EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 8
Segundo Ato.




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Os mortos só podiam falar pela boca dos que ficaram e pelos sinais que deixaram espalhados para trás.

Robert Galbraith

O Chamado do Cuco

Apesar de eventualmente ter conseguido dormir depois da improvável visita do próprio Batman em carne, osso, músculos e assustadora máscara, Britta acordou mais uma vez péssima e muito mais cedo do que o necessário. Depois de reviver dolorosas memórias e chorar tantos, era de se esperar a enxaqueca que lhe martelava a têmpora direita. Se perguntava quantas visitas inesperadas e indesejadas teria até finalmente ter um surto.

Ainda faltavam duas horas para seu despertador tocar, duas horas para sua segunda-feira começar, mas não conseguiu voltar a dormir. Tomou um analgésico e voltou a se deitar. Quando fechou os olhos lembrou de Kevin e como quem evita um pesadelo abriu os olhos novamente. 

‘’Isso você pergunta a ele.’’

Ela havia esquecido aquele passado tão bem que ainda não entendia como se sentia em relação a seu irmão criminoso e, aparentemente, perigosamente instável mentalmente. A ideia de ir ao Asilo Arkham visitá-lo era tão louca para Britta quanto o pensamento de que ele estava tão próximo. 

— Não… —  gemeu manhosa massageando os olhos e se espreguiçando na cama feito criança.

Que mal faz?

— Isso é tudo passado! Não importa mais! — respondeu ao pensamento. 

Olhando o relógio viu que não haviam se passado nem mesmo vinte minutos desde que acordou e tomou o analgesico. Aparentemente o tempo decidiu lhe torturar também. Só queria ir trabalhar, distrair sua mente com as novidades do projeto em que agora fazia parte e acima de tudo: se livrar do maldito pendrive. De bônus tinha uma desculpa para ver Lucius Fox novamente. 

Aquele dia tinha tudo para ser animador e emocionante e, no entanto, se sentia em algum tipo de pesadelo. Pensou em Gordon e na possibilidade dele divulgar o caso do seu sequestro para a mídia que com certeza a associaria ao massacre de 97. O que Ethan faria? O que Lucius Fox diria? Só podia torcer pra que nada disso vazasse, não naquele momento tão importante de sua carreira. No geral, Britta sempre gostou do silêncio, da discrição e o quanto é possível se conquistar dessa forma. Detestava a invasão de privacidade de ter o holofote sobre si.

Com o passar das horas a dor aliviou, mas já em seu escritório, sua cabeça continuava fervilhando de preocupações em torno do Coringa, a polícia, Ethan, Lucius e Kevin. Como chegou àquele ponto, era o que se perguntava. Como deixou aquilo acontecer?

— Tá se fazendo de surda? — o grito a fez pular na cadeira.

— Como é? — perguntou irritada ao narigudo que tinha os olhos arregalados de incredulidade.

Estava tão no automático e mergulhada em suas preocupações que foi como se tivesse sido abduzida da cama para o escritório. A presença desagradável de Pine lhe acordou bruscamente para a realidade.

— Eu estou te chamando a algum tempo… —  Patrick Pine tinha as mãos apoiadas ao quadril, sua coluna curvada para frente, o terno desajeitado tornando sua imagem mais desagradável aos olhos de Britta. — …Mas parece que você está no mundo da lua! 

— Senhor Pine — agora ela encarou as entradas no cabelo ralo e castanho do homem à sua frente —, como te ajudo essa manhã? — sorriu educadamente ao vê-lo ajeitar os fios, desajeitado e desconcertado com a encarada de Britta naquela região do seu cabelo. 

— Bem… — voltou a falar mais contido. — Eu estou esperando os contratos do acordo com Jun Wei a mais de uma semana…

— Entendo, mas eu tive um pequeno contratempo que me impediu de concluir…

— Cê tá brincando né!? — a interrompeu com a voz mais aguda novamente. — Você teve uma semana e ainda tirou um dia de folga que eu fiquei sabendo… — Apontou-lhe o dedo acusativamente. — … e não pode fazer seu trabalho?

