Novos Olhos escrita por Maybe Shine


Capítulo 6
A curiosidade matou o gato


Notas iniciais do capítulo

Não tenho muita certeza se ficou bom. Enfim, espero que gostem!



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Sabe quando você tem que guardar um segredo enorme, como, por exemplo, a festa surpresa que estão preparando para sua irmã mais velha com decoração cor de rosa cheia de corações? Daí você tem que ficar de bico fechado, porque se falar a sua mãe ameaça arrancar metade do seu cabelo, mas você acaba falando sem querer quando alguém pergunta o que vai fazer no fim de semana e você diz que tem uma festa surpresa para ir, só que a sua irmã esta do seu lado e embora ela seja burra ela sabe que esta de aniversário neste mesmo fim de semana?

O que eu estou tentando explicar é que as vezes, mesmo que a gente não queira, acabamos falando certas coisas que não queríamos falar.

Eu sofro desse mal o tempo todo.

Já era a segunda semana na nova escola. Não que depois de uma semana as coisas tenham mudado muito ou eu tenha passado a ver aquele lugar de um modo diferente. Mas pelo menos já conseguia encontrar minha sala com facilidade e havia feito uma amiga.

Não sei se amiga é a palavra apropriada, porque a Meg não é bem do tipo que fica cultivando amizades.

- Lá vem a velha – disse a Meg naquele tom entediado que  sempre usa.

- Coitadinha da Sra. Stou, Meg –  disse rindo.

- Coitadinha? Ela é uma múmia! Fala sério, alguém achou ela no Egito e trouxe para ser nossa professora.

- Ela deve ter uns 50 anos...

- Ela parece que vai desmanchar na próxima vez que tentar apitar.

A maioria dos professores não simpatiza com Meg. Na verdade a metade da turma. Se eles não falam direito comigo só porque uso  roupas pretas e uns jeans gastos, nunca que eles iriam falar ou querer ser amigos da Meg que tem uma coleção de piercings e um cabelo estranho .

Da para imaginar porque sou amiga dela.

A Sra. Stou lançou um olhar azedo em direção a Meg, como se já soubesse que dali não saia nada bom e começou a falar. Normalmente não ouço o que os professores falam, mas as vezes presto atenção. Pena que nunca escolho o momento certo para isto.

- Teremos um concurso de dança – estava dizendo a Sra. Stou e de repente aquilo se tornou interessante – alguém aqui faz alguma atividade relacionada a dança?

Fui a primeira a levantar o braço. Olhares confusos vieram até mim. Só depois de alguns segundos reparei que aquela não era minha antiga escola e que as coisas já não eram como antes. Droga, eu me minha boca grande!

- Alex – disse a professora duvidosa – você dança?

Todos os olhos da sala se viraram na minha direção.

- Eu... não, não danço Sra. Stou... eu... eu... posso ir ao banheiro rapidinho?

Meu rosto queimava de tanta vergonha, o da Sra. Stou suavizou aos poucos e logo ela disse para eu ir, mas que não demorasse muito pois logo desceríamos para o ginásio de esportes.

Enquanto saia da sala senti os olhares em minhas costas. Só que eu não estava nem aí, porque estava ocupada demais me culpando por ser sempre uma idiota. Uma idiota que fala de menos quando deve e de mais quando deveria ficar calada. Será que existe algum problema que eu não tenha?

Sai andando pelos corredores, achando que seria uma boa alguém aparecer para arrancar metade do meu cabelo fora, ou que, caso minha mãe tivesse cumprido suas ameaças, eu tivesse aprendido a ficar de boca fechada.

Virando a direita encontrei um corredor estreito, com janelas dos dois lados. Encostei a testa em uma das vidraças e fechei os olhos, procurando forças para começar a bater a cabeça ali.

- Aqui não é o caminho para os banheiros.

Levantei os olhos e encarei quem me incomodara no meio do momento de auto-punição.

- O que você quer, garoto? – perguntei entre dentes.

- Só queria fazer uma pergunta.

Que ótimo.

Fiquei observando enquanto meu colega metido a intelectual se aproximava e  encostava-se de costas para a janela. Eu ainda não descobrira o seu nome. Mas pensando bem, não fazia a menor questão de saber.

- Porque você não disse que dança? – perguntou ele me lançando um olhar cheio de curiosidade por detrás dos óculos.

- Porque não danço.

Pensando duas vezes, cheguei a conclusão que ele parecia o Harry Potter.

- Não foi o que a sua irmã disse.

- E que diabos a minha irmã disse? – senti que estava começando a ficar furiosa.

- Que você dançava.

- Aquela ... idiota.

A única coisa que eu queria era que Ellen estivesse ali, naquele corredor, só para  poder jogá-la pela janela e deixar que as crianças da primeira série se assustassem com o corpo caído inerte lá em baixo.

