O Viajante escrita por Karry


Capítulo 2
Capítulo I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/812118/chapter/2

Livro I

Capítulo I

A primeira regra das despedidas de solteiro é que o mais fraco é quem fica bêbado primeiro. Scorpius particularmente imaginava que nunca seria o mais fraco, era sua a tarefa de sempre carregar um Albus Potter vomitado pela balada em direção a um uber que os olhava de cara feia. 

Seja o despeito por estar longe de engatar em um noivado ou a simples e única propiciedade de se embriagar junto dos melhores amigos, foi Scorpius quem pediu arrego primeiro. Por um momento, enquanto se olhava absurdamente bêbado no espelho da balada, Scorpius pensou que estava na hora de acabar a noite. O cômodo girava, suas pernas tremiam e ele não parava de suar, havia bebido mais da conta e não comido direito. 

O combo perfeito para ficar bêbado com facilidade. Logo ele, que era sempre tão cauteloso nas noitadas. Scorpius tocou o espelho sujo com as pontas dos dedos e riu, não estava em plena consciência. É, está na hora de ir embora— pensou. 

Ele caminhou para fora do banheiro sendo abocanhado pela música pop estrondosa em todos os cantos mais obscuros daquela casa de shows, Albus o esperava com uma garrafa de conhaque meio cheia nas mãos e uma gravata amarrada na cabeça. Ninguém nunca o vira tão feliz como naquele momento.

— Achei que você tivesse morrido — gritou Albus, para ser ouvido por cima da música — Ei! Você está bem? 

Scorpius o fitou e piscou. Imaginou que tinha assentido, mas pelo olhar risonho de Albus, entendeu que não moveu a cabeça nem mesmo um pouquinho. A coisa estava ficando sérias demais.

— Acho que preciso ir embora — gritou Scorpius de repente — Cadê meu celular? Quero chamar um táxi.

— Táxi?! Igual as civilizações antigas faziam? — riu Albus — Vou chamar um Uber, vamos embora!

Scorpius queria dizer que não precisava que Albus o acompanhasse, que não estava tão bêbado assim quanto parecia, entretanto, suas pernas estavam cada vez mais trêmulas e fracas, as luzes da balada pareciam ofuscantes e um tanto brilhantes demais e, subitamente, Albus já estava ficando fora de foco. 

Foram apenas mais alguns passos meio trôpegos para que Scorpius se virasse para Albus, tentando balbuciar que saíssem mais depressa pois não estava sentindo os dedos dos pés, e sinceramente, nem os dedos das mãos, ou os cotovelos, ou os ombros e todo o resto do corpo.

— Albus — gritou uma última vez, ou imaginou ter gritado.

Gostaria de ter gritado algo mais quando se deu conta de que iria desmaiar logo menos.

E realmente desmaiou.

×

Scorpius acordou cerca de dois segundos depois, sua cabeça doía pela queda e pela quantidade de álcool ingerida e ele sentia seus olhos pesados. Sabia que estava acordado, mas não conseguiu abrir os olhos por um bom tempo. Tudo doía, tudo exigia força demais de seu corpo.

Então inspirou profundamente. Naquele momento, Scorpius já poderia ter estranhado o fato de Albus não dizer nada a respeito de seu mau súbito, deveria ter estranhado o cheiro da relva ao seu redor ou da grama pinicando sua nuca carinhosamente. Ele só percebeu que havia alguma coisa errada quando, de fato, abriu os olhos. As copas das árvores que via definitivamente não eram o teto escuro da balada em que foi com Albus, aquele céu claro e limpo definitivamente não era o céu inglês que ele tanto conhecia. 

Primeiro, Scorpius se sentou. O peso da cabeça e dos olhos o fazendo tombar ligeiramente para frente, teve de colocar uma das mãos sobre a testa e respirar fundo. 

Quando abriu os olhos ficou atordoado, percebeu ao olhar ao seu redor que estava em um bosque. As árvores todas estavam tão perto umas das outras que quase se tocavam, impossibilitando que visse além. O bosque era escuro devido a proximidade das árvores e o silêncio o pegou desprevenido, a única coisa que ouvia era o próprio coração batendo descompassado e o fluxo de sangue pulsando em seus ouvidos de nervoso.

