Beijos e Chocolate quente escrita por Isamu H Ikeda


Capítulo 1
Parte 1




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Já passava da hora do almoço e Chifuyu continuava do mesmo jeito que havia chegado no trabalho: Distraído. Kiyomi, percebendo o quão distante o sócio de sua noiva estava, falou o que supunha ser o óbvio:

— Sabe, Chifuyu... – ela se aproximou tocando em seu ombro – Se você está tão preocupado assim com ele, tire o resto do dia de folga e fique em casa! Eu cuido da loja para você. 

— ... Mas

Sshh!— a moça apontou o dedo para ele, como uma mãe que chamava a atenção do filho – Eu trabalho na Pet Shop contigo justamente para te dar uma ajuda. Tá muito na cara que você está se torturando aqui pensando em um Kazutora, enrolado igual um sushi nas cobertas, e ardendo em febre. Caso você tenha se esquecido, a vantagem de sermos os proprietários é essa, não é? Além do mais... Você tá a quase 20 minutos lendo a mesma embalagem de ração. Pelo amor de Deus! Me dá isso aqui. – Kiyomi, nervosa, tomou o pacote das mãos dele e guardou na estante. Em seguida o pegou pelos ombros, virou e foi empurrando-o até os fundos. – Vai, anda. Se troca e vai embora. Vai, vai, vai! Vaza. Xô. XISPA.

Sem tempo de protestar, ou de entender o por quê Kiyomi falava como se Chifuyu fosse um cachorro perdido, o jovem proprietário daquela loja de animais não tinha outra alternativa senão acatar a sugestão.

E mesmo já pronto para sair, seu senso de responsabilidade ainda gritava.

— Tem certeza de que está tudo bem? 

— Chifuyu. – Kiyomi iniciou com menos paciência que antes – Você é o dono deste lugar. Se você resolver vir trabalhar pelado ou vestido de Anpaman, você pode. Tirar um dia de folga para ver se seu namorado adoentado e teimoso está bem, não é o fim do mundo. Se, e dou ênfase nesse "se", acontecer algo, juro solenemente que te informo. E eu me dou bem com as irmãzinhas do Mitsuya, então re-la-xa. 

— Está bem, está bem! Eu vou...

— Bom menino! – de novo, como um cachorro.

Naquele dia Kazutora havia amanhecido com febre alta e permaneceu em casa, contra a sua vontade. Insistiu que poderia trabalhar, mas a menor menção em se levantar da cama lhe proporcionava uma dor aguda no corpo inteiro. 

Em contra-partida, Chifuyu quase não adoecia. Sempre foi muito saudável e resistente. Kazutora não. Seu péssimo hábito de pular refeições também não ajudava e o presenteou com uma bela anemia e uma imunidade para lá de baixa. Ele parecia ignorar que estava doente e seguia o dia, a semana, até onde aguentasse, sem dizer nada.

Como Kiyomi dissera antes, ele era teimoso. Muito. Às veze era como cuidar de uma criança. Mas Chifuyu não se importava. Ele gostava, na verdade. Gostava de mimar aquele ex-delinquente de rostinho bonito.

No caminho de volta para o complexo de apartamentos, passou por uma farmácia e quase encheu uma cesta inteira com vários remédios para febre, dor, coriza, vitaminas C e D... Exagerado? Um pouco. Mas tinha total certeza de que seus remédios em casa estavam vencidos. Pelo menos a maioria. Olhando as gôndolas, notou um pacote com balinhas de goma, aquelas de vitamina para crianças, em formato de tigres e leões. Um grande sorriso abriu seu rosto com a idéia de levar apenas com o único intuito de provocar Kazutora. Então, assim, o pacote caiu "sem querer" na sua cesta. 

Também pegou algo mais "adulto" e apropriado: Adesivos para dores musculares. 

***

Nuvens carregadas se aproximavam rapidamente, nublando o céu. Janeiro não era um mês muito chuvoso, mas ainda assim era inverno. Isso significava que esfriaria um pouco mais durante a noite.

Era estranho voltar para casa logo após o almoço, quando deveria estar verificando as prateleiras e estoques, ou no caixa. Desde que decidira abrir a Pet Shop, mesmo em sociedade com a melhor amiga, ele nunca faltou trabalho. Nunca. Exceto pelas folgas, claro. No entanto Chifuyu era do tipo que levava trabalho para casa. Então nem nesses dias ele descansava de fato. Takemichi costumava provocar, dizendo que o amigo já estava parecendo um velho carrancudo e mal-humorado que vivia a base de cafeína. 

