Livraria Longbourn escrita por Rebeca


Capítulo 1
Capítulo 1




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— “É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.” - Depois de começar a ler em voz alta, pela milésima vez na vida dela. Minha mãe dá um suspiro alto e apaixonado. Já eu solto o ar exasperada.

—Mamãe! - Ela mal ergue os olhos da leitura para mim. - A gente já sabe a história, você já decorou esse livro no original e em diversas versões traduzidas ou adaptadas. Por que ainda ler? E em voz alta?

Isso foi como ligar um botão para ela começar a dissertar sobre Jane Austen.

—Mas será possível Isa! Jane Austen é uma das maiores autoras que já viveu nessa terra, ela não só desmascara preconceitos de classe e o elitismo inglês como também é responsável pela melhor história de amor já escrita. Elizabeth Bennet é complexa, não é submissa, além disso tem todo um intelecto que muitos autores se negam a colocar em suas mocinhas. Você já leu sobre a vida dela, como ela lutou e como foi difícil para ela conseguir ser publicada. Ela não ganhou um décimo do que lhe era direito!

—Mamãe, a gente já conhece a história, você fez a gente ver Amor e Inocência no cinema três vezes, você tem todas as biografias e livros teóricos sobre Jane Austen lançados. Mas, de novo, o que te leva a ficar num lindo sábado como hoje dentro de casa lendo esse mesmo livro?

Estávamos na parte de cima da pequena livraria e sebo da família, onde morávamos em sete pessoas. Era apertado e atulhado de papéis, mochilas, livros e lápis por toda a parte, mas era meu lar. Tínhamos uma pequena varandinha onde eu lia ao sol, minha mãe estava na sala lendo em sua poltrona e na mesa da sala de jantar ao lado, fazendo algumas contas do fechamento do mês estava minha irmã Jane. No andar de baixo meu pai deveria estar roncando atrás do balcão já que não havia movimento hoje. Minha mãe não parecia querer dar o braço a torcer e ainda lia, fingindo me ignorar. Tentei uma abordagem diferente.

—Mãe. - Fechei meu livro, marcando onde parei e fui me ajoelhar perto dela. - Por que você não vai dar uma volta na cidade e vê se não tem nenhuma novidade ou fofoca? Você adora isso, e a própria mãe Bennet começa o livro descobrindo que novas pessoas vão comprar casas nas redondezas. Hoje pode ser seu dia de sorte.

O sorriso no rosto de minha mãe ao fechar o livro era tão brilhante quanto seus olhos.

—Oh! Isa! É uma ideia magnífica, vou agora mesmo pedir para seu pai ir comigo numa caminhada, será que você poderia ficar no balcão enquanto estamos fora? - Minha mãe já pegava a sombrinha e fechava o livro, ela não precisaria marcar a página, ela sabia o livro todo de trás para a frente e do avesso.

—Fico mamãe, não precisa se preocupar! - Eu já tinha pegado meu livro e empurrava minha mãe escada abaixo, minha irmã Jane me agradeceu em silêncio por finalmente poder fazer suas contas e trabalhos em silêncio. Os sábados eram tranquilos, eu provavelmente conseguiria continuar minha leitura em paz até meus pais voltarem.

—Oh Sr. Barbosa não está um clima adorável para darmos um passeio? - Minha mãe já gritava nas escadas para meu pai, que como temi estava mesmo quase cochilando no balcão da loja. Mamãe adora o jeito polido e elegante dos romances de Austen e muitas vezes adere o modo de falar para fazer parecer que está dentro de um dos livros, ela nunca deixou de ser romântica e eu invejo isso nela.

—Mas é claro, minha querida Sra. Barbosa. Isa, querida, poderia ficar no caixa enquanto partimos para um agradável passeio. - Meu pai nunca negaria fazer as vontades de minha mãe, ele ainda era muito apaixonado por ela e já foi logo estendendo o braço como um perfeito cavalheiro. Piscou discretamente para mim enquanto minha mãe dava risada.

—Sem problema nenhum, amado pai. - Me posicionei atrás do balcão teatralmente e fiz uma adorável reverência.

Eles iam andando enquanto eu abria meu livro e voltava a meu mundo particular, quando minha mãe fala:

—Se algum distinto cavalheiro vier para pedir a mão de alguma de minhas filhas certifique-se que ele tem terras e uma boa quantia.

—Eu tenho um mestrado e Jane também pra provar que isso não é necessário! - Gritei enquanto ainda acena para eles irem logo passear. Seus risos ecoaram de longe.

….

Eu estava já bem avançada em minha leitura e com os pés em cima do balcão quando minha mãe chega voando e berrando palavras incompreensíveis. Fechei o livro e esperei meu pai chegar (um pouco atrás e muito mais esbaforido) para me contar com calma o que havia acontecido.

—Mas o que foi? Alguém morreu? - Sai do balcão e fui pegar um copo d’água no bebedouro no fundo da loja para meu pai.

