1001 cartas para chegar até você escrita por Liliquinha


Capítulo 1
Capítulo 1 – Primeira carta, como tudo começou


Notas iniciais do capítulo

Resolvi escrever uma história com o casal que mais gosto da Turma da Mônica Jovem: Mônica e Do Contra. E mesclar nisso a ideia das Mil e Uma noite. Espero que gostem.
É minha primeira fic, por isso sejam gentis.
Críticas são bem-vindas, hate, não.



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Era uma segunda-feira nada especial de fevereiro. Voltando da escola, Mônica entrava em casa quando sua mãe lhe disse que tinha uma carta para ela entre os poucos na caixa de correio. Entregou-lhe um envelope branco, comum, nada especial. Ela estranhou, não tinha nenhuma data comemorativa próxima. Virou-o de um lado para outro à procura de informações básicas, como o remetente, mas nada. Só tinha escrito “Para: Mônica”. Era no mínimo peculiar. A mãe a tirou dos pensamentos dizendo que o almoço estava quase pronto. Mônica levantou a cabeça para olhar a mãe e sorriu de leve. Assentou com a cabeça e disse que só iria colocar a mochila no quarto e já iria descer para comerem juntas.

No caminho, ainda pensava. De quem seria? Considerando a situação como um todo, só havia uma pessoa que faria isso. A carta não ter um remetente não era a coisa mais estranha disso tudo, para ser sincera. Receber o envelope do nada, sem uma razão, uma data especial como desculpa... Bem, depois ela leria para saber do que se tratava. Se era uma carta, não tinha urgência. Desceu para a sala de jantar e ajudou a arrumar a mesa. As duas comeram entre as típicas conversas: “Como foi seu dia?”, “E a aula?”, “muito dever de casa?”; coisas normais...

Pensou na carta. Não seria urgente, porque se fosse, uma carta teria sido a pior escolha. Por que não um telefonema? Ou uma mensagem de celular? Urgente não era. Importante? Seria de um parente distante? Um “feliz aniversário” bem adiantado, ou muito atrasado? Ou talvez fosse uma desesperada confissão de amor, como eram as românticas correspondências... Qualquer coisa parecida lhe dava medo. O que esperar? Era um envelope bem ordinário, de tão comum chegava a não significar nada e por isso ela não sabia o que esperar. A curiosidade a tomou de assalto. Apressou o fim do almoço e logo que terminou de ajudar a mãe, correu para o quarto a fim de “estudar”. Pegou o envelope branco com seu nome, esperando ao menos uma típica carta ao abri-lo. Com cuidado rasgou uma lateral.

Nas mãos tinha o conteúdo: três folhas datilografadas apenas na frente. No verso, havia marcas das teclas da máquina que endentaram o papel. Alguns pontos de corretivo esporadicamente espalhados. Nenhum cabeçalho com a data ou local... Nem “Prezada Monica...”, nada do típico ou esperado. Ainda mais que era uma carta feita à máquina de escrever. Quem é que teria uma ainda? Ela riu... Claro que um nome vinha à mente. Só tinha uma pessoa para fazer tal coisa. Com qual objetivo? Só saberia quando lesse a carta:

***

História de Halam Al-Hakim, filho do mercador e a Princesa Layla Al-Jamila, a curiosa estrela do Oriente. Em uma tarde de verão, um mercador de Zenóbia, de passagem pelo Império, pediu uma audiência com a princesa Layla Al-Jamila, prometendo pagar regiamente pelo encontro. A princesa concordou em recebê-lo diante da corte, formada pelos mais nobres conselheiros e por fieis servos. Diante de todos, o jovem Halam Al-Hakim prostou-se pedindo a autorização da Princesa para contar uma de suas histórias maravilhosas, pedindo somente em pagamento um tesouro se caso ela agradasse da narrativa.

Ela sorriu de escárnio, refletindo sobre a proposta. “Halam Al-Hakim, mercador de Zenóbia, acredita mesmo que uma história vale um tesouro? Não me parece bom negociante.” Todos os presentes se riram. O mercador não. Então, a Princesa lhe perguntou com desdém que tesouro, na concepção do rapaz, valeria a história que ele pretendia contar. E ele lhe respondeu: “Vossa Alteza, magnífica Princesa Layla Al-Jamila, o tesouro que peço ouro e prata não podem pagar, nem à força deve ser tomado. Aceitá-lo-ei se de bom grado for me concedido. No entanto, não vos preocupais, só poderei pedi-lo após findar a história, e não devo recebê-lo se Vossa Alteza desagradar do que vos contarei.”

