Adrenalina escrita por Chloe Less


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi! História nova na área.
Essa aqui é dedicada a Lou e eu escrevi usando o combo dela da POSO.
Amiga espero muito que você goste, escrevi tudo com muito carinho. Coloquei o nome de algumas histórias suas de easter egg na fic, será que você acha tudo?
Enfim, espero que goste.

Aproveitando, quero agradecer a Lola por sempre ser a minha beta. Obrigada por sempre segurar a minha mão e por ser chata quando precisa, não sei o que faria sem você.

Leitoras lindas do meu coração, espero que gostem. Boa leitura!


Avisos: a história pode ter gatilho de drogas, luto e abandono parental. Tentei deixar o mais leve possível, mas se esses temas te tocarem de uma maneira pessoal, aconselho que não leiam



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Adrenalina

“Fighting in a love war

It's not what I'm in love for”

— Bloodsport’ 15, Raleight Ritchie

X

Se 10 anos atrás, me falassem que eu estaria onde estava naquele momento, eu duvidaria.

Finalizei a tatuagem no ombro da minha antiga professora de história, agradecendo mentalmente aos céus por ter feito ela mudar de ideia sobre tatuar o nome do marido na virilha. Eu já tinha feito minha cota de tatuagens em lugares íntimos, mas tatuar minha professora ali, era um trauma que eu queria evitar.

— Já te passei os cuidados que você precisa ter esse mês com a tatuagem, mas vou pedir para a Helen te encaminhar por mensagem também pra você não esquecer — falei enquanto colocava o papel filme sobre sua pele. — Foi um prazer te tatuar, Sra. Weber.

— Obrigada, garoto — respondeu sorrindo e me dando um abraço apenas com o braço esquerdo, aquele que não tinha sido tatuado. — Foi bom te ver também, em breve venho aqui fazer outra, agora que me aposentei posso aproveitar.

— Isso ai, sra. Weber! — respondi rindo. — Estarei aqui para as próximas.

A senhora era apenas alguns anos mais velha do que os meus pais, mas mesmo que Carlisle e Esme tivessem algumas tatuagens — a maioria delas feitas por mim —, era engraçado tê-la no meu estúdio, já que a professora sempre demonstrou ter um estilo muito tradicional.

Quando ela saiu da sala, arrumei os materiais com pressa e saí do estúdio em seguida, dando um tchau apressado para Helen, a recepcionista do estúdio, pois precisava atravessar a cidade para visitar meus avós, pois vovô Sênior tinha me mandado uma mensagem mais cedo avisando que vovó Lizzie tinha torcido o tornozelo.

Eu tinha morado um tempo com os dois, no final do ensino médio e mesmo antes disso, sempre tinha sido muito próximo deles. Então mesmo que  na mensagem meu avô tivesse dito que ela estava bem, eu precisava ver como ela realmente estava, só por precaução.

A casa dos meus avós não ficava em Cleveland, mas no subúrbio, em Euclid, na cidade ao lado. Eu tinha morado minha vida inteira ali, meus pais e a maioria dos meus tios moravam todos por ali também, então mesmo que eu tenha me mudado para Cleveland alguns anos antes, eu ainda passava muito tempo na cidade vizinha.

A rua onde meus avós moravam era familiar, cheia de casas grandes e muito parecidas com quintais espaçosos e cerca branca.

Quando cheguei perto o suficiente da casa deles, o que notei fez meu coração descompassar. Uma caminhonete vermelha e antiga estacionada bem na frente da entrada.

O carro não era para estar ali, — tanto por ser a casa dos meus avós e porque aquela não era a época em que ela costumava voltar —, mas ali estava o seu carro, sinal de que ela tinha voltado.

Eu tinha evitado encontrá-la nos últimos anos, sabia que ela sempre vinha para o Natal ou Ação de Graças, então mesmo quando via a picape vermelha desbotada para fora da garagem, evitava cruzar com ela. Porém ver o carro fora de época pareceu quebrar o meu padrão.  Antes de eu raciocinar direito, toquei a campainha.

Uma, duas, quinze vezes até que ela mesma apareceu.

Regata branca, short jeans, o cabelo castanho solto indo até um pouco abaixo do ombro, a expressão no rosto nenhum pouco amigável. Ela parecia a mesma de quem eu me lembrava, mesmo que fizesse mais de dois anos que eu não a via, nem ao menos por fotos.

— Já vai, porra! Não precisa quebrar a campainha — reclamou, a expressão irada se desfazendo um pouco.

— Se você não tivesse estacionado aquele pedaço de bosta na frente da casa dos meus avós, eu não seria obrigado a chamar alguém — retruquei. Era tão estranho vê-la depois de tanto tempo, mas tão familiar que brigássemos. 

— Era rapidinho, tem visita em casa e eu não consegui colocar na garagem — respondeu. — E você nem tá de carro, sua moto cabe facilmente no espaço que eu deixei.

— E eu vou confiar que você não vai bater na minha moto na saída? Sem contar que é a casa dos meus avós, você não tem direito a esse espaço, podia ter estacionado na frente da casa de qualquer vizinho.

— Você é muito infantil, eu não iria bater na sua moto de propósito.

— Não confio em você.

Ela não me respondeu com palavras, apenas mostrou o dedo do meio e entrou na sua velha picape. Assim que moveu ela para a casa de trás, saiu do carro e perguntou.

— Satisfeito?

— Muito.

Ela entrou de volta na casa dela sem falar mais nada, enquanto eu arrumava a moto na frente da casa dos meus avós. 

Com a cabeça a mil, entrei na casa dos meus avós tentando não pensar em Isabella e o fato dela estar ali na casa ao lado novamente, porém falhei miseravelmente.

A sala de estar era a primeira coisa que você encontrava ao entrar na casa dos meus avós, estantes com muitos livros, plantas e móveis de estofado floral por todo lado. Vovó Lizzie estava ali, sentada em seu sofá floral cor de rosa com as pernas apoiadas em uma almofada em cima da mesa de centro.

Beijei sua testa antes de sentar-me ao lado dela e não consegui controlar a língua:

— Isabella estava aí, estacionou a caminhonete na frente da casa de vocês — fofoquei.

— Ela tem estacionado às vezes, voltou pra casa — contou vovó.

— E você não tem feito nada? — questionei.

