Soufflés and Ice Cream Cake escrita por Farkle


Capítulo 1
Tiramisu




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Will corre da chuva como se fosse o Diabo correndo da cruz. Ele pula uma, duas, seis poças, dando o seu melhor para não encostar o pé no chão. De todos os dias que ele podia ter esquecido de recarregar sua prótese, esse definitivamente foi o pior deles. Ter uma perna mecânica na maioria dos dias não é nenhum problema (se você ignorar os olhares e perguntas idiotas, o que Will faz), contudo, hoje em particular, o mundo está caindo sobre sua cabeça e sua perna aprova d'água está em casa enquanto ele está preso com a que definitivamente não é (acredite, ele já testou). Com cada novo passo, a chuva fica mais forte até que não pisar no chão é mais o suficiente e o jovem loiro se vê obrigado a buscar abrigo. 

Ele se joga dentro do estabelecimento mais próximo e se vê em um local com paredes em tons pastéis, com flores espalhadas de formas aparentemente aleatórias. Uma música suave preenche o local (Billie Holiday, ele reconhece). Há algumas prateleiras com livros, mesas, sofás, poltronas. Chegando perto do balcão, ele percebe a variedade de doces extremamente coloridos que têm ali. Ele sente seu estômago embrulhar levemente, enojado pelo quão doce estes doces parecem (Will não gosta de doces). Olhando em volta mais uma vez, William percebe que é o único ali, exceto pela figura esquecida em um dos cantos do estabelecimento. Se Will achava que estava fora do lugar por se encontrar em uma confeitaria com sua aversão a doces, a figura punk parece um peixe fora d'água ainda maior. 

“Com licença?” Will chama tentando olhar além do balcão. Ele acha um sino e o toca duas vezes.

O improvável acontece quando a figura se levanta do seu canto confortável e segue para trás do balcão. Ela coloca um avental rosa florido por cima da camisa rasgada do My Chemical Romance, amarra o cabelo escuro em um rabo-de-cavalo mediano e se volta para Will com um sorriso educado. 

“Boa tarde, o que vai quer?” Will acha que ficou encarando tempo demais sem responder porque a figura pergunta de novo. “Oi, vai querer algo ou não?”

“Chá,” responde, por fim, “preto!” Acrescenta. 

Will toma um assento perto da janela para poder ficar de olho na chuva. Ele manda uma mensagem para seu pai, explicando que vai se atrasar para o jantar em família que ele nem quer ir em primeiro lugar. Seu pai arrumou um novo namorado e por mais que o cara não seja o sujeito ruim, Apolo está sempre namorando alguém novo e, francamente, Will está cansado de aprender um novo diferente todo mês, para não dizer toda semana. 

Solace deixa sua mente divagar enquanto arruma seu notebook na mesa. Se ele está preso ali, ele pode ao menos usar o tempo para adiantar alguns dos trabalhos da faculdade. 

“Você pode dizer a senha do Wi-Fi?” Ele pergunta na direção da figura que prepara seu chá, esta apenas aponta para uma placa sobre sua cabeça onde Will pode ler a senha. “Obrigado.”

Ele não sabe quanto leva para que seu chá finalmente chegue, mas quando a figura, que, Will percebe, usa um crachá dizendo ʽOlá, meu nome é Nico e meus pronomes são ele/eluʼ, repousa uma xícara de porcelana azul na sua mesa e, sem dá muita importante para Will, volta para o canto.

O jazz suave ainda ecoa em um volume aceitável pela confeitaria. Will acha que essa é a décima ou a décima quinta música desde que chegou ali, ele não contou direito. Do lado de fora, a chuva fica cada vez mais forte e ele sente que está muito perto de perguntar se existe algum motel por perto para poder pernoitar, o que é algo que ele definitivamente não quer fazer (ele não tem dinheiro para isso). 

Sua terceira xícara de chá abandonada pela metade em cima da mesa enquanto seus dedos ágeis digitam sua apresentação de final de semestre. Ele não sabe se é o ambiente, a cafeína ou a falta de seu pai para lhe chamar a cada dez segundos, mas Will nunca conseguiu focar tão bem antes. Sua atenção é roubada por alguns segundos quando uma nova xícara é colocada no lugar da outra, o líquido desta muito mais claro em comparação as outras três. E, junto do chá, uma fatia de bolo de sorvete. 

“Ah, desculpe, mas eu não pedi por isso.” 

“Cortesia da casa,” Nico diz sem dar muita importância. Elu segue para outra mesa e Will percebe um segundo cliente. É um senhor com cabelos grisalhos que sorri amigável para Nico, que demora um pouco mais na mesa do senhor. Solace pensa que talvez eles se conheçam, ou talvez Nico apenas seja o tipo de pessoa educada o suficiente para escutar quando um idoso decide falar. 

