Permaneço atenta na neve, as orelhas eretas, os membros espaçados, fungo o ar procurando uma presa. Movo a orelha para a esquerda, os olhos aguçados, ergo uma pata de cada vez até virar uma caminhada e começo a correr devagar, os lobos seguem na distância de uma cabeça atrás de mim, totalmente atentos à caçada. Identifico o animal branco camuflado, permanecemos imóveis esperando o movimento, o narizinho albino funga infinitamente, as orelhas longas giram e se focam em na direção, vira o corpo, engole o capim e desatina a correr desesperada.

 Sigo-o dando saltinhos na neve percorrendo-o ganhando velocidade, a rapidez do animal e o tormento em estar sendo perseguido em grupo era excruciante, salta e eu salto igualmente prestes a abocanhá-la. Vira a cabeça para o lado, o lobo na posição de fiador avança impedindo-a trocar de direção. Corta para a direita e o segundo lobo ultrapassa-a, que foge de sua mordida por milímetros. Acelero o impulso colocando leveza nas patas e corro, ombro a ombro com o companheiro, lhe dou uma trombada, fazendo ele desacelerar e estico a cabeça. Arreganho a boca. Diante o capim seco à frente, puxo a cauda da lebre, que se atrasou por conta do mato. Tenta escapar e puxo novamente. Abocanho seu quadril e chacoalho enfiando os dentes, o sangue pinga em minha garganta e vibro. O monstro carnívoro balança prestes a despertar.

 Carrego a lebre na boca, mostrando os dentes para os outros que se aproxima tentando capturá-la. Precisaria refazer os cinquenta quilômetros percorridos, acelero os passos sendo seguida pelo grupo choramingando, a metade do caminho foram tentativas de furtos, um ômega puxou-a arrancando uma pata. Solto-a e com rapidez seguro-o pela pata, que fugia engolindo o pedaço por inteiro e mordo-lhe, dessa vez escuto o adorável som de osso quebrando e os ganidos chorosos, o lobo cinza mantém a cabeça enfiada na neve, os ganidos silenciados contra o chão, lato e os outros parecem entender, se afastam incomodados e sem encarar. Recupero-na, voltando sem interrupções.

 Avisto o ponto de encontro e meu coração desacelera, tanto pela velocidade quanto preocupação, balanço a cauda e me aproximo, vejo o lobo preto parado com as orelhas em minha direção, também balança a cauda. Sem demora, o lobo branco chega correndo e se deita no chão, atrás dele uma horda de filhotes, que farejam o ar, virando a cabeça para me procurar e me atacam. Escuto Visão rosnando e acalmando-os, os latidos insistentes e estridentes incomodam a audição e solto a caça, os filhotes investem-na, lambendo e enfiando os dentinhos para morder-lhe. Sento para descansar e os filhotes compreendendo, lambem minha boca, mordem os lábios, alguns mais preguiçosos vão mamar, me obrigando erguer a pata traseira, e outros permanecem sentados chorando famintos. Bufo, mordo metade da lebre, que já era minúscula sem a pata arrancada, engulo a carne e mastigo os ossos, esperando digerir. 

 Olho para a carcaça e vejo-a completamente ruída e cheia de dentadas. Observando, me levanto. Ergo-a e grudado no pedaço, um lobinho branco acinzentado, Tommy! Chacoalho e ele cai no chão, quando tenta correr, ponho a pata em seu rabo e ele sossega, devolvo a caça no lugar e puxo Tommy pela pata, mantendo do meu lado. Ele usa de sua velocidade para sacanear nas refeições. O lobinho arrota envergonhado, de bucho redondo e cheio, lambo-o banhando. Termino de comer a carcaça abandonada e regurgito a carne para os outros que não tinham comida. Satisfeitos, vão brincar.

 Escuto vozes conversando e deito a cabeça, vendo de ponta cabeça os dois homens se comunicando. Strange tem o pé apoiado em uma rocha e fala focado. Visão ouve atento concordando com a mão no queixo, depois ele começa e o moreno assente. Parece ser alguma tática ou estratégia. Eles se viram, ao me ver, sorriem, balanço o rabo e sinto a mordida de algum filhote brincalhão. Eles se aproximam e uma mão afaga meus pelos, me levanto e transformada, estendo os braços para Visão e beijo seus lábios macios, abraçando-o, ele acaricia meus cabelos encostando a cabeça; me viro para Strange e o abraço, lhe dando um beijo mais profundo, sendo retribuída pelos lábios rudes e suas mãos seguram minhas costas.

 — Estávamos definindo a estratégia de caça para hoje a noite. — Visão diz caminhando para a frente e ficando atento aos sinais da natureza.

 —  Os cervos migraram? - Pergunto para Strange que ficou parado.

 — Estivemos mapeando os caribus retornando da migração. — Responde colocando meu cabelo para trás. Ambos estiveram fora pela manhã e parte da tarde, um foi vistoriar o território e o outro observar as presas.

O loiro volta coçando a cabeça.

 — Temos que ser rápido, está ameaçando chover. — Diz com nota de aviso. 

 — Relaxa, estará de volta antes de receber um pingo. — Lhe dá um toque de ombro e estreita os olhos para o lado.

 Sinto o cheiro de sangue. O lobo machucado chega mancando, a alcateia se aproxima para vê-lo. Os que presenciaram, permanecem quietos.

 — Jimmy, chegou na hora certa. Estávamos conversando sobre a próxima caçada. Tire esse tempo para descansar e recuperar as energias.— Visão recebe o ômega e o ajuda a sentar-se na pedra. Depois volta e segurando a minha mão, fala.

 — Entre na caverna com as crianças, avisaremos quando estiver terminado.— Concordo e desejo boa sorte para eles, que partem caminhando em direção às neves. O lobo preto na liderança com sua pata manca.

 Olho para Jimmy sentado e ignoro, aquela caça não era para eles e todos sabiam quando me acompanharam. Me transformo e lato atraindo os filhotes, os lobinhos levantam devagar e seguem, alguns se recusam a levantar e os puxo, trazendo todos.

 Eu tenho corrido pela selva

Eu tenho corrido com os lobos

Para chegar até você, chegar até você