Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 120
sete vidas epílogo vida 6 prólogo




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REALIDADE #4


BENJAMIN


– Benjamin!

– Gabriel, você? Esse lugar .. Eu estou sonhando?

– Você está dormindo, mas isso não é propriamente um sonho. É a forma que eu encontrei para falar novamente com você.

– Eu agora me chamo Mark Lawson. Eu acordei neste corpo logo após nosso último encontro.

– Isso foi uma total surpresa para mim. Tanto o fato de sua alma ter animado o corpo de um recém-morto quanto a este corpo ser exatamente o de Mark Lawson.

– Não entendi. O que Mark Lawson tem de especial?

– Os Mark Lawson da maioria das realidades, entre eles ESSE você se tornou, tem uma particularidade que os torna únicos na espécie humana. Uma mutação que lhes confere total imunidade a um vírus com potencial de extinguir a humanidade. O vírus Z, que afeta o cérebro e destrói todas as referências afetivas e emocionais anteriores do infectado, ao mesmo tempo em que desperta neles uma fome insaciável. De alguma maneira, o corpo infectado reconhece a carência de um tipo específico de neurotransmissor e busca suprir essa carência devorando a única fonte disponível da substância: a massa encefálica de outros humanos. Esse neurotransmissor é destruído pelo vírus logo após a infecção e sua ausência no organismo é responsável por muitos dos comportamentos exibidos pelos zumbis.

– Zumbis?

– Sim. Em linguagem popular: a doença transforma os infectados em zumbis canibais.

– E o que você espera que eu faça?

– Benjamin. Mais uma vez eu preciso de você para salvar o mundo. Não este aqui. Aqui a sua missão está terminada. Um outro, muito parecido com este em diversos aspectos, mas diferente em pontos essenciais no que diz respeito a você. Neste outro mundo, nem você nem nenhum de seus parentes jamais existiu. Mas, lá também existe um Mark Lawson. Um Mark Lawson que está condenado a morrer. Você terá apenas 24 horas para mudar esse destino e salvar o mundo.

– E eu tenho alternativa?

– Tem. Ao acordar, vai encontrar um cordão idêntico àquele que, muitos anos atrás, você entregou a seu tio Sam, para que ele presenteasse seu pai, Dean. Se resolver aceitar essa nova tarefa, apenas coloque o amuleto em torno do pescoço.

– E tudo vai terminar bem?

– Não sei. Vai depender exclusivamente de você, Benjamin.

Ao acordar, sobressaltado, Benjamin passou bastante tempo simplesmente olhando para o cordão com o amuleto pousado sobre a mesa de cabeceira. Reparou que o rádio-relógio digital apresentava os números do display na cor azul. Podia jurar que sempre fora na cor verde. Levantou e foi tomar um banho. Afinal era dia de treino, e Owen e Kyle passariam para pegá-lo em quarenta minutos.

Ao sair do banheiro, ainda secando os cabelos com uma toalha, Benjamin tecla o número do celular de Owen, enquanto pensa: ‘Dane-se. Sempre detestei esses treinos mesmo.’

– Owen, acordei você? Eu não vou ao treino. Mas, o eu queria mesmo dizer é que ... obrigado por tudo. Valeu mesmo, amigão.

E, desligando o celular antes de escutar a resposta, completa em pensamento: ‘Seja muito feliz, meu amigo. Você merece.’

Benjamin se veste como se o dia que teria pela frente fosse ser um dia como qualquer outro, muito embora ele tivesse a certeza absoluta de que não ia ser. Coloca a jaqueta com o EOU, da Eastern Oregon University, estampado nas costas, o relógio de pulso, se ajeita em frente ao espelho, respira fundo, e, decidido, coloca o cordão no pescoço e joga o amuleto para dentro da camisa, de encontro à pele.

– Estou pronto, Gabriel.


E, então, Mark Lawson, nascido Benjamin Winchester, deixa para sempre a realidade que criou 25 anos antes. Se sobrevivesse, teria que começar novamente do zero. Mas isso não o assustava. Afinal, ele era um Winchester, e não tinha medo de nada.

Amanhecia em La Grande e a luz do sol, ao invadir o quarto, o encontrou vazio. Dean Winchester, o poderoso deus da luz, jamais descobriria o destino final de seu filho Benjamin.