Mas respirei fundo. Calma Alex, calma. Logo você estará em casa e poderá sufocá-la enquanto dorme.

- Então é verdade? –  Potter  perguntou desencostando-se da janela. Parou a minha frente com um sorriso vencedor no rosto.

- O que?

- O que a sua irmã supostamente disse.

Olhei para ele confusa. Temerosa.

- Mas você não falou com ela? Porque ela mentiria?

- Bem, eu não falei com ela.

- Como assim?

- Você conhece a expressão “ jogar verde para colher maduro”?

Apenas fiquei encarando aquela cópia mal feita de Harry Potter à minha frente. Não dava para acreditar. Não dava!

- Eu nunca conversei com a sua irmã – continuou explicando – só achei que você dançasse mesmo.

- E porque lhe interessa saber o que eu faço ou deixo de fazer?

- Sou curioso.

- Vá se ferrar.

- Deve ser difícil. Quero dizer, você dançava, mas agora não pode mais.

- Observação incrivelmente inteligente.

- É que fico pensando. Se você faz uma coisa e depois não pode fazer mais, deve ser no mínimo frustrante.

- Corte sua língua fora e descubra como é saber fazer uma coisa e depois não poder fazer mais. Você fala demais, garoto.

Ele me encarou com os olhos esbugalhados.

- Seja menos agressiva.

- Seja menos intrometido – lancei um ultimo olhar completamente aborrecido e sai daquele corredor andando o mais rápido que conseguia.

Não era por causa dele que seria presa antes dos 17 anos.

 

Tive a falsa esperança que aquela seria minha ultima conversa com  Harry Potter.

Não dava para acreditar que ele se interessasse tanto em saber coisas sobre mim. Quero dizer, minha vida não é um tantinho que seja emocionante, ele poderia muito bem sair interrogando a Meg, pois ela sim teria muitas coisas para contar. Como as histórias sobre o pai alcoólatra  ou a aventura com um ex namorado num estacionamento subterrâneo. Sei lá, coisas legais nunca aconteceram comigo em um estacionamento, então qual seria o interesse dele em mim e se eu dançava ou não? 

E também, não sou a única garota com deficiência física nesse mundo.

Passei todo o período de educação física tentando me manter o mais longe possível do ginásio. Logo depois vinha o intervalo. Fui até a biblioteca.

Não é que goste de ler nem nada disso, é só que quase ninguém se interessa em ficar na biblioteca, então aquele lugar torna-se muito agradável, sem gritos ou conversar sem nexo.

 As janelas da biblioteca eram enormes, me sentava sempre em uma delas.

 

- Hm, Alex.

Levantei devagar os olhos do livro. Bem a minha frente, com sua camisa xadrez, uma pilha de livros em uma mão e seus óculos idiotas, estava meu pesadelo metido a intelectual.

- Que diabos você quer agora?

Ele se aproximou e recolhi as pernas me espremendo mais contra a janela.

- Quero pedir desculpas.

Olhei mais atentamente para o rosto à minha frente. Ele não parecia curioso do mesmo jeito que antes, estava mesmo com aquela cara que a gente fica quando vai pedir desculpas.

- Tanto faz – murmurei e voltei a encarar as letras no livro.

Mesmo olhando com atenção para todas aquelas palavras, dava para ver que Harry não saia dali.

- Alex.

Olhei para ele depois de fechar com força o livro.

- Chega de  incomodar Harry...

- Luke.

- O que?

Harry me olhou parecendo perdido. Olhei para ele sem entender o que estava dizendo.

- Meu nome não é Harry, é Luke.

Que bom para você, campeão.

- Hã, tanto faz. Nunca gostei muito do Harry Potter mesmo, quero dizer, quando eu era mais nova até gostava, mas logo comecei a ler...

- Espera. Do que você esta falando?

- Ah, nada. Nada não.

Luke, ou Harry, coçou a cabeça como quem escolhe a próxima coisa a dizer. O encarei impaciente, e, embora quisesse muito sair dali e deixá-lo falar sozinho, continuei parada para ouvir o que  ele tinha a dizer.

- Da para você me desculpar? Sei que fui meio... hã, chato.

- Isso vai fazer diferença para você?

- O que?

- Nada, nada. Eu desculpo você por ser um idiota, esta certo? Ficou feliz agora? Pode sair, quero ler esse livro.

Segurei o livro que estava lendo e o balancei em frente ao rosto de Luke.

- Ei, ei – disse ele afastando-se do livro – você também, não é? poderia ser um pouco mais educada.

Suspirei pesadamente. Aquele garoto estava testando a paciência que eu não tinha.

- Vá embora, Sr. idiota, por favor.

Luke abriu a boca para dizer mais alguma coisa, mas foi interrompido pelo toque estridente da sineta que anunciava o fim do intervalo.


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Notas finais do capítulo

E ai, muito ruim?