Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 23
XXII - A face da Morte


Notas iniciais do capítulo

como prometido, postando na sexta...

cap. muito tenso mesmo!

e a música eu recomendo, Within Temptation é fera!

Boa leitura!



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Capítulo XXII – A face da Morte

 

“Está esperando, sempre tentando

Sinto as mãos do destino, elas estão sufocando,

Diga-me qual é a razão,

Isso está somente na minha cabeça?

Não posso mais suportar!”

 

 

(Within Temptation – Final Destination)

 

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Meus pés hesitaram no piso branco lustroso do corredor. Acendi minha lanterna e apontei o feixe de luz para a escuridão densa.

 

Um calafrio percorreu todo o meu corpo. O que aguardava por mim logo à frente? A resposta surgiu no mesmo instante em minha mente, a morte.

 

Irrompi pelo corredor medonho, meu coração palpitando em meu peito. Eu mal respirava, ciente de que a qualquer momento poderia perder a minha vida.

 

Mas havia algo que me impedia de simplesmente partir naquele exato instante, havia algo que me prendia ali; a necessidade de salvar um amigo. Eu não poderia sair dali sem Tamara. Eu jamais ia perdoar-me se algo acontecesse a ela. Eu não ficaria parada, impotente, enquanto mais uma pessoa que fazia parte de minha vida, era ameaçada.

 

Esse sentimento desolador trouxe de volta a mesma sensação da noite em que perdi Max.

 

Então, o quê eu estava esperando?

 

Impelida por aquele sentimento forte que praticamente gritava dentro de mim, avancei rumo à escuridão, lançando-me como um míssil para a frente, correndo desajeitada por aquele longo e tenebroso corredor.

 

Corri com minha lanterna em mãos, utilizando-me de seu pequeno feixe de luz para iluminar parcialmente meu caminho. Cruzei o corredor como um fantasma, eu tentava ao máximo não produzir algum ruído que chamasse a atenção para a minha presença ali.

 

Se é que resolveria alguma coisa. Era certo que um Devorador de Almas localizaria sua vítima sendo atraído pela energia intensa que sua alma emanava. E como Aidan havia me dito uma vez, a minha cintilava com uma intensidade fora do comum, o que até mesmo despertou a sua atenção, e o quê não faria a um Devorador de Almas, então?

 

Apressei-me para chegar até a sala do diretor onde Tamara supostamente deveria estar. Eu estava tão afobada que acabei chocando-me com uma violência exagerada contra a porta.

 

Por sorte estava destrancada. Empurrei-a com uma força exagerada e adentrei.

 

Apontei o pequeno feixe de luz de minha lanterna para o cômodo silencioso e completamente vazio.

 

Tudo estava aparentemente em seu devido lugar, a não ser pelo telefone que estava fora do gancho. Ofeguei, onde estava Tamara? Teria eu chegado tarde demais? Cambaleei, tonta, para trás. Não! Aquilo não podia ter acontecido, não outra vez!

 

Cerrei meus olhos na esperança de fazer aquela sensação desaparecer, mas era inútil, minhas mãos suavam frio e tremiam. Levei uma delas até minha testa, enquanto o cabo de minha lanterna escorregava vagarosamente de minha palma molhada.

 

Recostei-me na parede, escorregando até o chão onde eu permaneci, completamente confusa. Escondi meu rosto em meus joelhos e abracei minhas próprias pernas. O que faria agora?

 

Meus olhos ardiam de uma forma incomum. O silêncio que predominava em toda a escola era algo amedrontador. Apertei meu punho em meu peito, trincando os dentes e desejando desesperadamente que aquilo fosse um sonho muito ruim, que eu acordaria daquele pesadelo a qualquer momento.

 

Mas o despertar não vinha, e eu permanecia ali, completamente desnorteada, desolada. Encolhi-me ainda mais, sentindo o ar pesado daquela sala sobrepor-se sobre o meu corpo.

 

Como uma névoa fina e invisível, porém tão gélida quanto uma manhã enevoada. Senti aquele manto nebuloso repousar sobre mim, arrepiar minha pele e causar o meu alarde.

 

E um estalo, oriundo dos fundos do corredor, sobressaltou-me. Coloquei-me de pé no mesmo instante, todo o meu corpo estava rígido pela tensão.

 

Meu coração sofreu um violento solavanco e depois recomeçou a martelar em meu peito. Minha respiração descompassada fluiu livremente através de meus lábios, meus pulmões arfavam pesadamente.

