Luzes de Natal escrita por Thay Paixão


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Feliz Natal! Olha quem apareceu depois de séculos com uma história? E original? Eu! Fazia bastante tempo que eu não escrevia nada com a finalidade postar, e essa história surgiu esse ano, tendo como inspiração o calor que está fazendo! Espero que gostem, então já sabem, se lerem me deixe saber o que achou.
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Beijos!



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—Foi a melhor ideia de todas, amiga! Nossa rua vai ser a mais linda, tô até imaginando o Balanço Geral vindo fazer reportagem! - Jessica ri e bate palmas. 

 

—Eu tava meio com preguiça de fazer, mas preciso me desligar do estresse da faculdade. -Falo concentrada na minha tarefa no notebook. Vou marcando na planilha que organizei o nome dos moradores da rua e os números das casas, e dando ‘’ok’’ em quem já deu a contribuição para comprar os enfeites natalinos. 

 

—Espera… o Eduardo não deu dinheiro? 

 

—Ih amiga, era isso que eu tinha que te falar… - Jessica brinca com as pontas do cabelo.

 

—Aquele muquirana não quer ajudar na decoração? - Adivinho. - Nem pensar, a oficina dele é de frente pra minha casa, Jessica! Se ele não ajudar eu vou ter que decorar de qualquer jeito!

 

—Então, ontem a noite, antes de você chegar da faculdade, eu estava lá na calçada com os meninos, você sabe minha Bis deu defeito né, aí pedi pro Eduardo dar uma olhada, e ele comentou com o Emerson que nem morto em frente da oficina dele vai ficar parecendo a fábrica do ‘’Papai Noel’’, palavras dele. 

 

—Aquele…Aquele… Grinch asqueroso!

 

—Bella!

 

—Desculpa! Mas putz… Eduardo não tem mais o que fazer não?! Vai querer criar caso com a decoração de Natal? Eu vou lá falar com ele agora mesmo!

 

Me levanto do sofá em um salto e deixo minhas havaianas para trás, quando piso no quintal me arrependo na hora, o chão está tão quente que é possível fritar um ovo. Volto calçando os chinelos, agora só sinto minha pele queimar em contato direto com o sol do Rio de Janeiro às três horas da tarde. Como pode ser tão quente em pleno mês de novembro?!

 

O carioca não tem um dia de paz, meu Deus!

 

Abro o pequeno portão social, que é da altura do muro, chegando ao meu peito,  e atravesso a rua.

—Segura que lá vem a Dona Encrenca! - Emerson, um dos mecânicos do Eduardo fala assim que me vê atravessar a rua. 

 

—Cadê seu chefe? - pergunto cruzando os braços. Emerson se levanta e aponta mais para dentro da oficina, onde Eduardo está ao lado de uma moto, sentado no chão mexendo na correia. 

 

—Será possível que você é tão incopetente no seu trabalho, que não tem nem cinquenta reais para ajudar nos enfeites da rua?! - Já reclamo. A verdade é que eu to cheia do Eduardo! Nós crescemos juntos nessa rua, temos a mesma idade, com diferença de dois meses, ele me inferniza a vida toda!

 

—Boa tarde pra senhorita, também. - Ele diz sem me olhar. Paro ao lado dele, batendo o pé, sua cabeça na altura do meu quadril e espero ele se virar pra mim. Seus olhos nas minhas pernas desnudas. 

 

—O sol tá tão forte que queimou sua roupa? Cade o resto do short e da blusa?

 

Ele levanta o rosto dando de cara com meu top rosa. Na minha fúria não tive tempo de colocar uma blusa, mas que se dane, eu não estava de roupa íntima! 

 

Ouço Emerson engastar uma risada. 

 

— Por que tu tá criando caso com a decoração? Na Copa você foi o primeiro a ajudar!

 

—Bem lembrado, Dona Encrenca, na COPA do mundo de futebol. Qual a graça de encher a rua de enfeitar no Natal? Encher de luzinhas nesse calor? Pra quê? 

 

—O que o calor tem a ver com enfeite?! - Bato o pé. Ele se levanta bem devagar, não me passa despercebido o olhar que ele lança sobre meu corpo. Desde meus pés nas havaianas brancas impecáveis e as unhas pintadas de vermelho, minhas pernas grossas, o short jeans curto, minha barriga de fora e terminando no top rosa. 

 

Eduardo podia me ignorar, implicar comigo, mas eu sabia que era doido por mim.

Bem no fundo.

Bem no fundo mesmo. 

Chegando ao pré-sal.

O sentimento tinha que cavar para encontrar, mas no quesito atração, seus olhos sempre o traem. 

 

Meu estômago dá um nó já conhecido. Ele não é o único afetado. 

Se ele é gato? Ele é alto, malhado, tatuado, boca bem desenhada, olhos que sempre pareciam gentis. Mesmo quando queria me provocar e irritar. 

 

Mas ele é insuportável! 

 

Limpa as mãos sujas de graxa num pano e o jogo na caixa de ferramentas. Eu não sei porque ele teima em usar blusa branca para trabalhar em uma oficina. Os caras que trabalham com ele usam uniforme preto. A blusa sem mangas deixa a mostra as tatuagem tribais nos braços. 

 

Talvez meus olhos tenham se demorado em seus braços. Como sempre. 

 

—Que a gente tamo num calor de 50 graus nessa cidade, pra tu querer encher de luzinha pisca pisca que vai deixar ainda mais quente?! E outra coisa, enfeitar as ruas é trabalho da prefeitura! - Ele diz me fazendo lembrar do assunto que vim tratar.

 

—’’Trabalho da prefeitura’’, - faço aspas no ar -  mas quando o Flamengo foi campeão da libertadores, você juntou todo mundo pra pintar o asfalto com a taça, as cores e os rostos dos jogadores! Acho que aí sim a prefeitura poderia ter algo a falar!

 

E na verdade teve, uns torcedores do Fluminense que moram no final da rua entraram com pedido pra remover na prefeitura, mas Eduardo é amigo de alguns de alguns vereadores… então o negócio ficou sendo enrolado até mudarmos a decoração para a Copa. 

 

Ele me olha indignado quando cito o Flamengo.

 

—Como se você não tivesse ajudado! Achei que o Flamengo era a única coisa em que concordamos?! 

 

—Ainda é. - Do de ombros fazendo pouco caso. - Agora, meus cinquenta reais?

 

—Não vou ajudar. E não quero nenhum enfeite de natal na frente da minha oficina! - Ele me dá as costas indo em direção a cozinha. O sigo, os rapazes que estão trabalhando em outras motos nos olhando com curiosidade. Nem sei porque, a maioria das interações entre nós é assim; brigas e gritos. Muitos deles são moradores do bairro e nos conhecemos desde de pequeno.

Bella e Eduardo sempre discutem. Nada novo, nada sério. 

 

Nem sei dizer quando começou, se perguntar a minha mãe ela vai dizer que foi logo que nos conhecemos. Isso quando eu era recém nascida.

Ela diz que choramos imediatamente quando fomos colocados no mesmo cômodo, como se competissemos pra ver quem chorava mais alto. 

E desde então era assim.

Nós sempre competimos.

 

Ele abre a geladeira e pega uma garrafinha de água trincando de gelada, bebe um gole e me oferece.

 

—Eu em, da onde vou colocar a boca onde você botou. - Reclamo e o empurro para o lado pegando uma garrafinha eu mesma. -Tem que climatizar essa oficina, ninguém aguenta trabalhar nesse calor!

 

—E você quer colocar ursos polares nas calçadas e bonecos de neve. Sim, eu vi o arquivo no grupo da rua. Um calor de 50 graus!

 

—Vai estar chovendo no natal, prometo! E não são ursos polares mesmo, é só em formato, serão luzinhas formando ursos. 

 

—Começou a faculdade de meteorologia e eu não sabia? - Ele arregala os olhos para mim com falsa inocência. 

 

—Ok, não vai ajudar? Que se dane, mas vou enfeitar na direção da minha casa e ponto final. Não tá satisfeito se mude de rua, de bairro de cidade… tanto faz! -Bebo minha água, minha raiva é tanta que engasgo e cuspo, bem na cara dele. 

 

—Bella! - Ele reclama com o jato de água em sua direção, molhando sua camisa.

 

Tossindo, me curvo e ele ainda dá tapinhas nas minhas costas.

 

—Tinha nada que cuspir em mim, me molhou todo!

 

—E daí? Pelo menos refresca, ta calor. -Devolvo a ele o que sobrou da água e saio da oficina mais decidida do que antes a fazer meu natal iluminado. Com toda certeza eu vou enfeitar a rua toda! 

 

…                                

 

—Eu simplesmente não entendo mãe! Um homem com trinta anos nas costas querer arrumar problema por causa de uns enfeites de natal, vê se pode? Até a dona Sônia ajudou quando eu falei que teremos um presépio pro menino Jesus! - Eu reclamava enquanto ajudava minha mãe a preparar as quentinhas que ela vendia sob encomenda. Dona Rosana estava achava muita graça das minhas desavenças com o Eduardo. Ela sempre achava.