Não estava frio, na verdade, estava um calor úmido que fazia com que ele suasse por baixo da camisa de manga comprida que usava. Ele se levantou devagar, tentando manter o equilíbrio com muita dificuldade, não sabia nem por onde começar, sequer sabia para onde ir. Não se atreveu a caminhar para longe, tinha medo de acabar em algum lugar onde pudesse estar em perigo. Scorpius tentou imaginar quando ele e Albus saíram de uma balada no centro de Londres e foram a um bosque. Não conseguia entender onde estava.

Ele apalpou os bolsos da calça em busca de seu celular. Nunca saia de casa sem que a droga do celular estivesse no bolso, mas é claro que naquele momento ele não estaria ali. Scorpius teve de respirar fundo, precisava pensar em uma solução. 

Estava em um lugar desconhecido, logo anoiteceria, estava sem celular e provavelmente começaria a sentir fome logo, logo. Se esforçou para usar a lógica, mas sabia, mesmo que inconscientemente, que não havia nada de lógico naquela situação. 

Como ele tinha parado ali? Que lugar era aquele? Porque é que Albus não estava ali também? 

Ainda pensando em suas limitadas possibilidades, Scorpius ouviu – ao longe – o barulho de… cascos? Sim! Cascos contra a grama fofa, galopando suavemente pela floresta. 

Pelo barulho, ele percebeu que se tratava de um cavalo apenas. Talvez alguém estivesse passeando pelo bosque? Na pior das hipóteses, pensou, ele foi considerado o mais veloz do ensino médio, poderia fugir com facilidade. Scorpius se escondeu atrás de uma árvore, agarrou um galho grosso e seco, um tanto pontudo, e se preparou para o que quer que estivesse vindo. Conseguia observar mais ou menos a passagem onde estava. 

Era um cavalo, afinal de contas, montado no enorme corcel negro estava uma figura vestida numa túnica marrom escura que lhe cobria o rosto e o corpo completamente. Não parecia ser um homem muito alto ou forte, mas a visão fez Scorpius se arrepiar.  Que tipo de roupas eram aquelas? Uma convenção de jogadores de RPG?

Pela primeira vez desde que havia recuperado a consciência, Scorpius pensou que onde quer que estivesse, não era a Londres que amava e conhecia mais. Não pôde amadurecer a ideia por muito tempo, pois o cavalo parou. Scorpius teve de engolir em seco para não arfar. Tinha medo de que o cavaleiro o escutasse se fizesse o mínimo de barulho. 

Scorpius apertou o galho com mais força, teve de se esforçar para continuar quieto. Não poderia se garantia em uma batalha com outra pessoa, ele mal sabia desferir um soco em alguém, e se o homem estivesse armado? Ouviu um farfalhar de folhas causado pelos cascos do cavalo, tentando ao máximo não se mexer. 

Scorpius estava torcendo para que o homem não tivesse uma arma ou uma faca, ou o que quer que pudesse machucá-lo. Se ele começasse a correr naquele mesmo momento, conseguiria fugir. Seria confiar muito no destino acreditar que poderia conseguir fugir do cavaleiro. Antes mesmo de conseguir pensar em correr, Scorpius ouviu o sussurro arrastado próximo a seu ouvido: 

— Não pense em correr ou eu o matarei — Scorpius engoliu em seco, virou o rosto lentamente para a esquerda e fitou seu algoz. O capuz ainda lhe cobria o rosto e as mãos estavam cobertas por luvas de couro, apontado em direção a sua cabeça estava a ponta afiada de uma flecha — Quem é você?

Scorpius não respondeu, estava chocado demais ao perceber que a voz que falava com ele era, na verdade, feminina. 

— Scorpius — ele sussurrou involuntariamente. Sabia que era burrice dizer seu nome a um completo desconhecido, mas ficou tão desconcertado diante da presença de alguém empunhando uma arma tão… medieval.

A mulher não abaixou o arco. 