O loiro tenta ignorar o bolo que está começando a derreter, contudo, seu estômago reclama e ele se dá conta de que não almoçou e que já deveria estar jantando. Ele olha para o balcão e tudo o que vê são doces e mais doces e se amaldiçoa mentalmente por não ficar preso em uma loja de salgadinhos com coxinhas por noventa e nove centavos. 

Will não fala muito sobre sua aversão a sobremesas e coisas muito doces. Quando criança, todo mundo achava ele esquisito. Como adulto, sempre acham que ele está fazendo uma dieta estranha e não tem coragem de admitir. Aparentemente, o simples fato dele não gostar de doces não parece ser aceitável ou realista o bastante para as pessoas, é por isso que ele aprendeu a tolerar doces para no caso de se deparar com uma situação em que comer doces seja mais fácil do que entrar em uma discussão sobre seus gostos alimentares. 

No entanto, o bolo de sorvete que Nico colocou em sua frente não era nada para se tolerar, mas sim para se apreciar. 

**

Will tem uma rotina. Ele acorda, vai para academia, volta para casa e se arruma para o trabalho. Depois do trabalho ele segue para a faculdade, tenta não dormir na maioria das aulas e no final do dia ele passa pela sua confeitaria favorita, O Sabor do Hades. Sempre que pensa que tem uma confeitaria favorita, ele começa a rir pensando no seu eu criança e em todas as Páscoas tenebrosas que ele passou. Não que ele goste de Páscoa agora, ou de outras confeitarias, ou até mesmo de doces no geral. Não, Will gosta dessa confeitaria e de um bolo de sorvete em particular porque ele é teimoso demais para tentar experimentar outra coisa e, acima de tudo, ele prefere não mexer com o que está bom. 

Nico, é claro, tem outros planos. 

“Como assim você não fez bolo de sorvete hoje?” Will quase grita.  

“O freezer quebrou e todo o sorvete derreteu,” Nico explica, “além disso, está doze graus lá fora, eu não achei que teria algum maluco atrás de sorvete”

“Eu venho aqui religiosamente há dois meses e sempre peço o mesmo, é claro que você sabia que tinha um maluco que viria atrás de sorvete. Praticamente criei uma seita para esse bolo de sorvete.”

“Então, talvez seja uma boa que tenhamos sorvete.” Nico responde, ele vai até a parte de trás da confeitaria e deixa Will falando sozinho. 

“Você não tem nada gelado? Nada que parece bolo de sorvete?”

“Qual parte de ʽo freezer quebrouʼ não entrou nessa sua cabeça dura?” Nico fala voltando com um tabuleiro que ele acabou de retirar do forno. É possível ver o vapor subindo das sobremesas em padrões aleatórios e se perdendo no ar. “Por que você não aproveita a oportunidade e experimenta algo diferente?”

“Blasfêmia!”

“Vamos, William, eu sei que você acha que não pode gostar de mais nenhum outro doce, mas que tal tentar a sorte? Aqui, por conta da casa.” Nico serve um dos doces que ele trouxe para o loiro. 

“E o que seria isso?” Will inspeciona a sobremesa redonda como se ela fosse uma bomba. 

“Suflê.”

Will pega seu novo desafio e vai para sua mesa costumeira. Ele deixa o doce esfriar enquanto arrumar suas coisas, ansioso para continuar seu trabalho. Solace trabalha de forma ociosa, pelo canto do olho ele consegue ver como Nico ri dele e de seu desafiante açucarado. Quando julga seguro comer o doce sem se queimar, ele toma a colher em mãos como se fosse uma espada e vai à batalha. 

Uma colherada é tudo o que ele precisa para deixar sua cabeça cair para trás em um gesto dramático. Nico agora gargalha alto, tendo plena noção de que viciou seu cliente mais improvável em outra de suas iguarias. 

**

“Vamos, me diz quem faz os doces.” Will implora. Ele visita à confeitaria quase todos os dias pelos últimos seis meses e ainda não descobriu quem é a pessoa responsável por fazer as únicas sobremesas que ele consegue gostar. 

“Não.” Nico repete pela enésima vez. É o final de seu turno e elu tem que fechar a loja. Will está ajudando. 

“Por que não?” O loiro choraminga enquanto coloca as cadeiras em cima das mesas. 

“Porque você é esquisito e capaz de pedir ile em casamento ou algo assim.” Nico vem varrendo o local. 