— A garota veio por causa da avó, Marie tá com câncer, acho que a garota terminou o noivado e tudo.

Não estranhei a vovó saber tanto da vida da Swan, mesmo que nossas famílias não se falassem, às vezes parecia impossível não saber da vida do outro sendo vizinhos.

— E isso fez você ficar mole? — zombei mexendo em seus cabelos brancos.

— Me respeite, criança! — disse puxando minha orelha.

— Ai, vó Lizzie! — resmunguei.

Edward Sênior — meu avô —, e Caius Swan tinham brigado há mais de 50 anos, e desde então nossas famílias eram inimigas. Parecia que estávamos sempre competindo uns contra os outros, brigando por vagas de garagem, peças de roupa em loja de departamento, armários na escola, vagas de emprego, potenciais clientes e tantas outras coisas. Ninguém da família sabia exatamente o que tinha acontecido originalmente, apesar de todo mundo ter sua própria teoria, mas todos pareciam abraçar o assunto e transformar a vida da outra família em um inferno. Swans não eram confiáveis.

— Como a senhora está? — perguntei mudando de assunto.

— Tô bem, garoto — respondeu tentando me tranquilizar — Te falei que não precisava se preocupar, eu só torci o tornozelo, seu avô me levou no médico, o médico colocou a tala e passou um analgésico. Estou em ótimo estado.

— Não tem como não me preocupar com você.

— Eu tenho o melhor neto do mundo — respondeu mudando de posição e começando a mexer no meu cabelo.

— Não deixe Riley ouvir isso e nenhum dos seus outros 43 netos — respondi brincando.

— Exagerado.

Nós ficamos assim por algum tempo, os dois em silêncio, ela mexendo no meu cabelo e eu tentando não pensar o que significava Isabella estar de volta.

A posição me fez pensar no tempo em que eu tinha morado com eles, em tantas outras tardes que eu tinha passado naquela sala com ela e meu avô, desenhando, lendo, ou exatamente daquela maneira, apenas curtindo a companhia um do outro.

— Vou fazer a janta, acho que não é bom você ficar muito tempo em pé com esse pé enfaixado.

— Seu avô foi ao mercado comprar o que faltava pro jantar, ele também disse que ia preparar a comida.

— Então ainda bem que eu vim, seria um crime te deixar comer a comida do vovô — falei sério.

Vovó riu alto, sem tentar defender a comida de meu avô. Ele era um cozinheiro realmente terrível.

Quando ele chegou, entrou pela porta da cozinha e cheio de sacolas. Levantei rapidamente para ajudá-lo com as compras, mas antes que eu pegasse as sacolas, ele as colocou na mesa e me deu um abraço rápido.

— Você vai ficar pra jantar? — questionou.

— Eu vim fazer o jantar — respondi.

— Eu conseguiria fazer — retrucou cerrando os olhos verdes.

— Vovó tá com o tornozelo torcido, ela não consegue correr se você colocar fogo na casa.

— Você é muito cara de pau, garoto. Cadê o respeito?

Eu apenas ri e ajudei a desembalar as compras, depois o mandei para a sala para fazer companhia para vovó.

Nossa família era grande. Elizabeth e Sênior tinham sete filhos, — incluindo meu pai —, muitos netos e alguns bisnetos, mas eu gostava de pensar que eu era a pessoa favorita deles. Mesmo que Riley — meu irmão mais novo —, estivesse trilhando um caminho no futebol americano, mesmo que Irina — uma das minhas primas —, estivesse ganhando muito dinheiro como assistente de um cineasta de sucesso. Eu gostava de acreditar que mesmo com as minhas diversas tatuagens e um emprego não tradicional, eu era o favorito deles.

Emmett e eu tínhamos morado alguns anos com eles e aquilo tinha nos tornado mais próximos dos meus avós. Me sentia conectado a eles e mesmo que os dois sempre foram muito independentes, eu gostava de checá-los, de ter certeza de que estavam bem. 

Sozinho na cozinha, planejei o jantar para sobrar o bastante para o dia seguinte, assim meu avô não teria que cozinhar e eu não teria que atravessar a cidade dois dias seguidos. Enquanto cozinhava, não consegui evitar olhar pela janela para a casa do lado, me amaldiçoando mentalmente por querer ver se Isabella estava na cozinha dela.

X

Depois que saiu da prisão, Emmett veio morar comigo pelos primeiros meses. Lizzie e Sênior tinham oferecido que ele voltasse a morar com eles, mas ele não queria sobrecarregá-los mais, então quando eu ofereci que ele morasse em meu sofá, ele aceitou. Porém, assim que conseguiu um emprego em uma floricultura a algumas ruas de casa, alugou o apartamento 309 do mesmo prédio que eu e resolveu morar sozinho.

Apesar de não amar a ideia de tê-lo morando sozinho e não poder vigiá-lo de perto 24 horas por dia, eu entendi que ele precisava de espaço e me senti grato que ele tivesse se mantido perto o suficiente. Às vezes até um pouco demais para o meu gosto.

— Você sempre me atrasa — reclamou, Emmett batendo o pé no chão ansiosamente.

— Então por que você não vai sozinho? — questionei irritado andando pelo apartamento enquanto procurava um par de meias limpo.

— A gente combinou de fazer isso junto — respondeu e mesmo que eu não estivesse vendo, sabia que ele tinha cruzado os braços.

Eu respirei fundo tentando não descontar nele o estresse do meu dia. Sabia que a ioga era importante pra ele, sabia o quanto ele gostava que fizéssemos aquilo juntos, sabia o quanto estar envolvido naquela rotina o estava ajudando a se manter sóbrio. Não podia jogar tudo aquilo para o alto.

— Desculpa, Emm. Eu peguei uns clientes a mais essa semana porque tô precisando da grana, uma das minhas máquinas quebrou e hoje o dia foi infernal por causa disso — contei. — Mas vou tentar não te atrasar mais.

— Eu posso te emprestar o dinheiro se quiser — ofereceu tranquilo.

Sorri com a oferta, mas sem deixá-lo notar. Era por isso que eu precisava continuar do lado dele.