 

—Filha, eu acho que você está tão pilhada com toda essa história, e com o fim do semestre na faculdade, que se esqueceu que esse ano será o primeiro ano sem o seu o Carlos da Esmeralda. 

Ah.

—Nossa mãe. É tanta coisa que eu tinha realmente esquecido. Não esquecido de verdade, mas esquecido. - Sinto meu rosto esquentar de vergonha. 

 

—Então, tenha paciência com o Eduardo. Quando perdemos o nosso Carlinhos… - a voz dela embargada ao falar o apelido carinhoso que ela chamava o papai. - O falecido Carlos, que Deus o tenha, ajudou muito. E Eduardo foi um bom amigo pra você, não sei porquê vocês não começaram a namorar. Não, você se envolveu com aquele tal de Jefferson, que nem pra assumir o filho serviu!

 

—Ah não, não vem com essa não, a conversa tava tranquila até você falar do traste!

 

—O traste que é pai do seu filho! Aliás, a pensão está atrasada, né? Pode dar parte dele já!

 

—Ah não, deixe isso, ele vai vim cheio de história triste, e eu vou querer acabar ajudando ele! E ele tem pegado o Bruninho direto pra ficar com ele…

 

—Bella, você fica dando mole pra esse cara! Faz filho e some, se não sou eu dando em cima e a mãe dele, nem registrado o Bruninho ele tinha! Eu não me esqueço não viu? Pode ir cobrar se não eu mesma vou! 

 

—Tá tá bom. Deixa que eu falo com ele. Precisa de mais ajuda aqui?

 

—Não, pode ir. E quero só ver suas notas da faculdade em?!

 

Do risado do seu jeito ainda tão mandão. Mamãe não entendia nada da minha faculdade de ciências da computação, mas sempre queria saber como ia, o que eu estava aprendendo, e podia me ouvir falar horas sobre aulas e professores.

 

Trabalhar em home office tinha muitas vantagens, a maior delas é ficar em casa poder adiantar tudo que não fosse relacionado ao trabalho até algum usuário do sistema precisar de suporte e eu ser acionada. Claro que eu contava com 3 provedores de internet, tudo para garantir ter sinal sempre que fosse necessário. 

Eu podia ajudar minha mãe com as quentinhas, estudar as coisas da faculdade, planejar o natal da nossa rua, e ainda tinha tempo com meu filho, que quanto mais perto da adolescência menos tempo tinha para mim. 

Pego o celular e mando uma mensagem para o pai dele, lembrando a ele de pegar o menino na escolinha de futebol e deixá-lo aqui junto da pensão atrasada. 

 

‘’Tudo certo, Bella. Não esqueci do moleque não, finalizei um serviço hoje e já ia te dá o dinheiro mesmo. Vou ao supermercado com a Vanessa e as crianças, depois de buscar o Bruninho, ai deixo ele ai na sua casa umas 10 ou 11 horas.’’

 

Tarde pra cacete, mas como ele anda super prestativo não reclamo. 

Chamá-lo de ‘’traste’’ estava começando a não fazer sentido. Ainda bem. 

Espero dar minha hora e desligar o notebook do trabalho, hoje só prestei 3 suportes. Ainda bem. Tomo banho e me arrumo para a faculdade, não é tão perto, mas pelo menos chego lá em uma hora e meia. 

 

—Tô saindo mãe! - grito na porta já que ela permanece na cozinha.

 

—Vai com Deus!

 

—Amém! - respondo pegando minhas chaves. Fecho o portão da frente e não deixo de olhar para a oficina do Eduardo, ele está conversando com algum cliente, mas para quando me vê me olhando de cima a baixo e vira a cara.

Preciso ser mais clara. Ele literalmente virou o rosto do outro lado, como se fizesse um cheiro horrível desse lado. Ele queria me provocar, mas preciso ir se não vou perder o ônibus. 

 

Quero só ver quando eu começar a enfeitar a rua.

 

 Mas eu deveria mesmo dar um desconto a ele pela morte do pai. foi no começo do ano , e se eu pensar bem também não estava no clima para natal nem nada quando o meu pai faleceu. Eu tinha dezenove anos na época, e foi o pior ano da minha vida. Eduardo parecia outra pessoa, sempre por perto, sempre sendo um ombro amigo, mas depois…

Houve até um momento em que achei que a gente ia acontecer. Mas daí ele foi para Portugal, fazer dinheiro para abrir a oficina. 

 

E  eu conheci o Jeferson e tudo mudou.

 

Culpa da Jessica. 

 

Se eu não tivesse ido naquele bendito pagode com ela, ( mas poxa, era do Sorriso Maroto, só as antigas!) não teria conhecido o Jeferson e caído na lábia dele. 

 

E então…

 

Será que minha amizade por Eduardo teria evoluído para algo mais?

 

Nunca saberemos. 

 

Na verdade ele nunca deu a entender que queria algo mais, ele e o pai só estavam ajudando as vizinhas da vida toda (meus pais e os pais dele se mudaram para cá na mesma época) que tinham perdido ‘’o homem da casa’’. Minha mãe era do lar, meu pai era pedreiro. Não tínhamos renda fixa, e minha mãe ficou bem perdida com a morte abrupta do meu pai, em um acidente de carro. O senhor Carlos, pai do Eduardo ajudou a minha mãe a agir pensão por morte e essas coisas, e a mãe dele, dona Esmeralda, deu a ideia dela fazer quentinhas para vender, uma forma de distrair a mente a fazer um dinheirinho, porque quem vive com um salário mínimo? 

 

Eu tinha terminado o ensino médio e trabalhava numa loja do

shopping, conseguimos nos manter. Eu estava literalmente vivendo para o trabalho e casa, e para o meu luto. Hoje eu sei que existe a depressão funcional, onde você está deprimida, mas cumpre com suas obrigações, entretanto naquela época, com dezenove anos, eu só fiquei no automático. E tinha Eduardo ali, sendo super atencioso, me buscando tarde da noite no shopping, me fazendo sorrir (me irritando como sempre, mas parecia haver tanto… carinho.) E depois ele disse que iria passar seis meses em Portugal pra fazer dinheiro e quando voltasse abriria a oficina e as coisas seriam diferentes. 

 

Ele não disse para eu esperar.

Também não disse que queria algo mais comigo. 

Mas sempre havia uma vozinha dentro de mim (com a entonação da minha mãe) dizendo: ‘’e se você não tivesse saído com o jefferson?’’

 

É nessas horas que eu paro de pensar nisso, porque sem Jefferson eu não teria o Bruninho e ele me salvou de todas as formas em que um filho pode salvar uma mãe. 

 

Meu filho foi a luz da nossa casa espantando as sombras do luto na minha vida e da minha mãe. 

 

Quando falei para o Jefferson que iria fazer um teste de grávidez ele sumiu e se não fosse minha mãe que conhecia a mãe dele da igreja, eu seria a maior chacota do bairro.

 

Não que eu não tenha sido.  

 

Então é aquilo que dizem, tudo vai bem quando acaba bem, né?

 

Às vezes era difícil não ficar tão reflexiva. Era o fim do ano agindo, certeza. 

 

Na volta pra casa sinto um sono descomunal no ônibus, bocejando toda hora e chego a ‘’pescar’’ algumas vezes, mas estou acostumada acordar uma esquina antes da minha. E seria muita sacanagem o motorista esquecer de mim já que é ele quem me trás todos os dias. Do sinal, o ônibus passa na rua acima da minha, no cruzamento das pistas principais. Do ponto da pra vê minha esquina. As ruas já estão desertas. Passa da meia noite, acabei saindo bem tarde da faculdade. 

 

—Vai rápido pra casa em. Boa noite. - O motorista se despede de mim. 

 

—Boa noite, seu João. - Desço do ônibus e ando rápido focada para chegar logo na minha esquina. Quando vejo a luz da oficina de moto acessa, bem acessa, Eduardo colocou uma super iluminação que chega quase até a esquina, deixando a rua iluminada. Noto ele sentado numa cadeira na frente e não me aguento e vou na sua direção.

 

—Trabalhando até tarde… tentando fazer os cinquenta reais para ajudar na decoração?

 

Ele tenta reprimir um sorriso. Coça a barba que desponta no queixo, aposto que no dia seguinte ela não estaria ali, ele mantém a barba sempre bem feita e o rosto lisinho.

 

—Não vou ajudar nessa palhaçada. Estamos num verdadeiro inferno de quente, Bella, e tu quer encher a rua com decoração de natal que dá mais calor ainda - ele fala calmo. Antes que eu possa dar uma resposta afiada, ele me corta - Tá voltando muito tarde da faculdade. 

 

—E agora você é fiscal de horário?! Não me acompanha que eu não sou novela!

 

—É perigoso vim da pista pra cá. Esses dias assaltaram um ali no cruzamento. 