Sim, ele havia se tornado alguém muito sério com o passar dos anos. Mas ouviu dizer, por aí, que as pessoas pareciam mais leves e felizes quando se apaixonavam. E seria mentira dizer que não se sentia assim.

Afinal de contas por qual outro motivo ele estaria negligenciando suas obrigações com um sorriso bobo na cara, se não por amor? 

Seus vizinhos de porta, um simpático casal de idosos, os Ueda, eram bastante gentis. Sempre tratando Chifuyu como se fosse um de seus netos. Atsuko, a senhora Ueda, costumava entregar pequenos arranjos de flores em potinhos em ocasiões especiais, como o primeiro dia de primavera ou quando a Pet Shop finalmente abriu. Inclusive, Tarou, o marido de Atsuko (portanto o senhor Ueda) ajudou Chifuyu várias vezes com questões administrativas por compartilhar o carinho pelos animais. Ele era como uma figura paterna para Chifuyu, depois de muito tempo sem uma.

E quando Kazutora foi morar com ele, não foi diferente. Na verdade, os Ueda pareciam até a vontade com a presença de pessoas tatuadas, o que era incomum para os mais velhos naquele país. E a senhora Ueda adorava enfatizar o quanto Chifuyu parecia mais alegre nos últimos meses, quase como se soubesse de tudo sobre os dois. Kazutora já teria até mesmo levantado essa hipótese uns dias atrás.

— Chifuyu-kun! – e lá estava a senhora Atsuko, segurando um prato generoso de sopa bem na frente da porta onde dizia “Matsuno/Hanemiya” – Que raro vê-lo por aqui este horário. Está preocupado com ele? – certeira como uma flecha. 

Ou Chifuyu que não era mesmo nenhum pouco discreto com seus sentimentos. 

— É... Ele é meio descuidado, esquece de comer. Acabei vindo dar uma olhada. - sorriu – Essa sopa, por acaso é para ele? 

— Ah, sim! Quando voltava do mercado o vi tentando subir as escadas, e com dificuldade. Ele é muito jovem para ter essas dores, sabia? – ela dizia verdadeiramente preocupada. Era fofo – Ele até ofereceu ajuda com as compras, mas o mandei voltar para casa imediatamente! Então tive a ideia de preparar uma sopa, para vocês dois na verdade. Como está frio, uma comida quentinha sempre é bom, né? E é ótimo para gripes e resfriados.

O que diabos ele estava fazendo fora da cama mesmo depois de Chifuyu ter sido irredutível sobre a ideia de fazer qualquer tipo de esforço? Teimosia.

— Obrigado. Tenho certeza de que ele aprecia muito esse cuidado e eu também. – sorrindo e depois de agradecer devidamente na pose de dogeza, abriu a porta para que pudessem entrar no apartamento.  

Deixou as sacolas no balcão, enquanto Atsuko-san colocava a panela em cima do fogão. E tão logo ela o fez, foi se despedindo. 

— Pronto. Depois vocês me devolvem a panela. Espero que comam tudo! Ah! E de preferência juntos. – finalizou com um leve tapinha na bochecha saliente do rapaz. E tal qual uma criança fazendo travessuras, a gentil vizinha sumiu pelo corredor. Era quase como se ela tivesse preparado um jantar super-romântico para duas pessoas e esbanjasse orgulho por ter feito um bom trabalho. 

Agradecido, e cada vez mais certo de que sua relação com Kazutora podia não ser tão secreta assim, se deu conta do silêncio que fazia alí. Não era algo normal. Só de ouvir o barulho da maçaneta, ou mesmo de passos na porta, as gatas, uma tricolor e uma sialata, iam correndo e miando desesperadas num misto de saudade e curiosidade.

Caminhou até o quarto principal, onde dormiam, e acertou em cheio. Lá estava um belo adormecido, com os cabelos soltos pelo travesseiro, e duas pequenas e lindas criaturinhas felinas confortavelmente aninhadas ao lado dele. Uma cena que deixou o coração de Chifuyu derretido...

Ser fã de mangá shoujo era algo complicado, pois era muito fácil conquistá-lo com coisas simples assim. Não que ele fosse admitir isso por aí.

