No Japão é bastante comum ter idols adolescentes em ascensão. O difícil é se manter no topo, principalmente cantores solo. Uns dos poucos que conseguiram era a cantora Hatsune Miku, que tinha voz doce e usava roupas fofas, o que agradava tanto o público feminino, que se esforçava para ser como ela, quanto ao masculino, que a achava linda.

Outro cantor que estava no mesmo patamar era Shion Kaito, um rapaz desinibido com sorriso confiante. As garotas morriam de amores por ele e os garotos tentavam imitá-lo para serem mais populares.

As canções de Miku e Kaito estavam no top 10 das melhores músicas desde que ambos começaram suas carreiras há três anos, os dois eram grandes rivais.

Isto é, até o dia em que os dois receberam uma proposta para fazerem um show de Natal em um bairro humilde com a exigência de cantarem juntos.

O patrocinador era um político importante e estava pagando um generoso cachê para ambos. Ano que vem teria eleição, com certeza era uma jogada política, mas não podiam fazer nada. Seus agentes concordaram com isso, então teriam que realizar o show.

Os dois já haviam se falado algumas vezes em programas de auditório, em ocasiões onde o apresentador entrevista vários artistas ao mesmo tempo, mas nunca trabalharam juntos. Ambos sabiam que seus agentes estavam sempre discutindo e havia boatos sobre sabotagens ocasionais em alguns shows dos dois. Será que eram tão ruins fora do palco quanto seus agentes descreveram?

Miku estava pensando nisso enquanto terminava seu penteado quando alguém invadiu seu camarim.

— Aí está você! A princesinha do público que todos adoram.

— Ei! — Miku quase tropeçou ao levantar-se da cadeira quando viu Kaito — Não pode entrar no meu camarim desse jeito. E se eu estivesse me trocando?

— Mas você não estava, não é? — Kaito aproximou-se alguns passos e a analisou de cima a baixo — Meu agente disse para ter cuidado com você porque é bonitinha e parece uma boneca, mas acho que não terei problemas.

— Seu agente é um idiota. O que ele pensou que eu iria fazer, te seduzir? — ela virou o rosto ofendida.

— Ei, não precisa ficar nervosa — Kaito falou — Veja só, a fita do seu cabelo desamarrou — passou os dedos pelas mechas dos cabelos dela e fez menção de amarrar a fita, mas Miku recuou.

— Não toque no meu cabelo! Ou melhor, não encoste em mim!

— Ah, acho que você não está nervosa afinal. Está com vergonha — Kaito riu.

— O que? Não estou com vergonha!

— Não se preocupe, eu causo esse efeito nas garotas — ele riu convencido — Enfim, eu só queria avisar que precisamos começar logo o ensaio, esse show foi marcado em cima da hora, então não demore — deixou o camarim.

— Idiota… se era só isso então por que não deu logo o recado? — Miku bufou.

Perto dali, um homem foi falar com Kaito quando ele deixou o camarim.

— E então? Você a viu?

— Sim — Kaito assentiu — Você fez um escândalo por nada, Gakupo. Ela é muito diferente de como costuma agir no palco. É bonita, mas é nervosinha demais, eu não tenho paciência para gente assim.

— Esse é o pior tipo — Gakupo respondeu — É sério, Kaito, ela não é a princesinha popstar à toa. Precisa tomar cuidado com essa menina.

— Uma menina que ficou envergonhada só porque encostei no cabelo dela? Fala sério — Kaito revirou os olhos.

— O tipo de garota que você nunca encontrou — Gakupo falou mais para si mesmo — Por favor, Kaito, não se apaixone por ela.

— Me apaixonar? — ele riu — Não seja ridículo. Eu não sou o tipo de cara que se apaixona, fique tranquilo. Vamos fazer esse bendito show e depois nunca mais iremos vê-la.

Mal terminou a frase e Miku subiu no palco. Não perceberam quando ela tinha deixado o camarim. A garota pegou o microfone e olhou diretamente para ele.

— Como é que é, Kaito? Veio aqui para ensaiar ou para testar minha paciência?

— Maldita garota irritante — Kaito bufou antes de se dirigir ao palco.

Em teoria, o show seria simples. Cantariam algumas das músicas de Kaito e outras de Miku  como uma dupla. Uma nova canção foi composta especialmente para este show, para os dois cantarem juntos.