 

—Eu sei, mas eu venho quase correndo. Tenho medo né, mas fazer o que? -Confesso. Olho para dentro da oficina, tudo arrumado e com certeza ele está sozinho. Não é surpreendente eu chegar da faculdade e ele está aqui na frente com algum amigo e às vezes até com uma galera. Mas…

 

—Porque está aqui até tão tarde sozinho?

 

Ele coça a cabeça, bagunçando os cabelos castanhos claro. Quando era adolescencia mantinha no corte asa delta. Eduardo era a sensação da rua, para todas as garotas. Talvez eu também. Talvez.

 

Agora os mantém bem curtos, só já estão grandes o bastante para puxar.

Por que eu to pensando nisso?

 

—Só pegando uma fresca. Ta uma noite quente pra porr…

 

—Não, tenho certeza que estava me esperando chegar. - brinco. 

 

Ele não nega, parece até um pouco envergonhado.

 

—Sério? 

 

—Não gosto de imaginar você sozinha nessas ruas desertas, é perigoso. Sua mãe fica preocupada.

 

—E deixa a luz da varanda acesa até eu chegar… mas você? Tem ficado na rua até ter certeza de eu cheguei? E se eu resolver sair?

 

Ele me olha exasperado.

 

—Não pode apenas agradecer?

 

Eu não respondo e desvio o olhar para que ele não veja o sorriso que tenho. Gosto de saber que ele se preocupa comigo. 

 

—Desculpe por gritar com você, na frente dos seus funcionários.

 

—Uau… dona encrenca se desculpando? - Ele coloca a mão no peito afetado. Dou um leve tapa em seu braço.

 

—Não me chame assim! 

 

—Mas você é encrenca, Isabella. - Sua voz baixou de tom quando ele fala. Noto seus olhos em seus lábios. 

 

—Não sabe disso. - Falo mais baixo. -Só implica comigo. 

 

—Por que você é encrenqueira. - Ele fala, mas os olhos estão cheios de humor e o sorriso… aquece meu coração.

 

Droga! É por isso que evito ficar perto dele, Eduardo é irresistível. 

 

—Ei, por onde anda aquela sua namorada escandalosa?

 

—Suellen? Terminamos há séculos. 

 

—Sua mãe falou pra minha mãe que achava que vocês iriam casar. 

 

Ele riu.

 

—De jeito nenhum.

 

—Ninguém a altura do grande Eduardo? - Cheguei mais perto dele, cruzando os braços na altura dos seios. 

 

Ele engoliu em seco. 



—Eu…

 

Ele para e desvia o olhar para um carro que entra na rua com farol alto. 

 

O carro para do outro lado da rua em frente a minha casa. A porta de trás abre e Bruninho pula para fora. 

 

—Mamãe! - Ele grita e vem na minha direção após olhar para os dois lados.

 

—Ei lindo! -ele me abraça e beijo o topo da sua cabeça. Bem mais tarde que o combinado, mas pelo menos hoje é sexta feira. Tem cheiro de suor, nem pra tomar um banho na casa do pai?

 

Vanessa se inclina para o lado do Jefferson,como se tivesse adivinhado meus pensamentos e grita pela janela aberta.

 

—Ele ficou brincando com os meninos quando chegou, Bella, nem deu tempo de tomar banho. 

 

—Tudo bem, criança é assim mesmo. 

 

—E ai tio Edu? - Bruninho me solta e cumprimenta Eduardo com aquele toque e soquinho. 

 

—E aí, marcando muito gol com o manto? Não deixa teu pai fazer você vestir nada do botafogo não em. -Ele bagunça o cabelo do meu filho que ri feliz. 

 

—Falei pro papai trocar esse time de bosta dele.

 

—Olha a boca Bruno!

 

—Desculpa mãe. 

 

—Ei Bella, tá entregue então, o negócio tá na mochila dele. E aí Eduardo, olha a mãe do meu filho, em cara. - ele ri buzina e sai com o carro. Reviro os olhos para a idiotice dele e a coragem de insinuar algo. 

 

Se o negócio ao qual ele se referiu é o dinheiro, a mãe dele vai vir com um recibo pra eu assinar. Já tínhamos conversado pra ele fazer pix para conta poupança do Bruno mesmo, que já fica os comprovante tudo certo e a mãe dele não vem cheia de onda com papel pra cima de mim. 

 

Mas estou tão cansada que não quero criar caso nenhum hoje. 

 

—Valeu. Beijo nos meninos. - Aceno para eles quando Jefferson sai com o carro.

 

—Eles tão dormindo. - Bruno diz dos irmãos,os gêmeos de 6 anos. - apagaram quando saímos do mercado. Ah o meu pai comprou um monte de chocolate pra mim, mas eu sei que não posso comer tudo. 

 

—Ótimo. Agora entra lá e já tira da mochila e coloca na geladeira. E dá o dinheiro pra sua avó.

 

Eu sabia que minha mãe estaria acordada, ela só dorme quando eu chego em casa.

 

—Tá bom. Tchau tio Edu!

 

—Tchau amigão. 

 

Bruninho atravessa a rua, abre o portão social, agora ele é uma cabeça mais alta que o pequeno portão e entra gritando ‘’vovó’’. Muito escândalo para as primeiras horas da madrugada. 

 

—Ele tá crescendo rápidão, daqui a pouco ta maior que você. 

 

—Nem me lembra. - suspiro. Nove anos já. - Então, também vou entrar. E você não fica dando mole com a oficina aberta até tarde.

 

Tava só esperando você chegar. - ele deixa escapar pegando a cadeira. Finjo que não ouço e vou caminhando para minha casa.

 

—Boa noite, Eduardo Chato.

 

—Boa noite, Bella Encrenca.

 

Sua voz ao dizer meu nome causa borboletas no meu estômago. Talvez esteja na hora de eu mesma arrumar um namorado e parar de pensar ‘’no que poderia ter sido’’ em relação a nós dois.

 

No meu quarto, na verdade nosso quarto, meu e do meu filho, fico enrolando na cama do Bruninho, aproveitando para ouvir sobre seus dias na casa do pai.

 

—E a tia Vanessa? trata você bem?

 

—Sim, ela é bem legal. Mas ela briga com meu pai, igual a vovó briga com você, é engraçado. E ela me mostrou uma coleção de cartas do Naruto, muito legal! 

 

—Você comeu direitinho? Fez sua lição de casa?

 

— Mamãe.. você perguntou isso todos os dias e eu fiz sim, mentir é errado!

 

—Eu sei meu amor, eu só senti tanto sua falta! -Abraço ele mais apertado sentindo seu cheirinho gostoso pós banho. Ele tem passado uma semana com o pai e uma semana comigo, Já faz dois meses desse arranjo, mas não me acostumei. Acho que nunca vou me acostumar a ter meu filho longe. 

 

—Melhor você dormir, amanhã é sábado, mas temos várias coisas legais para fazer.

 

—Tip o quê?

 

—Tipo… enfeitar a casa para o natal! Vamos montar nossa árvore enorme!

 

—Sim! - Ele dá um pequeno gritinho e tapo sua boca com medo de acordar minha mãe. 

 

—Não vamos acordar a vovó. Posso ficar com você essa noite?

 

—Pode. -Ele diz se aninhando mais a mim. 

 

Respiro fundo, ajeitando a cabeça no travesseiro. E com meu filho por perto posso dormir tranquila.



Acordo cedo, minha mãe já tinha saído para a feira, então aproveito Bruninho dormindo para limpar a casa rapidamente. Só dando uma geral. Depois pego minha caixa com os enfeites de natal e vou para a varanda de casa começar a separar tudo. Como meu muro e portão são baixos, tenho visão completa da rua e da oficina do Eduardo que está funcionando.

 

—Ei Bella, cola aqui pro almoço, vamos queimar uma carne! - Junior, um dos caras que cresceu aqui na rua com a gente e agora trabalha pro Edu acena com a mão pra mim.

 

—Vou mesmo em, sem condições de fazer almoço hoje.

 

—Cola mesmo aqui, já vamos fechar a oficina.

 

—Claro que ela vem, a mãe dela tá lá dentro com a minha fazendo almoço. - Ray aparece na frente do portão da casa dela, que é ao lado da oficina, uma casa amarela charmosa de altos e baixos. 

 

Eduardo aproveitou o terreno que o pai não construiu ao lado e fez a oficina, ficando de frente para minha casa. 

 

—Bem que achei que a dona Rosana estava demorando muito. Já ia ligar para ela.

.

—Ih Bella, sabe que as duas são unha e carne. Tão lá falando da vida de todo mundo. - Ela ri. -Quer ajuda ai? Tenho unha pra fazer só mais tarde.

 

—Claro!

 

Rayane atravessa a rua.

 

—Tem coisas demais aqui! Já são as coisas para a rua?

 

—Não mulher, tá doida? são só as da minha casa. Não me olha assim, é decoração de uma vida inteira, e todo ano eu compro uma coisinha a mais. 

 

—Você é muito a Louca do Natal. - Ela ri, se sentando no chão para desembaraçar as luzes pisca-pisca. 