— O que faz aqui? Como conseguiu entrar aqui?

— Sinceramente eu nem sei onde 'aqui' é — começou Scorpius, tentando não rir de nervoso diante do absurdo.

— Mais uma piada e você é um homem morto! 

Scorpius engoliu em seco novamente. Não poderia ficar ali de papinho com uma mulher que queria matá-lo com um arco e flecha, só era preciso derrubar o arco de sua mão e sair correndo. 

Simples assim.

Num movimento ágil, Scorpius agarrou a mulher pela cintura e a derrubou no chão. O arco e flecha caíram de suas mãos, jogados longe. O capuz que cobria seu rosto agora havia escorregado para trás, revelando cabelos ruivos cheios e um rosto angelical cheio de fúria. A garota lhe desferiu um soco, fazendo a cabeça já pesada e atordoada de Scorpius girar. 

Com um grito de dor, ele se afastou da garota, levando a mão ao olho direito que havia sido acertado tão perfeitamente por seu punho e antes que Scorpius pudesse reagir, a garota arrancou um punhal de sua bota e o enfiou abaixo das costelas dele, lhe fazendo arfar de modo entrecortado pela dor aguda e repentina abaixo do peito. 

Estava de joelhos, respirando com dificuldade enquanto observava a garota se levantar e correr em direção ao arco e flecha caídos a poucos metros de distância deles. 

Scorpius só entendeu que havia sido atingido quando baixou os olhos para o local onde a dor pulsava em suas costelas, agora que estava consciente do punhal em si a dor aumentou um milhão de vezes mais, ele arrancou o punhal de suas costelas e o sangue começou a jorrar da ferida. Scorpius levou os dedos para a mancha vermelha da camisa branca e arfou novamente, ao levantar os olhos se deparou com o rosto irritado e absurdamente lindo da mulher uma última vez, que esperava por sua reação com o arco e flecha a postos, e nauseado pela quantidade de sangue que a ferida jorrava, ele desmaiou.

×

Depois do que pareceu uma eternidade, o que acordou Scorpius de seu sono pesado foi a dor abaixo das costelas. Ao abrir os olhos, se deu conta de que estava em um quarto desconhecido, encarou o teto de madeira por alguns segundos e mexeu o pescoço com o máximo de cautela, o quarto estava escuro e ele não conseguia distinguir muito das silhuetas daquele lugar, viu uma janela de madeira entreaberta e o crânio de um animal que ele pensou ser um cervo pendurado na parede,  a imagem macabra daquele animal o fez estremecer, precisava se levantar e ir embora dali.

Primeiro tentou se sentar, mas não conseguia mexer-se direito por conta do corte profundo em seu corpo, a ferida latejou e ele gemeu baixinho, levando as mãos ao lugar onde outrora foi atingido. Scorpius percebeu que estava sem sua roupa, usava apenas uma cueca e que o corte estava coberto por um curativo bem feito. 

Ele grunhiu de dor ao forçar as pernas para fora da cama, grunhiu mais uma vez ao se levantar e caminhou em direção a porta. Estava trancada.

Scorpius voltou lentamente para a cama, não aguentando a dor do ferimento, era melhor se manter deitado. Já conseguia sentir o suor lhe escorrer pela testa devido ao esforço.

A cada segundo que tentava se lembrar dos eventos que o levaram até aquele quarto, sentia que estava alucinando mais e mais. Quem era a mulher que o apunhalou? Como ele foi parar ali? Que bosque era aquele, afinal?

Antes que pudesse continuar sua linha de raciocínio, a porta foi destrancada.

Era a garota que o havia apunhalado.

— Você acordou — murmurou ela, parada na soleira da porta. Em suas mãos estava uma pequena bandeja com uma vela acesa, um prato fumegante, um pedaço de pão e algo que parecia um suco.

— Quem diria que eu poderia acordar depois de ser esfaqueado?

— Apunhalado — retrucou ela — Eu usei um punhal e não uma faca. 

Scorpius riu, incrédulo diante da insinuação de uma piada feita por aquela mulher que quase arrancou sua vida.

— E porque eu fui apunhalado, afinal de contas? 