O problema era colocar em prática. Os dois discutiam muito, o que atrapalhava os ensaios. Mesmo se focando em aprender as canções um do outro primeiro, era difícil se concentrar. Miku errava os passos de dança quando precisava chegar perto dele. E Kaito a provocava a cada oportunidade que tinha.

— É impossível, Meiko. Nunca vou conseguir trabalhar junto com aquele garoto — Miku reclamava pela quinta vez só naquele dia durante o intervalo.

— Olhe, eu sei que é difícil, mas você precisa se esforçar — sua empresária falou — Não é a primeira vez que você divide o palco com outra pessoa.

— Sim, mas eu costumo cantar apenas uma música com algum grupo feminino novato ou com alguém contratado para serem minhas vozes de apoio — Miku lembrou — Mas esse garoto está sempre me provocando. E tem a péssima mania de entrar no meu camarim sem permissão!

— Podemos dar um jeito quanto a isso e colocar um segurança na entrada do seu camarim — Meiko a tranquilizou — Mas não podemos cancelar o show. Recebemos um ótimo cachê por ele e o dinheiro já foi transferido.

— Não ligo para o cachê! Pode devolver o dinheiro.

— Hatsune Miku, não se trata apenas do cachê. Você assinou um contrato, está lembrada? — Meiko falou séria, cruzando os braços — E, quando você o assinou, estava ciente de que havia a possibilidade de trabalhar em conjunto com outros artistas. Se não está lembrada posso ir buscar uma cópia para refrescar sua memória.

— Não precisa… eu sei muito bem disso — Miku falou cabisbaixa.

— Sinto muito, querida. Também não gosto da ideia de trabalhar com ele, o Kaito é nosso maior concorrente, mas não há o que fazer — Meiko falou mais doce — Vou pedir para colocarem um segurança na entrada do seu camarim, mas é só  o que posso fazer.

— Está bem. Obrigada, Meiko.

— Não se preocupe. Quando esse show acabar, nunca mais terá que vê-lo de novo.

O intervalo terminou e Miku retornou para o palco. Estavam ensaiando os passos de uma das músicas de Kaito agora. Ficava nervosa toda vez que chegava muito perto dele e acabava errando a coreografia, mas Meiko tinha razão. Ela estava ciente de suas responsabilidades quando assinou o contrato e precisava manter sua palavra. Aquele show tinha que ser perfeito, como todos os outros que fez.

— Você parece mais confiante agora, princesinha — Kaito comentou durante um giro, passando para seu lado esquerdo — O que houve? Finalmente percebeu o privilégio que é se apresentar junto comigo?

— Me chame pelo meu nome. Apenas os meus fãs me chamam de princesinha — Miku respondeu enquanto movia os braços com delicadeza — Ou por acaso você também é meu fã?

— De jeito nenhum, Miku — Kaito segurou sua mão e a girou em uma pirueta. Geralmente isso era trabalho das dançarinas, mas foi necessária uma mudança devido às exigências do patrocinador.

Nem de longe Kaito era fã dela. Quando seu empresário informou que teriam que trabalhar juntos, disse para ter cuidado com a garota. Kaito não entendeu o motivo. Para ele, Miku era uma excelente cantora e uma adversária a altura como profissional. Mas, como pessoa, era apenas mais uma garota com rostinho bonito, que se irritava fácil e ficava envergonhada sem nenhum motivo aparente. Era engraçada. Dava vontade de provoca-la para deixa-la ainda mais nervosa.

Mas alguma coisa tinha mudado. Ela parecia mais confiante. Talvez porque o show estava próximo, ela precisava ser mais profissional. Kaito compreendia isso, mas começou a sentir falta da garota envergonhada e irritadiça que conheceu.

Kaito lembrou-se das fãs que sempre o rodeava e de algumas garotas que já namorou. Todas eram atiradas e afoitas, ele nem precisava se esforçar. Todas diziam “eu te amo”, mas pareciam palavras vazias. Era por causa do dinheiro? Da fama? Seja lá o que fosse, ele sempre conseguiu ter a garota que quisesse aos seus pés, mas de repente isso não parecia ter mais graça.

Bem, não importa. Ele podia se preocupar com isso depois, tinha outras prioridades no momento. Faltava apenas dois dias para o grande show. A muito custo, conseguiram aprender a letra e coreografia das canções um do outro. O problema agora era aprender a nova música que deveriam cantar juntos.