Emmett era o mais velho dos quatro filhos de Carlisle e Esme — em ordem ele, eu e os gêmeos, Bree e Riley —, mas ele não tinha sido o mais responsável nos últimos anos. Emm tinha conseguido uma bolsa como jogador de futebol americano na Ohio State University, ele era incrível e animado, bem mais certinho do que eu. Porém uma noite voltando de uma festa para a república onde morava, foi atropelado por outro aluno, que estava bêbado.

Era irônico o quanto ele era responsável naquela época, mas como a irresponsabilidade de outra pessoa tinha custado o sonho dele. Milhares de cirurgias, meses de fisioterapia, dívidas e um vício em remédios foi o que ele ganhou. Perdeu a bolsa como jogador e acabou voltando para casa, ou melhor, para a casa dos nossos avós, já que Carlisle e Esme trabalhavam muito, e os gêmeos eram pequenos.

Eu fui com ele, mesmo adolescente, porque no começo ele precisava de ajuda constante e depois, supervisão. Estava quase sempre chapado de remédios, com dor, irritado por ter perdido a oportunidade de sua vida, com raiva de nossos pais. Quando finalmente teve permissão para andar, o vício em remédios ganhou a companhia do vício em álcool e apesar de nossos avós tentarem incentivá-lo a seguir em frente, ele não tinha ânimo para isso. Não tinha bons amigos, não parava em emprego algum. Mas aquilo tinha mudado.

— Eu tenho outras duas que consigo trabalhar, não é tão urgente assim substituir a que quebrou. Mas obrigado pela oferta.

Emmett estava limpo desde a última vez que foi preso — tinha assaltado um mercado com um amigo —,  e apesar de ter sido difícil conseguir o emprego na floricultura onde trabalhava, parecia feliz e tinha conseguido até alugar um apartamento no mesmo lugar onde eu morava.

Ele dizia que era graças a ioga.

Assim que achei a meia, calcei-a e nos apressamos. Eu fui dirigindo meu volvo, porque mesmo atrasado Emmett odiava andar de moto.

Emmett tinha conhecido o Prison Yoga Project quando estava na prisão — pela segunda vez —, seu colega de cela participava das aulas que aconteciam uma vez por semana e levou Emm com ele.

O projeto visava ensinar ioga e Mindfulness para pessoas encarceradas, para que com o autoconhecimento eles não voltassem para a prisão. Também ensinava ioga para pessoas que trabalhavam nas prisões e outras pessoas envolvidas no sistema carcerário.

Quando Emm foi solto, ele tornou aquilo uma coisa nossa e desde então eu o acompanhava pelo menos duas vezes na semana. Eu não era um fã do exercício, mas vê-lo tão engajado com algo saudável me fazia acompanhá-lo.

Além das aulas nas prisões, o projeto também tinha uma filial fora, para continuar o trabalho daqueles que haviam sido soltos, mas também para treinar novos instrutores, incentivar o diálogo sobre questões sociais e oferecer aconselhamento jurídico.

Mesmo atrasados, conseguimos chegar uns minutos antes da aula começar, então pegamos um colchonete cada e nos posicionamos lado a lado no fundo da sala.

Eu estava me alongando, quando Emmett falou apontando para a frente:

— Aquela ali não é a Swan?

Mesmo que a família Swan fosse ainda maior do que a minha, eu sabia que era ela. Todos os pelos da minha nuca se arrepiaram antes mesmo que eu a visse.

— Deve ser — dei de ombros tentando soar indiferente. — Esbarrei com ela esses dias, quando fui visitar Lizzie e Sênior, acho que voltou para Cleveland.

— Nós não vamos embora — avisou Emmett. — Seja civilizado.

Emmett não sabia de nada, apenas tinha deixado toda a intriga de lado desde que começara a praticar ioga. Na verdade, ninguém além de mim e de Isabella sabiam de coisa alguma, todos achavam que todas as nossas brigas e implicâncias eram apenas herança da nossa briga familiar.

Mas houve um tempo em que nós brigávamos apenas pelo show, só para disfarçar que estávamos juntos. Aquilo tinha sido há muito tempo e mesmo que meu corpo ainda reagisse com a presença dela, eu sabia que deveria manter distância.

O professor estava se posicionando quando ela virou para trás, como se sentisse que eu a estava encarando. Nossos olhares se cruzaram apenas por alguns segundos antes que o professor desse a primeira instrução, mas aquele breve olhar foi o suficiente para bagunçar a minha mente.

A instrução daquele momento era pensar no agora, focar no corpo e na respiração no momento, mas ter Isabella ali me levou para o passado. Para a primeira vez que interagimos sem brigar, em uma detenção na escola — eu tinha batido em um garoto que tinha debochado de Emmett, ela tinha jogado a bola de vôlei sem querer no professor de educação física —, onde ela elogiou meu irmão e disse que sentia muito que minha família estivesse passando por aquilo e eu a ajudei a cortar os pneus do carro do professor.

Aquela detenção tinha sido o começo de uma amizade arriscada, ninguém de nossas famílias podiam saber que éramos amigos, mas aquela fala confortante daquela pessoa improvável me fez conhecer um lado novo dos Swan. Antes que eu notasse, estava conversando com ela pelos cantos, desabafando sem que ninguém visse, era pura adrenalina.

Quando ela terminou com o namorado da época, foi comigo que ela desabafou. Corações partidos, a responsabilidade de não ser mais um problema para os meus pais, a mãe dela ausente. Nos tornamos confidentes, porque era fácil simplesmente desabafar com quem não era tão próximo. Até que nos tornamos próximos e continuamos nos apoiando.

Brigávamos nas aulas, pregávamos peças um no outro em público — e nenhum adulto ligava, acostumado com o histórico de nossas famílias —, mas conversávamos quando ninguém estava olhando.

Aquela dinâmica era divertida, e mesmo que nem sempre nossa conversa fosse leve, — e algumas vezes regada pela  adrenalina de sair escondido —, estar com Isabella era como um ponto de calma. Quando percebi, estava apaixonado.

E eu tentei silenciar e reprimir o sentimento, não parecia possível que ficássemos juntos de verdade. Mas aquilo não funcionou, então eu contei para ela que a amava. E eu achava que ela me amava de volta. Mas ela me recusou e aquilo doeu como o inferno.

Era por isso que eu não deveria pensar nela. Mesmo que ela estivesse ali no mesmo ambiente que eu, ela era passado e eu precisava focar no agora.

