REALIDADE #2

02:12 AM, hora local. Ash estava excitado. Informação é poder. Ele adorava a sensação de saber algo que alguém se esforçara muito para manter oculto. Adorava ser desafiado e vencer. Como agora: fora desafiado e se saíra vencedor. Não uma, mas três vezes seguidas. Você não devia ter me desafiado, Sasquatch. Ou melhor, Samuel Campbell Winchester.

Descobrir que Sasquatch não era o agente Jensen Dean Ross fora ridiculamente fácil. Afinal, toda pessoa real tem parentes, freqüentou escolas, ficou doente. As pessoas têm amigos, vão a festas, namoram, casam, pagam contas, tem cartão de crédito, pagam hipotecas. Todo mundo deixa rastros.

Por mais que alguém tente, é impossível apagar a todos.

Existem registros que não podem ser apagados ou alterados por serem protegidos por leis. Podem, no máximo, serem ocultados ou terem o acesso a eles controlado. Estes dificilmente estão disponibilizados na web. Os principais são registros cartoriais e os de muitos órgãos governamentais. Mas, existem exceções: registros escolares e de órgãos profissionais, processos judiciais, registros policiais e de infrações de trânsito. Estes estão na rede e tem acesso franqueado aos interessados. Para um hacker, é como se fossem livres para consulta.

E existem os gigantescos bancos de dados de prefeituras, concessionárias públicas, bancos e instituições financeiras, seguradoras, operadoras de cartões de crédito, vendas on-line e, mais recentemente, as redes sociais. E, claro, os dos órgãos ligados à segurança nacional. Protegidos por barreiras e por criptografia. O acesso a todos estes está limitado apenas pela capacidade do hacker.

Partira da informação mais básica que dispunha, além do nome e de saber ser ele um federal. Jensen Dean Ross nascera em Dallas.

Foi fácil descobrir que Jensen freqüentou a Dartmouth Elementary School em Richardson, cidade que, na prática, é um subúrbio afluente de Dallas. Seu nome consta da relação da Secretaria de Educação do condado. Sabendo disso, não foi difícil obter uma foto de Jensen com quatro anos. Por mais que tenha mudado, era fácil constatar que Sasquatch nunca fora aquele menininho louro.

Jensen teve uma namoradinha em 1996, no seu último ano no L. V. Berkner High School, e, em 2007, ela postou diversas fotos dos dois num site de compartilhamento de fotos. Nelas, as feições do homem que ele é hoje já seriam reconhecíveis, o que só confirmou o que já sabia: Sasquatch era um farsante.

Isso dava sentido à pergunta QUEM SOU EU NA VERDADE?. Já sabia quem ele NÃO ERA. Faltava saber quem era o homem que assistia suas palestras. E não ia descobrir isso investigando a juventude do verdadeiro Jensen Ross.

A questão fundamental era: o verdadeiro Jensen Ross sabia que havia alguém se passando por ele, naquele momento, dentro de um escritório do FBI? Se ele sabia, não era o único a saber. Alguma instância do FBI teria que ter conhecimento e dado aprovação para aquela farsa. Tinha que ser algo relacionado a algum caso que Jensen estivesse envolvido naquele momento ou, pelo menos, muito recentemente. O impostor teria que ser também um agente. Essa era a segunda pergunta a ser respondida. Você é um federal, Sasquatch?

Não lembrava de ter visto Sasquatch circulando no prédio antes do curso. Não que prestasse atenção em homens, mas Sasquatch era um tipo que chamava a atenção pelo tamanho.

Embora a foto de Jensen Ross - e também informações que permitiriam que fosse rapidamente rastreado, como endereço e nome dos pais - não aparecesse na sua ficha funcional, ela existia e podia ser acessada. Se Sasquatch fosse um agente, existia igualmente uma ficha e, na ficha, um nome.

Sasquatch, fosse quem fosse, estava hospedado – ou morava – em algum lugar da cidade. Se estava em um hotel ou equivalente, dificilmente escolhera um a mais de 40 km do prédio do FBI. Em qualquer outra cidade, sua aposta seria menos de 10 km, mas, em Los Angeles, grandes deslocamentos eram a regra e não a exceção.

Sabendo do horário aproximado de entrada e saída do prédio, talvez conseguisse rastreá-lo através das câmaras de controle de trânsito da prefeitura e das câmaras de controle de entrada e saída do prédio do FBI. O curso se iniciara na segunda-feira da semana anterior. Tinha, pelo menos, oito dias de registros. Se desse a sorte de descobrir a placa do carro que Sasquatch usava nos seus deslocamentos e fosse um modelo novo, talvez tivesse GPS. O GPS do celular era outra alternativa. Mas precisava do número.

Acompanhando o registro das câmaras do saguão de entrada do prédio do dia de início do curso, descobriu que Sasquatch permanecera no prédio por um tempo muito maior do que seria esperado se estivesse apenas assistindo ao curso. Saíra do prédio exatas quatro horas e quarenta e um minutos depois de terminada a última aula.

Ash perdera um tempo enorme na véspera olhando as gravações, mas sabia que agora que tinha identificado o horário exato que ele passara o crachá eletrônico na roleta podia obter o código de identificação daquele cartão; e, então, rastreá-lo eletronicamente.

