Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 167
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 36




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Ιρονωηεελ podia ser vista a quilômetros em meio às chamas. A cidade infernal ficava numa imensa planície vulcânica e seus altos muros externos eram circundados por profundas fendas, no fundo das quais rocha derretida borbulhava liberando gases sulfurosos. Era muito comum os gases inflamarem-se e chamas se elevarem acima das muralhas.

As fossas infernais eram uma importante linha de defesa da cidade contra ataques externos. As guerras entre os arquiduques do Inferno não aconteciam a mais de um milênio, mas foram muito freqüentes no passado e nada garantia que não voltassem acontecer no futuro. Havia uma tensão quase palpável no ar. Demônios e condenados estavam inquietos. Pressentiam que algo grande estava para acontecer.

Mas, as fossas eram principalmente um local de punição. Quem chega ao inferno espera ver o cenário de rochas, lava e fogo. E esse cenário existe. Está lá. Espera arder no fogo do Inferno. E assim é. Quem espera arder no fogo do Inferno, arde. Não porque praticou crimes inomináveis. Mas, porque espera que aconteça. Pode até não ser justo, mas é assim.

Passou a ser assim a partir do momento em que foram doutrinados por suas religiões a crer que mereciam o fogo do Inferno por qualquer besteira. A culpa os leva para lá. Patéticos. Os demônios nem se dão ao trabalho de torturá-los. Eles próprios criam as torturas que acreditam merecer. Quando finalmente passam a acreditar que já pagaram uma pena desproporcional ao seu pecado e se absolvem, são transportados para fora do Inferno. A maioria, depois de um longo período de cura espiritual, é admitida no Paraíso, como deveria ter sido desde o início.

Claro que muitos fizeram por merecer a danação. Seus atos justificavam a pena, mas eles próprios não sentiam remorso ou aspiravam à redenção. Estavam ali não porque se auto-condenaram, mas porque sua entrada no Paraíso foi barrada. Ver-se como culpado pode levar ao Inferno, mas ver-se como inocente não abre automaticamente as portas do Paraíso. Eram esses que atraíam a atenção dos demônios, que se reconheciam neles. Eram esses que o Inferno acabaria transformando em novos demônios.

As celas dos condenados foram escavadas nas paredes das fossas. Lá, o calor é insuportável e o ar irrespirável. Uma vez por ano, a lava sobe e cobre completamente as celas e, naturalmente, os infelizes prisioneiros acorrentados ao piso. Ficam submersos em rocha fervente por pouco mais de um dia. O suficiente para que o corpo seja completamente consumido. Nem mesmo os ossos resistem. Não resta nada deles. Nada a não ser dor infinita. O corpo desaparece, mas não a dor. Não a terrível agonia de ser incinerado vivo, de ter os pulmões e o estômago invadidos por rocha derretida e de queimar por dentro e por fora.

Quando a lava desce, o corpo volta a se regenerar. Primeiro, ressurge o esqueleto. Ossos calcinados, ainda fumegantes. Pouco a pouco, esses ossos recobram a cor branca, voltam as cartilagens e a medula volta a produzir células e a vascularizar os ossos. A carne ressurge, inicialmente carbonizada, mas vai ganhando vida de dentro para fora. A dor é constante. É difícil até afirmar com certeza se a dor é maior quando a carne é incinerada ou enquanto é reconstituída.

O processo todo leva quase um ano. Quando a lava voltar a subir, encontrará os corpos dos condenados já íntegros. Então, o processo se repete. Infinitas vezes.

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Eufemo primeiro tentou ganhar tempo com respostas evasivas e mentiras improvisadas. Depois, recusou-se a falar o que quer que fosse. Crowley não insistiu. Já sabia o suficiente. O semideus era de uma ingenuidade inacreditável. Seus silêncios e mentiras infantis já haviam lhe revelado tudo o que queria saber. Eufemo fora derrubado pelas flechas dos nômades, os antigos habitantes de Ιρονωηεελ, e fora deixado para trás pelos companheiros, que continuam acreditando que esteja morto. Os forasteiros não sabem que não existe morte no Inferno. O que quer que Eufemo lhe revelasse sobre o atual paradeiro de seus companheiros seria notícia velha.