Porém não foi isso que aconteceu. Nem mesmo a música calma conseguiu afastar meus pensamentos de Isabella.

Quando os exercícios acabaram e Emmett foi passear pela sala, conversando com as pessoas e eu encostei na parede, dando-lhe espaço para ser sociável, Isabella se aproximou de mim. Calça legging vinho, camiseta branca e um top cor de rosa sob a camiseta.

De braços cruzados, ela olhou para os lados antes de falar:

— Oi.

— Tá fazendo o quê aqui?

— Ioga.

Eu revirei os olhos e ela continuou:

— Descobri o projeto por causa de um cliente, estou me inscrevendo como advogada, mas resolvi assistir algumas aulas — explicou.

— Então você vai realmente ficar por aqui? — questionei.

— É, eu voltei.

Não quis perguntar sobre a sua avó, eu queria saber o quão grave era e se ela precisava de algo, porém a pergunta parecia pessoal demais para o local e Isabella sempre tinha sido mais cautelosa com nossas interações em público. Além disso, depois de tanto tempo sem nos falarmos, era estranho que eu me importasse.

— Você precisa procurar outro dia pra fazer ioga, então — falei. — Eu e Emmett fazemos aula de terça e quinta, é melhor a gente não se cruzar.

— Esse dias são melhores pra minha rotina — tentou argumentar.

— Eu não me importo, você precisa achar outro dia.

— Eu não vou abdicar de algo que funciona pra mim só porque você quer — devolveu ela, irritação em sua voz.

Eu estava pronto pra retrucar, quando Emmett apareceu.

— Vocês podem ser civilizados, por favor? — pediu ele. — Esse é um ambiente calmo e vocês estão atrapalhando o exercício dos outros.

— Seu irmão não sabe ser civilizado — respondeu Isabella.

— Eu estava indo muito bem até você se aproximar — devolvi.

— Vocês estão parecendo crianças — resmungou Emm. — Vamos embora, Edward.

— Tudo bem.

— Não tem problema você fazer aula no mesmo dia que a gente, Isabella — disse Emm olhando diretamente pra ela. — Você pode ficar no seu canto e a gente no nosso, não precisamos interagir.

— Eu não preciso da permissão de vocês, mas obrigada.

— Porquê você tem que ser sempre irritante? É realmente de família, ser inconveniente — falei.

— Vamos embora, agora — disse Emm me puxando pelo braço.

Isabella não teve a chance de responder, porque Emmett foi rápido em me arrastar pela sala para pegar nossas mochilas. Quando finalmente saímos, não resisti e olhei para trás, encontrei-a no mesmo lugar, os braços cruzados, o rosto sério e seus olhos chocolate na minha direção.

Eu sentia falta dela.

— Eu sei que as coisas entre as nossas famílias não são boas, eu sei que temos história — falou Emm assim que entramos no carro e eu dei a partida. — Eu sei que você não gosta que o tio dela tenha sido a pessoa que me pegou a primeira vez, e o pai dela quem me prendeu na segunda vez, mas passou.

Não falei nada, odiando que ele não soubesse de tudo.

— Eu estava errado, Edward. Eu roubei aquelas coisas e eu estou realmente tentando melhorar, então por favor não torna isso difícil pra mim — pediu ele. — Eu realmente gosto do projeto, eu não quero ser expulso.

— Tudo bem, Emm. Eu vou tentar por você.

— Obrigado.

X

Emmett fazia ioga todo dia, pela manhã, sozinho em seu apartamento, mas mesmo que ele conseguisse, gostava da rotina de ir para o Prison Yoga Project pelo menos duas vezes por semana. Ele dizia que o fazia lembrar do que ele tinha feito, mas não de uma maneira ruim.

Por isso eu tinha visto Isabella mais três vezes depois daquele primeiro encontro no projeto. Ela cumpriu o que prometeu e continuou indo nos dias que eram bons para ela, o que resultou em novos encontros.

Eu cumpri minha promessa para Emmett e me mantive afastado. Não importava o quanto vê-la ali perto mexia comigo, o quanto eu sentia falta dela, o quanto eu queria minha amiga-inimiga e o quanto eu queria apenas provocá-la para ficar por perto, eu continuei distante.

Era agridoce o sentimento de querer me aproximar e pensar em todas as coisas entre nós que fazia com que a distância fosse a melhor opção. 

Porém depois de um dia infernal, eu quase tentei ligar em seu número antigo e perguntar como ela estava, perguntar se ela queria companhia, porque eu precisava de companhia.

Mas eu não fiz isso.

Ao invés disso mandei mensagem para os meus amigos e chamei-os para encerrar aquela quarta-feira em um bar. Eu precisava encher a cara.

Quando entrei no bar as mensagens começaram a chegar, um por um dos meus amigos dizendo que não podiam me encontrar. Jasper e Garrett — meus amigos da época em que trabalhei em uma cafeteria —, estavam em um encontro duplo com suas respectivas namoradas. Ben e Liam — amigo do curso de verão e outro tatuador —, estavam ocupados com seus respectivos empregos.

Eu pedi uma dose de patrón enquanto pensava nas minhas opções. Meus irmãos mais novos ainda não tinham idade suficiente nem para passar em frente ao bar e Emmett não bebia mais, desde que fora preso pela última vez, porque não gostava mais de não ter controle sobre seu corpo — e tinha medo de acabar voltando ao vício —.

Não ligava de beber sozinho, mas naquele dia eu precisava de companhia. Queria alguém pra conversar, pra me distrair. Por um segundo pensei novamente em ligar para Isabella, mas desisti em seguida, ao invés disso rodei os olhos pelo local, procurando um rosto conhecido ou alguma outra pessoa que parecesse disposta a conversar. 

Ri com a ironia quando meus olhos bateram nela. 

De todos os bares que a grande Cleveland tinha, a mulher que eu tentava tirar dos meus pensamentos tinha parado no mesmo lugar que eu, de novo. 

Terminei minha bebida mais rápido do que esperava e pedi outro em seguida, na metade dele, ainda sóbrio, tomei um impulso e caminhei até ela assim que vi que o cara ao lado dela — eles não pareciam estar juntos — levantou e foi para a pista. 

Assim que me aproximei o suficiente, fiquei atrás dela e dei um leve puxão em seu cabelo cor de mogno, que estava solto. 