“Isso… é verdade.” Will aceita sua natureza. “Mas vamos, por favor, eu preciso saber quem é. Por favor, por favor, por favor!”

“Você é um porre, sabia?”

“Obrigado, é um dos muitos charmes.”

“Isso não é um charme, e você definitivamente não tem muitos charmes.”

“Se você me odeia, di Angelo, é só dizer.”

“Eu te odeio, Solace.”

**

É automático, assim que Will passa pela porta d’O Sabor do Hades, seus olhos começam a vasculhar por Nico e ele sente um vazio instantâneo quando não acha elu em canto algum. 

“Percy!” Ele chama da porta mesmo. “Nico está por aí?”

“Seu traficante está nos fundos descarregando algumas mercadorias. É só dar a volta pelo beco.” Percy responde. 

Seguindo as instruções de Percy, Will dá a volta no estabelecimento e encontra Nico descarregando uma picape. Ele tem o cabelo preso do seu jeito costumeiro, com alguns fios fora do lugar, a regata azul-marinho deixa seus braços expostos, mostrando sua pele alva e seus músculos. Sua roupa está suja de farinha, assim como suas bochechas e seu cabelo. 

“Gostando do espetáculo?” Nico pergunta e só então Will percebe que está encarando. 

“E se ‘tô,” sorri. “Está sujo ali,” Will aponta para todos os cantos. 

“Muito obrigado pela ajuda,” diz sarcástico como sempre. “Sem sua ajuda, eu poderia ir embora assim. Imagina o terror se um garoto bonito me visse assim?”

“Eu estou te vendo assim e não estou achando nenhum problema.”

“Eu disse um garoto bonito, William, não você.” Responde enquanto limpa o rosto com uma flanela. 

“Faltou um lugar.” Will pega um punhado de farinha e joga em Nico. 

“Você é um homem morto, Solace.”

**

Will é loiro, alto, colorido, sorridente, bronzeado, charmoso, educado, exagerado, dramático, amigável e várias outras coisas que fizeram dele o presidente da turma. Nico, por outro lado, é monocromático, introvertido, pálido, de poucos amigos, sem paciência e outras coisas que fazem as pessoas questionarem o porquê dele trabalhar com atendimento ao cliente. De modo geral, a amizade deles é algo bem coisa de cinema, comédia romântica e essas coisas. Se eles fossem colegas de quarto ou parceires de laboratório, a vida delus poderia ser considerada um filme da Sessão da Tarde. Ou uma fanfic bem (mal) feita. Pelo menos essa é a opinião de Percy que insiste em dizer que Will é o namorado de Nico, mas, é claro, ninguém liga para a opinião de Percy. Nico com certeza não e elu com certeza não sente nada estranho em seu estômago toda vez que Percy fala sobre como quer ser o padrinho do casamento. 

**

“Niquito!” Will, escandaloso como sempre, grita ao passar pela porta. 

“Você não é o único cliente aqui, sabia?” 

“Mas eu sou o mais importante.” Diz tomando seu assento junto ao balcão. Há semanas que ele passou a sentar ali para poder conversar melhor com Nico. 

“Seu ego é assustador.”

“Obrigado.”

“De novo, não é um elogio.”

“Tudo é um elogio se você quiser que seja.” Fala sorrindo. Ele estuda as opções do menu e os doces na vitrine. “Um suflê e um bolo de sorvete.” Os dois falam juntos. 

“Eu ainda vou fazer você mudar o seu pedido.” Nico completa.

“Duvido.”

**

Continuando com os clichês, o mundo parece entrar em câmera lenta quando Will nota Nico passar pela porta. O cabelo parcialmente solto com um meio rabo-de-cavalo, usando jeans escuros e uma camisa de botões preta com desenhos de planetas. Ele traz um pacote em uma mão e Percy em outra. 

“Você veio!” Will fala mais alto que a música. 

“Não fique tão feliz, seus outros convidados vão ficar com ciúmes.” Elu ri. Will percebe o quanto adora a risada de Nico. “Infelizmente, não posso ficar muito.” O calor no peito de Will começa a murchar. 

“Por quê?”

“Hoje é o jantar de noivado da minha irmã,” explica.

“Você pode faltar, não? Chegar atrasado?”

“Eu sou ê padrinhe e já estou atrasade.”

“Uhm…” Will não tem mais clima para festas. “Eu posso ir com você?”

“Essa é a sua festa de aniversário.”

“Sem você aqui, não tem graça.” Eles se encaram fixamente pelo que parece uma eternidade. O som alto e agitado muda para uma melodia suave. As luzes passam de um furacão multicolorido para algo menos gritante e acolhedor. 