A Princesa Layla Al-Jamila decidida então lhe dirige a palavra: “Halam Al-Hakim, filho de Asmar, neto de Salim, mercador de Zenóbia, aceito sua proposta. Agora é firmado o acordo: conceder-lhe-ei o tempo e os ouvidos atentos para que me conte uma de suas histórias. Se dela eu agradar, terá o tesouro que me pedir; mas se dela eu desgostar, terei sua cabeça cortada, como punição por sua audácia e presunção. Terá o tempo que a areia desta ampulheta lhe oferecer. Assim foi acordado, com testemunhas está escrito.” O filho do mercador sorriu à Princesa em concordância com a condição imposta. Trouxeram-lhe pão e chá torrado, dos quais ele bebeu um único gole e comeu uma única mordida. Submisso, esperou que a princesa lhe autorizasse começar sua narração. Ela então ordenou a uma serva que virasse a ampulheta, enquanto todos da corte ajeitavam-se em suas almofadas para escutar melhor o jovem mercador. Este começou contando assim:

Uma manhã de sol brando e vento ameno, Farhad Al-Naim acordou de um belo sonho. Comendo com sua mãe e seu pai, ele dividiu a visão que tivera na noite anterior: Uma Fada brilhava com as cores da lua e diamantes, olhos de um azul claro como as águas cristalinas do Rio Sef, tinha a roupa branca brilhante e de braços abertos lhe disse: “Farhad Al-Naim, filho de Nerum, neto de Samael, sapateiro de Girah, eu, a Fada Jandira Al-Nour, lhe convido ao meu Palácio de Cristal. Não traga mais do que lhe for necessário, pois tudo lhe será dado. Aqui aguarda seu destino e um tesouro lhe espera.” Assim que acordou, estava certo de que tinha que de partir imediatamente e ir até o palácio da Fada. Não pretendia demorar um minuto a mais. Sua mãe desatou em pranto, temendo pela vida de seu único filho. Seu pai olhava-o consternado, mas compreendia que um sujeito não fugiria jamais de seu destino, por isso colocou sua mão pesada no ombro do filho e lhe deu o punhal que o protegeria dos perigos. Sua mãe o abraçou ainda chorosa e cobriu sua cabeça com o véu para que o sol não o queimasse durante a caminhada. Preparou para ele pequeno embrulho com um pão seco e um bolsa de água para a viagem. Farhad beijou as mãos dos pais e saiu em sua jornada. Quando lhe ofereciam um lugar para ficar e algo para comer, aceitava agradecido; mas se lhe ofereciam algo para levar, repetia que levava consigo nada mais que o necessário: o véu de sua mãe e o punhal de seu pai, nada mais que pão e água suficientes para um dia. Deus proverá.

Andou pela estrada de sua cidade natal até o deserto, perguntando a quem encontrasse como chegar ao Palácio de Cristal. Seria uma viagem mais proveitosa se ao menos conhecesse a rota até o castelo da Fada Jandira Al-Nour. Lembrou das palavras chorosas de sua mãe que o pedia que não partisse. Lembrou-se dos conselhos de seu pai, alertando-o sobre os perigos da viagem. Carregava no coração a dor e a saudade, mas orou, pedindo que a dor que eles sentiram ao vê-lo partir fosse compensada pelo sucesso do filho. De cabeça erguida, continuou a andar, pedindo que o vento o guiasse até seu destino, que almas boas pudessem lhe auxiliar no caminho e que honrasse os pais. Seu coração parecia revigorar-se, enquanto o vento lhe soprava coragem e lhe indicava a direção de seu destino. Caminhava sem paradas ou descanso. Encontrou um poço. Decidiu fazer uma pequena parada para encher a bolsa de água e aproveitar a fresca sombra onde descansar um pouco, preparando-se para a jornada tão longa que tinha pela frente e suas rotas incertas.