 

E depois houve outro estalo, e a constatação veio no mesmo instante: eu não estava sozinha.

 

Permaneci completamente petrificada, moendo meus dedos enquanto cerrava meus punhos, eu fechava meus olhos e rezava. O que mais eu poderia fazer? Ainda mais quando se trata de uma criatura como aquela da qual não se pode fugir, da qual não se pode esconder.

 

Apertei minha lanterna em minha mão e criei coragem. Saí da sala escura, dirigindo-me para o corredor, de onde o estranho ruído viera. O feixe de luz que incidia do pequeno objeto em minhas mãos ainda estava apontado para o chão. Eu temia ver algo terrivelmente medonho naquela escuridão. Eu temia que assim que iluminasse meu caminho um Devorador de Almas apareceria e poria fim a minha vida.

 

Trinquei meus dentes, semicerrei meus olhos e vagarosamente comecei a apontar a luz de minha lanterna para a densa e interminável escuridão. E eu suava frio, ciente de a qualquer segundo poderia atravessar o limite, cruzar a fronteira e nunca mais voltar...

 

Mas não havia nada; o choque atravessou todo o meu rosto, o corredor estava vazio, eu estava só ali. Então tinha sido apenas a minha imaginação fértil.

 

Soltei todo o ar que eu havia prendido e respirei aliviada. Porém, a minha paz esvaiu-se no instante seguinte. Esmigalhou-se completamente enquanto eu escutava som de passos no corredor, bem atrás de mim.

 

E mais uma vez eu não tive qualquer reação, meus músculos enrijeceram, minhas pernas bambearam, e eu preparei-me para me virar, lentamente, e então quem sabe encontrar os olhos de meu assassino, pouco antes que ele pudesse roubar o fôlego da vida de mim.

 

Meus olhos baixaram, aterrorizados, até o piso lustroso do corredor, e enquanto eu me virava, o único som a ecoar em meus ouvidos eram meus batimentos acelerados, meu coração lutando pela vida.

 

E então eu encontrei algo.

 

E não era nada parecido com o que eu estivera imaginando. Pelo contrário, aquilo não pertencia ao sobrenatural, não podia.

 

Porque o responsável por todos aqueles ruídos estava bem a minha frente; um garoto, trajando jeans surrados, jaqueta do time, e uma máscara horrenda na face, daquelas que muitos usam no Halloween para assustar os outros e pregar-lhe peças.

 

A raiva inflamou dentro de mim de forma devastadora; alguém estava querendo brincar comigo.

 

O garoto levantou as mãos para o alto, saltou na minha direção e emitiu um som gutural, forte, que permeou meus ouvidos, mas em nada me abalou.

 

Ele tentara pregar um susto em mim, mas falhara. E então, em seguida, estendeu seus braços ao meu redor, tentando agarrar-me e prender-me naquele cerco.

 

Profundamente irritada, desferi-lhe uma forte joelhada em sua virilha, e o garoto curvou-se de dor perante a minha figura indiferente.

 

— Idiota. – sibilei entredentes.

 

Depois as luzes do corredor foram acesas e eu olhei em derredor, não, definitivamente não havia nada de sobrenatural ali.

 

O garoto a minha frente removeu a máscara de seu rosto, e então eu reconheci a sua figura. Era Kurt Wallace, um dos idiotas que jogava no time de futebol. Antigamente, Kurt e Roy andavam juntos, aprontavam juntos, mas depois que Kurt supostamente ajudou Becki a “chifrar” o próprio amigo, os dois brigaram e a luta rendeu boas recordações a Max. Claro que todos logo suspeitaram que aquele era o troco de Becki pelas várias traições do namorado. Traí-lo com o melhor amigo, que irônico.

 

O garoto encarou-me, seus cabelos castanhos bem claros cintilavam sob as luzes artificiais do corredor e seus olhos cor de mel estavam semicerrados devido à dor.

 

— Ai, isso machucou! – reclamou ele, ainda encolhido.

 

Dei as costas para ele, disposta a deixar aquele local. Claro que eu já compreendera tudo, fora simplesmente um truque. O telefonema de Tamara fora uma armadilha para me arrastar até a escola em plena noite somente para pregar um susto em mim.

 

E eis que a peça-chave que faltava para que tudo se encaixasse apareceu, imóvel, mas elegante, era Becki, encarando-me com um sorriso cínico nos lábios e um olhar de diversão.

