Cripta - o Silêncio das Gárgulas escrita por Pedro_Almada


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Se gostarem, comentem. Essa fic depende disso. Obrigado. xD


P.S.: a narrativa do primeiro capítulo é em primeira pessoa, indicado por --X--



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Capítulo 1

 

--Sentinela--

 

O vento começou forte naquela noite. Durante a tarde o clima era ameno, beirando o frescor da primavera. Mas, como acontecia todas as vezes que ela ficava furiosa, o tempo fechou repentinamente, suscitando nuvens densas e acinzentadas.

            Antes que a lua resolvesse dar as caras, o céu estava completamente coberto. A simples lembrança da última vez em que ela despertara sua ira seria capaz de me causar vertigem. Mas, agora... Ora, não significava mais nada. Afinal de contas, eu estava morto mesmo. Ou quase.

 

            A promessa de tempestade veio com o cheiro úmido no ar, criando uma névoa acima dos edifícios que se erguiam como braços de concreto, prontos para abraçarem o céu. Um suicídio, era a minha opinião.

            Eu estava no terraço do St. Fidelius. Eram cinqüenta e seis andares. Eu estava ao lado de uma gárgula, encarando-a com certo desprezo. Estava sorrindo pra mim com um sorriso cínico, de pedra, frio como a noite. Um pedaço de concreto estava rindo de mim, e eu nada podia fazer.

            O vento aumentou. Alguém estava muito furioso, com certeza.

            Fiquei observando as pessoas abaixo de mim, aparentemente indiferentes com a repentina mudança do tempo. Se elas soubessem do que se tratava, estariam correndo. Eu deveria estar correndo. Mas ficar e morrer como um bom Sentinela fazia parte da minha natureza. Além do mais, eu tinha esperanças de reconquistá-la, caso ela poupasse minha vida.

            Meus olhos pousaram em um mendigo, sujo e decrépito, embaixo de uma marquise próxima a um ponto de ônibus. Eu não precisaria de nenhuma habilidade incomum para ouvir sua voz irritante se arrastando por toda a cidade, ecoando como um pranto de desespero.

            - Moço, me dá um prato de comida! – gritou ele para um transeunte – Por que ninguém me dá o que comer?

            O homem passou pelo mendigo com uma indiferença comum em uma cidade como aquela. Todos se preocupavam apenas com o próprio umbigo. Nada mais.

            - Miserável! – gritou o mendigo, sentindo-se ofendido, humilhado – Você vai cair! Vai cair de fome! O mundo vai cair em você!

            Patético. O que ele esperava? Uma mesa com um banquete, caviar e o melhor vinho? Acho que não.

            Outra senhora passou, segurando a bolsa mecanicamente ao cruzar o caminho do mendigo.

            - Senhora, me dá um pouco de comida. Um trocado, quem sabe?

            A mulher o ignorou.

            - Vaca! O mundo vai cair sobre você também!

            O indigente olhou para o aglomerado de pessoas no ponto de ônibus e começou a praguejar sem motivo algum.

            - Todos vão sentir o peso do mundo! – engraçado, ele estava certo. O mundo estava perto de desabar – Eu não me importo! Sou um lixo, pobre e faminto! Mas vocês? Ora! Vão ver suas famílias definharem! Vão sentir fome como EU sinto!

            Aquilo já estava me irritando. Olhei para todos os lados, certificando-me de que não seria visto. Saltei sem cerimônia.

            Um segundo depois estava do lado do indigente.

            - Boa noite. – murmurei.

            O homem deu um salto para trás, apavorado. Só então eu percebi que faltava-lhe a mão direita. Estava de cócoras como um primitivo. Minha súbita aparição o fez desequilibrar, caindo de lado no chão sujo, onde os papéis dançavam com a ordem do vento congelante.

            - Oh! – foi o que ele murmurou ao me ver.

            De fato, imaginei que a visão que ele tivera de mim não era a mais aconchegante. Um homem alto, cabelos negros fielmente penteados para trás, olhos negros como a noite, um rosto magro e fino, mas de porte atlético, guardando uma expressão de rancor. Uma jaqueta preta, coturnos com solado grosso, calça preta e luvas de motociclista. Isso mesmo, não haveria outra forma de me descrever.

            - Moço... – ele murmurou – o senhor tem comida?

            Provavelmente a fome ainda maior do que o medo. Eu apenas ri. A princípio uma risada sutil. Depois, uma gargalhada que se

ria capaz de apavorar qualquer transeunte.

            - Não seja patético. – eu disse, contendo a risada – Acha mesmo que a sua vida é ruim?

            Eu o fitei. Já não ria mais, apenas deixava transbordar em meus olhos a frustração que sentia. Ele me encarou, aturdido, sentindo a frieza em meus olhos. Não era algo que eu controlava. Causar medo era um impulso meu. Parte da minha natureza. Era isso que havia despertado nela essa paixão que, mais tarde, causaria um confronto inimaginável.

            Eu me abaixei, segurando-o pelo queixo com gentileza, mas de modo que ele percebesse que eu seria capaz de arrancar-lhe a mandíbula se assim o desejasse.

            - Você não sabe nada sobre coisas ruins! – eu sibilei – Quando quiser conhecer dor, solidão, desespero, me procure, eu posso te mostrar. Acredite, sua vida é boa. Muito boa. Você não sabe o que é passar fome por anos, ou ser ignorado por todos a sua volta, quando tudo o que você queria era voltar pra casa.

O homem estava perplexo, sua expressão vidrada em surpresa e pavor. Geralmente era esse o efeito da minha voz sobre as pessoas.

- Agora, agradeça por estar vivo, sorria e saia daqui!   

            Ele não devia ter escutado direito. Ainda estava perplexo.

- Agradeça!

Ele gaguejou.

- O...Obri-obrigado. – sua voz soou vacilante, trêmula.

- Ótimo – eu sorri – Agora sorria, e dê o fora.

Imagino o esforço que o homem fizera para exibir aquele sorriso apavorado, tão superficial, mas o suficiente para me deixar satisfeito.

Eu o soltei, ele se levantou às pressas, pegou a sua bagagem velha e surrada e, com suas forças renovadas pelo medo, correu como pôde.

As pessoas no ponto de ônibus me encaravam, alguns com repulsa, outros com temor. Mas haviam os indiferentes. De qualquer forma, quando aquilo acabasse eles não iriam estar fazendo outra coisa que não fosse chorar.

O céu foi cortado por um relâmpago azul e barulhento, seu estrondo fez estremecer os mais altos edifícios, as vidraças e o próprio chão de concreto. As pessoas se inclinaram em um gesto de surpresa, olhando para o céu com certo receio.

- Uma tempestade vem aí – murmurou uma senhora – e das grandes.

Eu sorri.

- Ela já esta vindo – falei comigo mesmo – Que bom. Eu estava mesmo cansado dessa monotonia.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do primeiro capítulo.