoto que teria de lidar com ele.

- Me pergunto se há um motivo para ele ser tão agressivo...

- Esse tipo de coisa está no sangue, eu acho. Aposto até que foi por isso que ele foi transferido... Talvez ele tenha até sido expulso da outra escola...

Syaoran ouvia em silêncio a conversa delas até se levantar de repente.

- Já terminou? – Meiling perguntou.

- Sim.

- Você leva aquilo até a sala dos professores? – Ela apontou para uns papeis na mesa do professor.

- Tudo bem. – Syaoran respondeu mesmo pressentindo que não era uma boa idéia.

A sala dos professores ficava praticamente isolada numa parte do segundo andar, ele subia a escada quando começou a ouvir claramente duas vozes femininas que conversavam no corredor acima.

- Eu peço desculpas mais uma vez pelos problemas que meu filho vem causando...

Ele percebeu que elas paravam em seu caminho até a escada.

- Com certeza está sendo bem difícil para ele... – Outra voz comentou.

Syaoran quis tampar os ouvidos e sair correndo, mas ficou ali parado sem ação por uns segundos.

- Meu Matsuo não é uma pessoa ruim... – Uma das vozes disse, trêmula, como se segurasse o choro.

- Espero sinceramente que sua família possa superar isso logo, Oshima-san...

Mesmo sabendo que já era tarde para isso, ele subiu os últimos degraus com passos pesados e sonoros e as duas imediatamente se calaram. Se inclinou brevemente ao passar pela professora e a mulher pequena de olhar tristonho que ele fez de tudo para não encarar, afinal ele já sabia que aquela era a mãe de Matsuo Oshima, o noivo.

"Isso não pode estar acontecendo!..." Depois de sair da sala dos professores, ele foi para a escadaria dos fundos, onde ficou sentado, pensando. Estava diante de uma situação que podia ser decisiva para seu futuro, mas ele não queria tomar aquela decisão.

Depois que Matsuo Oshima se transferiu para a turma B do segundo ano do colégio Seijo, não demorou muito para que conseguisse fama de problemático, e não era à toa. Ele parecia sempre disposto a brigar com qualquer um por qualquer coisinha ou até por motivo nenhum. Todos achavam que ele simplesmente era algum tipo de delinqüente juvenil e procuravam se afastar dele. O que Syaoran presenciara no corredor há poucos instantes era a mãe dele, que tinha sido chamada para conversar com a professora responsável por sua sala sobre esses problemas, agora que ele estava prestes a ser oficialmente expulso do clube de ginástica.

No passado, Syaoran tinha contado a Sakura o que ouvira e ela fora conversar com Oshima, fazendo com que ele desabafasse, descobrindo que o problema era seu irmão que, desde que nascera tinha uma saúde frágil que só vinha piorando através dos anos e, agora que estava internado há um bom tempo, todos os médicos concordavam que já era um milagre ele ter vivido tanto tempo. A partir de então, Oshima e Sakura se tornariam bons amigos, ela ajudando-o a superar a perda do irmão, de quem ele sempre fora muito próximo. "Um ótimo início para uma história de amor..." Syaoran pensava, sarcástico. "Afinal, você deve a mim, Oshima, ter se casado com Sakura... Sim, apesar de só terem começado a namorar depois do colegial, tudo começou aqui... Será?... Será que se eu ficar calado posso acabar com as chances deles dois sequer chegarem a se dar bem?... Isso seria errado?... Não, afinal eu nem deveria ter escutado aquilo para inicio de conversa... É, eu deveria ficar calado e ver o que acontece... Oshima vai ser mesmo expulso do clube e continuar sofrendo por um tempo... É, ele não vai ficar sofrendo pelo resto da vida, né?... Isso seria muito mau da minha parte? A mãe dele tem razão, ele não é uma má pessoa... Aaaai! O que eu devo fazer agora? Se eu soubesse tinha pulado essa fotografia..."

- Li-san. – Ele estava tão distraído com seus pensamentos que quase deu um pulo de susto ao ouvir aquela voz que descia os degraus às suas costas. Se virou e viu Mia Harada descendo com seu habitual sorriso simpático no rosto.

- Harada-sensei, o que... estava fazendo lá em cima?

- Eu estava no terraço me despedindo da vista maravilhosa que temos da cidade... – Ao chegar no degrau em que ele estava, ela sentou-se ao seu lado. – Sentirei muitas saudades daqui...

Syaoran encarava os próprios joelhos, sem prestar muita atenção no que ela dizia.

- E você, o que está fazendo aqui? Parece preocupado... Algum problema?

- Hum... É.

- Eu posso ajudá-lo?

Ele pensou por alguns instantes e disse, escolhendo as palavras:

- A senhora... acha que uma coisa que pode lhe trazer um grande benefício, mas ao mesmo tempo... prejudicar alguém pode ser certa de algum modo?

- Hmm, dependendo do benefício e do prejuízo... – A professora olhou nos olhos dele que esperavam ansiosos a resposta – Sabe, o importante é tentar fazer o que é certo e viver sem arrependimentos... Me desculpe por essa resposta estranha, eu devo ter atrapalhado mais do que ajudado... Mas, espero que você possa tomar uma boa decisão...

Em seguida, ela se levantou, dizendo:

- Eu ainda preciso terminar algumas coisinhas...

