Iris -

                                                                                                                                                                                                                      Goo Goo Dolls.

Eu estava terminando de beber o sangue do terceiro veado – eu não me alimentava há um bom tempo – quando o cheiro de sangue humano, repentinamente, atraiu minha atenção. Andei, ainda vagarosamente, em direção ao cheiro do sangue. O cheiro era excepcionalmente delicioso. Quando cheguei ao lugar em que o cheiro se concentrava, vi um urso, grande e escuro, em cima de alguém. De um homem. Mesmo em meio às caretas de dor que o humano fazia, eu pude distinguir um rosto bonito. Com covinhas e cachinhos e olhos azuis. Exatamente como o filho de Vera, Henry. Instintivamente me joguei sobre o grande urso, tirando-o de cima do humano. O animal veio para cima de mim com as garras expostas, para me ferir. Suas garras de nada adiantaram, eu não sentia absolutamente nada. Matei o animal, que caiu ao chão coberto de folhas velhas caídas das árvores graças ao outono, ele sangrava. Mas o cheiro não foi tão apelativo para mim no momento, eu havia acabado de caçar. Além do mais, minha mente ainda estava no humano.

And I'd give up forever to touch you

'Cause I know that you feel me somehow

You're the closest to heaven that I'll ever be

And I don't want to go home right now

And all I can taste is this moment

And all I can breathe is your life

And sooner or later it's over

I just don't want to miss you tonight

Ele respirava com dificuldade, e parecia fazer um grande esforço para manter os olhos abertos. O cheiro de seu sangue me convidava a sugá-lo, ali, rapidamente. Ele já estava quase morrendo mesmo. Afastei esse pensamento absurdo de minha mente antes de me apegar demais ao argumento. Prendi minha respiração, fazendo todo o possível para não aspirar o ar que rondava o lugar. Abaixei-me para poder olhar melhor o humano, e ele sussurrou meio embolado, a palavra anjo. Anjo era algo que eu realmente não era, não naquele momento de minha vida. Então, com um estalo em meu cérebro, eu reconheci aquele humano. Já havia o visto duas ou três vezes na cidade, e uma vez em um baile da sociedade onde ele havia trocado olhares comigo por toda a noite. Descobri-me encantada por ele, automaticamente. Amor a primeira vista, talvez fosse esse o nome certo a se dar. Emmett. Era o nome do estranho de covinhas e cachinhos a minha frente. Minha mão foi instantaneamente para sua face, mas não cheguei a tocá-lo realmente. Minha mão pairou milímetros acima de sua pele quente. Eu não sabia bem o que fazer, não podia abandonar o humano ali. Não queria abandoná-lo ali. De certa forma, me senti ligada a ele. Seu rosto ainda se contorcia de dor, e eu tomei a decisão de transformá-lo para mim. Mas eu não queria voltar para casa.

And I don't want the world to see me

'Cause I don't think they'd understand

When everything's made to be broken

I just want you to know who I am

Eu não conseguiria fazer aquilo. Já era bastante difícil, só estar ali, sem nem chegar a tocá-lo, apenas perto de seu corpo, que passava calor. Se eu encostasse e começasse eu não pararia... Mas Carlisle certamente faria isso para mim. Mas eu não podia voltar para casa. O humano parecia fazer uma força exagerada para manter os olhos abertos, a dor que ele sentia parecia consumi-lo e acabar com todas as suas forças. A dor dele parecia ser a minha dor. Não gostei de vê-lo daquele jeito. Eu sentia algo por ele, desde que o vi na cidade. Eu não entendia direito o que era esse sentimento, me deixava confusa. Se eu o transforma-se ele não sentiria mais aquela dor. Não, ele sentiria uma dor pior, Rosalie. Minha mente me alertou. Como poderia eu, que tanto repugnava essa vida, submeter-lhe a ela? Pesei os prós e contras das duas decisões, e me obriguei a ser mais rápida que o normal quando ouvi os batimentos do humano ficarem cada vez mais fracos. Eu ainda não sabia o que fazer. Minha mente estava em um conflito interno, eu era egoísta o suficiente para considerar a opção de transformá-lo para mim. Não só minha mente estava em um conflito, estava também meu coração.

And you can't fight the tears that ain't coming

Or the moment of truth in your lies

When everything feels like the movies

Yeah you bleed just to know you're alive

As dores de Emmett pareceram diminuir, ele se contorcia menos, mas seu pulso ficava cada vez mais fraco e eu comecei a me desesperar.