— Senhor Pine, eu vou pedir que se retire da minha sala, por favor — resolveu abrir o lacre do envelope que recebeu aquela manhã.

— Como é que é?

— O trabalho que o senhor me atribuiu não me compete e eu acredito que o senhor é profissional o suficiente pra saber de quem é a responsabilidade dessa tarefa.

— Mas você é uma…

— Excelente profissional — Lucius que ouvia parte da conversa do lado de fora surpreendeu a Pine e Britta que tinham expressões faciais bem diferentes ao perceber sua presença. — Patrick — cumprimentou o homem de rosto vermelho tamanha a vergonha.

— Senhor Fox, quanto tempo — lhe ofereceu a mão para um aperto que foi prontamente ignorado.

— Agora nos dê licença, por favor — Lucius passou por ele entrando e se direcionando a Britta que estava agora de pé. 

— Desculpa por isso — Britta se desculpou assim que Pine fechou a porta atrás de si.

— Não tem do que se desculpar — assegurou, a tranquilizando. — Vejo que já recebeu seu contrato. — Apontou para o contrato com numerosas folhas que ela tirou do envelope. — Pelo visto o jantar correu bem — sorriu simpático.

— Pra falar a verdade, com a visita do senhor Pine foi impossível lê-lo — respondeu sem graça pensando imediatamente no Batman a prensando contra a parede, o sorriso maldoso de Kevin, reflexo de suas verdadeiras preocupações. 

— Está tudo bem? — Lucius a olhou preocupado. 

— Sim! — sorriu apontando o assento à sua frente como um convite para ele se acomodar. — Realmente o jantar foi muito bom, mas devo dizer que seria muito melhor se pudesse ter participado também — falou sinceramente enquanto ambos se sentavam.

— As coisas acontecem como tem que acontecer — pausou por um breve momento e voltou a falar ainda mais tranquilo. — Nós planejamos tanto as coisas que não imaginamos como o acaso pode fazer mais sentido. 

Britta podia chorar naquele mesmo instante. Havia algo familiar e reconfortante na forma que Fox falava. Era como se ele soubesse tudo que estava se passando em sua cabeça e em sua vida e que mesmo assim tudo ficaria bem e talvez, aquelas eram o tipo de palavras que Britta precisava, o tipo que nunca teve de nenhuma figura paterna ou materna.  

— Sim, assim espero — Lucius observou o certo desânimo com o qual a moça falou.

— Está tão preocupada assim com esse projeto? 

— Não, não, não! — negou energeticamente. — Por favor, não entenda mal, me desculpe se passei essa ideia. Eu estou extremamente grata pela oportunidade e não vejo a hora de fazer parte disso… Só em saber que não vou ter que ver a cara do  Sr.Pine com tanta frequência, já fico muito aliviada! — riram.

— Eu é que me desculpo. Você é tão dedicada e profissional que fica fácil esquecer pelo que passou a poucos dias atrás…

E nessa madrugada também…O PENDRIVE!

— Obrigada, eu realmente só tenho a agradecer… — Falou organizando em sua cabeça como iniciaria o assunto do pendrive. — Eu não sei como explicar melhor a situação… — Fox a observou mudar de assunto. — ...Mas tenho um documento para lhe entregar. Veio de um setor com o qual não costumo trabalhar muito, acredito que tenha sido engano, o senhor me parece a melhor pessoa para lidar com isso…

— Um documento? — o olhava curioso.

Britta se levantou e foi até sua bolsa de onde tirou um envelope para folha A4 onde o pendrive estava. Colocou o envelope entre dois volumes de documentos não importantes e rascunhos e se dirigiu até o diretor que se levantou para receber o volume de papéis. 

— Soube que são de extrema importância — ela o olhou nos olhos esperando que não lhe fizesse perguntas, sabia que não era seguro.

Lucius, que por outro lado sabia muito bem do que se tratava, recebeu o bloco de papel impressionado com a criatividade da moça embora estivesse claramente nervosa e ansiosa. 