A garota depositou a bandeja sobre o colo de Scorpius e se afastou da cama, fitando-o à distância, em pé.

— Você é não é daqui… — ela disse — Mas prometo não matá-lo se responder às minhas perguntas. 

Scorpius baixou os olhos para a comida em seu colo. Era uma sopa clara, com legumes que ele não conhecia, fatias de pão e um copo de suco de cor amigável.

— Quantas horas faz que você me apunhalou? — Ela permaneceu em silêncio, frustrando-o de pronto. — Tudo bem, já entendi que não tenho escolha, pode fazer suas perguntas — retrucou Scorpius.

— Quem é você?

— Scorpius Malfoy.

— De onde você é? 

— Londres.

A garota hesitou por um momento. Scorpius ergueu os olhos para ela, era ridículo o quão bonita era. Tinha cabelos longos e bem cuidados num tom acaju que se assemelha a labaredas rebeldes de fogo, seus olhos eram verdes e intensos, um tanto revoltos, a pele clara e quase translúcida possuia um rubor sobre as bochechas, mas não era vergonha, era única e exclusivamente raiva pulsando sobre o corpo. 

Ela já não usava mais a capa marrom, mas estava vestida com uma calça preta, botas de couro pesadas e uma camiseta branca tão bem feita que parecia ter sido costurada a mão. Na verdade, aquela roupa não parecia ter sido feito para ela, parecia que estava fantasiada, mas Scorpius decidiu que seria melhor não olhar tanto para a sua roupa. A última coisa que lhe chamou a atenção foi o anel de ouro em seu dedo mindinho esquerdo, parecia valioso, com um brasão de um leão entalhado.

Ainda estava admirando aquele belo rosto quando seu estômago roncou.

— Coma — ela exigiu. E ele comeu, porque não estava nem um pouco a fim de levar outra punhalada nas costelas — Como você apareceu aqui?

Scorpius de ombros.

— Eu não sei.

— Diga a verdade — exigiu ela.

— Eu estou dizendo a verdade — murmurou Scorpius, enfezado — Olha, eu vou te contar tudo, tá certo? Eu fui a uma festa com o meu melhor amigo, bebi demais e desmaiei, quando acordei estava naquele bosque esquisito onde você me encontrou e me apunhalou quando eu só estava me defendendo de uma ameaça de uma estranha, mas agora estou aqui sabe-se lá onde, com uma mulher que eu não sei nem o nome e não conheço me mantendo de refém. E sinceramente? Estou um pouco cansado de desmaiar toda hora sem motivo.

A garota o fitou irritadiça. O rubor nas bochechas se intensificando significativamente. 

— O punhal estava envenenado — ela respondeu.

Scorpius cuspiu a sopa.

— O que?

— E meu nome é… Rose.

Scorpius a fitou horrorizado.

— Você acabou de dizer que me envenenou.

— Eu já cuidei do ferimento, se você não morreu nestes três dias em que dormiu não vai morrer mais — Rose cruzou os braços e com o queixo indicou o prato de comida — Continue a comer, não tem veneno na comida.

Rose começou a se afastar da cama, sem olhar para trás.

— Para onde você vai? 

— Preciso resolver algumas coisas, mas sugiro que não tente fugir e que aproveite para descansar, o ferimento precisa cicatrizar.

— Não, espera! 

— Scorpius — murmurou ela, desta vez se virando para lhe olhar no fundo dos olhos — Descanse, nos veremos amanhã de manhã.

Scorpius não teve outra escolha senão fitá-la desesperado. Não confiava naquela mulher, mas não existia nenhuma outra pessoa em que pudesse escolher confiar. 

Quando a porta diante de si tornou a se trancar, ele suspirou pesadamente e voltou a atenção para o prato de comida ainda quente sobre seu colo, seu estômago roncou, denunciando a voracidade de colocar algo para dentro.

Era o que podia fazer por enquanto.