GABRIEL


Gabriel sabia que não tinha o direito de pedir mais nenhum sacrifício a Benjamin Winchester. E, no entanto, o faria entrar de cabeça, e sem nenhuma preparação, numa guerra em que os mortos eram imediatamente recrutados para o exército inimigo. A mera visão de pessoas sendo destroçadas e devoradas vivas era um trauma do qual poucos saíam incólumes. O espanto e o horror paralisavam a maioria, que não tardavam a se tornar as próximas vítimas. Vítimas que logo passariam à condição de algozes. Um ciclo que só se interromperia quando o último infectado morresse de fome, por falta de novas presas.

Fugir. Até onde? Até quando? Em que direção? Ninguém estava salvo em uma epidemia zumbi. Cada vez haveria menos alternativas e, mais cedo ou mais tarde, apareceria um beco sem saída. Ninguém foge para sempre da morte.

Gabriel se forçava a pensar que o que fazia era visando um bem maior. Tinha uma esperança redobrada de mudar o destino trágico daquela realidade. Se falhasse, lhe restaria conviver com a culpa de ter arrastado Benjamin a um destino horrível e de, após tantas promessas, ver negada à sua alma seu prometido lugar no Paraíso. Porque a chance de Benjamin perecer era muito grande e o destino final dos zumbis não é o Céu.

Benjamin Winchester era um ser único no multiverso. O produto de um paradoxo temporal. Um homem que não deveria existir. Suas ações não estavam escritas no Livro do Destino. E, contra todas as probabilidades, ele se tornara Mark Lawson, outro ser humano único. O homem em cujo sangue existia o potencial para salvar a humanidade da ameaça que despontaria em menos de 24 horas. Benjamin era sua melhor aposta como arma contra o vírus Z.

Mark Lawson estava condenado a morrer jovem em todas as realidades. A morrer sem deixar descendentes. A não transmitir sua dádiva ao resto da humanidade. E ele, Gabriel, tinha sido o responsável por isso. Fora ele, e suas versões de outras realidades, quem condenara Mark Lawson à morte em todos os mundos.

O destino dos Mark Lawson fora resultado da sua desesperada tentativa de alterar o destino de sua própria realidade. Sua realidade de origem, onde levava a sério sua missão de arcanjo protetor da vida. Mas, falhara miseravelmente, e seu mundo morrera poucos dias depois do primeiro homem manifestar os sintomas da praga zumbi.

Na sua ânsia de salvar a humanidade, tomado pela ira, Gabriel não interpretara corretamente os fatos. Não percebera que Mark Lawson era, ao mesmo tempo, os dois lados da moeda. Era a doença, mas era também a cura. A única esperança de cura.

Mark Lawson, um garoto de quatorze anos, fora seqüestrado, um ano antes, em sua casa, na cidadezinha de Tuscaloosa, no Alabama, e levado para o centro de pesquisas secreto da multinacional Niveus Pharmaceuticals, na cidade de Chicago.

A Niveus se tornara a base de operações dos agentes de Lúcifer. Os demônios que se apossaram dos corpos dos cientistas que ali trabalhavam tinham um objetivo muito bem definido: transformar aquele garoto na mais terrível arma biológica que já se tivera notícia.

Eles inocularam na medula do garoto o vírus causador de um flagelo há muito extinto. Extinto junto com toda uma classe de marsupiais que habitou a região da Tasmânia no final do período Cretáceo. Esses marsupiais, semelhantes a camundongos, foram vítimas da versão original da praga zumbi. Na ocasião, a barreira entre espécies quebrou a cadeia de transmissão da infecção e a epidemia acabou quando o último daqueles marsupiais morreu.

Vírus não são propriamente seres vivos, embora se comportem com tal quando infectam um organismo vivo. Fora de uma célula viva, são inertes. Podem permanecer inativos por semanas, meses, anos. Mas dificilmente se manteriam íntegros por milhões de anos.

Não, não aconteceu de forma natural. Também não seria esperado que um mesmo vírus fosse capaz de atacar espécies tão diferentes. Nunca aconteceria sem a aplicação de técnicas avançadas de engenharia genética. Sem a participação ativa de um verdadeiro especialista na arte de criar novas e elaboradas doenças: o imortal Cavaleiro do Cavalo Branco, Peste.

Peste já caminhava pelo mundo muito antes do primeiro hominídeo se diferenciar do primata primitivo que evoluiria para gerar os atuais chimpanzés e bonobos. Já manipulava formas de vida inferiores – vírus, bactérias, protozoários e fungos – para aperfeiçoá-los e diversificá-los. Para garantir-lhes novos habitats e novas fontes de alimento. Fosse parasitando, fosse vivendo em simbiose com organismos mais complexos.