 

—Esse ano eu quero iluminar a casa toda! Vou jogar uma rede de luz que vai do telhado até o pé de manga. -Apontei para ela o que queria fazer, lançando a rede de luz que iria cobrir o quintal e se apoiar no pé de manga que fica encostado no muro da frente. 

 

—Acha que os morcegos que vivem na árvore vão gostar de ter tanta luz? - Ela ri. 

 

Seu celular vibra no bolso e ela se contorce para pegá-lo.

 

—Eles vão se acostumar. -Dou de ombros sem me preocupar com isso. 

 

Logo que meu filho acorda vem nos ajudar com sua empolgação. Ele começa a espalhar luzes nas plantas da minha mãe que ficam na varanda. Rapidamente nós três terminamos os trabalhos por terra, deixando por último o que teremos que pendurar.

 

—Bella, isso parece uma rede de pesca! E é enorme! Caramba vai dar pra ver sua casa do outro lado da cidade! - Ray fala.

 

—Não exagera Rayane.

 

—Não to exagerando! Tenho certeza que vai! Ah! Meu irmão tá fechando a oficina, vou chamar ele e os meninos para nos ajudar.

 

—Não, Ray, não precisa! 

 

Mas a doida já abriu o portão, atravessando a rua gritando pelo o irmão. 

 

—Tio Edu vai vir que legal!- Bruninho diz. Olho para ele se equilibrando precária na escada para cobrir uma planta suspensa.

 

—Filho, cuidado. -Firmo a escada e o ajudo a descer. Coloca a escada na lateral da casa. 

 

—Tá colocando a escada aí pra que? A senhora vai subir no telhado?

 

—Sim - respondo voltando para perto dele segurando minha rede de luz. 

 

—Deixa que eu subo mãe, é perigoso. -Ele fala, todo sério. Meu coração aquece com meu pequeno homem valente.

 

—Tu tá achando que eu não posso subir no telhado de casa? Eu sou nova demais, meu amor! - falo já subindo - Firma a escada só pra mãe.

 

—Tá bom. Mas a gente devia esperar o tio Edu e os outros - Responde todo bravinho.

 

Só que subir para o telhado segurando a rede não é algo muito fácil. E afinal de contas eu não tenho mais quinze anos e estou subindo para arrumar a antena no telhado para pegar o SBT e eu poder assistir Naruto. 

 

—Não é melhor subir primeiro e depois eu jogo pra você? - Bruninho falou como se ouvisse meus pensamentos.

 

—Não precisa. - Respondo por pura teimosia.

 

—E aí Dona Encrenca, tá arrumando confusão? -Trinco os dentes ao som da voz do Eduardo.

 

—Oi tio Edu! Ajuda aqui a segurar a escada que a minha mãe tá pesada. - Bruninho fala rindo.

 

—Muito engraçado filho. Acho que alguém quer ficar sem os chocolates que ganhou.

 

—Nossa mãe, tudo tu leve a mal, em.- Ele falou de um jeito tão parecido com o pai 

que até me virei para olhá-lo com medo de ver Jefferson na minha frente. 

 

E aí tudo aconteceu em uma fração de segundos.

 

Meu pé esquerdo virou na escada e o direito já estava precariamente encostado na calha do telhado, minha mão escorregou com a rede e eu só vi o chão onde bateria. 

 

Mas eu não contava com Eduardo ali embaixo, que me segurou bem a tempo de eu não ‘’ver o chão’’. A rede de luz caiu por cima de nós, pelo menos nenhuma pequena lâmpada tinha quebrado. Ainda.

 

—Não está tão pesada assim. -Ele comentou com um enorme sorriso. Meus olhos foram atraídos para sua boca, e não pude deixar de umedecer meus lábios. A forma como ele me mantinha firme junto ao seu corpo fez com que eu sentisse o meu vibrar. 

 

—Mãe, tudo bem?! - Bruninho estava bem ao nosso lado. Eduardo me colocou no chão da forma que deu, mas estávamos embolados com as luzes da rede.

 

—Espera, vai você pra lá…

 

—Bella, tu tá entrelaçando mais as coisas!

 

—Espera mãe, passa a cabeça por aqui… -  bruninho mais ria do que ajudava.

 

—Ai Bella! Não pisa no meu pé! 

 

—Não seja tão fracote!

 

—Espera, passa pra cá…

 

—Não, você precisa passar o braço pra lá!

 

—Gente, o que é isso, estamos num sol de meio dia e vocês se agarrando?! - Ray volta com mais três rapazes, entre eles Junior e Emerson que parecem achar muita graça de verem o patrão embolado comigo.

 

—O tio Edu salvou a mamãe de se esborrachar no chão! - Bruninho disse rindo. 

 

 -Muito conveniente teu tio Edu estar aqui para segurar a Dona Encrenca com seus braços fortes! - O idiota do Emerson falou rindo.

 

—Ao invés de fazer piada, porque não ajuda a gente a se livrar disso?! - Eduardo diz.

 

—Ah não, eu acho lindo vocês dois assim juntinhos, Ray já tirou uma foto?

 

—Eu tô filmando! 

 

—Junior, pega uma tesoura e corta isso aqui- Eduardo diz exasperado.

 

—Tá maluco? Não vai cortar nada, isso aqui foi caro demais!

 

—Minha querida, com respeito? Eu quero que essas luzinhas se…

 

—Eduardo! - O interrompi colocando a mão na sua boca. Ele arregala os olhos incrédulos com o que acabei de fazer. Também fico um pouco, a sensação de seus lábios em minhas mãos causa uns choquinhos estranhos em meus estômago.

 

—Gente calma, parem de ficar se sacudindo de um lado para o outro, isso só entrelaça mais vocês. -Rayane finalmente resolve ser adulta e nos ajudar.

 

Após uns 15 minutos conseguimos nos ver livres um do outro sem danificar minha rede de luz. 

 

—Isso é um claro sinal pra parar com essa loucura de ‘’luzes de natal ’’. - Eduardo resmunga. 

 

—Não mesmo, eu tinha tudo sobre controle. 

 

—Contre do chão? Claro, seria lindo quando tu se esborrachesse no chão e passasse o verão de gesso. 

 

—Chato.

 

—Encrenqueira. 

 

—Já deu né, meus amigos? Bora Edu, vamo subir nós dois no telhado, o Júnior e o Yuri jogam pra gente a rede, a gente prende lá em cima, depois subir na árvore é mole. Lembra que a gente fazia isso desde moleque? E quando tava chovendo a noite a gente ficava aqui na varanda da dona Rosana brincando de salada mista…

 

—Salada que? - Bruninho pergunta.

 

—Salada mista, muleque, nunca brincou? Dez anos nas costas e não brincou? sei… faz de santo não!

 

—Larga de ser idiota, Emerson! - Rayane o repreende, mas está rindo.

 

—Duvido mesmo que as crianças de hoje saibam o que é salada mista, vivem com a cara no celular. 

 

—Meu filho é uma criança pequena, Emerson. 

 

—Sim claro, e a gente na idade dele? 

 

—Já deu né? Vamo terminar isso logo que tô azul de fome. - Eduardo fala já subindo a escada. 

 

—Não pisa na calha - Falo.

 

—Claro que não, não sou você. 

 

—Chato. - resmungo. Mas agora estou olhando para ele e graças ao Emerson estou lembrando da brincadeira de salada mista. 

 

Jessica sempre era a que tapava meus olhos e me deixava espiar para escolher quem eu queria beijar. Eu tentava sempre escolher o Eduardo sem que ninguém percebesse, claro. A gente vivia se estranhando, como eu podia pedir pra ficar com ele? E é claro que eu não era imune ao fato de que ele era/é lindo. E precisava saber por mim mesma porque as meninas acham que ele era o garoto que beijava melhor. 

 

E era mesmo. Só que ao contrário do que Emerson diz, nós já tínhamos uns onze ou doze anos nessa época. 

 

Rapidamente Eduardo, Emerson, Junior e Yuri fazem o serviço. 

 

—Não vai ligar pra saber se tá funcionando?

 

—Não, vou esperar a noite. Se ligar agora perde toda a magia.

 

—Cê que sabe Dona Encrenca. -Ele solta uma respiração pesada.

 

—Podia parar de me chamar assim? 

 

—E perder essa carinha emburrada que tu faz? - Ele aperta meu queixo. - Não mesmo. 

 

—Tem horas que eu não acredito que você ficou tanto tempo sem falar comigo. -Deixei escapar enquanto os outros atravessam a rua para a casa dele, meu filho junto contanto sobre o futebol bem animado. 

 

Me adianto para dentro de casa a fim de fechá-la antes de sairmos. Eduardo me segue. 

 

—Eu também não, mas eu era só um idiota com ciumes. - Ele fala. Aquilo me surpreende, em quase dez anos, Eduardo nunca foi de tocar nesse assunto. Muito menos eu.

 

Se bem que em dez anos, nós dois estávamos exatamente assim, evitando conversas que não fossem superficiais. Ou brigas. 

 

—Então é verdade? Sua mãe disse para a minha mãe que tu ficou bem…chateado quando eu engravidei. Por isso nem olhava na minha cara quando voltou de Portugal. 