 

Ela levou uma das mãos até sua orelha direita, seus dedos imitaram o formato de um telefone, enquanto ela ria descarada e ruidosamente.

 

— Por favor, Agatha – começou ela em um tom dramático – venha salvar-me, eles estão atrás de mim! - terminou ela, ainda rindo.

 

— Divertiu-se bastante, Becki? – perguntei a ela, mal contendo a minha irritação.

 

Ela riu e depois tornou a ficar completamente séria, embora seus lábios ainda se projetassem naquele sorriso irritante.

 

— Na verdade não tive o bastante ainda.

 

Ah, se eu pudesse simplesmente grudar em seus cabelos e arrancar um bom chumaço, eu já me daria por satisfeita. Só que eu não lhe daria esse gosto, eu não me rebaixaria ao nível dela.

 

— A verdade, Agatha, é que eu só queria lhe dar uma pequena amostra do que eu posso fazer com você. – murmurou ela, ironicamente, gabando-se.

 

Inspirei, reprimindo minha fúria. Em geral eu não demonstrava o que minha raiva e a minha irritação podiam fazer comigo, mas uma vez ou outra, eu acabava explodindo, e as conseqüências eram terríveis.

 

— Você é uma estúpida. – cuspi as palavras através de meus dentes trincados. E ela sorriu novamente.

 

— E você é patética. – retrucou ela.

 

Apenas ameacei deixar aquele local, mas sua figura foi mais rápida, bloqueou meu caminho com seu corpo, impedindo-me de passar.

 

— Deixe-me ir embora. – exigi-lhe, mas ela não se demoveu de seu lugar e seus olhos traiçoeiros como os de uma serpente fuzilavam-me.

 

— Está com pressa, queridinha? – perguntou-me ela, ainda rindo.

 

Cansei-me daquele joguinho e forcei minha passagem, empurrando-a com meu corpo.

 

— Estou farta de todos vocês. – murmurei e então parti.

 

Porém, antes mesmo que eu o fizesse, as luzes acesas do corredor piscaram várias vezes, falhando, até que estabilizaram novamente.

 

Olhei em derredor, algo havia mudado ali, havia uma corrente de ar frio irrompendo por todo o corredor, tão gélida que na verdade lembrou-me o sopro da morte. Minha pele arrepiou-se toda no mesmo instante e um calafrio subiu por minha espinha, fazendo-me encolher como um gatinho indefeso.

 

Encarei Becki, parada a minha frente, porém ela nada esboçava, apenas mantinha-se confusa. Até que seus olhos dispararam, furiosos e acusadores para Kurt.

 

— O que você fez agora?

 

O garoto pareceu-me confuso, depois a encarou, dando de ombros.

 

— Eu não fiz absolutamente nada. – murmurou ele a meia-voz.

 

E então eu compreendi, na verdade, todo o meu corpo já me alertava do perigo eminente que se aproximava de todos nós naquele momento. Era como se ele se arrastasse, gemendo ao vento, enquanto nos cercava, e colocava-nos sob a sua mira de predador.

 

Aquela brisa gélida ainda predominava em todo o corredor, uma presença tão sinistra e amedrontadora, e ao mesmo tempo tão antiga e poderosa.

 

Virei-me para trás há tempo para ver aquilo que prenderia a minha atenção por definitivo. Depois, Becki corria, assustada, até Kurt e escondia-se atrás dele, enquanto eu permanecia completamente estarrecida, como se meus pés tivessem grudado no piso.

 

A principio não me pareceu absolutamente nada, mas depois, eu compreendi. E meus olhos detiveram-se na estranha forma que emergia da parede sólida do corredor, uma mancha preta, como uma sombra medonha, com vida própria, que se debatia para deixar a estrutura sólida da parede.

 

Atrás de mim, Becki gritou, Kurt murmurou algo inteligível que eu não consegui processar. Estava assustada demais, prestando atenção àquela estranha forma que se arrastava em nossa direção.

 

— Mas que porcaria é essa? – perguntou Kurt, assustado e confuso.

 

Percebi que o manto negro vivo estava envolto em todo o corpo da criatura, envolvendo inclusive a sua cabeça, como um capuz negro. E quando enfim a criatura libertou-se da estrutura de concreto da parede, ela pairou sobre o ar, flutuando, imóvel, a face voltada para o chão.