Uma senhora se aproximou do lugar, carregando uma jarra pesada. Cumprimentou-o e se pôs a puxar a corda do poço, mas tinha bastante dificuldade, parecia pesado demais para ela. Farhad a ajudou, o que a fez agradecê-lo profusamente. Em seguida, perguntou-a se conhecia a direção ao Palácio de Cristal da Fada Jandira Al-Nour. A muitos perguntou, poucos puderam lhe informar. Ela sorriu, pois saberia retribuir a ajuda que recebera. Apontando uma direção, falou: “Dizem que fica no topo da Montanha de Vidro e Gelo, aquela que brilha como diamantes ao sol, muito íngreme e escorregadia para se escalar; é necessário ter consigo as agulhas de prata mágicas.” Perguntou a ela onde poderia encontrá-las. Com o ar de consternação, a mulher lhe respondeu: “Ah, seria impossível tê-las, não há motivo para te ariscar tanto...” Farhad insistiu. “É uma missão quase impossível, rapaz. Muitos arriscaram. Dos que sobreviveram, conheço apenas um, um pobre compadre... E por pouco também não escapa... Quando saiu a buscar as agulhas, era um homem cheio de vida e feliz, com o futuro abençoado pela frente... Agora está fadado a mendigar e depender da caridade alheia... Sua busca custou-lhe os olhos e tudo que lhe era caro. Ouso dizer que é como se perdera a própria vida.” Farhad encarou-a consternado e cheio de compaixão. Ajoelhado, segurou as mãos enrugadas da senhora e lhe pediu que o levasse até o cego. “É meu destino lá chegar, boa senhora, auxilia-me, eu te imploro.”

A contragosto, a senhora concordou, e os dois foram à casa dela. Uma humilde cabana onde um homem de roupas surradas e feições tristes que segurava uma bengala torta de madeira e que olhava na direção do nada. A senhora chamou-lhe a atenção para oferecer-lhe água. Ele aceitou bastante agradecido. Apresentou-o ao convidado, enquanto colocava à disposição dos dois uma parca refeição. Para não humilhar a anfitriã, Farhad tirou o mínimo para comer e voltou-se para o cego, suplicando-o por informações sobre as agulhas mágicas.

O homem contemplou o vazio longamente antes de dizer: “O caminho até as agulhas mágicas é traiçoeiro e arrebatador. Nele perdi a visão. Quem tanto se arrisca, chama a morte. Evite, rapaz, se quer sua vida pela frente.” “Por favor, diga-me como fizeste para chegar até lá.” Suplicou novamente Farhad. O cego parou por um tempo, rememorando a dolorosa lembrança. Por fim suspirou derrotado, atendendo ao pedido do jovem contou:

“Uma noite, sonhei que havia entrado no Palácio da Fada Jandira Al-Nour, na sala de seu tesouro onde os diamantes reluziam como mil estrelas... Acordado de repente, mas ainda de olhos fechados, ouvi a voz de um gênio monstruoso que parecia me sorrir. Falando meu nome, prometeu que me ajudaria a chegar ao tesouro que acabara de vislumbrar, pedindo apenas uma promessa em troca: depois de haver pego quantos diamantes quisesse, eu teria de apunhalar a Fada enquanto dormisse. Cego pelo brilho e atormentado pela pobreza, na hora não vi mal. O gênio então explicou-me o caminho até a caverna de Djal, o guardião das agulhas. Alertou-me para não levar nada nos bolsos, nada no coração; qualquer coisa seria pesada demais para subir a montanha. No entanto, ignorei. Não vi mal em levar uma jarra de água para matar a sede na caminhada. A rota era simples: devia adentrar a floresta de palmeiras. No meio do percurso, encontraria uma gruta de pedra, conhecida por Agnir. Lá dentro, fazia um calor insuportável indicando ser a morada do leão de fogo. É a besta que guarda as agulhas e também percorre o curso do céu junto de outras feras solares. Ele resplandece um brilho tão intenso que cega quem os olhos nele fixa...”