Crowley pretendia usar os invasores para desmoralizar Alastair de uma vez por todas. Estava considerando até mesmo a possibilidade de ajudá-los em sua missão de resgate. Não que fosse permitir a fuga de Adam Winchester. Tinha seus próprios planos para ele. Mas, seria muito bom para seus planos que os invasores tivessem um sucesso inicial.

Os invasores eram liderados por um arcanjo. Um arcanjo caminhando livre no Inferno. Quando a notícia vazasse, deixaria o Inferno em polvorosa. Isso elevaria seu prestígio às alturas quando os capturasse e os exibisse indefesos.

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Eufemo se debate desesperado. A lava começa a se derramar sobre o piso rochoso ao qual está acorrentado. Ele já sente o calor que emana da rocha líquida, cada vez mais próxima.

Eufemo fecha os olhos e roga a proteção dos deuses de seus ancestrais. Sente, então, o toque suave e gelado de uma mão feminina em seu rosto. Hécate, a deusa das três faces, aparece sob a forma de donzela. Uma linda adolescente de olhos e cabelos negros, vestida no que parecia ser um pedaço de céu noturno estrelado.

– Deusa! Ouviu minhas preces? Pode me livrar deste tormento?

– Esse não é o meu lugar de poder. Ele responde à vontade de outros. O que vê é a projeção da minha consciência. Não posso interagir com nada que é visto e sentido como sendo sólido neste plano que não é material e onde nada é realmente sólido. Mas, você, mesmo sem saber, está de posse de uma arma poderosa, que pode usar para se libertar.

– Arma?

– Suas roupas. Você se projetou no plano espiritual despido. Suas roupas foram conjuradas no Hades pelo seu companheiro de armas, Palemon. A visão de mundo de Palemon reúne a magia dos antigos com a novíssima magia dos humanos, que eles chamam de tecnologia. Palemon pensa em tecnologia de forma tão natural, que não se deu conta que todos os objetos que conjurou no Hades foram impregnados de tecnologia humana na sua forma mais avançada, a nanotecnologia.

– Ele contou que estava desenvolvendo para a NASA armas microscópicas, robôs microscópicos, os nanobôs.

– As roupas que está vestindo são feitas de nanobôs e respondem a sua vontade. Elas podem assumir qualquer forma. Seu bracelete de couro. Molde-o na forma de chave, abra as correntes e liberte-se.

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Idmon caminhava pelas ruas de Ιρονωηεελ sem chamar atenção dos demônios. Parte era o feitiço de camuflagem. O feitiço fazia que confundissem seu cheiro. Dera certo com as feras infernais e estava funcionando com os demônios de categorias inferiores. Mas não era o suficiente para enganar demônios graduados, para quem os sentidos não eram a única referência. Eram experientes e podiam reconhecer e rastrear energia mística. Além disso, era um forasteiro, Ιρονωηεελ era relativamente pequena e acabaria atraindo a curiosidade dos habitantes.

Idmon tinha séculos de experiência de contatos com demônios, fosse combatendo-os, invocando-os ou exorcizando-os. Embora fosse a primeira vez de corpo presente no Inferno, nada do que vira o surpreendera. Conhecia demônios bem o suficiente para vir preparado para o que ia encontrar.

Em Ιρονωηεελ, podia manter sua verdadeira aparência. Quanto menos magia usasse, menos risco de ser rastreado pelos arquidemônios. Demônios eram originalmente humanos e a maioria mantinha forma humana ou humanóide. Era torcer para que as dolorosas body modifications que implantara em seu corpo cumprissem seu papel. Elas o identificavam para demônios graduados como um ινομινάωελ, um proscrito, um maldito entre os malditos. Esperava que isso mantivesse os curiosos afastados.

