Cloud estava familiarizado com o farfalhar do longo vestido rosa, que pontuava cada retorno de busca de suprimentos que Aerith não participava. Em geral, indicava a virada abrupta e a corrida empolgada da última cetra em direção aos seus colegas, sempre confiante em encontrar algo interessante entre os itens de sobrevivência que coletavam.

A expressão de tédio que se seguia na face da garota de longos cabelos castanhos  nas ocasiões em que não localizava nada que a cativasse, na maioria das vezes, divertia todo o grupo, de modo que tornou-se uma piada interna esconder, num primeiro momento, os achados que a atrairiam, apenas para que pudessem testemunhar o bater de pés e o revirar dos olhos verdes, antes que ela se afastasse, seu longo rabo de cavalo trançado se agitando com o movimento.

Por isso, Cloud assimilou com afinidade o ruído dos tecidos se agitando, enquanto empurrava portas oscilantes do bar mais suspeito da periferia que se abrigavam dessa vez. Todavia, congelou no instante em que ergueu os olhos.

Porque tanto o longo e delicado vestido rosa, quanto o colete vermelho surrado, definitivamente estavam no lugar errado.

Para seu crédito, ele não havia sido o único perturbado, já que Barret e Cid jaziam tão estáticos quanto ele, embora suas expressões fossem mais de curiosidade que de estupefação.

— Vocês já voltaram?!! — Tifa esganiçou, os olhos castanho-avermelhados arregalados, como se tivesse sido pega em meio a uma travessura.

Naquele momento, Cloud assimilou que, dessa vez, o farfalhar do tecido rosa, não estava relacionado à animação constante de sua dona, mas ao sobressalto constrangido de Tifa que, por alguma razão, trajava as roupas de Aerith.

Não, não apenas as roupas. A garota de cabelos negros arrumou-se exatamente como a cetra, colocando o vestido rosa, o colete vermelho, as botas marrons e até mesmo trançando os cabelos e amarrando-os com a fita que todos conheciam. 

— Ops! — Yuffie, que encontrava-se sentada em uma das banquetas do balcão de madeira engordurado do estabelecimento, exclamou com diversão. — Nós não esperávamos por jurados, mas já que vocês voltaram cedo, podem dizer: ela ficou fofa, não ficou? — a pequena ninja instigou. — Embora as roupas regulares da Tifa valorizem muito mais o que ela tem a oferecer.

— Yuffie! — voltando-se para a adolescente, a lutadora manifestou-se em indignação, os punhos cerrados ao lado do corpo.

— Esta é a hora em que vocês dizem o que está acontecendo aqui? — Barret indagou, embora sua consciência o condenasse por direcionar sua curiosidade para assuntos evidentemente banais, como as roupas que suas colegas de equipe usavam ou deixavam de usar, quando havia coisas mais importantes para se preocupar, como a possibilidade da destruição do planeta por um ex-soldier enlouquecido absurdamente forte, ou pela companhia cretina que criou essa aberração, em primeiro lugar.

— Nós só estávamos brincando de verdade ou desafio e eu desafiei a Tifa a vestir as roupas da Aerith — alheia ao conflito interno do colega de equipe, esclareceu Yuffie.

Um murmúrio de compreensão abandonou as gargantas de Cid e Barret.

Cloud, por sua vez, piscou os olhos brilhantes de Mako, só estão se recuperando do estranhamento que a inusitada situação provocara, irritado consigo mesmo, por ter ficado tão estupefato, em primeiro lugar. Após viajar meses por territórios hostis, habitados pelas piores criaturas, enquanto corria pela própria vida na companhia dos criminosos mais procurados pela Shinra, não havia muitas coisas capazes de abalá-lo.

Definitivamente, um vestido colocado na pessoa errada não deveria ter causado tal efeito, mas bem, ali estavam eles.

Sua irritação, no entanto, logo foi canalizada para outra pessoa. 