Ela virou de cara feia, com os punhos em riste, mas me viu antes de me dar um soco. 

— Você — falou revirando os olhos. — Tá me seguindo, porra? 

Eu sentei no banco livre ao lado dela, enquanto ela virava seu corpo na minha direção.

— Esse é o meu bar favorito, eu venho aqui quase toda semana. Se tem alguém seguindo alguém, provavelmente é você — apontei. 

— Nos seus sonhos — resmungou. — Uma colega da minha firma nova me indicou esse lugar. 

— E cadê ela? 

— O gato passou mal, ela teve que cancelar, mas eu já estava aqui. 

— Parece uma desculpa pra não sair com você — provoquei. — Mas eu não julgo ela. 

— Vá se foder — respondeu mostrando o dedo do meio e virando para frente, chamando atenção do bartender, enquanto apontava para o próprio copo. — Me vê outro, por favor? 

Ela não virou na minha direção depois do seu pedido, então aproveitei para olhá-la. Ela vestia um jeans justo que subia até a altura do umbigo, na parte de cima estava com um cropped preto, sem mangas e de gola alta, além disso muitos acessórios prateados e um coturno preto no pé, que combinava com o meu. 

Nós não estávamos perto demais, mas eu conseguia sentir o seu cheiro característico de morango e baunilha sem muito esforço, e não consegui evitar meus pensamentos de irem em direção a todas as vezes que eu passei meu nariz em seu pescoço. Porra, eu sentia falta dela e eu me odiava por isso. 

Não sei quanto tempo ficamos assim, em silêncio, com ela bebendo seu rum com coca, e eu com minha tequila, olhando pra ela. 

— Vamos dançar — falei alto, sem pedir. 

— Eu e você? Sem chance — ela riu. 

— Vamos, Isabella — insisti, tocando em seu braço de leve — Você levou um bolo da sua amiga, meus amigos estão ocupados, vamos dançar. 

— Eu nem terminei meu drink. 

— Eu te pago outro quando a gente sair da pista — prometi. 

— Imagina se alguém das nossas famílias descobre? Meu avô infarta! — exclamou ela virando pra mim novamente, mostrando seu verdadeiro medo. 

Aquela fala era tão característica dela, sempre com medo de alguém nos ver juntos. Fazia mais de três anos da última vez que tínhamos saído juntos, mas a semelhança fez meu coração doer. 

— Não tem nenhum conhecido aqui, Bella. Ninguém tá vendo a gente — eu garanti. 

— Eu não posso lidar com isso agora — falou, parecia mais perto de ceder. — Com um escândalo na família. 

— Eu te juro, ninguém que conhece nossas famílias vem aqui. Ninguém vai descobrir se você dançar comigo. 

Ela não respondeu com palavras, mas finalizou seu drink em um gole, antes de deixar o copo na bancada, segurar minha mão e me guiar para a pista.

Nós não costumávamos fazer muito aquilo, ir para balada ou bar juntos. Mesmo que a maioria de nossos familiares ainda morasse em Euclid, não Cleveland, ou fora do estado. 

Bares eram lugares que nós tínhamos pouco controle e depois de beber tínhamos menos controle ainda, para Isabella não era o lugar ideal para encontros escondidos. Bibliotecas, becos, uma igreja — uma vez só —, meu apartamento eram lugares mais seguros.

Então eu aproveitava aqueles momentos, quando eu podia apenas dançar com ela e fingir que éramos pessoas normais. Nossos avós não importavam. O pai dela prendendo Emmett não importava.

Éramos apenas eu e ela, nossos corpos se movendo no ritmo de qualquer música.

Não prestei atenção em quantas músicas nós dançamos, apenas se movendo juntos. O começo foi um pouco sem jeito, fazia tanto tempo longe, até que achamos nosso ritmo e foi como se fizéssemos isso todos os finais de semana.

Quando nós dois cansamos, cumpri com o prometido e paguei uma nova bebida pra ela.

Não conversamos muito, apenas bebemos em silêncio e aquilo já foi muito melhor do que o que eu esperava. Tê-la ao meu lado era doloroso, porém de uma maneira estranhamente familiar. Eu queria ficar bravo, eu queria me afastar, mas eu não tinha nenhum autocontrole referente a ela.

Assim que terminou de beber, Isabella perguntou se eu queria voltar pra pista de dança e eu aceitei, apenas querendo ficar perto dela.

Quando levantamos, ela pegou a minha mão e disse:

— Senti sua falta pra caralho.

X

Não conversamos muito no bar, mas o silêncio, a bebida e a companhia eram o que eu precisava naquele dia. Tinha tanta coisa que eu queria conversar, mas não pareceu o momento.

O momento apareceu no final de semana, quando Isabella me mandou uma mensagem:

"Café no Deleite?"

Depois da detenção e dos encontros escondidos, viramos amigos. Era divertido sair escondido, porém com o tempo fomos ficando menos cuidadosos e conversando mais na presença dos outros. Eu estava em uma semana particularmente ruim e cruzei com Isabella na hora da saída, perguntando se a gente podia marcar de sair. Ela tinha saído tarde por causa do jornal e eu tinha ficado depois da aula pra assistir o treino de futebol — mesmo que eu tivesse parado de jogar — , então a escola estava mais vazia.

A gente só não contava que o tio dela, Demetri, estivesse fazendo uma ronda perto da escola naquele momento. Demetri deu uma bronca em Isabella, disse que ela não deveria andar comigo, que eu era uma maloqueiro por andar de skate, que não deveria confiar em mim por causa da família e porque meu irmão era um viciado.

Levou muito de mim para não o socar quando falou do meu irmão, eu não importava que falassem sobre mim, mas meu autocontrole não foi o suficiente pra me impedir de mandá-lo se foder.

Isabella arranjou uma desculpa dizendo que estava apenas falando sobre um trabalho de classe e seguiu com ele, pedindo pra não contar para o seu avô.

Duas semanas depois, foi o tio dela que encontrou Emmett assaltando uma loja de conveniência, o que levou meu irmão a sua primeira sentença, dez mil horas na prisão. Não era racional da minha parte, mas parecia de propósito.

Porém ao invés de ficar com raiva de Isabella por tabela, eu só queria sentar ao seu lado e me distrair, mas ela não queria ser pega comigo novamente, tinha medo da reação de seus avós. Então eu encontrei o Deleite.