Se juntar àquela cena não parecia uma má idéia. Ponderou um pouco, mas preferiu deixar como estava e voltou para a sala, ficando surpreso por não ter muita coisa para fazer, além de separar a sopa para mais tarde. Tudo parecia limpo, mesmo sabendo que não tinha levado o lixo para fora quando saíra. Era para os sacos estarem alí, perto da lixeira. Kazutora devia ter jogado fora, então...

Na noite anterior, haviam bebido um pouco demais. Pedido comida mexicana e assistido algum programa de competição culinária, que Chifuyu nem lembrava mais direito qual era. Uma noite ordinária. E quando foram dormir, Kazutora reclamou fungando o nariz, sentindo que iria adoecer. Dito e feito. Acordou durante a madrugada com dor na garganta, febre e uma dor aguda nas costas que nenhum método caseiro, chá ou analgésico resolveu. E de tão atordoado que estava, colocou sal no café de ambos pela manhã. Chifuyu o proibiu de sair de ir trabalhar naquele dia. Segundo o que ouviu de Baji, em uma das várias conversas que tiveram ao pé da escadaria do antigo condomínio, Kazutora, que na época ainda era apenas o amigo para quem ele o ajudava escrever cartas, sempre foi de ignorar sua saúde. Quase como se não quisesse que os outros soubessem que estava doente ou o que fosse. Baji tinha descoberto isso na primeira vez que Kazutora dormiu em sua casa, ardendo em febre e ficando quieto. E na ocasião, no meio do desespero de não saber bem o que fazer, Baji enrolou Kazutora no cobertor, igual a um burrito. Até que Ryoko chegou, puxou a orelha do filho até arder e deu um remédio adequado para o outro.

Não mudou muito, pelo visto. E talvez, passar um total de 12 anos preso e alheio a esses cuidados só enraizara, no âmago de Kazutora, a necessidade de ficar calado. De ser muito calado. De não ser um incomodo. De não atrapalhar o convívio ou aborrecer os outros. Que os problemas dele eram somente dele, e por tanto, ele que resolvesse. Não era como se ele não confiasse em Chifuyu, parando para pensar. Ele apenas aprendeu a manter as coisas para si.

Mas Kazutora não estava mais preso em uma cela fria, sendo vigiado por guardas e fantasmas do passado. Chifuyu estava ali, estendendo a mão e oferecendo, não somente um ombro, mas tudo.

Obstinadamente.

— Será que eu o acordo para tomar a sopa enquanto ainda está quente? – Indagou para si próprio encarando o corredor dos quartos.

Voltou para o quarto e se debruçou, acordando as gatas. A tricolor, Lily, reclamou com miadinhos roucos, enquanto Rose, a sialata, balançou a cabeça descendo da cama.

— Bobinhas.

— ... Chifuyu? – Kazutora murmurou esfregando os olhos. 

—  Sim...Estou em casa. Desculpa, não queria te acordar assim.

—  Ja é de noite? 

— Não. É hora do almoço, na verdade. 

— Não precisa faltar trabalho. Eu tô be-...Ai! – uma pontada em suas costas gritou quando sentou-se abruptamente na cama.

— Está mesmo? – ele queria poder fazer piadas, mas estava com uma pena genuina dele – Kiyomi insistiu que eu viesse para casa. Então... Estou tirando o dia de folga para cuidar de um gatinho manhoso. – riu – Como está a febre?

“Gatinho manhoso”...— retrucou voltando a se deitar – Um pouco. A febre não me preocupa tanto. É mais essa dor nas costas...

— Eu trouxe algo para isso, e... Se você quiser... – Chifuyu podia ser do tipo que idealizava e planejava demais as coisas, mas na hora do “vamo vê” só faltava explodir de tanta vergonha - Eu posso fazer uma... Massagem. Depois.

— Massagem? Sério? – Kazutora o encarava bastante interessado na proposta. – Vou ficar doente mais vezes. Nunca fui tão mimado assim! – brincou.

— Nem ouse! Precisamos trabalhar! Além disso... Você comeu?

Ahn... Já...

Um ronco, desconcertante, ecoou no meio da conversa.

— Seu estômago discorda desta afirmação. Vem, tem comida pronta.  

***

Na cozinha, Chifuyu servia a sopa nas tigelas que mais usavam durante a semana. Uma azul e uma amarela, obviamente.