 

Os braços envoltos nas largas mangas negras estavam completamente imóveis ao lado de seu corpo.

 

Eu ofeguei, era assim um Devorador de Almas? Eu já o havia imaginado é claro, mas não pensei que ele pudesse ser uma criatura tão assustadora quanto a que meus olhos testemunhavam naquele momento.

 

Cambaleei chocada para trás quando as luzes do corredor piscaram novamente, apagando por completo, deixando-nos completamente no escuro. Havia um estranho som ao fundo, um zunido baixo, incisivo, irritante.

 

Outro grito estridente de Becki despertou a minha atenção, tornei meus olhos para trás, enquanto outra sombra pairava imóvel do outro lado do corredor; estávamos cercados. Não havia escapatória.

 

Becki agarrou os ombros de Kurt, cerrando seus olhos com muita força, enquanto o garoto permanecia boquiaberto, sem qualquer reação.

 

Vi que a criatura, vagarosamente, começava a sustentar a sua face, erguendo-a com lentidão, e meu coração acelerava, martelando violentamente em meu peito. O vento gélido irrompeu pelo corredor novamente, agitou algumas mechas de meu cabelo e arrepiou-me por inteira; era o sopro da morte.

 

E então a criatura finalmente encarou-nos, o capuz negro não podia esconder a sua face, porém, era realmente melhor que o fizesse, porque no lugar de seu rosto lá estava, a máscara de pele humana, sobreposta sobre o manto negro vivo. Enquanto que os orifícios para os seus olhos estavam ocos, transparecendo mais negridão, como buracos sem fundo.

 

E uma certeza dominou-me naquele mesmo instante, aquela era a face da própria morte. Não haveria coisa mais medonha e obscura do que aquela. E diante de mim estava a própria morte, em pessoa, pairada sobre o ar, como um fantasma.

 

— Ah, meu Deus! – exclamou Becki, enquanto as duas sombras fitavam-nos sem nada dizer ou fazer. O silêncio era algo mortal ali, assustador. Enquanto a contagem regressiva de nossas vidas chegava ao seu término, inevitavelmente.

 

E algo já me dizia que meu tormento estava apenas começando. Fato que se confirmou no instante seguinte, quando uma das criaturas moveu-se como uma sombra, como um fantasma, silencioso, certeiro, ágil, fatal...

 

Uma das criaturas avançou em nossa direção, escolhendo como primeiro alvo Kurt. A sombra negra alçou vôo, flutuando com uma rapidez anormal. Chocou-se violentamente contra o corpo com o qual Becki tentava proteger-se.

 

O choque de ambos foi tão forte que Kurt voou vários metros para trás, alcançando uma velocidade e altura consideráveis. Suas costas e sua cabeça chocaram-se violentamente contra a parede do corredor. E ele perdeu a consciência instantaneamente.

 

Depois disso o jorro de adrenalina em minhas veias fez-me testemunhar tudo em câmera lenta. Eu mal pude recuperar-me do ataque acometido a Kurt, e o grito desesperado de Becki permeou meus ouvidos, doendo em meus tímpanos.

 

Virei-me para trás apenas a tempo de vê-la ser arrastada rapidamente para trás pelos pés, enquanto suas unhas cravavam-se no piso escorregadio, e ela lutava, tentando de alguma maneira livrar-se da força impiedosa que a arrastava consigo.

 

Mas era uma batalha perdida e ela apenas se viu entregue a algo muito maior e muito mais poderoso do que ela, algo completamente oculto e incompreensível para ela.

 

Becki foi arrastada de volta até a sala do diretor, onde assim que seu corpo passou pela soleira da porta, a porta fechou-se com violência, sobressaltando-me, e seu grito cessou, dando lugar ao silêncio novamente.

 

E só então eu dei-me conta da outra criatura que permanecera no corredor comigo. Com tudo fluindo em câmera lenta ao meu redor, minha respiração pesada e meus batimentos acelerados em meu ouvido, tornei-me novamente para a frente, observando a sombra negra, e seus olhos negros pousados sobre o meu semblante.

 

E estaquei, incapaz de fazer, dizer, pensar, ou sequer esboçar e transparecer algo. Eu nem mesmo tinha consciência do medo, ele passava completamente despercebido por mim. Tudo o que tinha consciência era da criatura assustadora a minha frente, encarando-me em silêncio.