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Sejam muito bem vindos a mais uma live do Ratão! Já vamo subindo a hashtag da noite, #QuemmatouMachin

Destacada no layout escuro do site Bueiro de Gotham, era possível ver a figura do influenciador digital conhecido pelo uso do filtro de rato que lhe cobria todo o rosto. Claramente jovem, o rapaz falava alto e energeticamente.

É o seguinte! Quem ainda não se inscreveu no canal do Bueiro, tá perdendo conteúdo exclusivo! A gente acabou de lançar um vídeo direto das ruínas da Mansão Wayne! Tá ou não tá mal assombrada?

A thumbnail do vídeo foi colocada por um instante, onde era possível ver a imagem de alguma mansão que parecia ter saído de um filme de terror clássico. 

Enquanto a galera chega, deixa eu esclarecer que hoje não vai ter debate…A live de hoje é para ver se vocês me ajudam a entender que merda a DPCG, nossa querida Polícia, tá fazendo com todo o recurso que o tio Gordon liberou? COÉ MINHA CAPITÃ HILL!!

E então surgiu na tela um desenho cômico do Comissário de quatro no chão beijando os pés do Batman. Enquanto isso, a quantidade de audiência foi crescendo cada vez mais e o chat se encheu de comentários instantâneos. 

Pois é chat, fiquei sabendo desse novo traje do Batman, tá pra sair um vídeo no canal sobre isso…Segue no canal, já falei! Ow @Palhacinha_xoxo para com essa merda de que esse Batman é impostor, toda live cê fala isso, a enquete do sábado retrasado decidiu que é o homi mesmo e é isso, ESSA É NOSSA VERDADE AQUI NO BUEIRO! — gritou de repente batendo na mesa. — Morcegola tá de volta e é isso minha filha, aceita! Vamo lá, vamo lá, 10  mil pessoas com a gente… 

Passando os olhos no chat, os inúmeros comentários subiam em uma velocidade que tornava difícil de acompanhar. Mas Ratão, bem como os outros responsáveis pelo site estavam acostumados com a audiência sempre volumosa, fosse no site, nas lives ou nas outras redes sociais. Com o tempo, Bueiro de Gotham deixou de ser um simples site de fofocas sensacionalistas para se tornar um lugar em que os gothamitas, sobretudo os mais jovens, traumatizados pelo repentino golpe sofrido a 6 anos atrás, se reuniam para se informar e confabular os recentes e mais importantes acontecimentos da ilha. 

— Boa pergunta @Faizopix, o povo quer saber! Quem matou Kirah Machin? SOBE ELA, SOBE A HASHTAG #QuemmatouMachin ! Logo, logo vai sair uma matéria no site, nossa equipe investigativa jornalística tem fontes apontando para o Coringa, mas é a sua opinião que importa! E aí chat, que que cês acham? #QuemmatouMachin, vou lançar a enquete…Logo mais, Bueiro de Gotham vai fazer a cobertura das manifestações que tá tomando conta das ruas… 

— Você recebeu um donate de 20 dólares de @Palhacinha_xoxo o áudio com voz automatizada surgiu de repente.Coringuinha jamais machucaria nossa diva Kirah, deixa o Coringa fora disso!

— Porra @Palhacinha_xoxo!! — e desatou a gargalhar enquanto o chat ficou ainda mais movimentado com a mensagem. —  Você e suas fanfic com esse corno, vou te banir das live de novo, sua maluca! 

>>

Se tinha algo que deixava o detetive John Blake feliz era sair da delegacia e fazer um bom trabalho de campo. Detestava como o trabalho de detetive muitas vezes digitar relatórios no computador que aventuras nas ruas. Além do mais, detestava ter que suportar a cara azeda da Capitã Hill. Em sua nova pista no caso do Coringa e Britta Ledger/Lena Miller, como em qualquer investigação, era melhor começar pelo início e nesse caso o início era em uma das muitas ruas do Narrows. 