 

Eduardo olha para os pés descalços - ele nunca entraria na casa da minha mãe de chinelo- e bufa. 

 

—Putz, Bella, do Jefferson? Foi… difícil. 

 

— A gente não tinha nada. - Falei pegando a chave da porta, fecho a janela e ele me segue para a frente. Não fala mais nada até estarmos saindo pelo quintal. 

 

—Aqueles meses em que a gente ficou mais próximo naquela época… você acha que teria rolado algo?

 

Não consigo acreditar que ele finalmente falou. A frase que me atormentava há anos e eu tinha medo de pensar. 

 

—Talvez… se não fosse a morte do meu pai. Se bem que foi a morte dele que nos aproximou. Nem gosto de pensar nisso. -Abro o portão para sairmos para a rua. Eduardo me segura pelo cotovelo. Paro e viro para ele, sua expressão está nublado. 

 

—As vezes acho que você só quer ver o que te convém. A gente nem brigava ou brigava tanto. É só… gostoso implicar com você. E ver essa tua cara de marrenta com raiva… - Ele morde o lábio e seu olhar cai sobre meus lábios. Umedeço. 

 

—O que você quer dizer, Eduardo? Que se não fosse meu filho a gente taria junto? - falo logo porque enrolação não é comigo. 

 

—A gente nunca vai saber, não é?

 

Aquilo me faz ferver. Me livro do seu aperto. 

 

—A gente sabe. Nunca teria dado. Talvez algumas ficadas… mas somos diferentes demais. 

 

—A gente é exatamente igual. Bella… eu tive muito tempo pra pensar nisso…-

 

—Pensar em que? Que meu filho impediu a gente de ter algo? Não Eduardo, eu nunca iria querer algo com alguém como você!

 

Aquela conversa toda me desestabiliza, dou as costas e vou para a casa dele, decida a ignorá-lo pelo resto da tarde. 

 

Meu filho foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Escolhi o melhor pai? Não, mas isso não importa mais a essa altura. Não vivemos do que poderia ter acontecido, vivemos do que aconteceu. De onde estamos agora. 

 

Chegando a casa de dona Esmeralda, a mãe do Chato, faço o possível para disfarçar a minha irritação. Mas Amanda está lá, e como minha melhor amiga desde que consigo me lembrar, ela percebe algo de errado. 

 

—E essa cara de quem comeu e não gostou?

 

—Adivinha?

 

—Jefferson?

 

—Que? Não. Não tenho problemas com ele. Na verdade, eu poderia até dar um ou outro elogio. Ele realmente está tomando jeito.

 

—Então… falta de macho? Amiga, tá na hora de namorar. 

 

—Já te falei que você é péssima?

 

—Hoje não. -Ela ri e me pega pelo braço. - Emerson me confirmou que Eduardo e Suellen terminaram.

 

—Segundo Eduardo isso é notícia antiga. 

 

—Então… ele ta um gato né?

 

Engasgo.

 

—Tu não tá afim dele não né?

 

Ela dá de ombros e aperta os lábios. 

 

—E se tivesse? Ele é um partidão.

 

—Não sabia que tava procurando um marido. - Me desvinculo do seu braço.

 

—Relógio biológico tá apitando já. -Ela sacode as mãos na frente do rosto.

 

—Não, Amanda. Eduardo não. 

 

—Sabia. 

 

—O que?

 

Ela me olha exasperada.

 

—Olha eu sou sua melhor amiga. Tá na hora de você admitir que é muito afim do nosso amigo mecânico. 

 

—Eu? tá maluca?

 

Ela arqueia a sobrancelha. Como se soubesse de tudo. 

 

—Ok, ele é gato. Eu sei, você sabe e só. Não sou o tipo de mulher pra ele.

 

—Como assim?

 

Respiro fundo e acho melhor nos servir. Pegamos nossos pratos, e nos sentamos perto da piscina, onde posso vigiar meu filho que está se divertindo com outras crianças na água. Eduardo está na churrasqueira com Emerson. Vira e mexe olha na minha direção. 

 

—O Eduardo não quer uma mulher com filho. 

 

—Ele disse isso?

 

—Não precisa dizer. Ele sempre dá a entender… quando fala sobre o que poderia ter acontecido entre a gente se eu não tivesse engravidado. 

 

Queria estar filmando a cara da minha amiga nessa hora. Ela escancara a boca. 

 

—Bella, amiga, tu tem mania de tirar suas próprias conclusões! Se ele toca nesse assunto é porque gosta de você!

 

—Mas falar, como se, tipo, desejasse que meu filho não existisse. 

 

—Mas ele ama o seu filho. 

 

—Como um tio legal. Agora padrasto? Não parece. E meu filho merece mais que isso. 

 

—Amiga, eu acho que tu tá tirando suas próprias conclusões como sempre. 

Desde que teve o Bruninho não deixa ninguém se aproximar muito, vive pra trabalhar, estudar e seu filho. Tem que viver.

 

—Eu vivo!

 

—Viver um amor! E quer saber? Ele é a mesma coisa. Sempre parece que ele tá esperando alguma coisa, esperando você. -Ela olha de novo para o Eduardo, que agora tinha entrado na piscina e tinha meu filho nos ombros. -E toda vez que ele tenta se aproximar um pouco você é sarcástica, implicante…

 

—E ele é chato e arrogante…

 

—Do que você tem medo, Bella?

 

Amanda fala seria. Pego um copo de refrigerante e tomo quase tudo. Nos concentramos em nossa comida por um tempo.

 

Do que eu tenho medo?

 

Olho para o meu filho brincando com Eduardo. Será que no fundo eu evito me relacionar porque estou esperando Eduardo? Até conheci caras legais nesses anos, mas sempre fiquei com o pé atrás. Sempre que eles cobravam mais atenção eu terminava qualquer coisa, já que não queria colocar alguém na frente dos meus sonhos, da minha família. Putz, eu não queria nem incluir um cara na minha família, isso era verdade. 

 

—Ele é um lindo não é? - Sussurro para Amanda.

 

—Ele é. - Ela confirma com a boca cheia. 

 

—Eu precisaria ter certeza. Vai que eu me ofereço e ele me dá um toco? Eu em. 

 

Amanda ri. 

 

—Podemos fazer como antigamente. - Ela pisca. 

 

—Como assim? Amanda…

 

Mas a maluca já deixou o prato na mesa e correu para piscina chamando Eduardo. 

 

Ela se agacha na borda e fala no ouvido dele. Os dois olham na minha direção e eu viro a cara com o rosto queimando. 

 

Rayane senta na cadeira que antes era de Amanda.

 

—Que foi amiga? parece que você quer enfiar a cabeça na terra e sumir - Ela ri. 

 

—Eu vou matar a Amanda!

 

—Aff… ela tá dando em cima do meu irmão? Já falei que só aceito você como cunhada. - Ela ri. Eu olho para ela de súbito. 

 

—Como assim Rayane?!

 

—Ah amiga, você e Dudu são perfeitos um pro outro né? E as faíscas quando estão no mesmo ambiente? é tipo… meu afrodisíaco. - Ela coloca a mão no rosto rindo. -Sério que vocês nunca ficaram? Fora as brincadeiras? Minha mãe jura que vocês estavam se beijando na festa junina da rua, acho que quando o Dudu tinha uns dezesseis anos. 

 

Gemo. Sim, a gente ficou. Mas foi totalmente sem planejar, e ele nem pediu pra ficar comigo! Ele simplesmente me beijou no quintal da casa dele, quando tínhamos ido buscar mais refrigerante pra barraquinha da mãe dele. A gente discutiu -novidade - por alguma besteira, ele segurou meu rosto e me beijou. Depois disse que só queria que eu calasse a boca. 

 

—Ain amiga, a vida tá passando. Vocês precisam se acertar e me dar mais sobrinhos. Bruninho tá doido pra ter um irmão. 

 

—Você e a Amanda tá criando uma fanfic isso sim. 

 

—Amiga! Tudo certo, encontra ele lá no quarto dele. A gente vigia tudo por aqui. - 

 

Amanda volta saltitante.

 

—O que você fez?! 

 

—O que? Falei que minha amiga queria ficar com ele. -Ela sorri 

 

—Amanda!

 

—Adoro! Vai Bella! - Rayane me faz levantar, arruma meu cabelo. -Vem, toma mais refri pra tirar o gosto de cebola da boca, você se entupiu de vinagrete que eu vi.

 

—Eu não vou! vocês enlouqueceram?!

 

—Amiga, olha pra mim. - Amanda me segurou pelos braços me forçando a olhar bem para ela. Seus olhos da cor de mel parecem enormes e divertidos. -É como nos velhos tempos. Eu falei ‘’Tenho uma amiga querendo ficar com você. E aí?’’ E ele foi todo ‘’É a de rosa?’’ E eu ‘’ sim’’ E ele ‘’Manda ela me encontrar no meu quarto’’.

 

—Você é impossível. Eu vou, mas só pra conversar.