Ele também se levantou, seguindo de volta à sala de aula. No início do corredor, ele percebeu de longe se aproximar o garoto de cabelo preto ondulado e olhos cinzentos, com uma expressão séria e meio irritada que não combinava com ele.

- Eu não vou desistir! – Syaoran falou quando o outro passou ao seu lado.

- O quê? – Oshima parou e perguntou.

Syaoran também parou, mas não disse nada.

- Você falou comigo? – O outro insistiu.

- Não. – Syaoran respondeu, virando parcialmente o rosto e depois seguindo em frente.

Chegando à porta da sala, ele parou, apoiando-se no parapeito que lhe dava uma visão do pátio e ficou ali por um tempo,com o olhar parado.

- Syaoran-kun... – Ele não tinha percebido ela se aproximar, mas continuou como estava – O que está fazendo aí? – Ele continuou calado – ...Ah, você tinha algo para falar comigo, né? O que é?

Ele virou lentamente o rosto, mas não a encarou.

- Agora há pouco... – Ele começou a falar depois de um tempo, tentando parecer "normal" - Eu ouvi uma conversa da professora do 2º B com a mãe do Oshima... parece que a família dele está com algum problema sério... A mãe dele parecia bem deprimida...

Sakura também se encostou no parapeito, com a testa franzida.

- Matsuo Oshima é uma pessoa difícil de lidar... – Ela comentava, pensativa - Parece impossível se ter uma conversa civilizada com ele... Talvez isso que você disse seja a primeira coisa que faz sentido nele... Tem que ter uma razão para ele parecer odiar o mundo todo... – Ela ficou de costas, ainda apoiando os cotovelos no parapeito – Hoje tem reunião do clube... Eu vou tentar falar com ele... Talvez, a treinadora até lhe desse uma segunda chance...

Syaoran suspirou. Não podia negar que queria que ela agisse de outra forma. "... Mas se fosse assim não seria Sakura..."

- Chegou! – Eles ouviram dois colegas se aproximarem agitados, segurando algo embrulhado em um pano ao mesmo em que ouviam a campainha do fim do intervalo.

Todos entraram na sala e viram o lindo buquê de rosas amarelas. Enquanto faziam fila para assinar o cartão, tentavam decidir quem entregaria à professora.

- Não deveria ser o Hiragisawa-san? Afinal ele é representante da sala e até faz parte do conselho...

- Eu acho que deveria ser uma menina...

- Por quê?

- Sei lá...

- Gente, porque o Syaoran não entrega? – Meiling propôs – Ele gosta muito da Harada-sensei... – Ele fuzilou-a com os olhos.

- Syaoran-kun é o melhor aluno de história... Eu também acho que devia ser ele! – Sakura falou.

- Pode ser, Li? – Eriol perguntou.

- Tudo bem. – Concordou ele, sem muita animação.

Quando o professor Okamura entrou, concordou em deixá-los terminar de se preparar e até quis assinar também no cartão, o simples nome da professora fazia milagres com ele.

Assim, quando ela chegou para se despedir deles, foi tudo perfeito. Syaoran foi até a frente da sala e lhe entregou o buquê, dizendo que todos sentiriam muito a falta dela e agradecendo sinceramente por tudo.

Tinha chegado o momento da foto. Para Syaoran, aquela tinha sido a pior volta ao passado até então. De volta ao presente, o tempo ainda estava parado com as luzes desligadas. A única pequena diferença na foto, era que agora ele olhava na direção da professora, embora estivesse na verdade tentando dar uma última olhada à Sakura do passado, do outro lado dela. Syaoran abaixou a cabeça, sentindo-se péssimo. Foi quando ele ouviu um pigarro quebrando o completo silêncio, olhou para trás e viu ao lado direito Yuuko Ichihara sentada num sofá encostado à parede. Ela acenou para ele com um sorriso enigmático no rosto e deu palmadinhas no espaço vago ao seu lado, chamando-o. Ele foi até lá ainda de cabeça baixa e se sentou.

- Você se lembra do que me prometeu?

- Sim. – Ele respondeu. Estava sentado ao lado dela, mas mantinha o tronco inclinado para frente, evitando encará-la – Mas eu não esperava ter que decidir aquilo... Eu não podia...

- Desperdiçar uma chance para ajudar o seu rival... Não sei se posso chamar isso de coragem ou covardia... Talvez você só seja nobre demais...

- Se eu não tivesse... – Ele se virou para encará-la. Yuuko apoiava os cotovelos nas coxas e a cabeça nas mãos e olhava na direção dos noivos no outro extremo do salão.

- Nunca poderemos saber o que teria acontecido... – Ela respondeu, normalmente à pergunta que ele não tinha feito.

Syaoran passou a encarar o chão, sentindo-se pior do que nunca.

- Mas, vamos, isso não é hora para desânimo, né? – Ela passou o braço ao redor do ombro dele. – As fotos ainda não acabaram e você prometeu que não ia desistir... hum? – Ela acrescentou, piscando um olho.

Ele balançou a cabeça, afirmativamente, respirando fundo.

- Não me decepcione! – Yuuko acrescentou, apertando o ombro dele com um das mãos e depois estalando os dedos da mesma mão para fazer as coisas voltarem ao normal.

Continua...