Eu não conseguia lembrar exatamente como eu tinha encontrado o lugar, ou como eu tinha parado em Cleveland pra começo de conversa, mas o lugar era perfeito. Era uma cafeteria que não era frequentada por ninguém que conhecíamos, em cima da cafeteria tinha um pequeno sebo. A dona deixava com que ficássemos lá, contanto que organizássemos os livros por ela e parecia uma troca justa.

Um lugar secreto por uma pequena limpeza? Não era nada.

Aquilo acabou se tornando nosso lugar e era impressionante que ninguém o tivesse descoberto em 12 anos. Talvez fosse estranho que continuássemos a frequentar o mesmo lugar mesmo depois de tanto tempo, um lugar que frequentamos quando éramos adolescentes, mas Deleite era o nosso local.

Eu cheguei primeiro e ao invés de esperá-la na entrada, fui diretamente ao balcão fazer nossos pedidos, um expresso e um bolo de chocolate para mim, um capuccino e um bolo de pistache para Isabella.

A garota que me atendeu no caixa era nova, mas quando dei alguns passos para o lado para esperar o meu pedido, reconheci a filha da dona arrumando meu pedido.

— Você sumiu — comentou Jane enquanto cortava as fatias de bolo.

— Culpado — respondi. — Como você está? A Sulpicia está bem?

— Estou bem e mamãe também, começou a fazer parte de um clube do livro e por isso não tá aqui — explicou. — Isabella está vindo?

— Sim, eu saí mais cedo do estúdio — respondi, um pouco constrangido por ser tão previsível.

— Vou pedir para Alec te ajudar com os bolos e quando a Bella chegar, ela leva o capuccino dela, pode ser?

— Claro.

— É bom ver você, Edward — disse a loira, enquanto o irmão saia da cozinha.

— Você também, Jane.

Quando encontrei o Deleite, o sebo era uma tremenda bagunça de livros e poeira. Livros em cima de mesas e cadeiras, quando havia diversas estantes vazias. Nós limpávamos como adolescentes, aos poucos, não levando nosso serviço muito a sério, mas conseguimos abrir espaço pela mobília e abrir as janelas que estavam interditadas por causa dos livros.

O lugar se transformou de um muquifo para um sebo confortável por nossa causa e mesmo que eu não visitasse o lugar durante os últimos anos, ele continuava com a mesma arrumação que eu e Isabella criamos, sem poeira e bagunça mesmo que não tivéssemos limpado.

Eu coloquei minha jaqueta sobre o sofá verde, ficando apenas de cacharrel, Alec deixou os dois pedaços de bolo em cima da mesa e desceu. Aproveitei que estava sozinho e andei pelo lugar, procurando um livro para ler enquanto esperava Isabella, porém ela chegou antes que eu escolhesse algo.

— Você não deveria ficar de costas para a porta quando sabe que eu estou vindo — disse ela na minha orelha.

Eu me virei, surpreso por não escutar seus movimentos ou sentir seu cheiro, dando de cara com ela, o rosto ligeiramente inclinado para cima, em minha direção. Ela estava usando pouca maquiagem, a boca cor de rosa brilhava.

Respirei fundo com a proximidade, tentando obrigar meu cérebro a falar alguma coisa e não apenas beijá-la.

— Oi — sussurrei.

Era simples. Eu provavelmente deveria ter falado outra coisa, mas meu simples oi a fez sorrir, então eu sorri de volta. O sorriso pareceu ser o que ela precisava, porque ela passou os braços na minha cintura e sussurrou no meu peito.

— Oi.

Durou pouco, mas foi o suficiente para que eu não soltasse sua mão quando nos acomodamos no sofá.

— Como você está? — perguntou depois de dar um gole em sua bebida.

— Bem — respondi. — Na mesma, eu acho. E você?

— Assustada — disse sincera. — Vovó Marie não está bem.

— Lizzie comentou comigo naquele dia que nos encontramos lá em Euclid.

— O tornozelo da sua avó está melhor?

— Tá sim, tirou a tala essa semana — contei. — O que sua avó tem?

— Câncer de estômago

Eu soltei a colher que segurava e segurei a dela com as minhas duas, não conseguindo imaginar o quão difícil devia estar sendo para Bella.

— Eles começaram o tratamento antes que eu chegasse, radioterapia, quimioterapia e imunoterapia, antes da cirugia, mas o câncer já está em um estágio muito avançado — disse ela olhando para mim, seus olhos marejados.

— Eu sinto muito, Bella. Tem algo que eu possa fazer para ajudar vocês?

— Não tem nada que eu possa fazer — disse Bella, a voz saindo um pouco amarga. — Eu saí da firma que eu trabalhava na mesma semana que eu soube, arrumei o que podia, doei algumas coisas e voltei para casa o mais rápido que eu pude, mas não tem nada que eu possa fazer para que ela seja curada.

— Eu imagino que seja horrível essa sensação de impotência, de não poder tirar a dor dela ou simplesmente arranjar uma solução do nada, mas tenho certeza que te ter por perto ajuda — falei tentando confortá-la.

—  Ela disse a mesma coisa — sorriu ainda com os olhos úmidos. — Disse que se soubesse que precisava estar doente para eu voltar, teria mentido e me feito voltar antes. Ela é uma espertinha.

— Sua avó parece bacana.

— Ela é minha melhor amiga. Fui fazer ioga por causa dela, acredita?

— Sério?

— Sim — disse rindo. — Eu já conhecia o Prison Yoga Project e admirava o projeto de longe, mas quando voltei para casa, mesmo doente, Marie bateu o pé que eu não podia fazer minha vida girar em torno dela e ela só iria deixar eu levá-la a quimioterapia se eu arranjasse algo para fazer. Achei que ela estava brincando, mas logo no primeiro dia ela cruzou os braços e disse que não ia sair de casa enquanto eu não prometesse que eu ia arranjar algo pra fazer. Ela é teimosa pra caralho, não consegui dizer não. Então de segunda-feira eu a acompanho a quimioterapia, terça e quinta eu faço ioga com você, e nas quartas e sextas eu faço hora extra.

— Uma rotina agitada — comentei.