“Claro.” Responde por fim. “Você pode vir comigo, se quiser.”


 

“Isso é para você.” Eles estão no carro, Percy na frente dirigindo e os dois no banco de trás. Will recebe o pacote com todo o carinho possível. É um doce, outra sobremesa que ele não conhece. “Foi o especial do hoje. Não tive tempo de comprar um presente de verdade, graças a alguém que me chamou em cima da hora.”

“De novo, desculpa. Eu realmente achei que tinha mencionado a festa antes.”

“Enfim, espero que você goste. É um tiramisù.”

“Ele está mentindo,” Percy diz no caminho de volta. Nico teve de dirigir suas irmãs para casa e Will ficou com a tarefa de levar Percy. 

“Sobre?” Will tem seus olhos voltados na estrada. 

“O tira-me, tira-mi, tira-tira,” fala embolado. “Elu passou horas preparando tudinho só para você.”

“Você está dizendo que Nico fez o tiramisù?”

“Isso! Ti-ra-mi-sù. Nome esquisito. Como pode isso ser um doce italiano e não um peixe? Não faz sentido. É tipo ratatouille ser um guisado e não rato em francês.”

“Perseus, foco! Nico fez o tiramisù ou não?”

“Fez, ora, igual ele faz todos os doces.” Percy revela e Will quase sai da estrada. “Oi! Eu dei a chave para você porque num queria morrer.”

“Desculpe.”

**

Will se revira na cama incapaz de dormir. Se o que Percy disse é verdade, e ele acredita que seja, pois bêbados são estranhamente honestos, Nico é o responsável pelos doces deliciosos nos quais ele está viciado pelo último ano. A pessoa que Will passou um ano inteiro tentando descobrir quem é e não parou de elogiar aos quatro ventos é Nico. Ele não sabe como se sentir. Parte dele se sente traído, pois Nico guardou esse segredo por todo esse tempo. Porém, a outra parte dele, a parte que tem noção de todas as coisas que ele disse e fez e de quantas vezes disse a Nico que queria poder se casar com um bolo de sorvete, talvez entenda o porquê de Nico não ter dito nada. Claro, isso não muda o fato de que ele está decidido a fazer uma cena sobre o assunto. 

**

William Andrew Solace respira fundo, incorporando a personagem. Você não cresce sendo filho de Apolo sem aprender a ser dramático. E, céus, Will sabe como ser dramático. Ele invade a confeitaria com um grande baque na porta, assustando todos no local. Exceto por Nico. 

“Niccolò Plutão di Angelo!” Diz exageradamente alto. 

“Eu não tenho um segundo nome.” Nico não se deixa afetar pelo drama alheio. Elu continua seu serviço como se Will não estivesse dando um show. 

“Como você pode me trair desse jeito?” O loiro continua porque ele não vai deixar essa chance passar. “Eu lhe dei os melhores anos da minha vida…”

“Nós nos conhecemos há um ano.”

“Eu te dei o melhor ano da minha vida!” Corrige. “Todos os dias eu compareço, eu me jogo aos seus pés, eu digo que te amo, eu deixo você me fazer de gato e sapato e para quê? Você me trair da pior forma possível! Diga, eu não sou um sujeito decente? Um homem bom? Eu não te daria o mundo se pudesse? Por que, Niccolò? Por quê?” Will tem lágrimas reais rolando por seu rosto. Sua respiração é irregular, provando o desespero de suas palavras. Os clientes encaram Nico, confusos e curiosos. 

“Terminou?” Nico pergunta, nem um pouco comovido. “Tirou tudo do sistema?”

“Tirei.” Solace muda da água para o vinho. As lágrimas, o soluço, a respiração errática, tudo desaparece e ele sorri abertamente, contente com seu espetáculo. 

“Percy te contou, não foi?”

“Foi.”

“Eu vou matar ele.”

“Que nada. Ele estava bêbado, provavelmente nem se lembra.”

“Melhor, porque assim ele não vê chegando.”

“Por que você não me contou?”

“Porque era mais divertido te fazer sofrer.”

“Você é muito cruel, Niccolò.”

“Obrigade.” Nico sorri. “ E agora, o que você vai fazer com essa informação?”

“Lembra alguns meses atrás quando eu estava implorando para você me dizer quem era ê padeire e tu disse que não iria me contar porque era capaz d’eu pedir ile em casamento?” Will diz se aproximando de Nico.

“Sim,” responde chegando perto. 

“E se, ao invés d’eu pedir em casamento, eu chame elu para sair?”

“Eu acho que elu vai ficar muito feliz.”

“Bom.”

“Bom.”


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