 

—Mais beijos, menos conversa. - Rayane resmunga. 

 

—Não, na verdade esses dois precisam conversar.  -Amanda fala finalmente séria. - Amiga, eu sinto que vocês precisam viver isso. Quando eu sinto, eu sinto. Por favor, fale pro Edu como você se sente. E pelo amor de Deus, ouve ele!

 

—Passa o olho no meu filho?

 

—Claro! -Ela me empurra em direção a casa. 

 

Entro sem entender muito o que está acontecendo. O que eu vou dizer?

 

‘’Ei, Eduardo, sabe a Amanda? Ela é maluca. Inventou essa brincadeira maluca…’’

Subo a escada para o segundo andar, meu coração batendo rápido, e por um momento é como ter quinze anos novamente. O medo da rejeição.

 

Paro em frente a porta do quarto dele sem saber se devo bater ou entrar. Olha para a porta do quarto de Rayane, pensando em entrar e me esconder lá. 

 

Quando a porta abre. 

 

—Ah! 

 

—Ia bater? - Ele pergunta, tem um meio sorriso divertido. 

 

—Ia no quarto de Rayane pegar uma coisa… - me acovardo dando um passo para trás. 

 

—Bella. - Ele toca minha cintura me puxando mais para perto, encosta a testa na minha. Minha respiração fica presa na garganta, espalmo as mãos em seu peito. 

 

—É… aquilo que a Amanda falou, ela só tava brincando… - Falo bem baixinho, sem coragem de desfazer a conexão entre nós. 

 

—É… - ele ecoa, umedece os lábios, seus olhos na minha boca. -Então você não quer ficar comigo?

 

—Eduardo… - falo como aviso.

 

—Isabella. - Ele repete.- Eu vou te beijar agora, então se você se opõe, por favor, dê um passo para trás. - Ele fala e seu braço em minha cintura afrouxa. Sua mão demora no meu quadril, mas ele dá um passo para trás. 

 

O acompanho e estou dentro do quarto dele. Nossos corpos próximos novamente. 

 

—Isso é um sim?

 

—Só me beija. - Mas não espero que ele tome a dianteira, uno nossos lábios em um beijo ávido. Aquela boca ligeira em falar palavras que me irritam e me tiram do sério é capaz de me amolecer com apenas um toque. Quando sua língua busca a minha já nem sei mais onde estamos ou o que eu queria dizer. Só há Eduardo, nosso beijo, nosso momento. Seu braço circula minha cintura novamente, e ele me puxa para mais perto, inclinando meu corpo para trás, meus braços passam em volta do seu pescoço e todo o espaço entre nós parece absurdo. Preciso de mais. Mais toque, mais perto, mais beijos. 

 

Entretanto, talvez ele esteja pensando outra coisa, pois vai diminuindo o ritmo do nosso beijo, até terminar com alguns selinhos. 

 

—Muito melhor do que eu me lembro. 

 

—Você também não está nada mal. - Falo. Tomo um fôlego olhando em volta. O quarto agora é bem diferente do que me lembrava das poucas vezes que entrei aqui com a irmã dele. Não há mais posters, as paredes antes pretas hoje são pintadas de branco, tudo parece arrumado e clean. Cama de casal, escrivaninha, alguns quadros de moto, livros em uma pequena estante. 

 

—Bella, me deixa esclarecer uma coisa. - Ele disse recuando até a cama e me puxando junto. Se sentou ali, sua cabeça na altura dos meus seios agora. Me colocou entre suas pernas, e segurando minhas mãos, fala olhando para os meus dedos. 

 

—Quando eu fui para Portugal, eu queria te pedir em namoro. Mas eu conversei com meu pai e ele disse que eu tinha que fazer a minha vida antes de prender você. E eu não podia te prender a mim e não estar aqui por você. Eu queria muito adiar a viagem, mas não podia já estava tudo certo, a moradia, o emprego, a passagem… eu queria ir quando você estivesse cem por cento melhor da perda do seu pai mas eu não podia mais adiar. 

 

—Eu sei, Eduardo, era importante, eu..

 

—Me deixa falar. - Ele me olha. seus olhos parecem brilhar. Sei que abrir seu coração assim deve ser um desafio. 

 

—Eu queria namorar você. Mas primeiro você estava sofrendo com a perda do seu pai, depois eu tinha que viajar e passar seis meses longe… hoje olhando para trás vejo que fui um idiota. Seis meses nem é tanto tempo. Mas naquela época parecia uma eternidade e eu não queria te prender a mim e acabar te fazendo sofrer. Então eu fui, querendo fazer dinheiro voltar, abrir a oficina, namorar você, casar com você…

 

Meu coração parece se partir ouvindo suas palavras.

 

—A gente nem podia se falar direito, até internet lá era cara. Eu só via suas mensagens no facebook muito atrasado e nem sabia como responder direito. Naquele momento eu estava tão apaixonado por você, mas não queria falar… não ainda.

 

—Edu… - seguro seus cabelos com uma mão. 

 

—Eu fiquei muito transtornado quando voltei e você estava grávida. Como você podia ter sido tão idiota… mas a culpa era minha. Eu deixei você no seu pior momento. 

 

—Você ficou comigo todo tempo que pode. 

 

—Eu culpei meu pai. Porque eu queria ter te pedido em namoro antes de ir, mas ele com toda a sua sabedoria não achava certo um homem de dezenove anos desempregado sem perspectiva de futuro pedir uma garota em namoro. -Ele riu com a lembrança. sua testa encostou no meu estômago. -Nós brigamos, a briga mais feia que tivemos. Minha mãe e minha irmã se meteram. Rayane falou que o pai do seu filho não queria saber. Então eu pensei em me declarar, assumir seu filho.

 

Aquilo me surpreendeu.

 

—Quando você me viu… eu estava atravessando a rua pra falar com você, minha barriga estava grande já, você virou as costas e fingiu que eu não existia. Toda a rua viu. Me senti tão humilhada.

 

—Me arrependo disso todos os dias.

 

Ele ergue a cabeça para mim.

 

—Meu pai disse que não devia me meter, que ao contrário do que Rayane sabia, sua mãe tinha dito a ele que o pai iria assumir a criança. Eu não devia me meter que você estava num momento complicado, que eu devia focar em me tornar um homem. 

 

—Teria mesmo assumido meu filho? -sussurrei. 

 

—Eu sou louco por aquele moleque, Bella.

 

—Eu sei. - E sabia mesmo. Minha mãe tinha jogado Bruninho nos braços de Eduardo assim que teve oportunidade. Ela andava pra cima e pra baixo com meu filho enquanto eu trabalhava no shopping ainda, um dos seus lugares favoritos era a casa de dona Esmeralda. Quando ele começou a falar, antes de um ano já gritava algumas palavrinhas, e ‘’Dudu’’ era a mais frequente. 

 

—Voltamos a nos falar por causa dele. -Ele lembrou. 

 

—Sim. -Eu estava no portão de casa numa noite quente, conversando com as meninas, e Bruninho viu Eduardo passar de moto. Ele tinha dez meses na época, ficou super agitado gritando Dudu dudu e sacudindo os bracinhos. Eduardo veio até ele e me pediu para pegar o pequeno.

 

—Eu não sabia como te pedir desculpas, era mais fácil não falar com você. 

 

—Era mais fácil reclamar de mim como mãe. 

 

—O menino estava com a fralda encharcada, Bella.

 

—Ele tinha acabado de fazer xixi! -Rimos. Eduardo tinha reclamado que Bruninho estava molhado assim que o pegou, e assim voltamos a ter quinze anos e implicar um com o outro. 

 

—E o tempo foi passando e fiquei focado na oficina, e era mais fácil implicar com você do que falar a verdade de como me sentia. 

 

—Isso não te impediu de ter péssimas namorada. - Acusei.

 

—Culpado. 

 

—Nem todas eram péssimas. - Cedi. -Mas essa última…

 

—Tudo bem. - ele riu. -O que eu quero dizer com tudo isso, é que talvez… só talvez, eu goste um pouquinho de você.

 

—Pouquinho?

 

—Quase nada. - Ele me fez sentar em sua perna, levou minha mão esquerda aos lábios beijando meus dedos. -E agora?

 

—Agente pode ficar de novo? - Falei.

 

—Sim, com certeza. - Ele me beijou sem demora. Me permito sentir aquilo. Brigar com Eduardo era divertido. Mas ter seus beijos era incrível.

 

esplêndido. 











—Tem certeza que não vai ajudar nem com um real? Não sabia que era tão pão duro, Eduardo! - Reclamo. Semana que vem já será dezembro, e se enrolar mais um pouco não iremos aproveitar nada da decoração de natal na rua.

 

—Você com essa sua ideia maluca de decoração de natal, tua casa dá pra ver do centro da cidade, parece um holofote! E só pra reforçar não quero nada na frente da oficina!

 

—Nem pensar, eu vou no centro com a Rayane e ela vai comprar decoração até mesmo pra oficina. 

 

Rayane revira os olhos para mim.