— Realmente, se eu pudesse, viveria em torno da minha avó, mas não posso me dar ao luxo. Primeiro porque ela não deixaria e segundo que eu tenho uma tonelada de empréstimos estudantis pra pagar. Dei muita sorte que meu antigo chefe tinha alguns contatos por aqui e mexeu uns pauzinhos pra me colocar na firma nova. Meus novos chefes também são bem flexíveis com horário, mas não quero causar uma má impressão.

— Você sempre foi organizada com tudo, mas não lembrava desse seu lado workaholic — comentei.

— Não acho que seja exatamente workaholic. Eu sou mulher e sou nova na empresa, preciso me esforçar, além disso não sou advogada a tanto tempo e preciso construir um nome — explicou. — E o trabalho me ajuda a não pensar na vovó, fiquei em cima dela na primeira semana e ela quase me bateu.

— Marie é realmente admirável — falei sorrindo.

Nós ficamos em silêncio pelos próximos minutos e apesar do nosso primeiro assunto não ter sido leve, estar ao lado dela era confortável, como se eu não tivesse parado de falar com ela nos últimos três anos.

Isabella e eu demos nosso primeiro beijo naquela mesma cafeteria, eu a tinha beijado em uma daquelas estantes, que estavam vazias naquela época. Vivemos uma amizade colorida no último ano do ensino médio e mesmo quando Demetri prendeu Emmett — Emm foi pego em flagrante assaltando uma farmácia —, não consegui me afastar dela. Ao mesmo tempo que eu apreciava sua amizade, pois de uma maneira improvável ela parecia a única a me entender, eu também gostava da adrenalina de me encontrar com ela escondido. Eu não tinha sido fácil na época do Middle School, mas no High School, com tudo girando ao redor do Emmett eu me esforçava para não causar problemas.

Quando Isabella foi para a faculdade na Flórida e eu fiquei em Ohio, nós concordamos que éramos amigos e que não devíamos deixar de viver a vida esperando pelo outro, porém quando Isabella voltou para casa nas festas de fim de ano, nós fugimos entre os feriados e ficamos. Aquilo se repetiu por todas as outras vezes que Isabella voltou para casa, até que ela começou a namorar Victória, uma colega sua de faculdade.

Eu não cheguei a conhecê-la de perto, mesmo quando Victória veio passar um feriado em Euclid, para conhecer a família de Isabella, porque nós não podíamos entregar para ninguém que éramos amigos. Nós continuamos conversando a distância, mesmo sem os beijos ou sexo, dava trabalho e era cansativo, porém tínhamos nos tornado amigos na aventura que era nos encontrarmos escondido.

O namoro delas chegou ao fim no ano em que fizemos 22, mas eu tinha começado a namorar Makenna, então continuamos apenas amigos até que meu namoro terminou um ano depois. Foi fácil voltar à rotina de amigos coloridos, mesmo que Isabella tivesse tido uma trajetória completamente diferente da minha.

Ela morava com os avós desde os cinco anos, quando seus pais se separaram e sua mãe a deixou para trás. Era esforçada na escola, apesar de nunca ter sido nerd porque sempre tinha uma resposta na ponta da língua e nenhum medo de enfrentar nossos professores quando discordava de algo. Tinha ido estudar história na Flórida e depois fez direito em Boston.

Eu era quase o seu oposto, tinha notas medíocres nas matérias que eu não gostava — a maioria delas de exatas —, e brigava facilmente. Não tinha ido para faculdade — apesar de ter frequentado alguns cursos de verão principalmente sobre história e artes —, ao invés disso fui trabalhar em uma cafeteria quando me formei, depois em um bar, até aprender a tatuar em um estudio e depois abrir o meu.

Ela era uma garota dos livros, decidida e um pouco ativista, tinha estudado a vida toda e tinha uma carreira acadêmica. Eu gostava de artes, de desenhar pelos lugares, de esportes. Nós não éramos parecidos nisso, mas ela me entendia como ninguém e eu nunca tinha estado com outra pessoa que eu gostasse mais do que ela.

Eu quase não me importava que tudo que fazíamos tinha que ser escondido, que eu não podia postar as milhares de fotos que eu tinha com ela no meu celular, não ligava de ter que encenar uma briga toda vez que nos esbarrávamos perto de casa. Não ligava que ela voltava cada vez menos, por causa do estágio.

Ela era a única coisa que importava e se eu podia ficar com ela, era o suficiente

E se eu fosse sincero comigo mesmo, eu meio que gostava da adrenalina quando era mais jovem. De fazer malabarismo para nos encontrarmos quando eu ainda morava com meus avós. De arranjar desculpas. De beijá-la sem saber se algum parente nosso apareceria a qualquer momento. Era nossa rotina e eu fui me apegando, esperando por esses momentos. 

Quando percebi que a amava, era tarde demais para fazer alguma coisa para impedir a mim mesmo. Então eu disse para ela em um natal, que não precisava me dizer de volta naquele momento — apesar de eu achar que ela sentia o mesmo —. No dia dos namorados, Bella apareceu namorando.

Eu sabia que ela não tinha dito nada, sabia que não podia ler seus pensamentos, mas me senti traído. Quando ela começou a namorar Victória, tinha me avisado antes, mas me surpreendeu daquela vez.

Parei de responder suas mensagens, mesmo quando Emmett foi preso novamente  — dessa vez pelo seu pai — e exclui meu perfil no Instagram — um perfil privado que eu tinha apenas para conversar com ela —. Comecei a fugir dela a cada nova visita, não querendo esbarrar nela depois de ter sido tão idiota em falar o que eu sentia.

Pensando bem, era um pouco patético o quanto ela ainda me afetava, o quão fácil era apenas estar ao redor dela, sem nunca ter conversado direito sobre aquilo. Mas depois de reencontrá-la mais de uma vez nas últimas semanas, eu não podia negar que o sentimento não tinha ido embora ou diminuído.

— Está sentindo muita falta da vida antiga? — perguntei depois de um tempo de silêncio.

— Mais ou menos — respondeu ponderando. — Eu gostava dos meus colegas de trabalho, mas também estou gostando das pessoas novas. Não tenho muitos amigos da faculdade de direito e mesmo morando no mesmo estado que eles, não conseguia vê-los na frequência que eu gostaria. Acho que a pessoa que mais sinto falta é a Siobhan, pois estava morando com ela nos últimos meses.

— E Mike? — falei não resistindo em perguntar sobre seu último namorado.