— A propósito, encontrei com a senhora Ueda quando voltei. Ela me disse que você estava lá fora...

— ... 

— Tora?

— Eu levantei por que as gatinhas estavam miando muito e achei que era fome. Acabei aproveitando para limpar a caixa de areia e fui jogar o lixo fora...

— Sei... Não era para você fazer esforço hoje. Eu podia dar um jeito nisso depois.

— Mas a falha foi minha. Esqueci de tirar ontem...

— Teimoso...

— Mandão...

— Se ainda quiser a massagem, vai ter que obedecer ao mandão aqui.

— Ah... Espera, isso é chantagem?

— É. Deu certo? – perguntou pondo as tigelas na mesa e fazendo sinal para que o outro o acompanhasse.

— Deu. – ajeitando a postura, com uma leve careta, Kazutora sentou-se à frente de Chifuyu porém olhando fixamente para a sopa. – Essa sopa... Atsuko-san quem trouxe, não é?

— Sim. Ela ficou preocupada com a sua gripe. Quando cheguei, ela estava na frente de casa pensando se tocava o interfone ou não.

Kazutora sorriu. Um daqueles sorrisos cálidos que Chifuyu aprendeu a identificar de longe e a admirar. Sabia que ele sorria assim quando se sentia feliz.

— Vamos comer! Aposto que está deliciosa!

— É, vamos.

Não era apenas pela sopa. Era o gesto, o carinho, a consideração... O ar maternal que Atsuko transparecia e do qual Kazutora era carente. Portanto, esse tipo de cuidado era muito importante para ele.

Tendo tomado, não uma, mas duas tigelas de sopa inteiras, Kazutora mostrava um semblante diferente de mais cedo. Estava mais relaxado.

— Se sente melhor? – Chifuyu perguntou levando a louça para a pia, começando a lavar.

— Talvez... Vou saber agora. – Kazutora tentou se levantar normalmente, mas aquela pontada certeira continuava. Fazendo ele se inclinar e apoiar-se na mesa. – Aí está a sua resposta... tehee... Ai, que dor.

Rapidamente Chifuyu encheu um copo de água e entregou com uma das várias cartelas da sacola que trouxera.

— Tome. Como seu estomago está cheio, acho que vai fazer efeito rápido.

— Obrigado. – Kazutora observou a sacola, que era uma baita sacola na verdade. -  Ei, não acha que está um pouco excessivo de remédios? Parece que agora temos uma mini farmácia em casa.

— Um pouco, mas eu precisava comprar de qualquer forma. Olhei os que tinham aqui e a maioria estava vencida há meses... – suspirou – Foi erro meu. Não me atentei a isso antes. Remédio vencido não faz efeito, e podia ter te deixando pior. Desculpa.

— Chifuyu... – chamou.

— Sim? 

— Obrigado. Por tudo isso. – o mais velho sorriu – Você é incrível.

Chifuyu sorrio de volta. Um pouco sem jeito pelo elogio repentino, mas bastante orgulhoso de si por ser um... Incrível namorado.

 

— Você vai melhorar logo!

***

A chuva veio como prevista. Com pingos fortes que batiam barulhentos na janela.

— Chifuyu, você vai voltar para a loja? 

— Eu pensei nisso, mas... – olhou para os pingos d’água já formando caminhos pelo vidro. Um trovão também pôde ser ouvido, estremecendo as paredes. – Acho que por hoje, fico em casa. Porque? Não quer que eu fique?

— Não é isso...  – Kazutora sentou-se no sofá, cuidadosamente. – Na verdade, eu quero. Não vou mentir, eu fiquei muito feliz de ver que você voltou para casa... Mas não gosto de pensar que estou te atrapalhando.  

— Não está. Eu fiquei ansioso ao ponto da Kiyomi me convencer a voltar. Você está com essa febre e dor pelo corpo, mas sem espirrar ou tossir. É um pouco estranho, não acha? Se não passar até amanhã, eu vou te levar no médico. Além disso... Se você está mesmo sentindo tanta dor assim, não queria que pensasse que precisa passar por isso sozinho. – sorriu  sentando-se ao lado dele – Não que eu vá ser sua babá sempre que estiver doente. Mas pelo menos por hoje, eu quero ficar contigo... Me certificar de que você está bem. Então... Deita aí e me deixa fazer a massagem que prometi!


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