 

—Obrigada, Bella. Eu ia fazer escondido. 

 

—Rayane…

 

—Irmão, por favor? É o primeiro natal sem o pai, a mãe tá toda chororô, mas ficou animada com o natal, lembra que o pai amava.

 

—Ah Ray faz o que quiser. - Edward diz e sai tempestuoso. Olho para minha amiga culpada.

 

—Desculpa, Ray. 

 

—Tudo bem. O Edu é o que mais tem sentido a falta do pai. Os últimos dias na verdade com vocês sempre brigando e então se pegando tem sido algo bem vindo. Só você tem tirado reações mais normais dele. 

 

—Fico feliz em ajudar. - Faço uma careta. 

 

—Continue assim, cunhadinha. Vamos?

 

— Vou lá dentro falar com ele. Sua mãe emprestou o carro?

 

—Sim, vou tirar o carro enquanto isso.

 

Encontro Eduardo no escritório mexendo em boletos. 

 

—toc, toc. - falo adentrando. 

 

—Como você aguenta? - Ele me pergunta, sem ironia, parece realmente curioso. Olho para ele incerta. -Natal. comemorações familiares. Tudo isso. 



—Eu gosto do Natal. Das luzes. - Falo com sinceridade. - Então por mais que esteja cansada de trabalhar muito, ajudar a mamãe, vê o Bruninho, a facul… só de imaginar como a rua pode ficar eu me sinto feliz. Nem sei como nunca pensamos antes em fazer isso.

 

—Meu pai pensou.- ele fala baixinho. -Quando fizemos na copa ele disse que seria legal se fizéssemos no natal.

 

—E por que.. nossa eu teria adorado a ideia! E ajudado. Por que o senhor Carlos não falou nada?

 

—Ele descobriu a doença antes e ficamos tão preocupados e na correria… que o assunto morreu. 

 

Coloco uma mão em seu ombro. 

 

—Sinto muito Eduardo. Seu pai era um homem incrível e merecia ter vivido muito mais tempo. Mas podemos fazer isso por ele. Por que está tão avesso a comemorar?

 

—Parece errado sem ele aqui. - Ele solta e se senta na cadeira atrás da sua mesa. Me puxa com delicadeza para que sente em seu colo. Vou de bom grado. Nos últimos dias, o colo de Eduardo, os braços dele tem sido meu lugar favorito no mundo todo. Passo os braços em volta do seu pescoço. -Parece errado seguir a vida normalmente sem ele aqui. Como se…

 

—Como se você estivesse se esquecendo dele.

 

—É. Desculpe estar sendo um mala, quando você também já passou por isso.

 

—Ei, não se desculpe. O luto é um processo. Tem dias e dias. Sabe de uma coisa? Você vai se esquecer do seu pai.

 

Ele me olhou sem entender.

 

—Em vários momentos você vai se esquecer dele. Vai se pegar vivendo a vida normalmente, e tem horas que irá se sentir culpado. tem dias que a saudade vai apertar. Nesses dias, de saudade, eu faço algo que gostava de fazer com ele. Eu desmonto e monto o velho rádio dele. Ele sempre me mostrava como desmontava e montava, e eu amava vê ele consertando um rádio, uma televisão… só não peguei o gosto dele por obras Não sei se fazer algo que o seu pai fazia irá fazer você se sentir melhor. Eu acho que gostaria muito de fazer algo que ele não teve tempo de fazer. 

 

—As vezes dói muito, Be. Às vezes parece que eu vou desmoronar de chorar. - Vejo seus olhos cheios de lágrimas não derramadas. 

 

—Chore. Pode chorar, meu lindo. - Beijo seu rosto, sua testa, seu nariz, seus lábios. Ele fecha os olhos e uma lágrima solitária cai. 

 

—Você acredita que um dia vamos vê-los novamente? - Ele pergunta, e sua expressão é tão triste que sinto meu coração partir.

 

—Eu sei que sim. E os nossos ‘’Carlos’’ vão dizer que já sabiam que acabaríamos assim. - Seguro seu rosto com as duas mãos e o beijo. -Eu consigo ver os dois fofocando sobre a gente, meu pai dizendo que você não tinha chance contra meus encantos, enquanto o seu diria que eu tirei a sorte grande porque o filho dele é um partidão.

 

—Você acha?

 

—Que você é um partidão? Claro, concordo com o seu pai! - Consigo fazer ele rir. Seus braços me seguram mais apertado.   

 

—Você é a melhor coisa que aconteceu esse ano.

 

—Ah querido, eu sou a melhor coisa que aconteceu há tempos. Agora vamos? Sua irmã está me esperando. -  Nos levantamos e voltamos para a oficina de mãos dadas. 

 

—E aí patroa, Rayane tá buzinando igual uma doida. - Emerson diz. 

 

—Já vou. - me viro para Eduardo mais uma vez, e o beijo.

 

—Eiiii isso aqui é uma oficina de família! Nada de namoro aqui.

 

Me afasto dele. 

 

—Não somos namorados. - pisco ingenuamente para ele.

 

—Como assim?

 

—Você não me pediu em namoro. E eu não aceitei. 

 

—Ei chefe, dando um mole desse. -Yuri brinca enquanto está trabalhando na pintura de uma moto. 

 

—Achei que não precisava pedir. -Ele coça a cabeça encabulado.

 

—Eu nem vou aceitar - brinco.

 

—Vai namorar comigo sim, Isabella. Se reclamar vai casar também.

 

—Ah não… - bato o pé numa falta birra. -Ele ri me pegando, abraçando e erguendo do chão. -Vai namorar comigo?

 

—Sim. É claro seu bobo. 

 

Ele me brinda com um lindo sorriso, e nao resisto, uno nossos lábios em um beijo.



—Junior, se tu deixar meu boneco de luz cair vai ter problema! - Falo. Ele segura o boneco de um metro e cinquenta com apenas um braço, sem o menor cuidado com as milhares de lâmpadas minúsculas dentro dele. 

 

—Isso é um boneco de neve, Dona Encrenca. - ele rebate.

 

—Tá vendo alguma neve? Não, só um boneco de luz e um calor de matar. São oito horas da noite, como ainda pode tá tão quente? - reclamo para ninguém em especial .Todos da rua estão empenhados em ajudar com a decoração. 

 

—Só uma perguntinha, quando tudo isso estiver no lugar a gente vai fazer um miau?  Onde vamos ligar tudo isso?

 

—Acorda, claro que não vamos fazer um ‘’miau’’. Vamos ligar na casa do senhor Arilson, ele tem gerador e painel solar. Ele mesmo ofereceu. 

 

—Achei que senhor Arilson fosse crente?! -Jessica pergunta, tem um tablet na mão, tentando garantir que sigamos o planejamento que fizemos.

 

—Ele é. E crente não comemora o Natal?

 

—A igreja dele não proibia tudo? Lembra que os filhos dele nem podiam ir nas nossas festinhas de aniversário?

 

—Mulher… não te contei?! - Arregalei os olhos lembrando que não tinha compartilhado a fofoc… informação que minha mãe tinha me passado. -O filho dele virou pastor! De igreja de parede preta, ele reconciliou com o filho e foi pra igreja do filho. Agora comemorar o Natal, aniversário…

 

—Nossa. E a esposa?

 

—Também, mulher, em que rua você mora? Como que…

 

—Mãe! - O grito faz meu coração disparar. Localizo meu filho mancando na minha direção. Sangue. tem sangue na perna dele. 

 

—Bruno! - Grito correndo em direção a ele que tem os coleguinhas em volta parecendo culpados. 

 

—Tia, ele caiu, mas a gente falou pra não subir no muro da casa de dona Neide que é alto!

 

—Mas a gente estava no muro também… - Rafael, que tem a mesma idade do meu filho fala, recebe um olhar do outro garoto mais velho e se cala.

 

—Tá doendo mãe. - Bruninho chora. 

 

—Calma bebê, a mamãe vai levar você ao médico. 

 

—Que isso, tia, foi só um ralado. 

 

—Ei, que foi? Tá chorando amigão? - Eduardo se junta a nós. E como num passe de mágica meu filho para de chorar e sorri.

 

—Ah, tio Edu, eu só caí, só. Mas nem doeu.

 

Em?

 

—Deixa eu vê. - Eduardo se ajoelha do meu lado na rua. Tínhamos conseguido uma ordem da prefeitura para fechar a rua para a decoração. - Sim, só ralou. Vai lá lavar, passa um antisséptico que já vai ficar joia.

 

—Eduardo… - Ele sacode a cabeça para mim e eu me calo. Bruninho funga, sorriso. 

 

— Eu vou, aí eu vou ajudar a colocar aquelas luzes no poste, posso mãe?

 

—Tem certeza filho? Não tá doendo nadinha? Como você caiu?

 

—Ah eu escorreguei quando fui pular, eu tava sentado no muro, aí virei pra pular e descer, mas eu tentei escorregar pro chão, só que daí soltei rápido e ralei no muro.  Olha nem ta doendo mais. Vamos lá na minha casa, Rafael. 