Sua missão começara com o surgimento do primeiro ser vivo. Criara viroses para infectar as primeiras bactérias. Vírus e bactérias para atacar os recém surgidos protozoários e fungos. Vírus, bactérias, protozoários e fungos especialmente projetados para debilitar e matar desde pequenas plantas até gigantescos sáurios. Uma tarefa sem fim, que Peste tinha prazer em realizar.

Peste era um mal necessário, um agente da evolução. Sua missão, assim como a de seu irmão Guerra, era eliminar os mais fracos e aperfeiçoar as espécies.

O vírus Z era, ao mesmo tempo, uma obra-prima e um fracasso. Era tão eficiente que não deixava nenhum sobrevivente para perpetuá-lo. Mas, agora, os tempos eram outros. O alfa dava lugar ao ômega. O anunciado fim dos dias se aproximava. E o vírus Z era o arauto perfeito para o Apocalipse.

Peste daria ao vírus uma merecida segunda chance. E, desta vez, não seria com uma espécie menor. Seria com a espécie dominante do planeta, a que atualmente ocupava o topo da cadeia evolucionária. Sua reestréia não aconteceria numa floresta perdida nos confins do mundo. Não, seria sob os holofotes da midia na cidade símbolo da civilização atual: Nova York. O horror em horário nobre.

É na medula óssea que os principais componentes do sangue – hemácias, plaquetas e leucócitos – são gerados pelo organismo. O vírus Z foi ativado e sofreu uma mutação induzida no corpo de Mark Lawson. Cada gota de seu sangue tinha potencial para infectar mil pessoas.

Mas o vírus precisava ser atenuado para que não se manifestasse imediatamente depois de inoculado. Ou, não se espalharia tanto quanto poderia.

A estrutura logística para a tarefa de extermínio já existia. A Niveus Pharmaceuticals produzia derivados de sangue e os distribuía no mundo inteiro. Não foi difícil fazer um lote especial de produto chegar ao mesmo tempo a hospitais e clínicas de todos os grandes centros. O tempo de incubação do vírus fora ajustado para 18 horas. Turistas e homens de negócios foram escolhidos como alvos preferenciais. Demônios no corpo de enfermeiros garantiram que se tornassem agentes involuntários da Peste e da Morte. Estava feito. O destino do mundo fora selado. Agora era apenas uma questão de tempo.

Mark Lawson fora aguardado ansiosamente por milênios. Peste precisava de uma fábrica viva. Um humano com imunidade natural ao vírus. Sem alguém assim, o infectado morreria muito antes de desenvolver a concentração desejada de vírus no sangue. Para obter a quantidade necessária de sangue contaminado, a operação teria que ser repetida muitas e muitas vezes. Seria trabalhosa e demorada. O Apocalipse demandava eficiência industrial.

Gabriel ao ver os terríveis efeitos da infecção e assustado com sua rápida disseminação, buscou um receptáculo e invadiu pessoalmente o centro de pesquisa da Niveus destruindo tudo pela frente. Em sua ira, não fez distinção entre inocentes e culpados, nem entre humanos e demônios. Matou todos os que se puseram em seu caminho rumo à fonte da infecção. E, por fim, incinerou vivo o infeliz Mark Lawson, indiferente ao fato do rapaz torturado ser apenas outra vítima inocente da operação demoníaca.

Seu receptáculo desta realidade fora o próprio presidente da Niveus Pharmaceuticals, Tyson Brady. Ocupara o corpo após desalojar o arqui-demônio Asmodeu que o estava possuindo e mandá-lo em chamas de volta para o Inferno.

Mas era tarde demais para deter o processo. A praga já se espalhara por todo o mundo. Não havia mais tempo para desenvolver uma vacina ou um remédio. Mark Lawson morrera e a chave para a descoberta de uma forma de barrar a ação do vírus em um organismo saudável morrera com ele.


Sem que o arcanjo soubesse, naquele exato momento, aquela cena se repetia com variações em outras doze realidades. Isso desencadeou uma reação em cadeia que Gabriel não conseguiu reverter, por mais que tentasse. A morte prematura, em todas as demais realidades, nos mais diferentes contextos, de Mark Lawson.


Benjamin ocupara o corpo do Mark Lawson da realidade #4 logo após sua morte. O Mark Lawson da realidade #6, para a qual fora transportado, ainda não tinha morrido. Ainda. Mas estava destinado a morrer em menos de 24 horas. Se morresse com Benjamin no comando do corpo, Benjamin o acompanharia em seu destino.


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Notas finais do capítulo

29.10.2011
No título revisado (13.11.2011) fica claro que esse capítulo, iniciado na realidade #4, está ligado à trama que vai definir o destino da realidade #6



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