— Você só tinha um trabalho — esbravejou, voltando-se para Cait Sith, que estivera o tempo todo sobre o tampo da mesa ao lado da qual estacaram. Seu moogle e meio de transporte preferido, faziam ao fundo do bar, perto de onde Vincent e Red XIII descansavam, as expressões taciturnas denunciando que eles não se envolveram e nem pretendiam se envolver no que quer que estivesse acontecendo.

— Você disse que eu deveria vigiar a pirralha para que ela não roubasse ninguém. Bem, tivemos um total de zero vítimas esta noite — o boneco gato argumentou.

— Não é bem assim — Barret observou. — Alguém parece ter tido a dignidade roubada, para mim — comentou, olhando para Tifa, que escondeu o rosto nas mãos. 

— Não sejam tão chatos. É só uma brincadeira — Yuffie retomou a palavra.

— Uma brincadeira que pode chamar a atenção, quando o que nós queremos é passar discretamente por aqui — Cloud ralhou.

— Tão chato — a pequena ninja reclamou, cruzando os braços e fazendo beicinho. — Eu nem queria brincar de “verdade ou desafio”, para começar. “Eu nunca” era a minha primeira opção, mas vocês me deixam beber? Nããããão — dramatizou. — Porque tudo bem ter quatorze anos e ser terrorista no grupo criminoso mais procurado do planeta, mas beber antes de completar a maioridade? Inadmissível! — ironizou.

— Ambientalistas! — Barret corrigiu, com eloquência. — E você já é problemática o bastante sóbria. Não precisamos descobrir quantos mais parafusos perde se sair por aí enchendo a cara — alegou. — Além disso, é perigoso mesmo para meninas mais velhas beber em lugares suspeitos — a última parte, o homenzarrão completou em timbre mais baixo e emburrado, evidenciando, para todos, que o conselho advinha das suas expectativas da experiência de paternidade com Marlene.

Tifa não pôde evitar encarar o amigo com compaixão. Era evidente para todos o quanto ele sentia falta da filha.

— Vocês dois! Controlem a porra do tom — pouco preocupado com a atmosfera sentimental, Cid repreendeu Barret e Yuffie, enquanto observava ao redor.

Por sorte, não havia outros ocupantes no bar naquele momento, e o dono do estabelecimento, acostumado aos clientes duvidosos que consistiam seu público alvo, os ignorava deliberadamente.

— E o cabeça de chocobo está certo em querer evitar atividades que chamem a atenção. O estranho é uma pirralha que insiste em dizer que teve treinamento ninja, mostrar atitudes tão chamativas — o piloto continuou discursando, antes de acender um cigarro e dar uma longa tragada.  

— Ela é uma criança. Não há problemas em deixarmos que se divirta um pouco — Tifa finalmente saiu em defesa do membro caçula do grupo, encarando Cloud com olhos pedintes, enquanto ignorava os protestos da garota por ter sido chamada de infante.

— Mesmo que seja às suas custas? — Cid debochou, divertindo-se com o gemido revoltado que a morena emitiu.

Cloud suspirou.

— Apenas tentem não chamar muita atenção — contrariado, mas resignado, o loiro declarou.

— Molenga — o piloto zombou, mas o mercenário ignorou deliberadamente, enquanto caminhava em direção ao corredor que dava acesso aos banheiros, no fundo do bar. 

Por mais inseguro que fosse, ainda era melhor ter a atenção da pequena ninja em uma brincadeira infantil, que nos bolsos de alguém.

— Yay!! — Yuffie exclamou animada. — Venha logo, Aerith! Estamos esperando para te ver! — gritou, ignorando completamente o pedido de discrição do líder, que chegou a girar sobre os calcanhares para voltar para tirar satisfações com a adolescente (ainda que o olhar de escárnio que sabia que receberia de Cid o desencorajasse) quando um ruído às suas costas chamou sua atenção.