 

Meu filho sai em direção a minha casa com os amiguinhos. 

 

—Filho, o anti séptico…

 

—Tá no banheiro, eu sei! - Ele grita. 

 

—Tem que deixar ele ser mais independente, Bella. 

 

—Mas ele tava chorando, Eduardo. 

 

—Normal, fazendo drama pra mãe. Eu também sou assim.

 

—Fica chorando pra mamãe? - provoco

 

—Fico fazendo dengo pra mãe dele. - Ele se levanta e me puxa.

 

—Ain você tá suado. Ta calor. - reclamo, mas me estico para beijá-lo. Não tem calor que me afaste desse homem. 

 

— Vou ajudar a suspender o corredor de estrelas. Vem?

 

—Já vou, vou conferir se meu filho está bem mesmo ou só se fazendo de forte para o ‘’tio Edu’’. 

 

Encontro ele com os amigos no banheiro fazendo a maior bagunça pra lavar o joelho. Brigo com eles, dou o anti séptico nas mãos do meu filho e peço para ele se lavar no tanque lá fora. 

 

—Mãe, não vai passar o remédio?

 

—Não, tu falou pro tio Edu que passava. Então pode passar. E rápido, quero fechar a casa antes de sairmos. - Ele fica emburrado mas faz o combinado.

 

Fico observando ele lavar e limpar o joelho.  realmente Eduardo estava certo, era só um ralado superficial. Mas o meu coração de mãe não poderia deixar de se apavorar ao ver meu filho ensaguentado. 

 

Voltamos juntos para a rua, e varamos a noite fazendo a decoração. Finalizamos já passando da meia noite e quando ligamos as luzes, tudo valeu a pena. 

 

—É como você imaginou? - Eduardo pergunta no meu ouvido, me abraçando por trás. 

 

—É mais bonito do que imaginei. 

 

—Acho que meu pai teria amado isso, Bella. 

 

—Tenho certeza que sim. 

 

—Tio Edu! - Bruninho para na nossa frente. 

 

—Fala, amigão. 

 

—Cê tá namorando a minha mãe? 

 

—hã…. filho…

 

—Ele que tem que responder, mãe. - Ele fala subitamente sério. 

 

Eduardo se desvencilha de mim, se abaixa ficando na altura do meu filho. 

 

—Sim, cara. Desculpe não ter pedido a você antes.

 

—Tudo bem, eu ia deixar. - Ele dá de ombros. -Mas você não pode fazer ela chorar. Quer dizer, não pode fazer ela triste, porque ela chora quando ta feliz também. - ele se inclina mais para Eduardo, como se fosse sussurrar mas fala alto o bastante para eu ouvir - Ela é bem chorona. 

 

—Eu ouvi isso. 

 

Os dois riem.

 

—Prometo, só vou fazer sua mãe chorar de alegria. 

 

Edward estende a mão e Bruno a aperta como se fechassem um acordo. 



—Minha sogra, a gente não pode esperar até a meia noite para comer! 

 

—Fala isso com a sua namorada, por mim eu já tinha comido e ido dormir!

 

—Gente vocês são muito estraga prazeres! São quase meia noite, a gente já vai comer! - falo colocando a travessa de salpicão na mesa. 

 

—Concordo com a minha nora, o que é esperar mais um pouco? 

 

—Viu? - Aponto para Eduardo. Ele revira os olhos, mas sei que estou perdoada por deixá-lo sem comer até tão tarde. Se não agora, vai me perdoar mais tarde quando estivermos sozinhos.

 

—Então vamos reunir aqui logo e orar, porque se não a dona Rosana vai orar até o ano novo. - Emerson fala se prostrando na mesa. 

 

—Pior que tenho que concordar com ele, tia. Jesus aceita orações mais curtinhas, certeza. - Rayane ri.

 

—Bonito dona Rayane, vou colocar seu nome no caderninho de oração do culto de libertação.

 

—Amém. - Rayane levanta as mãos. 

 

—Para com isso sua doida. - Sussurro. 

 

—O que? Eu não to brincando, é sério. Preciso de libertação amiga, pra poder arrumar um namorado sério, que seja tudo aquilo.

 

—Eu to aqui, prontinho pra te namorar. - Emerson fala.

 

—Quem sabe.- Rayane deixa no ar para a nossa surpresa. 

 

O irmão mais velho de Rayane e Eduardo, Arthur, estava na casa com seus três filhos, uma mais nova que o meu filho, e dois um pouco mais velhos. As crianças estavam se dando bem e brincando. Nós adultos nos reunimos em volta da mesa para a oração da minha mãe, mas ela fez questão de mandar buscar as crianças no quintal porque elas também tinham que participar. 

 

—Vou ser breve, estamos todos com fome ou sono, ou os dois. -Dona Esmeralda riu porque aquele último representava ela. -É ótimo estarmos aqui reunimos, fico muito feliz em ver a união da nossa famílias, minha amiga. - Ela fala diretamente para dona Esmeralda. -A gente já sabia que isso iria acontecer. Poderíamos dizer que é uma pena ter demorado, mas tudo acontece no tempo de Deus. 

 

Eduardo segurou minha mão mais apertado. Retribuo seu aperto. 

 

—Oremos. -fechamos os olhos - Pai amado, obrigada por essa mesa farta, obrigada pela minha família aqui reunida, pelos meus amigos. Obrigada pelo seu infinito amor, por nos enviar Jesus. continue nos unindo em seu amor e na sua misericórdia. Amém.

 

—Amém. - Repetimos. Todos abrimos os olhos olhando um para os outros em dúvida. As orações da minha mãe são famosas por levarem tempo. Sem brincadeira, ela pregava em forma de oração. 

 

—Não vão comer? - Ela diz com um pequeno sorriso. 

 

—Tá tudo bem, mãe?

 

Ela se senta à mesa.

 

—Está tudo ótimo, minha querida. Só acho que se vocês sentirem falta de algum agradecimento ou quiserem pedir algo ao Senhor, peçam vocês mesmos. Podem orar a hora que quiserem, onde estiverem. Hoje, nesse momento, essa foi a minha oração.

 

Satisfeita com sua resposta ela começa a se servir e seguimos seu exemplo. Vejo meu filho se servindo com dificuldade, mas me mantenho no lugar, preciso deixar ele ser mais independente. Ele me olha algumas vezes, incerto da quantidade de colocar. 

 

—Coloca pouco, se conseguir comer pode repetir. - Falo. Ele assente feliz, e vai se sentar no chão da sala com os, agora primos. Eduardo pega minha mão esquerda e coloca um anel no meu dedo anelar. 

 

—Edu…

 

—Não é um pedido de casamento. Ainda. Mas se reclamar eu vou pedir agora mesmo. - Ele fala tranquilo, concentrado na sua comida. Olho para o anel no meu dedo, é delicado, com uma pedrinha rosa, minha cor favorita. 

 

—É lindo. obrigada.  - Falo admirada.

 

—Linda é você. Ele fica bonitinho só porque está na sua mão. - Ele diz. Estende a mão para fazer um carinho no meu rosto. Como pode meu coração se aquecer tanto com esses pequenos gestos? 

 

—Seria precipitado falar que te amo? - pergunto.

 

—Depois de ganhar um anel de brilhantes? Só um pouco. - Ele se volta pro prato. 

 

—Seu ogro!

 

 Ele ri, me puxa para um abraço de lado, escondendo minha cabeça no seu peito, toda atenção da mesa está sobre nós. 

 

—Eu amo você. Esse ogro aqui é todo seu, minha Dona Encrenca. vai ter que me aturar. 

 

—Eu que ia dizer que te amo! Não é justo! roubou a minha declaração de amor! - reclamo e a mesa explode em risadas. 

 

—Eu amo você. Lide com isso - ele fala para todos ouvirem. 

 

—Eu amo você mais! 

 

—Sabemos que eu amo muito mais, porque sou mais alto, cabe mais amor dentro de mim.

 

—Da onde você tirou isso? Não tem nada a ver!

 

A cunhada dele está rindo abertamente.

 

—Eles sempre foram assim? - pergunta ao marido.

 

—Ih, desde que foram colocados no mesmo cômodo. Eu tinha cinco anos, eles competiram para ver quem chorava mais alto. - Arthur diz. Conversas paralelas tomam a mesa entre uma garfada e outra. Sob a mesa, Eduardo come com a mão esquerda e mantém a direita sobre minha perna fazendo pequenos círculos e enviando choquinhos de prazer pelo meu corpo. 

 

Me inclino para sussurrar em seu ouvido.

 

—Está ouvindo isso? Chuva. Como eu disse. - Ele larga o garfo e olha para a janela. É pouca, claramente nuvens passando, mas ainda sim chuva. 

 

—Impressionante. Gostaria de uma rodada de aplausos? - Aperto sua perna. 

 

—Não, seu bobo. Eu amo você. - ele aperta minha coxa e eu sei que ganhei. Pelo menos por enquanto. Tenho certeza de que essa noite ele irá se empenhar em me mostrar o quanto me ama.

 

Fim. 


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