 

Pensei em tudo o que vivera, minha vida passava através de meus olhos, como um filme. Claro que nesses dezessete anos eu não tivera algo que realmente me motivasse a continuar respirando, a continuar vivendo. Mas agora era diferente, porque eu tinha algo que fazia sentido dentro de mim: meu amor por Aidan.

 

Eu não poderia morrer, não agora.

 

Esse desejo inflou meus pulmões, inflamou dentro de mim, e eu só tinha uma coisa em mente naquele momento: fugir da morte.

 

Junto desse desejo de viver, veio o medo, o desespero, eu não alcançaria meu objetivo se permanecesse ali naquele momento.

 

Foi aí que realmente desesperei-me.

 

Minhas pernas bambas e meus joelhos trêmulos e enfraquecidos moveram-se por conta própria, e quando dei por mim, eu já corria pelo longo corredor escuro, na direção contrária a que se encontrava a criatura.

 

Virei para a esquerda, correndo cada vez mais rápido, impulsionando meu corpo para a frente, arrastando meus pés e tropeçando.

 

Eu não teria parado, eu não teria detido-me em minha corrida, se quando estivesse passando pela longa fileira de armários de metal presos à parede, algo estranho não tivesse acontecido.

 

Todas as trancas arrebentaram, como se uma força invisível as tivesse puxado com uma força sobre-humana.

 

E então, todas as portas, ao mesmo tempo, foram escancaradas, produzindo um som que ecoou por todo o corredor silencioso.

 

Minha única reação foi a de levar meus braços até meu rosto e proteger minha face, enquanto o conteúdo de todos aqueles armários, livros, papéis, cadernos, eram arremessados todos de uma vez só para fora deles, atingindo-me.

 

Fiquei completamente atordoada. O poder de um Devorador de Almas era muito mais do que eu pude imaginar.

 

Abri meus olhos a tempo de ver todos aqueles objetos pousarem suavemente sobre o chão, como se a força oculta e invisível tivesse parado de agir sobre todos eles.

 

Impelida por meu desejo de continuar viva e por todo aquele jorro de medo e pavor em minhas veias, não hesitei, virei novamente, adentrando a uma das salas de aula.

 

Passei pela porta e cruzei as várias fileiras de carteiras, eu só tinha um objetivo, as imensas janelas de vidro.

 

Levei minhas mãos até elas, mas estavam todas trancadas, não havia fuga para mim.

 

E novamente um som insuportável sobressaltou-me, o guinchar das carteiras pelo chão, enquanto elas eram arrastadas todas de uma vez só na minha direção. Movendo-se como se houvesse uma mão gigante empurrando-as.

 

E então eu fui cercada por elas, todas pararam ao redor de mim, prendendo-me ali.

 

A porta da sala fechou-se sozinha com violência.

 

Fiquei completamente desolada, imóvel, como uma estátua, enquanto meus olhos arregalavam-se e eu permanecia boquiaberta.

 

E então, surgindo da estrutura da parede novamente, a sombra viva rastejava-se até mim.

 

Deslizei minhas costas na estrutura de vidro da imensa janela, sentando-me sobre o chão frio. Enquanto a criatura aproximava-se cada vez mais de mim, completamente indefesa ali e a sua total mercê.

 

Apertei meus olhos e quando senti que não podia mais olhar, cerrei-os, perdendo o foco de minha visão.

 

Meu coração martelava violentamente em meu peito e eu mal respirava, o ar era denso e pesado, e mal chegava até meus pulmões.

 

E embora meus olhos estivessem fechados, eu senti, todo o meu corpo sentiu, quando a escuridão viva e medonha engolfou-me, envolvendo-me como um manto gélido e mortal.

 

O silêncio fez-se presente então, todos aqueles ruídos assustadores, cessando. Até que uma voz despertou-me, trazendo-me de volta para a realidade. Não a realidade na qual eu vivia, mas a realidade a qual aquela criatura pertencia.

 

 

“Não tema, pequena criança”.

 

Fiquei surpresa pela voz que ecoou em meus ouvidos ser suave, límpida, terna. Ela transparecia segurança e não animosidade. O que me deixou ainda mais confusa e assustada.

 

Ousei abrir meus olhos, e então me surpreendi novamente. Porque a minha frente não estava mais a sala de aula, não, aquilo nem de longe parecia com o ambiente no qual eu encontrava-me poucos segundos atrás.

 

A minha frente estava um imenso campo desértico, tão grande que se perdia de minha vista no horizonte. Seu solo era rachado, seco, em um tom forte de laranja.