×

A bunda de Scorpius estava dormente, mas o rapaz não conseguia se mover com tanta facilidade, a ferida na lateral do corpo ainda estava bastante dolorida e seu estômago já roncava de fome mais uma vez. Scorpius não conseguia evitar fitar a todo momento a janela na parede direita do quarto. Não sabia quanto tempo havia se passado, mas julgava que deveria ter sido muito desde que ela se fora.

Do outro lado, ele não conseguia ver muito, só algumas árvores e montanhas ao longe. Rose disse que estaria ali na manhã seguinte, mas já era fim de tarde e ela não havia aparecido nem mesmo para lhe dar a refeição do dia. Scorpius  imaginou quão ridículo seria se arrastar até a janela e começar a gritar por ajuda. 

Não imaginou que alguém o ouviria, já que deveriam estar ainda mais afundo na mata do que na clareira onde ela havia lhe apunhalado, quando Scorpius se focava a tentar ouvir algo, só conseguia ouvir o farfalhar das árvores contra o vento, nem mesmo uma corrente de água ou uma voz a distancia. Se morresse ali ninguém sequer saberia, não conseguia acreditar em quão conveniente era aquele esconderijo onde Rose o havia trancado.

Scorpius estava quase chegando ao ponto de tentar se levantar e gritar pela janela de fato quando ouviu a porta ser destrancada, não pôde evitar suspirar aliviado. Já estava escurecendo do lado de fora e seu estômago roncava pateticamente.

Rose entrou no quarto com dois enormes sacos de pano nas costas, um prato nas mãos e um papel enrolado embaixo do braço que Scorpius não fazia ideia do que se tratava. Ela não lhe deu boa noite, mas Scorpius sorriu aliviado ao vê-la. 

— Você atrasou.

— Não consegui sair mais cedo — murmurou ela ao lhe entregar o prato de comida. Parecia uma espécie de torta de carne, Scorpius estava tão faminto que sequer tentou entender do que aquele prato era feito — Quando você terminar de comer, preciso trocar seu curativo.

O rapaz assentiu sem desviar a atenção da comida. Rose colocou o rolo de papel sobre a cama aos pés de Scorpius e colocou os dois enormes sacos no chão, pareciam pesados, mas Scorpius não se deu ao luxo de sentir pena dela por carregar tanto peso. Era por culpa dela que ele estava enfurnado ali, naquele quarto, afinal. 

— O que tem aí? — perguntou Scorpius, agora já estava um pouco mais corado, o estômago havia parado de roncar e o ferimento já lhe incomodava menos.

— Algumas coisas para que você sobreviva quando eu não estiver aqui — respondeu, esvaziando os sacos.

— Você pretende me manter aqui por quanto tempo? — perguntou receoso. Rose não parecia ser o tipo de pessoa cruel que o torturaria, mas a ideia de ficar trancado muito mais tempo naquele cômodo era enlouquecedora. Scorpius mal ficava em casa quando tinha a oportunidade.

— O suficiente!

Ninguém ousou dizer mais nenhuma palavra. Scorpius sabia que não conseguiria arrancar nenhuma palavra dela e Rose obviamente não confiava nele o suficiente para lhe dizer coisa alguma. Quando Scorpius terminou de comer, pigarreou. 

Rose não lhe deu atenção, estava ocupada tirando uma trouxa de roupas de um dos sacos de pano que trouxe. O quarto agora tinha roupas, um enorme jarro de barro (que Scorpius torcia para estar cheio de água) e alguns vidros com coisas que Scorpius esperava não ser veneno. Assim que Rose terminou de espalhar e arrumar as coisas pelo quarto, se virou para ele, tomou o prato de sua mão e ordenou:

— Sente-se, vou trocar seu curativo.

Scorpius obedeceu sem dizer uma palavra. Rose se aproximou dele e começou a desenrolar as bandagens de seu torso, suas mãos estavam geladas, mas eram firmes. 

— Muito ruim? — perguntou ele, quando Rose tirou a última bandagem. 

Rose estava com os olhos baixos, mas Scorpius aproveitou o momento de vulnerabilidade para lhe fitar o tempo que conseguisse sem que ela lhe reprimisse. Scorpius notou que Rose estava com olheiras maiores sobre os olhos, imaginou o que poderia ter o poder de tirar seu sono. Em sua mente nada poderia desestabilizá-la.