- Eu não sou um anjo. – sussurrei me abaixando o suficiente para que ele escutasse. Eu havia tomado minha decisão. Ouvi a respiração dele um pouco mais forte, e ele esboçou um sorriso fraco, que ainda assim mostrava as covinhas.

- É sim. – ele sussurrou, parecendo ter que fazer uma gigantesca força para aquilo. – Você veio me salvar. – sua voz era fraca, e ele parecia realmente acreditar no que dizia. Eu senti que poderia chorar, se não fosse uma vampira. Se eu ainda tivesse um coração humano no peito, ele certamente se apertaria.

Abaixei-me até ficar perto de seu pescoço, e o cheiro ali era absurdamente tentador. Ainda mais com todo aquele sangue em seu corpo, adquiridos graças a sua tentativa falha de vencer o urso. Meus lábios se aproximaram de sua pele, mas quando ia mordê-lo, não consegui ir adiante com aquela decisão.

And I don't want the world to see me

'Cause I don't think they'd understand

When everything's made to be broken

I just want you to know who I am

And I don't want the world to see me

'Cause I don't think they'd understand

When everything's made to be broken

I just want you to know who I am

Como eu poderia submetê-lo aquilo, se eu mesma não queria para mim quando sofri? Não poderia fazer isso a ele. Ele não merecia. E talvez ele ainda tivesse uma chance. Não arrancaria sua vida de suas mãos, assim como tive a minha arrancada. Não o faria arder por dias, para depois acordá-lo para uma vida imortal que eu tanto repugnava. Talvez, se Carlisle cuidasse dele, ele ficasse bom e pudesse viver sua vida humana normalmente. Com uma humana. Eu era egoísta o suficiente para não querer isso. Ele e outra mulher. Pensei na vida que ele poderia ter com qualquer humana, e nos filhos que poderia ter, filhos com covinhas e cachinhos, tal como Henry. Algo que eu sempre quis para mim, mas que jamais poderia ter de fato. E eu imaginei, por um segundo, como seria se eu fosse humana. A vida feliz que poderia ter ao lado de Emmett, com nossos filhos. Meus filhos. Então, eu daria tudo para ser humana outra vez, para ter alguma chance.

Enquanto eu pensava, cada vez mais o humano se enfraquecia, mais e mais, e eu percebia que ele estava à beira da morte, a beira de ser levado para o sono eterno. Aquele que lhe sugaria a vida. Não, eu o sugaria a vida. Eu era egoísta o suficiente para querer que nenhuma outra mulher fosse feliz ao lado de Emmett e tivesse com ele os meus filhos de cachinhos e olhos azuis. Eu era egoísta o suficiente para querer isso só para mim.

- Me desculpe por isso. – falei, e ele abriu os olhos novamente para mim. Eu me sentia cada vez pior pela minha escolha, mas eu certamente não a mudaria, se é que me conheço bem. Seria como se eu nem o tivesse visto, como se o urso tivesse acabado com ele, e não eu.  – De verdade, se houvesse outra forma, eu... – eu não via mais sentindo algum em falar.

Abaixei-me vagarosamente, e delicadamente encostei meus lábios gelados sobre os seus, que agora estavam mais frios que antes e sem vida. O beijo da morte.  Levantei o rosto, e vi que sua pele estava ligeiramente mais pálida, que o sangue não circulava mais por suas veias, bombeando-o para seu coração. Seu coração não batia mais. Olhei para o cadáver e levantei-me, pegando-o no colo e correndo com ele em direção ao penhasco que havia nas redondezas. Chegando lá, dei uma ultima olhada ao corpo sem vida em minhas mãos.

- Eu sinto muito, Emmett. Foi por amor. – eu sussurrei em seu ouvido, mesmo sabendo que aquela altura isso não fazia o menor sentido, a menor diferença.

Eu o havia matado, afinal. Deixado que ele sofresse e morresse, sem ajudá-lo. Eu era o monstro que eu havia me tornado, sem sombra de dúvidas. Joguei seu corpo ao mar, e olhei-o até ele desaparecer nas águas escuras. Virei-me e comecei a correr, sem direção certa, apenas passando entre as árvores, sem olhar para os lados. Eu me sentia mal pelo que havia feito, mas eu havia feito por amor. Um amor, que só eu entendia. Que ninguém mais teria a capacidade de entender. Meu jeito de amar.

And I don't want the world to see me

'Cause I don't think they'd understand

When everything's made to be broken

I just want you to know who I am

I just want you to know who I am

I just want you to know who I am

I just want you to know who I am