– Sam, deixa o laptop aí quietinho e vamos. Amanhã a gente trata disso. Eu quero ver gente viva. Dois banhos e parece que ainda estou cheirando a túmulo.

Sam olha para um pequeno despertador na mesa de cabeceira entre as duas camas de solteiro do quarto de motel. Exatamente 21:03.

– Dean, porque você não dá nome aos bois?  Você não quer ver gente viva. Você quer arrumar uma garota para passar a noite. Mas, acredite em mim, Dean. Vai ser muito mais fácil se você trocar de roupa.

– O que há de errado com as minhas rou .. pas?

Dean se vê no espelho e não acredita no que está vendo.

– Sam, eu estou vestido de MULHER. Como isso pode acontecer?

– Como assim EU ESTOU VESTIDO DE MULHER? Dean, você se veste de mulher desde que tinha 16 anos.

– Eu? Você está dizendo que eu sou um travesti?

– Bem, você prefere dizer é um cross-dressing.

– Eu ando por aí vestido de cowgirl, combinando espartilho com babados, mini-saia preta de couro e bota cano alto de franjinha?

– Geralmente a mini-saia é cor-de-rosa. Dean, o que é isso agora? Está zoando com a minha cara?

– Não. Eu juro que não estou brincando. Aliás, isso não tem a menor graça.

– Dean, você é meu irmão e eu te aceito como você é. Eu respeito suas escolhas. Se é assim que você se sente bem...

– Sam, EU NÃO SOU ASSIM. Acredite em mim. Foi o Trickster.

– O Trickster?

– É, o Trickster. Você sabe de quem estou falando, não sabe?

– Claro, já encontramos com ele duas vezes. Mas você já era cross-dressing muito antes de termos encontrado o Trickster pela primeira vez.

– Sam, conta direitinho a história da minha vida.

– Dean, você está bem? Caiu e bateu a cabeça?

– Sam. Por favor.

– Tá bom. Eu era pequeno, mas lembro bem. No começo, era só quando o pai estava fora, caçando. Você usava calcinha debaixo da cueca. Pintava as unhas dos pés de vermelho. Aliás, como faz até hoje. Depois, passou a dormir de baby-doll. Abandonou de vez as cuecas. Era inevitável que o pai descobrisse. Um dia ele voltou antes do que esperávamos e aí ..

– E aí .. o quê?

– Ele pegou você de baby-doll e te deu uma surra. Eu nunca tinha visto o pai daquele jeito. Ele nunca tinha batido na gente. Na hora, eu tive medo que ele matasse você. Mas você enfrentou o pai. Disse que não podia forçar ele a aceitar, mas que também não ia deixar de ser o que é. Aí o pai disse que você nunca mais chegaria perto de mim.

– Ele me expulsou de casa?

– Não. Ele passou a levar você nas caçadas e a todos os lugares. Ficava o tempo todo de olho em você. Eu ficava longos períodos com o Bobby. Ou com a Ellen. Quando nos reuníamos, eu tinha que dormir no quarto do pai. E, finalmente, para nos afastar, o pai insistiu para que eu fizesse o concurso para Stanford.

– O pai mandou você para Stanford?

– Foi. Eu acabei gostando. Mais ainda quando conheci a Jess. Depois aconteceu aquilo tudo com ela. O pai estava desaparecido. Você foi me buscar em Stanford e aqui estamos nós.

– Nós? Você e seu irmão travesti?

– É. Eu e meu irmão. Ponto.

– Sam, você disse que eu queria sair pra pegar uma garota. Eu pego .. GAROTAS?

– Claro, Dean. Muitas.

– Ufa. Estava com medo da resposta. E eu pego essas MUITAS garotas vestido de cowgirl?

– Não. Claro que não. Geralmente você usa seu charme, leva a garota para o quarto, deixa a garota louca, diz que gosta de umas brincadeiras, sugere trocarem de roupas e só aí você veste a calcinha da garota e fazem amor.

– Menos mal.

– Nem me diga.

– E quando é que eu saio vestido desta maneira?

– Em dias como hoje. Antes ou depois de uma caçada, mas geralmente depois. Antes poderia estragar algum disfarce. Já pensou? A cowgirl que no dia seguinte apresenta um distintivo do FBI e diz que veio fazer uma investigação?

– É, não ia colar.

– E também quando você está a fim de zoar, de arrumar confusão. Porque sempre dá confusão.

– E já aconteceu de eu ter sido preso vestido de mulher?

– Muitas vezes.

– E?

– Sempre alguém perde alguns dentes. Geralmente os outros preferem ficar sem a fama de ter apanhado de uma drag queen.

– cross-dressing.

– Mas costuma ser muito pior quando você é preso vestido de homem e descobrem na cadeia que você está usando calcinha e com as unhas pintadas.

– Nunca aconteceu de .. juntarem dois ou três e .. você sabe .. sabe-o-que-eu-quero-dizer?

– Graça a Deus, até hoje não. Mas, você sabe que vai acabar acontecendo se você não parar.

Dean respira fundo. Precisava de um tempo para absorver tudo aquilo. Parecia um pesadelo. Não era dele que Sam estava falando. Nem mesmo o Trickster podia mudá-lo tão completamente.

– Então somos caçadores?

– Como eu disse, o pai se empenhou muito em treinar você. E você me ensinou muita coisa neste último ano. Você é o melhor.

– Os outros caçadores sabem? Nossos amigos?

– Bobby e Ellen, com toda certeza. Eu não acredito que Ellen tenha contado para Jo, mas sabe como ela é perspicaz. Os outros, eu não sei. Mas, acho que sabem. Acho que todos sabem. E tem aqueles seus OUTROS amigos.

– OUTROS amigos?

– É, outros cross-dressings. O Chris, que é declaradamente gay. Vocês às vezes saem, às vezes se reúnem pra ... cantar.

– Cantar?    

– Ao menos é o que você conta. O que acontece de verdade eu não sei e nem sei se quero mesmo saber. Dean, jura que você esqueceu tudo isso? Jura que não está só zoando com a minha cara?

– Juro. Eu juro que não estou brincando. Aliás, isso não tem a menor graça. Se eu estou sentido alguma coisa é uma enorme vontade de chorar.

– Isso eu acredito, Dean. Você sempre foi tão .. sensível.

– Sensível porra nenhuma. Agora mesmo que eu não descanso até matar aquele desgraçado.

– O Trickster?

– Quem mais? Vamos, Sam. Vamos sair. Vamos atrás do desgraçado.

– Vestido assim?

– Não, claro que não. Eu tenho roupas de homem, não tenho?

– Você normalmente traz duas malas. A de homem é aquela.

– Pronto. 100% masculino.

– Mesmo? Está usando cueca? Colocou o perfume certo?

– Pensando bem ... Não. Eu tirei a que estava usando. Mas escolhi outra e vesti. Foi no automático. Pareceu tão natural. A mesma coisa com o perfume.

– É difícil mudar velhos hábitos.

– Não são velhos hábitos.

– Tá. Sei. O Trickster.

– Sam, ele tem poderes de manipular a realidade.

– Mas nesta escala? Da última vez ele fez um mesmo dia se repetir. Não sabemos se afetou o mundo inteiro. Agora, se isso for verdade, ele mudou toda a história da nossa família e de todos que interagimos durante todos esses anos. Não é possível que ele tenha tanto poder.

– Ou está simplesmente mexendo com nossas mentes. Estamos sonhando isso e o mundo continua exatamente como sempre foi. Ou sou só eu que estou sonhando e você está em algum outro lugar. Ou...

– Dean? Vamos. Não esqueça a cueca.