Farhad interrompendo a narração, perguntou: “Como lutarei contra um animal que não posso ver?” Levantou os ombros e esboçou um sorriso cínico: “Se eu soubesse da resposta, não teria ficado cego, não é mesmo?”, constatou amargo. “A verdade é que não deve travar batalha contra Djal, por certo perderia” alertou-o. “Deve adentrar o local quando o sol se pôr: essa é a hora em que o leão se recolhe na gruta. Lembre-se do dizer: enquanto ver o Sol brilhar no céu, os olhos de todas as feras do Sol poderão vê-lo. Dentro da caverna, ele dorme na câmara inferior à da entrada. Fiz tudo o que deveria ter feito, esperei o tempo que deveria e quando entrei na gruta, dei de frente com a parede de prata das agulhas mágicas, brilhando tal como se tilintassem. Entrei pé com pé, bastante cautela, mas carregava comigo uma jarra de água que não deveria... O laço que a amarrava a meu corpo se desfez e ela se espatifou no chão antes de eu alcançá-las. O barulho acordou Djal que rugiu tão forte a fazer as paredes tremerem e o chão a se esquentar. Atordoado, olhei na direção de sua câmara e ao vê-lo, fiquei cego...” O relato trouxe lágrimas ao homem. “Pensei que fosse me comer vivo, mas fez pior: “ladrão!” Gritou Djal. “agora vive com as marcas de teu crime. Por sete anos te amaldiçoou, por sete vidas estarás condenado. Teu nome mancha a história, pois é o nome de um criminoso. Com ele, suja teu pai e os homens que vieram antes de ti e tudo te ensinaram. Serás motivo das lágrimas de tua mãe e de todas as mulheres que te amarem. Vai! Jamais verás a luz do sol novamente.” E assim, consegui com dificuldade da sair da infernal caverna, rastejando feito um bicho até que a custo de muito implorar ao Misericordioso, uma viva alma auxiliou-me a voltar para a aldeia, onde tantas almas caridosas me socorrem até hoje... Ai de mim que caminhei por rotas tortuosas.”

Farhad escutou atento o relato, viu a dor do homem, ainda que a lei o tenha ensinado a não se compadecer de um criminoso. Suspirou fundo e lhe disse: “Pobre homem, infeliz o dia em que caíste em tentação e conspiraste contra tua honra e teu destino. Chora tua dor, mas não por muito, lembra que a ti mesmo a causaste, por isso pranto nenhum mais mereces. Já recebeste o devido castigo, não me cabe condená-lo. Agradeço-o, no entanto, por tua história. Por mais trágica que seja, agora ajuda-me a encontrar caminho.” O homem lhe sorri e replica: “Se ao menos pude servir de algum auxílio, minha vida e ruína não foram em vão. E isso me consola. Usa meu conto como aviso e não caias na mesma armadilha. A vaidade me quis rico, paguei por ela alto preço.” O jovem respondeu: “Tua história me serve de direção, mas não de guia. Fique certo de que eu só vou aonde for convidado.”

A senhora que atenta ouvia a conversa dirigiu-se a Farhad. Apontando para a janela, disse: “O sol não demora a se pôr, rapaz. Se precisas da noite para entrar na caverna, precisas da luz do dia para ver o caminho e ir em segurança. Vá e cumpra tua sina.” Farhad Al-Naim agradeceu os dois e pôs-se a caminho de seu destino, até a caverna de fogo...

A ampulheta acabara por fim de se esvaziar a parte de cima. O jovem mercador de súbito se calou. O silêncio na sala era perturbador. A jovem Princesa olhou para a ampulheta com um semblante contrariado e pesaroso. Um cortesão lhe dirige a palavra: “Vossa Alteza, Princesa Layla Al-Jamila, filha do Sheik Abu Ali Youssef, o próspero, estrela do Oriente, agora devei pagar ao mercador o que lhe é devido. Como fora acordado, se vós gosteis da história, então paguei a dívida e entregai-lhe o tesouro prometido. No entanto, se a vós não agradásseis esta narração, condenai-o à morte. Por obséquio, sentenciai-o agora.”

A Princesa precisou de alguns instantes para tomar fôlego e respondeu o seguinte: “Juri que estais comigo, como poderei decidir se gosto ou não de uma história se não a conheço até o fim? Não estaria sendo justa se o condenasse à morte; mas também não me é devido pagá-lo o tesouro, posto que ainda não é findada a história, e, portanto, não sei se me agrada. Decreto assim que Halam Al-Hakim, filho do mercador de Zenóbia, concedo-lhe mais uma sessão para terminar sua história...

***

Ao terminar de ler, Mônica ficou furiosa. Por que alguém em sã consciência a mandaria uma história que não termina? Argh, aquele suspense iria matá-la. Era esse o objetivo?! Não tinha mais dúvida quanto a quem mandou a carta: o Do Contra! O que ele queria com aquilo? Deixá-la furiosa? Pois conseguiu! Será que ele tinha esquecido de mandar o resto? Não. Se alguma coisa tinha lógica nessa situação toda era que aquilo não ter conclusão era proposital. Por quê? Bem, essa é uma pergunta que uma pessoa racional não poderia responder. Será que ele enlouqueceu e resolveu virar escritor e então resolveu mandar uma carta para cada um da turma? E agora cada um tinha nas suas mãos um capítulo daquele conto sem fim? De novo, por quê?! Era uma pergunta simples, porém por mais que tentasse não encontrava uma resposta. Afinal não era uma questão que requeria raciocínio lógico; tratava-se de uma maluquice, um impulso impensado. A conclusão obtida de uma mente perturbada e sádica! Que pessoa normal mandaria uma história que não termina por carta?! Escrita à máquina de escrever?! Na era digital?! Ela decidiu que o mais racional a fazer é confrontá-lo imediatamente, precisava das respostas para aquele enigma de doido. E só ele as teria!