— Oh, Cloud! Vocês voltaram! — a voz empolgada de Aerith denunciou-a como responsável pelo barulho, porém, no momento em que o loiro virou para encará-la, sentiu-se congelar pela segunda vez.

É claro que ele deveria ter presumido que, se Tifa foi desafiada a vestir as roupas de Aerith, a cetra teria que procurar outra coisa para trajar.

Mas não, apesar de todo seu treinamento militar, que lhe concedera as habilidades de lidar com o elemento surpresa, ali estava ele, petrificado, diante da garota de longos cabelos castanhos, em regra, tão recatada, mas atualmente, com a barriga lisa e as longas pernas longas em plena exibição, ao usar as roupas de Tifa.

— Acharam algo legal dessa vez? — indagou, correndo até o loiro e se inclinando em direção à ele, a regata branca, evidentemente larga em razão do físico avantajado de sua dona original, fazendo pouco para esconder o sutiã esportivo preto que havia por baixo.

— Você… O quê… — Cloud gaguejou, tentando manter o olhar nas íris verdes brilhantes de empolgação da mulher, e não vagando por outros lugares, bem como a normalidade dos pensamentos, tarefa dificultada pela visão da cintura fina e das coxas torneadas, que antes apenas podia imaginar, e agora lhe foram reveladas com tanta facilidade.

Aerith piscou os olhos verdes, em confusão, até que a compreensão atingiu seu semblante.

— Ah! Isso? — indagou, girando em torno do próprio eixo, o que fez com que Cloud tivesse que evitar engasgar no momento em que a minúscula saia preta e rodada se ergueu com o movimento e os longos cachos castanhos, excepcionalmente soltos, se agitaram. — Yuffie desafiou Tifa a vestir as minhas roupas. No princípio eu protestei, pois não era a minha vez de ser desafiada, mas então eu pensei “Por que não? Talvez seja divertido” — explicou, enquanto tentava domar o cabelo, que havia se atrapalhado durante a breve exibição.

Claro, a curta história não continha nada que Cloud não soubesse, mas não é como se ele tivesse condições de falar naquele momento, a mente ainda girando em torno da agradável surpresa de constatar quão largo era o quadril e grossas as coxas da mulher à sua frente.

— Bem, eu preciso ir até lá e acabar logo com isso — estranhando a estagnação do rapaz, Aerith anunciou, preparando-se para deixar o corredor do banheiro e retornar ao bar.

O que finalmente fez com que o mercenário acordasse.

— Ah, não precisa não — decidiu, empurrando-a de volta em direção ao banheiro feminino, aliviado por perceber que, durante toda a interação, a cetra havia sido protegida do olhar dos demais por ainda estar no corredor que conduzia ao local.

— O quê? Cloud, o que você está fazendo! — protestou Aerith, enquando tentava, sem sucesso, se desvencilhar dos braços do amigo loiro.

— Acredite em mim, este não é o melhor lugar para você sair vestida assim — argumentou, passando um braço pela cintura da moça no momento em que ela ameaçou correr.

— “Vestida assim”? Mas são as roupas da Tifa! — a cetra alegou, um tanto indignada, enquanto agitava as pernas, tentando se livrar do aperto de ferro em sua cintura.

Do salão do bar, a conversa de vozes exaltadas chamou a atenção dos demais membros do Avalanche, que puderam ouvir quando Cloud vociferou, irritado, para se fazer ouvir sobre os gritos de protesto que Aerith emitia:

— Tifa! Venha aqui para se trocarem e acabarem logo com isso! 

A morena sobressaltou, ao passo que os demais arquearam as sobrancelhas, uma vez que o tom das vozes do casal que discutia não diminuiu.

— E ele nos pediu discrição — após estalar a língua, Yuffie comentou, enquanto observava uma Tifa cabisbaixa retornar ao banheiro, ciente que a queda no humor da amiga  certamente estava relacionada à dinâmica peculiar do par que lá estava e seguia discutindo audivelmente, sem se dar conta de quantos escutavam.