Era uma manhã chuvosa e cinzenta, era de se esperar que não tivesse ninguém nas ruas molhadas e lamacentas. Depois de passar por alguns becos largos, encontrou uma rua que se abria em formato redondo, as casas ficavam todas muito próximas. Não foi difícil encontrar a antiga casa dos Millers, se destacava por ser a mais estreita de todas e com três andares parecia um desafio à física. 

Era basicamente um bangalô tradicional americano, com exceção que tinha andares acima. As paredes e estruturas de madeiras estavam gastas e não tinha subsolo. Apesar da aparência triste e decadente, havia vasos pequenos com plantas, todas muito bem cuidadas deixando óbvio que de fato morava alguém ali.

John bateu na porta vezes o suficiente para precisar usar sua voz para chamar atenção de qualquer um que estivesse ali dentro, já que não havia botão de campainha. Pela cortina da única janela não era possível ver nada e todas as vezes que se afastou para olhar as janelas dos andares acima, não viu ninguém.

— Alguém em casa? —  tentou uma última vez.

— Ah! Vocês crentes são insistentes demais! — ouviu a voz aguda e trêmula de uma idosa ao longe e se virou para ver quem era. — Não está vendo que não tem ninguém? — Olhando para cima, a três casas distante, encontrou uma senhora de cabeleira branca lhe olhando feio da janela no segundo andar de sua casa. — As pessoas têm trabalho e as crianças vão à escola!

— Bom dia, senhora — John que achava graça da situação sorriu andando em direção a sua casa. — Não vim essa manhã com o objetivo de tentar converter ninguém — assegurou. — Me chamo John Blake, acredito que possa me ajudar. 

Não demorou muito para a sua ofensora lhe receber na porta, muito mais por curiosidade ao saber que se tratava de um policial. Blake ignorou o fedor de cigarro que saía da casa da senhora Wilson e com a maior discrição que pode perguntou se ela conheceu algum dos moradores antigos daquela casa.

— Os Millers? 

Ela não podia conter seu ânimo, com certeza tinha muito o que falar sobre os Millers e apesar de provavelmente já ter falando muito do assunto com muita gente, estava mais que disposta a contar tudo de novo. Blake conhecia aquele tipo de pessoa. 

— Não quer entrar? — sorriu largo com a repentina hospitalidade.

A casa era pequena, com móveis de madeira boa e louças bonitas onde a maioria provavelmente nunca foi usada antes, seguindo o estereótipo da maioria dos idosos as cores giravam em torno de madeira marrom, tecido com estampas florais em bege, marrom e amarelo. Não haviam retratos nas paredes ou nos móveis deixando a incógnita sobre quem aquela senhora havia sido e sobre sua família. 

Havia muita poeira ao redor, mesmo nos botões do controle da TV e rádio pousados sobre a também empoeirada mesa de centro. Havia também umidade nas paredes e o ar era uma mistura sufocante de cigarro, mofo e alguma coisa que John não conseguiu identificar. Tinha certeza que o andar ficava fechado por muito tempo já que a Sra. Wilson com certeza preferia a visão da sua janela no segundo andar, onde deveria passar a maior parte do tempo aproveitando entretenimento melhor do que o que a TV poderia lhe oferecer: a vida de seus queridos vizinhos. Conseguia imaginar uma cadeira ou até poltrona confortável estrategicamente posicionada a sua janela e uma mesinha para apoiar um cinzeiro e sua xícara de café.

— ...e eles viviam brigando! — sua boca não parou desde que John fez a primeira pergunta, ele decidiu que ouviria ao máximo da senhorinha com a esperança de que houvesse alguém dos atuais moradores, os Pepper, quando tentasse novamente encontrar alguém na casa. — Não todos eles, o senhor Miller… — sussurrou com o olhar maldoso. — Que Deus o tenha! — fez sinal de cruz e beijou os dedos olhando pros céus. — Apesar que, não acho que o Senhor queira o tipo dele no céu, o que o senhor acha? — riu maldosa. — É pastor, não é?

— Não… — sorriu desconcertado. — Sou policial…lembra?