Primeiro, Mônica acalmou-se da raiva, considerando que era uma reação exagerada e imatura para o problema, que, diga-se de passagem, nem era um problema. Respirou fundo, guardou as folhas dobradas novamente dentro do envelope. Colocou-o em uma bolsa pequena e desceu as escadas. Dona Luísa estava assistindo à televisão quando a filha se despediu apressadamente, dizendo que ia ali, prometendo voltar daqui a pouco. A mãe concordou e Mônica nem esperou que dissesse outra coisa; determinada, correu para a casa do garoto contrariado da turma.

Nimbus, o irmão mais velho, atendeu a porta. Ele tinha um dos seus sorrisos “cínicos” e despretensiosos, o que fez Mônica ficar corada. Cumprimentou rapidamente e perguntou logo onde estava o caçula. O sorriso se alargou e ele apontou com o polegar para a escada.

— No quarto. Pode subir, ele só está estudando. Nem atrapalha.

Ela riu desconfortável da piada dele, e agradeceu sorrindo sem graça. Mas ficou sem reação por uns instantes. O rapaz mágico, vendo o desconforto óbvio da garota, meio que a empurrou escada acima, levando-a até o quarto do caçula.

— Não precisa ficar tímida, não. Aqui somos todos bem moderninhos.

Ele riu e Mônica ficou ainda mais vermelha. O que diabos ele queria dizer com aquilo?! Ela queria respostas, não modernidade. Pararam na frente do quarto de DC, que estava sentado na cama com um livro na mão. Nimbus segurava o ombro dela quando empurrou porta entreaberta do quarto do irmão.

— Ei! Já te disse que ficar sentado na cama vai acabar com sua coluna. O colchão não é para sentar, é para deitar. Se quiser fazer lição de casa, use aquela ótima escrivaninha que está bem ali! – apontou para o móvel – A propósito, você tem visita. – deu um leve empurrãozinho em Mônica.

DC olhou para a direção dos dois, aparentemente desinteressado. Nimbus sorria com todos os dentes, parecia um tubarão esquisito. Mônica, a garota mais forte da turma, estava acuada e vermelhinha ao lado dele. Reparou na mão dele no ombro dela, mas não disse nada. Voltou-se para o livro no colo, ignorando-os.

—Obrigado pelo aviso. Como mágico, você é um ortopedista bem repetitivo. Pode ir, você já fez seu pronunciamento. – ele não tirava os olhos do livro de física, o que incomodou Mônica – Ainda está aí?

— Está bem, já fui, vou deixar os pombinhos a sós... – disse afastando-se e indo para o quarto – não façam muito barulho, por favor.

Ela ficou em pé no portal, um tanto acanhada com aquelas interações estranhas. Por que ninguém podia ser normal naquela casa? É contagioso ou hereditário? Ela suspirou um pouco para se acalmar e olhou bastante o quarto dele: Uma parede preta, duas cortinas, uma de cada cor, com rasgos grandes (serviam para que se não para tampar o sol?), o guarda-roupa que ocupava a parede toda paralela a ponta da cama, na lateral da porta, a escrivaninha preta, da qual 3 das 5 gavetas estavam abertas, explodindo coisas, inclusive um vaso de flores... Roupas espalhadas, uma luminária de lava, algumas vasilhas sujas... Muita bagunça, mas nem sinal de uma máquina de escrever...

— Aham... – ele limpou a garganta, tirando-a dos pensamentos. Encarando-o, Mônica viu a cara debochada dele, o que não era inusual. – Se não se importa, eu estava fazendo lição de casa. A não ser que você só veio a passeio e quis fazer uma excursão no meu quarto. Se for isso, seja bem-vinda, o tour não inclui...

— Não é nada disso e você sabe porque estou aqui. – ele revirou os olhos enquanto ela remexia na bolsa para tirar o envelope de lá.

— Os jovens já não são mais educados como antigamente... Nem um “ciao”? – olhava-a com um ar entediado.