— Você está vivo, então está ótimo — retrucou, chamando sua atenção novamente. Rose limpou o ferimento e o cobriu com uma nova bandagem, apesar da hostilidade na resposta, o ferimento estava ótimo e logo cicatrizaria — Pronto, amanhã você vai poder tomar um banho de ervas para ajudar na cicatrização.

Scorpius se deitou de barriga para cima e esperou.

— Você poderia pelo menos deixar comida para mim desta vez, achei que iria morrer.

— Você sabe cozinhar?

Scorpius deu de ombros.

— Nunca reclamaram.

— Ótimo, deixei lenha e comida para você na cozinha, não tive tempo de caçar então você terá de comer sem carne.

— Lenha? — questionou Scorpius. Rose assentiu — Eu não sei usar um forno a lenha.

Rose jogou o rolo de papel no colo de Scorpius e cruzou os braços sobre o peito.

— Você aprende, agora abra o mapa.

Scorpius o desenrolou como ela pediu, se deparou com um mapa complexo desenhado na folha. Pareciam os mapas fictícios dos livros de fantasia que costumava ler quando estava na faculdade, ao passar os olhos pelos nomes dos reinos notou que não conhecia nenhum deles, sequer tinha ouvido falar sobre a existência desses nomes no mundo real. 

— O que…?

— Como pode ver, não existe nenhuma Londres no mapa, então ou você decidiu mentir para mim ou você é de outro mundo.

Scorpius engoliu em seco, conseguia sentir suas mãos suando de nervosismo, só podia ser uma brincadeira de mau gosto, ele mataria Albus quando tivesse a chance. 

— Eu não…

Rose tirou um punhal de suas botas, o mesmo punhal que havia o golpeado nas costelas e o encostou sobre o pescoço de Scorpius com tamanha rapidez que ele só teve tempo de reagir quando sentiu a lâmina gelada em seu pescoço exposto, seus olhos ardiam de raiva, detestava ser passada para trás e não seria um forasteiro qualquer que faria isso agora.

—Eu já tentei te matar uma vez e posso tentar de novo, mas desta vez não vou cuidar de ferimento algum.

— Rose eu nunca falei tão sério em toda a minha vida. Eu nasci em Londres, morei em uma província chamada Wiltshire com meus pais até os dezessete anos e me mudei para Londres quando entrei na faculdade, estudei jornalismo e lá conheci meu melhor amigo, o nome dele é Albus Potter, ele vai se casar e até ontem nós estávamos comemorando juntos quando eu bebi demais, desmaiei e acordei no bosque onde você me encontrou. 

Scorpius fechou os olhos, fora a resposta mais ridícula que já dera em toda a sua vida, mas era a verdade. Não sabia onde estava, não sabia como tinha chegado ali, só sabia que morreria pelas mãos de uma mulher muito, muito bonita e igualmente muito, muito raivosa. Seu coração batia descompassado e estava suando frio, a lâmina em seu pescoço não se mexia nem mesmo um milímetro. 

Com um suspiro derrotado, Rose se afastou de Scorpius. O rapaz engoliu em seco e deixou escapar um suspiro de alívio, ainda tremia um pouco mas podia ver que Rose estava num debate consigo mesma. Não sabia o que fazer com ele, mas algo lhe dizia que ele não estava mentindo. 

— E onde estão Londres e Wiltshire no mapa? Como você pode vir desses lugares que tanto fala se eles não estão em nenhum dos mapas?

— Eu não sei, mas eu juro por tudo o que é mais sagrado, eu não estou mentindo para você. 

Rose o fitou incrédula. Jurar por tudo o que é mais sagrado?

— Ok — respondeu, contrariada. Scorpius a fitou, não conseguia desviar os olhos da mulher que quase o havia matado, mas assentiu, mais por hábito do que por qualquer coisa — Mas assim que o seu ferimento melhorar você vai embora desse reino, está entendendo?

Scorpius assentiu mais uma vez.

E Rose o deixou para trás sem dizer uma palavra.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Viajante" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.