A senhora o olhou de boca aberta aparentemente surpresa com o que ouviu, uma expressão de confusão e lamento surgiu em seu rosto enrugado, deixando claro para John que aquela senhora sofria de algum tipo de debilidade por conta da idade, provavelmente Alzheimer mas a forma como ela deu de ombros e surgiu com um cigarro aceso nos lábios foi de uma eficiência…

— A senhora chegou a conhecer Lena? 

— Lena? — torceu o rosto confusa. 

— Lena Miller? 

— Lena Miller? Não tinha Lena Miller… — John alcançou a foto cedida pela Sra. Lewis, mas a Sra. Wilson não viu, olhava para o teto enquanto vasculhava sua volátil memória. — ... tinha o finado Sr. Miller, a Vera, o filho assassino e aquela menina pretinha… — baixou os olhos para a foto e seus olhos cerrados se arregalaram ao reconhecer o rosto da jovem. — Oh! Sim, Lena…bem…não me leve a mal, mas ela era um pouquinho torradinha pra ser uma Miller, não? — sorriu baforando a fumaça para cima num ato inútil de manter a fumaça longe do rosto de John.

— Chegou a conhecê-la? A menina? — perguntou desconcertado com o comentário maldoso da velha enquanto guardava a foto novamente.

— Que menina? — o olhou completamente confusa.

— Lena Miller — John não conseguiu deixar de sentir pena da senhora.

— Quem é Lena Miller?

John logo se despediu da Sra. Wilson e acenando-lhe adeus percebeu que ainda que tivesse muita disposição para falar, sua memória não era confiável o suficiente. Se viu batendo de porta em porta, mas a maioria não estava em casa ou nunca ouviram falar da família Miller, provavelmente moradores novos. Por fim, voltou a tentar mais uma vez na casa em que uma vez viveram, ninguém da família Pepper estava em casa. 

Quando foi embora, olhou para cima, em direção a janela da Sra. Wilson e a encontrou lhe olhando feio como quem vê uma pessoa suspeita rondando sua rua porque em sua cabeça, ele era mesmo algum estranho que ela nunca tinha visto antes.

>>>

De volta ao seu escritório, muito mais espaçoso que o da jovem Britta, Lucius Fox encontrou Bruce encostado à ponta da mesa de reuniões ao lado. Pensativo, o homem tinha os braços cruzados enquanto alisava do bigode a ponta da barba em um movimento lento. Fox aproximou-se lhe entregando o pendrive. 

— Agora entendo a preocupação de Alfred, realmente é uma jovem memorável — o diretor falou sorridente mas Bruce olhava o pendrive como se não tivesse lhe escutado. — Embora me pareceu preocupada essa manhã. Parece que o Batman causou uma impressão e tanta na moça — finalmente Bruce esboçou uma reação ao franzir as sobrancelhas.

— O que sabe sobre Jenkins? — o mais novo perguntou, fazendo Lucius sorrir com a forma como ele escolheu ignorar o que lhe disse. Era o Bruce que conhecia.

— Além de que ele não existe…nada — Bruce não se surpreendeu com a resposta.

— Tente encontrar qualquer coisa envolvendo qualquer Jenkins nos documentos das Empresas Wayne, sobretudo documentos dos anos 70 e 80. 

— Por que anos 70 e 80?

— Testando uma pista, não sei com certeza, mas foi o ano em que Lonnie Machin foi o Anarquia, certo?

— Oh…como esquecer o Anarquia…Hm… — Pensativo Lucius exclamou concordando com a linha de raciocínio já que Kirah Machin havia sido executada de forma específica. — Isso vai me levar algum tempo, tem muito documento daquela época que não foi digitalizado.

— Sei que posso confiar em você — viu Bruce lhe dar as costas agora com o pendrive no bolso. 

Lucius ficou calado observando Wayne atravessar a sala a passos lentos até o elevador privado. Pensou no rosto triste de Britta mais cedo. Apesar de não ter certeza da verdadeira natureza da moça, não gostou de pensar nos efeitos que a visita do Batman após um sequestro do Coringa poderia ter nela, caso fosse completamente inocente. Se sentia culpado de ter feito parte na atualização do traje mais obscuro e assustador do vigilante.