Já podia avistar a torre. Era o lugar mais provável para o cativeiro de Adam Winchester se realmente o consideravam um prisioneiro ilustre. O quartel-general do arquidemônio Alastair, mestre inquisidor de Ιρονωηεελ.

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Autólico entrara sem ser percebido pelas .. criaturas, na ausência de um termo adequado .. que guardavam o portão principal. Ser sorrateiro era pré-requisito para ser ladrão. Mas a entrada não tivera nada de discreta. Os guardas foram surpreendidos pela invasão inesperada de milhares de diabretes, que se espalharam em todas as direções e promoveram terrível pandemônio e um quebra-quebra generalizado nas proximidades do portão.

Um único diabrete atravessara a longa ponte e se escondera do lado de fora das muralhas. Os diabretes podiam dobrar de número em uma hora. No início, isso é quase nada. Dois, quatro, dezesseis. Doze horas depois já eram mais de quatro mil. Eram muitos para continuarem passando despercebidos. Foi então que entraram com estardalhaço e continuaram a se multiplicar. Se não fossem detidos, ao final de vinte e quatro horas seriam dezesseis milhões.

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As fossas eram largas chegando a ter mais de um quilômetro em alguns pontos e não menos de cem metros na média. Os portões estavam localizados nos trechos que podiam ser mais facilmente protegidos. O trecho mais próximo das muralhas era levadiço e o trecho central podia ser derrubado, lançando invasores na lava.

Palemon já testara os limites de transformação de seu exoesqueleto e descobrira que eram quase ilimitados. A magia do Hades era forte no Inferno. Ele cria uma ponte reforçada vencendo um quilômetro até a parede externa da muralha. E montando a fera infernal ganha distância e investe contra a muralha no ponto mais desguarnecido.

A muralha desaba e a monstruosa fera invade a área mais miserável da cidade. Como um rinoceronte numa loja de cristais começa a pisotear e destruir tudo em volta.

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Jasão aguardava a uma distância segura, enquanto Zetes fazia o reconhecimento do terreno na cidade infernal. Ele fecha os olhos irritados pelos vapores sulfurosos das fossas por um momento. Quando os reabre, tem diante de si a deusa da noite, na forma de uma velha vestida de trapos, o encarando com os mesmos olhos doces de sua avó.

– Vó? Me diga que não está presa neste lugar horrível.

– Sua avó cumpriu com honra e coragem seu destino e vaga em paz no Hades, o porto definitivo de todos os mortais. Assim como você, Jasão. Você também caminha no Hades, como deve ser. No entanto, uma parte de você se transformou no todo e ganhou uma alma. Uma alma não humana foi transformada em humana e você não imagina quantas leis naturais foram quebradas. O lugar da alma de um ghoul nunca deveria ser o Hades, mas saiba que decidimos reconhecer você como um dos nossos. Portanto, viva sua vida da melhor maneira possível. Ao final dela, o receberemos de braços abertos. Como um verdadeiro homem.

A deusa desaparece e uma lágrima escorre da face daquele que nascera ghoul em uma realidade e morreria homem em outra, muito diferente. 

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Zetes vasculhara cada cômodo da imensa fortaleza onde Alastair reinava supremo. O que viu o revoltou de tal forma que foi difícil para ele não jogar tudo pro alto, revelar-se e tentar dar alívio, mesmo que momentâneo, aos infelizes que eram submetidos ali aos mais pavorosos tipos de tortura. Não importa os crimes que cometeram em vida, ninguém nunca deveria ser submetido a tanto sofrimento. Tudo era revoltante em Ιρονωηεελ. Queria se transformar num tornado devastador e varrer da existência a cidade infernal.

Foi quando viu o caos se instalar quase que simultaneamente em extremidades opostas da cidade. Diabretes, como os que seqüestraram Autólico, e uma fera da espécie que levou para longe Palemon. Coincidência? Não, não podia ser. Era bom demais para acreditar.


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Notas finais do capítulo

16.11.2012



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