—Não… Alguém… - Meu pai respirava com dificuldade, se apoiando no caixa para tentar juntar ar suficiente. - Alguém alugou o prédio da rua de baixo, em frente à pracinha. - Todo o conteúdo do copo foi sugado de uma vez com direito a exclamação de prazer depois.

—Aquele prédio abandonado? - Olhei confusa e depois olhei para cima onde vários gritos de mamãe ainda podiam ser ouvidos. - Mas o que alguém poderia querer com aquele prédio velho no centro? E por que isso alegra tanto a mamãe? - Usei meu indicador para apontar todos os passos pesados que ela dava no andar de cima e toda a cacofonia sem sentido.

—Quem alugou foram duas figuras do mundo tecnológico que vão trazer uma nova livraria pra cidade.

Meus olhos se esbugalharam diante da novidade. Então isso tinha causado toda a agitação da minha mãe.

—O quê?

—Isso mesmo, aparentemente uma filial da loja vai abrir para poderem vender alguns livros físicos e… leitores digitais. - Meu pai parecia arrasado ao terminar a frase, ele deixou o copo no balcão e subiu para o apartamento. - Ah, será que você podia fechar hoje, eu… não estou muito bem.

—Claro, pai. Sem problema. - Cruzei os braços e me encaminhei para a entrada da loja, de lá eu podia ver o centro depois de algumas descidas de ladeira, era cheio de prédios velhos. Encarei a fachada com uma placa azul e branca na frente, provavelmente o aviso da mudança. Suspirei resignada e decidi fechar a loja mais cedo naquele dia. As coisas não iam ser fáceis.

….

Mamãe estava em estado de pura excitação. Após fechar a loja, subi e dei de cara com ela segurando uma folha de papel e lápis com gestos teatrais e exagerados, porém diferente de papai ela parecia feliz com a novidade.

—Vai ser maravilhoso! Podemos vender edições limitadas e raras para eles ou mesmo fazer uma parceria onde lá eles ficam com a parte digital e papelaria e nós com os livros físicos. Não é maravilhoso? Novidades, pessoas novas e tecnologia!

—Eu pediria para ter calma, mas sei que seria ignorado, então prefiro que continue com toda essa energia - Meu pai tinha pego o jornal e lia ele em sua cadeira preferida.

—Querido! Você é peça chave nessas negociações! Deve falar com eles, ou com os representantes— Mamãe falou cada sílaba dessa palavra pausadamente - e fechar negócio.

—Não sei se quero ir e receber o “Não” que eu já tenho.

—Oh! - Tentei segurar o riso, mas Jane falhou, a careta de dona Luisa Barbosa era hilária demais. Papai estava só atrasando o “sim”, ele nunca negava nada a mamãe.

—Por que não pede a uma das meninas para fechar o negócio? Garanto que Isabel é mais que capaz de formular uma proposta e se portar educadamente.

—Ora, não diga besteiras. Tem de ser você, e se fosse para levar uma das meninas que levasse Jane que tem formação com números e negócios.

—Eu não acredito que minha graduação e mestrado na parte de economia e administração foram renomeados dessa maneira. - Jane falou baixinho enquanto ainda fazia contas, dessa vez com seus óculos e olhando para planilhas no computador.

—Ei! - Falei alto para chamar atenção de minha mãe. Coloquei as mãos nos quadris ainda indignada - Posso não ter formação em exatas como Jane, mas eu consigo redigir uma proposta decente e eu sei me portar, fique sabendo que eu já defendi um TCC e enfrentei uma banca de mestrado. - Cruzei os braços em desafio. Nós, garotas Barbosas tínhamos mais do que rostinhos adoráveis, nossos pais sempre prezaram conhecimento em primeiro lugar.

—Oh querida, é claro que você é inteligente, mas talvez não tenha o conhecimento técnico de sua irmã.

—Então que vão as duas juntas! - Meu pai gritou indo em direção a cozinha, talvez para buscar um café.

—Mas querido! Sem você? Só as duas moças? - Luisa já estava indo atrás dele, mas não correu muito pois ele voltava da cozinha com uma xícara de café. - Não sabemos quem são essas pessoas? Podem ser ardilosos, podem ser cruéis…

—Então com o conhecimento técnico de Jane e toda a inteligência de Isabel, eles não terão chance.

Sorri envergonhada diante do elogio de meu pai. Ele sempre dizia que eu era a mais inteligente das cinco filhas, assim como Jane era a mais gentil (e bonita) e Lídia a mais engraçada, segundo minha mãe.

Minha mãe ficou pensando e se aquietou por um momento, peguei meu livro e fui para a varandinha, tentei ler, mas só o que me vinha a mente era como tentar segurar as pontas quando nós já estávamos no limite.


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Notas finais do capítulo

Obrigada se leu até aqui, sinta-se a vontade para comentar e críticas são sempre bem vindas. Espero que gostem dessa jornada numa releitura de orgulho e preconceito



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