— Tem certeza que vai manter o design da máscara? — questionou ao longe.

— Bom dia para você, Lucius. — O mais novo não olhou para trás quando entrou no elevador.

— Liga pra ela, Ethan! — ouviu Fox falar mais alto antes das portas se fecharem.

>>>>

A chuva retornou com tudo no Narrows pela tarde e Blake acreditava que por isso encontrou um baixo movimento de alunos no turno vespertino do Colégio Municipal do Narrows. Após se identificar na portaria a diretora veio ao seu encontro. 

A diretora Gertrude Brown era uma mulher de meia idade, seu corpo pequeno e raquítico, parecia um saco de ossos em seu suéter largo e saia longa godê. Atrás das grandes lentes do óculos retrô, os olhos castanhos saltavam por conta do grau elevado e os dois dentes da frente se destacavam no rosto magro e murcho. Seu cabelo chanel oleoso e escuro contra a pele clara lhe dava um ar quase caricato. Talvez por isso aparentava estar tão aflita com sua presença. 

— Como posso ajudar? — mais baixa que o detetive, o olhou de baixo numa tentativa de parecer simpática. 

O guarda negro, alto e musculoso por outro lado mantinha uma postura firme enquanto parecia interessado demais, aos olhos do detetive, naquela conversa. 

— Perdão por não ter ligado com antecedência, mas gostaria apenas de ter acesso a alguns registros da década de 90 — explicou. 

— Oh! Claro! — a mulher bateu uma palma enérgica numa clara demonstração de alívio, pareceu ter crescido 10 centímetros agora com a postura mais ereta. — Venha comigo, senhor detetive — convidou indo em frente. 

Antes de segui-la, John confirmou que o tal guarda ainda o olhava intensamente. Enquanto andava pelos corredores do colégio, fez várias observações mentais a respeito do guarda e da própria diretora. Estaria seu receio excessivo relacionado a algum aluno problemático? John tinha certeza que um aluno problemático seria pouco. 

Mofo nas paredes, uma pingueira ou outra eram apenas um dos problemas que talvez fosse a verdadeira preocupação da diretora. Qual teria sido a última inspeção naquele colégio? Provavelmente ela imaginava que ele estava ali para isso. No entanto, ainda considerava a atitude do guarda suspeita. 

Viraram a esquerda para outro corredor, o barulho abafado de algumas vozes era o único indicativo de que não estavam sozinhos naquele prédio. Em algum momento ela parou em uma porta.

— Bem… — começou a falar com um molho de chaves em mãos. — Espero que saiba o ano específico porque nos anos 90 a maioria das salas funcionavam, eram muitos alunos…

— Está se referindo às salas interditadas? 

— Oh, não querido… — o olhou por um instante. — Não nesse sentido, hoje metade do colégio está interditado, ainda mais que naquela época. — E então parou de mexer nas chaves para lhe olhar seriamente o que o fez prestar atenção. — Apenas 30% do prédio é usado. Estamos no Narrows, é um milagre esse colégio ainda estar aberto…Nós fazemos o que podemos para manter esse lugar de pé. 

Para John a diretora parecia uma criança que se justificava antes de admitir o que tinha feito de errado, mas algo lhe dizia que a Sra.Brown não ia entregar de bandeja o que estava de errado naquele lugar e John não tinha tempo para essa linha de investigação por ora. 

— Não é fácil não…

— Talvez o colégio possa se beneficiar de uma reforma se exigir a secretaria de educação…

— Ha! — interrompeu com um riso alto e seco. — É um daqueles jovens idealistas, não é? — seu olhar agora era quase materno. — Não, não…não é assim que as coisas funcionam nessa vizinhança e eu vou te dizer… — Apontou o dedo fechando a feição, o dente projetando a boca pequena em um bico involuntário. — Eu só não desisto de vez disso aqui por causa das crianças! — seus olhos arregalados a faziam parecer um tipo de cientista louca. — A gente faz o que pode pra manter esse lugar… — repetiu deixando as palavras morrerem enquanto voltava a buscar pela chave.