 

O vento rasgava todo aquele campo, batendo em meu rosto e vergastando meus cabelos. Nuvens cinzas-clara deslizavam pelo céu nublado.

 

E então a voz suave permeou meus ouvidos novamente, e eu reconheci a sua origem, ao meu lado direito, próximo a mim.

 

“Não precisa temer, minha pequena, eu não te farei mal algum”.

 

 Automaticamente, virei-me para a direita e ofeguei mais uma vez. Porque quem falava comigo era a criatura, o Devorador de Almas que há poucos segundos ameaçava minha vida.

 

Tentei encontrar minha voz, mas estava confusa demais, assustada demais. Tive que pigarrear várias vezes, e mesmo assim minha voz passou de um sussurro.

 

— O que vo-você que-quer?

 

“Não se preocupe, jovem, eu não fui enviada para machucá-la, muito pelo contrário, meu único objetivo é ajudá-la”.

 

A confusão atravessou todo o meu rosto.

 

— O quê?

 

“Isso mesmo, conheço-te muito mais do que imaginas, jovem Agatha. E estou aqui apenas com o propósito de ajudá-la”.

 

— Ajudar-me como? E pelo o quê?

 

Eu mal acreditava que estava conversando com uma criatura como aquela. Como assim ela pretendia ajudar-me? Do que raios ela estava falando?

 

Meu medo ainda me dominava, ele fluía em minhas veias com muita intensidade. Mas, mesmo assim, eu continuava fitando o rosto daquela estranha criatura, e o pior, conversando com ela.

 

“Quantos segredos estão ocultados de você, pequena, quantos mentem para você. E eu estou aqui para ajudá-la a entender a verdade, a desvendá-la. Mas antes que você possa compreendê-la, você deve saber que eu sou uma criatura muito antiga. Eu vago por esse mundo desde o começo, desde a criação de tudo.”

 

— A criação de tudo?

 

“Sim, e que nós fomos a força que veio juntamente com a energia que deu origem à vida. Nós somos o oposto dessa energia, aquela que equilibra a balança, nós somos a própria morte”.

 

— Morte? – repeti, incrédula de que estivesse mesmo ouvindo um Devorador de Almas explicando-me a sua origem.

 

“Sim, mas nós não somos os únicos. Junto da energia que deu origem a todo tipo de vida, vieram os antigos. Certamente que você já ouviu falar sobre eles”.

 

 - Sim. – assenti, lembrando-me do dia em que Aidan contou-me sobre as forças medonhas que predominavam sobre a face da terra e por sobre a humanidade antes dos Mediadores.

 

“Agatha, há muito anos nós, os Devoradores de Alma, testemunhamos uma guerra sem precedentes, uma guerra nunca antes vista, que culminou com a derrota e o banimento dos antigos e de todos os espíritos para o plano espiritual”.

 

— Sim, eu sei disso. – concordei, lembrando-me da história de Riguran, que Aidan já me contara.

 

“Mas essa guerra em nada se comparou com o que nós testemunhamos vários séculos depois. Uma guerra ainda mais catastrófica, mas que culminou com a libertação da humanidade do jugo dos Mediadores”.

 

— Eu também já ouvi sobre essa guerra.

 

“Então, pequena, eu não lhe contarei mais nada sobre ela. Farei muito mais do que isso, eu permitirei que você testemunhe com seus próprios olhos a grande batalha que iniciou a rebelião dos humanos”.

 

A criatura estendeu um de seus braços, apontando para algo que estava atrás de mim. Segui-a com meus olhos, virando-me para ver o que ela apontava e quando vi, perdi todo o meu fôlego.

 

Porque bem atrás de mim estava um imenso exército, em formação, pronto para atacar. E eu reconheci de imediato as criaturas que compunham aquele exército, os olhos negros como a meia-noite os evidenciavam: Escravos das Sombras.

 

Deviam ser milhares deles, todos em silêncio, aguardando as instruções de seu general, que se encontrava à frente daquela formação. Ele não era um deles, então só podia ser... Um Mediador.

 

Meus olhos buscaram mais ao longe e encontrou vários metros à frente daquele exército esmagador uma figura solitária. Sim, apenas um homem ia enfrentar aquele exército esmagador.

 

Mesmo que aquele exército fosse centenas de vezes mais numeroso do que ele, o homem não temia, permanecia ereto, disposto a guerrear, mesmo que essa batalha custasse sua vida.