Ela mostrou a ele o envelope entreaberto. Ele analisou-o por alto.

— Você não acredita no sistema dos correios também e prefere entregar suas cartas em mãos? E abertas para eu não ter trabalho de abrir... – o sorriso debochado dele a fez querer socá-lo.

— Não seja cínico. Foi você quem me escreveu, não foi?

— Por que está me acusando se aqui nem tem meu nome? Até onde eu saiba, qualquer um poderia ter escrito isso...

— Uma carta? Em pleno século XXI? Datilografada? Sem cabeçalho e outras características de uma carta comum? Nem um bilhete, só uma história que não termina? Não, só consigo pensar em uma pessoa que poderia ter escrito: o garoto mais contrariado da turma.

— É. São argumentos plausíveis. – disse ele balançando a cabeça em concordância – Realmente, faria sentido. Mas, meritíssima, todos somos inocentes até que se prove o contrário. E hipóteses plausíveis não são provas concretas.  – A cara dela se contraiu de raiva e frustração. – Além do mais, meritíssima, por que o tom de acusação? Qual é crime?

— Eu vim saber por que você me escreveu essa “carta”.

— Bem, eu saberia o motivo de ter escrito a carta, se eu a tivesse escrito. Mas não está assinada, não tem remetente, então pode não ter sido eu. E se não escrevi, não sei o motivo de ter você recebido... – o olhar dela emanava ira e frustração – E por que está com raiva?  Porque não sabe quem é o remetente ou porque não a história não tem final? 

— Eu sei quem é o remetente, o que eu não sei é o motivo de ter mandado. E é por isso que eu vim aqui...

— Se te consolar, eu posso dizer que fui eu que te mandei, ainda assim só posso cogitar motivos, não sei ao certo. Pensa por outro lado, se não tem remetente certo, logo também não tem motivo definido. – A cara de enfado dela era óbvia – Ou você só quer saber quem escreveu para exigir o final da história? – os olhos dela arregalaram surpresa – É boa assim?  Você gostou da história?

O sorriso dele se alargou, o que a fez corar. Ele começou a abrir a carta como se quisesse ler. Ela o encarou com um olhar desafiador:

— Como é que eu vou gostar de uma história que não termina?

Ele a ignorou e começou a mexer nas folhas. Mônica reagiu sem pensar. Pegou o papel da mão dele, sem querer amassando levemente. DC a encarou com surpresa e descrença.

— Não é bobo você não querer que eu leia a carta que eu supostamente escrevi?

Sim, era bastante infantil. Ela não sabia o que responder a não ser encará-lo. Ela sabia que seria difícil confrontá-lo, descobrir os motivos que o levaram a mandar uma carta anônima... Talvez não conseguisse arrancar dele a confissão de que escreveu de fato aquela história sem fim... De repente, ela se viu perguntando que diferença faria. Saber quem escreveu ou não, não mudaria o fato de que recebido um conto inacabado.

— Se você admitir que escreveu e me disser o motivo, eu deixo você ler... – desafiou.

O que ela queria mesmo era saber só a identidade do remetente, certo? De repente, Mônica não sabia bem o que esperava daquela interação. Viera confrontá-lo sem pensar no que dizer, ou sem refletir sobre o que realmente queria. Tremia sutilmente, enquanto desamassava a carta, verificando o que tinha acontecido com o papel levemente enrugado. Ele a observava curioso. De súbito, abriu ainda mais o sorriso que fazia o coração dela bater mais rápido.

— Não sei porque está com tanta raiva... Final em aberto é a coisa mais clichê dos filmes. De terror, então é quase regra... – Ele riu. – A câmera se afastar dos personagens principais, aliviados por terem escapado do monstro, para então focar na lava incandescente de onde a mão dele sai! – a voz dele se elevou para “assustá-la”, sem efeito – E então aparece na tela “continua” ... É por isso que as histórias não têm fim, porque elas continuam.

Sorriu o moreno de traços orientais. Aquele sorriso inocente e travesso. Mônica soltou ar pelo nariz, “derrotada” por aquela conversinha furada. Frustrada, virou-se bruscamente e saiu pisando duro. Era impossível discutir com DC. Se trazia lógica para conversa, ele era o primeiro a descartá-la. Se fosse ilógica – pelo menos tentasse –, ele a vencia por ter mais experiência no assunto. Era engraçado, apesar de extremamente frustrante. A história antiga de duas pessoas muito teimosas e cabeças duras e, quem ganharia?


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