— Parece gostar muito…do seu trabalho — John pensou em dizer ‘’da escola’’ mas seria de um cinismo imenso afirmar isso. — É diretora faz muito tempo?

— Comecei em 2001…Oh… — refletiu nostálgica voltando a procurar a chave. — Não era um sonho mas com certeza era bem melhor. As coisas pioraram mesmo em 2005 quando aquele Bene chegou aqui…

— Bane? — corrigiu.

— Ele mesmo…nem aquele palhaço bizarro fez tanto estrago, não é?! — Negou com a cabeça.

Quando finalmente entraram na sala, John se deparou com um verdadeiro arquivo old school. Prateleiras e prateleiras cheias de arquivos e algumas caixas. O cheiro duvidoso e o abafamento invadiram suas narinas o fazendo se lembrar da casa da Sra. Wilson.

— É melhor deixar a porta aberta — a diretora tinha a manga do suéter no nariz. — Faz tempo que ninguém abre essa porta — reclamou se afastando.

— Mais uma dúvida, por favor! — a diretora já estava no corredor quando se virou para o jovem policial.

— Sabe dizer se há algum funcionário, talvez um professor que trabalhou aqui…

— Na década de 90? — o interrompeu e ele acenou positivo. — Não, não querido…como eu disse aquele Bane… — deu ênfase na pronúncia correta. — Foi uma praga mesmo! Sinto muito… — lamentou o deixando.

Enquanto encontrava a sessão do ano 1997, John pediu a Deus que encontrasse a lista de alunos da turma de Lena e Kevin Miller para que então pudesse encontrar aqueles com quem estudaram, pessoas que conheceram eles e as vítimas. O que não foi muito difícil. Apesar de praticamente abandonado, os documentos estavam arquivados de forma organizada.

Correndo contra o tempo, com as listas em mãos, decidiu que ainda naquela noite visitaria, pelo menos, dois dos ex-alunos citados na lista. John sabia que era normal não conseguir muitas respostas no primeiro dia de uma investigação, mas tinha a sensação que qualquer pista sobre o envolvimento de Lena Miller naquele massacre havia se apagado em uma tempestade de areia. Tudo dificultava sua investigação, o tempo, as mudanças no local do crime, a falta de testemunhas críveis, o próprio fato dela ser um fantasma nos registros da cidade. 

Tirando as oito vítimas e os Miller, eram vinte pessoas das duas turmas e John queria acreditar que alguma delas pudesse ter visto alguma coisa que ficou de fora dos depoimentos da polícia. Agora adultos, eles poderiam falar livremente sobre o que viram de uma forma que talvez seus pais não permitiram na época para afastá-los do caso realmente grotesco. 

Além disso, tinha três cartas duvidosas na manga. Depois que soube por Gordon que Lena fora abandonada em um orfanato, ele já sabia que seria lá sua próxima parada. Sua segunda carta na manga era Vera Miller que, embora não tenha deixado rastros, Blake acreditava na possibilidade de encontrá-la, se ainda estivesse viva. E por fim, mas não menos importante, Kevin Miller. Por conta de seu estado mental, sabia que talvez não fosse obter nenhuma resposta ainda mais por conta do seu silêncio no depoimento, mas valia a pena tentar, ele sabia de tudo.

Mas as dificuldades de John aumentaram antes mesmo dele atravessar uma das três pontes. Saindo do Narrows, o detetive se deparou com um terrível congestionamento. Olhando o relógio viu que nem eram seis da noite e no entanto as outras pontes pareciam estar na mesma situação. 

Blake, onde você tá? — do outro lado da linha o detetive Cooper parecia ansioso.

— Tô num congestionamento ridículo na ponte saindo do Narrows… — Olhou pra trás quando o carro atrás de si buzinou.

Que merda ein Blake…

— O que houve? — Aumentou o volume do celular diante das buzinas e gritos ao redor.