 

E então o general daquele exército imponente gritou aos quatro ventos, claramente dirigindo-se ao homem solitário.

 

— Essa é a sua última chance, Angeonoro, filho de Vírsico. Não mostrarei misericórdia alguma se não partir imediatamente.

 

O homem sorriu irônico, mas manteve-se firme em sua decisão de batalhar contra aquele exército.

 

— Ora, por acaso não está com medo de mim, Parmenius? Por acaso Paladium também me teme, por isso não teve coragem suficiente para vir enfrentar-me?

 

— Cale-se! – gritou o homem à frente do exército, exaltando-se.

 

— Tudo o que faço, tudo pelo que luto é nobre. Mas e os seus valores, Parmenius? Onde foram parar? Eu lutarei para libertar a humanidade de todos vocês, ratos Mediadores. Por acaso ficaram tão mesquinhos que se deixaram cegar pelo poder?

 

O general deu de ombros, fazendo pouco caso do discurso do homem.

 

— E por que exatamente você importa-se com os humanos? Você nem ao menos é um deles! Está jogando a tua vida fora, homem tolo! Você morrerá nesse campo de batalha pelas minhas mãos, Angeonoro!

 

— A humanidade acolheu-me, - rebateu o homem - não só a mim, mas a todos os meus ancestrais. E é justo que eu agora lute para salvá-los de todos vocês! E não serei eu a morrer nesse campo de batalha, Parmenius, será você. – acrescentou o homem, sorrindo.

 

O general enfureceu-se, tornou seus olhos para o exército, sua voz gritava ordens em uma língua que eu não podia processar, era a língua dos espíritos.

 

Virsic laverius cirtruc calevar!

 

Depois disso o exército moveu-se, rosnando em uníssono, um som assustador eclodindo de suas gargantas e eles lançaram-se como mísseis na direção do homem solitário, como flechas sendo disparadas por arcos.

 

O som de seus passos chocando-se contra o chão empoeirado e seco provocou um som que irrompeu por todo aquele campo desértico, como se uma manada gigante de elefantes estivesse correndo ali, e não um exército de Escravos das Sombras.

 

Eu teria visto o exato momento em que o exército chocou-se contra o homem, eu teria, se algo não tivesse demovido minha atenção do campo de batalha.

 

Uma dor forte, aguda, em meu ombro esquerdo. Aquilo ardeu como se uma chama estivesse consumindo minha carne.

 

Completamente desolada, curvei-me até o chão, cerrando meus olhos e segurando em meu ombro. Mas era impossível conter aquela dor, era impossível tentar apaziguá-la. Era intensa demais, a dor parecia estar cravada em meus ossos.

 

Lágrimas rolavam de meu rosto e quando senti que não podia mais conter aquela sensação, eu gritei de forma como nunca havia gritado. Era doloroso demais, eu mal raciocinava.

 

Quando abri meus olhos novamente, minha visão estava turva, embaçada por minhas lágrimas, mas eu reconheci a sala de aula novamente. Eu estava deitada sobre o chão frio, contorcendo-me de dor, enquanto via a criatura que a pouco ainda conversava comigo, curvar-se lentamente até meu corpo, recobrindo-me como um manto gélido.

 

E eu afundei na escuridão, o torpor assumiu o controle sobre mim, sobrepôs-se a minha dor, e eu não senti mais nada, e afundei naquelas águas negras e gélidas, enquanto os braços da morte cercavam-me e eu preparava-me para receber seu beijo mortal, o beijo que roubaria minha vida...

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

ahhhhhhhhhh! meu Deus, e agora??

alguém ficou confuso??

se sim, vamos aos esclarecimentos:

—sim, o Devorador de Almas quer contar a verdade para a Agatha, e fazer algo mais, que eu simplesmente não posso contar o que é, pelo menos não agora...

—essa batalha foi a que iniciou a rebelião dos humanos contra os Mediadores, e o líder dessa rebelião foi o Angeonoro(nomezinho complicado q eu criei né?)

—Angeonoro possui uma história, e ela será contada, mas só na 2ª fase da fic!

E agora? quem poderá defender a Agatha?? Chapolin Colorado não vale! kkkkkkkkkkkkkkk' brincadeirinha... axo q todos já sabem né...no próximo cap. a volta do nosso amado, adorado, perfeito, Aidan!

Reviews?

Até a próxima!

Beijos!!