19:23. Ash entra na rede disposto a só levantar da cadeira depois de resolver o terceiro desafio.

19:58. Surpresa. O cartão registrava o horário correto de entrada, mas falsificava o horário de saída. A acreditar nos registros do crachá, ele nunca permanecia mais de vinte minutos depois de terminadas as aulas do dia. Mas, não era isso que as câmaras mostravam. Ele ficava no prédio de quatro a seis horas além do horário registrado. Isso não era só estranho, era tremendamente suspeito. O homem não podia estar bem intencionado.

21:16. Ele não estacionara no gigantesco estacionamento em frente do prédio ou não usaria aquela entrada do prédio. Havia três outros estacionamentos na vizinhança. Pela direção que tomava ao deixar o prédio, as alternativas se reduziam a duas. Em ambas, como por toda cidade, havia câmaras de segurança. O estacionamento da Wilshire Boulevard, com entrada pela Kinross Avenue. A essa hora, o estacionamento está quase vazio. Agora é só esperar. Bingo. O carro, um Toyota 2007, e a placa bem visível. Pelo jeito, vai pegar a Wilshire Boulevard.

22:28. Como imaginara, o carro estava alugado em nome de Jensen Dean Ross. O endereço residencial fornecido era, na verdade, de uma loja, a Wetzel's Pretzels, no centro comercial NorthPark Center, em Dallas. O carro fora retirado há duas semanas no Aeroporto Van Nuys. Pagamento com cartão de crédito, também em nome de Jensen Ross, 'cujo número é .. este .. aqui. O endereço para envio da fatura do cartão é de Palo Alto. Universidade de Stanford. Interessante.'

Sabia que Sasquatch almoçava no restaurante do próprio FBI, como a maioria dos participantes do curso. Prestara atenção a isso na véspera. O homem comia o dobro da porção média. Duvidava que o almoço fosse sua única refeição diária. Provavelmente saía para jantar. Se utilizasse cartão de crédito, descobriria a região onde estava hospedado.

22:54. O carro não tinha GPS. Muito azar.

23:35. 'American Express. Humm! Aqui. Opa! Aqui está. Downtown. Na região do Los Angeles Convention Center. South Flower Street. South Great Avenue. Muitos hotéis na região, mas aposto que você não é gastador. Vejamos. Hotéis econômicos. Milner Hotel. Vejamos. Vejamos. Bingo. Quarto 503. Mr. Ross, Jensen.'

'Uma informação útil, mas não avança na questão da identidade. Tentemos outra abordagem. Onde você esteve no fim de semana, Sasquatch?'

'Sem gastos de restaurante no sábado. Apenas a sorveteria Soda Jerks no Pier de Santa Monica no final da tarde de sábado. Interessante. Se eu conseguir uma imagem de uma das câmaras da região. Aqui. Esta dá uma boa visão panorâmica e pega a sorveteria. O pagamento foi feito às 16:09. Avançando a fita. Aqui. Ah! Finalmente. E quem seria esse lindo garotinho? Seu filho? Papai e filhinho num momento de lazer?'

'Mais perto. Não há dúvida, é você mesmo. Mais perto. Mais perto. Congela. Ótimo.'

'Um close e, com um programa de identificação facial pirateado do FBI, mais os arquivos da Secretaria de Educação do condado de Los Angeles ... Não. Não. Este. Benjamin Winchester Braeden. Filho de Luke Sampson Braeden e de Diana Campbell Winchester. É você, Sasquatch? Luke Sampson Braeden é você?'

02:10 AM. 'Luke Sampson Braeden. Advogado formado em Stanford em 2004. Não, não é você. Diana Campbell Winchester. Advogada formada em Stanford. Mesmo ano. Colegas de turma que se apaixonaram e casaram. E qual a sua relação com eles, Sasquatch? Alguém muito próximo para lhe confiarem o filho. Parente? Um amigo do casal, talvez. Um amigo de muitos anos. Vejamos se você estava na festa de formatura do casal. Stanford, Direito, turma de 2004. Bingo.Te peguei, Sasquatch. Você e Diana, todo sorrisos. Você tem um sorriso bonito. Devia sorrir mais vezes. Formatura fechada com lista de convidados. E entre os convidados de Diana, o irmão Samuel Campbell Winchester. Sasquatch, essa sua irmãzinha é de parar o trânsito. Se não fosse casada, me candidatava.'

– Quatro horas ontem. Mais seis horas e meia hoje. É, Sasquatch. Samuel. Sammy. Você me deu uma canseira de mais de dez horas, mas peguei você. Agora que sei o seu nome, eu descubro até a cor da sua cueca.

02:14 AM. Quando a porta do quarto abriu, Ash não deu importância. Sua mãe às vezes acordava e, vendo que ele estava no computador, lhe trazia um lanche. Depois repetia o eterno chavão de que ele não devia dormir tão tarde, lhe dava um beijo no alto da cabeça, dava boa noite e ia dormir.

Ao escutar a porta sendo trancada a chave, Ash se vira, ainda sorrindo da própria esperteza. E gela quando vê quem está de pé no quarto com uma expressão indecifrável no rosto e com uma arma com silenciador na mão direita apontada para a sua cabeça.

– Sasquatch ?!