Tá rolando uma manifestação gigantesca em várias regiões da cidade, todas as unidades estão nas ruas, a gente tá precisando de gente aqui na delegacia cara, mas tu já tá preso aí…

— Paciência Cooper…

— Ta de brincadeira meu irmão! — viu um homem gritar histérico na faixa do lado, o careca bigodudo buzinava incessantemente à esquerda. 

— São as pontes que ligam as ilhas, logo as unidades vão regularizar o andamento das coisas por aqui — apesar de calmo, continuou olhando sério pro homem ao seu lado.

Tu é um santo mesmo ein Blake! — O homem no carro, que não gostou nada da encarada lhe deu o dedo do meio. — Sempre vê o lado positivo das coisas… — riu junto com o detetive, ainda encarando seu ofensor. — Um dia vou encontrar alguma merda sobre você… — Cooper brincou. — Qualquer coisa te ligo!

— Estarei aí pra segurar sua mão! — sorridente desligou a chamada mostrando o distintivo pro vizinho estressado.

John conteve a gargalhada quando viu a cor sumir no rosto do bigodudo, a expressão facial também decaiu em câmera lenta de uma forma tão satisfatória que John desejou ter filmado o momento. O homem agora parecia convulsionar em seu assento tamanho seu nervoso enquanto alternava o corpo e o olhar entre o policial e o carro à sua frente, que pra sua infelicidade, não se moveu nem por um centímetro. 

Blake viu o infrator se encolher atrás do volante com o olhar preso a frente, parecia um rato com medo e John fez questão de não cortar contato visual enquanto tomava nota mental de todas as irregularidades e regras de trânsito que o bigodudo estava infringindo antes de sair de seu carro para lhe cumprimentar com um amigável ‘’Boa noite, senhor’’.

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Na manhã seguinte a manifestação seguia a todo vapor. O assassinato tão público e cruel da ativista e futura candidata à prefeita foi como um golpe no estômago de muitos gothamitas, sobretudo dos jovens e seus numerosos fãs e seguidores. Independente de suas verdadeiras intenções, Kirah foi uma mulher muito bonita, eloquente, carismática e bem engajada nas redes sociais que ganhou o coração de muitos com seus projetos sociais para a comunidade carente. 

A Capitã Hill se viu de mãos atadas àquela manhã sabendo muito bem que não cairia bem ao DPCG botar os manifestantes para correr debaixo de gás lacrimogêneo e balas de borracha, mesmo porque a manifestação corria pacífica e muito bem organizada através de grupos nas redes sociais. O assunto estava nos Trending Topics do país.

Gordon estava longe de se preocupar com tudo isso. Depois do que Bruce lhe passou sobre seu encontro com Britta, se certificou de ir fazer uma segunda varredura pelo apartamento com o objetivo de remover as câmeras.

— Não vai dar, tenho umas visitinhas a fazer — o Detetive John Blake explicou pelo telefone ao Comissário que já estava a caminho do endereço da moça. 

Alguma sorte com a investigação? 

— Eu sinto que hoje será melhor que ontem! — o jovem manteve a positividade. 

O número de visitas que Blake teria que fazer já havia caído drasticamente de vinte para quatro pessoas visto que um estava em coma, dois estavam fora do país e depois de não terem atendido sua ligação, esperava que respondessem sua mensagem, seis não tiveram nada de interessante para falar e tragicamente sete dos ex colegas de Kevin e Lena haviam morrido durante embates de gangues no Narrows. 

John tentaria a sorte com os outros quatro para esclarecer alguns questionamentos, mas principalmente: estava Lena no colégio no dia do massacre? Havia algum motivo para acreditar que ela participou diretamente do crime? Para sua sorte dois estavam na mesma prisão, mas os deixariam para o final.


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Notas finais do capítulo

Eu não sei dizer com qual cena me divertir mais ao escrever esse captíulo: a live do Ratão ou o diálogo entre John com a Sra. Wilson. Qual você mais gostou? E sim, o Ratão nada mais é que uma inspiração do Lil Vinicinho kkkkkk

Ansiosa pra vocês lerem os próximos capítulos!!!!

#QuemmatouMachin



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