— Nós terminamos faz dois meses — respondeu sem conter uma careta. — Foi por isso que fui morar no quarto extra de Siobhan.

— Sinto muito pelo término — menti tentando não sorrir.

— Fui eu quem terminou — deu de ombros.

— Por quê?

— Não sei se você vai achar a história engraçada ou vai me achar filha da puta.

— Bella, sou eu, Edward. Eu já te acho meio sacana, não dá pra piorar  — disse sem conter a risada.

Ela mordeu os lábios e respirou fundo antes de dar de ombros e dizer:

— A gente estava morando junto já fazia quase um ano, o que era pouco tempo comparado ao tempo em que ele estava pedindo pra morar comigo e eu negando — contou. — Faltavam duas semanas pro dia que faríamos um ano morando juntos, eu estava procurando um livro dele , mexi na gaveta dele e acabei encontrando uma caixinha da Tiffany’s.

Prendi a respiração ao escutar o nome da marca, eu não entendia muito de joias ou de grifes no geral, mas sabia que dificilmente conseguiria dinheiro o suficiente para comprar algo de lá.

— Não resisti e abri a caixinha azul turquesa e encontrei um anel que brilhava tanto que deveria ser crime, fiquei tão assustada — confessou. — Guardei no mesmo lugar e passei o dia dispersa, pensando se eu queria viver com Mike o resto da vida, no final do dia pedi uma folga. Passei o dia seguinte embalando minhas coisas enquanto ele estava no trabalho e quando ele chegou, falei que queria terminar.

— Ele nunca chegou a te pedir em casamento? — perguntei.

— Por sorte não, fiquei com medo que ele pedisse enquanto eu tentava terminar, mas ele não se humilhou desse jeito.

Eu não deveria ficar feliz por ela ter terminado, eu deveria me compadecer de Mike e do pé na bunda que ele levou, mas eu não conseguia. Eu estava feliz, eu não me importava que Bella tinha largado ele.

— Então a receita pra terminar com você é te dar um diamante? — perguntei tentando não sorrir.

— Não pode ser qualquer diamante, tem que ser o maior e mais sem personalidade que existir.

— Um diamante de uma marca de grife é sem personalidade?

— Completamente. Eu olhei pra ele e achei tão monótono quanto Mike.

— Eu estou começando a ficar com dó do pobre Michael — falei.

— Você é um péssimo mentiroso, Edward — falou cutucando meu peito.

— Nós andamos juntos faz doze anos e ninguém descobriu, acho que eu sou um ótimo mentiroso — disse pegando a mão dela e segurando entre meus dedos.

— Vou reformular então, você não consegue mentir para mim.

O sofá onde estávamos sentados não era muito espaçoso, porém tinha espaço o suficiente para não ficarmos colados um ao outro. Mas como sempre, tínhamos nos aproximado enquanto conversávamos.

Naquele momento, mesmo de jeans, eu podia sentir o calor da coxa de Isabella grudada na minha e eu tinha certeza, que ela conseguia sentir meu coração acelerado na palma de sua mão.

— Eu vou te beijar — avisou ela.

E eu a queria tanto, que a beijei primeiro.

Coloquei uma das minhas mãos na parte de trás do seu pescoço, empurrando a gola de seu vestido para baixo, querendo sentir sua pele sob meus dedos. Isabella agarrou a minha blusa, me segurando perto dela. O beijo foi intenso desde o primeiro segundo, com gosto de café, pistache e saudade.

Não devia me sentir assim com todo nosso histórico, não deveria me render tão fácil. Mas eu não conseguia resistir, eu só precisava dela.

X

Nós não conversamos sobre o fato de que eu tinha falado que a amava e ela tinha aparecido namorando pouco tempo depois, mas eu preferia assim. Eu não entendia meus próprios sentimentos no momento, conversar com ela só me faria ficar envergonhado, então agradeci pela falta de diálogo.

Foi difícil para Isabella manter alguns amigos da época do colégio quando ela foi para faculdade fora  do estado, eu tinha sido um dos poucos a manter contato durante todos aqueles anos — sem contar os últimos três —, então foi fácil preencher o lugar destinado a sua vida social.

Sua rotina não era fácil, entre o emprego em uma firma de advogados e a avó com câncer, mas nós voltamos ao nosso velho hábito de conversar o tempo todo por mensagem e nos esgueirar para sairmos juntos. Bella continuava não muito fã de bares e restaurantes — mesmo que fosse mais difícil nos encontrar em Cleveland —, então nos encontrávamos em nosso velho esconderijo, ou em meu apartamento.

Nós quase não encenávamos brigas nas aulas de ioga, preferíamos apenas fingir ignorância a presença do outro, não queríamos sermos expulsos da ioga, nem atrapalhar o momento das outras pessoas. Às vezes soltávamos algum comentário atrevido só pelos velhos tempos, coisas bestas como reclamar onde o outro sentou, ou reclamar do colchonete, apenas para interagir com o outro.

O verdadeiro show costumava acontecer em Euclid, quando nos encontrávamos na rua ou em algum estabelecimento e víamos algum parente, ou conhecido no mesmo lugar. Nem sempre era divertido, mas Isabella achava que era necessário, então eu a obedecia.

Eu não gostava de mentir para Emmett, nós estávamos tão próximos e ele confiava tanto em mim, que parecia completamente errado que ele não soubesse. Porém eu não conseguia imaginar como ele reagiria se soubesse, que estávamos nos pegando de novo e que tínhamos uma amizade colorida de anos.

Ele dizia que não ligava mais para a rixa de família, que o que quer que nossos avós tinham feito para brigarem não era problema dele, mas ele mesmo tinha sua história com os Swan. Demetri Swan tinha o prendido a primeira vez, quando ele assaltou uma farmácia sozinho. A segunda e última vez, tinha sido o pai de Isabella, Charlie, que também o pegou em flagrante, dessa vez com um amigo tentando assaltar um mercado.

Emmett dizia saber ter sido erro dele e eu também sabia, mas não conseguia pensar se ele dizia aquilo por acreditar realmente e não guardar rancor, ou se estava repetindo aquilo até se tornar verdade. De qualquer maneira, eu preferia continuar com a mentira por quanto tempo desse.

Apesar de terça e quinta serem os nossos dias de ioga, quando Emmett ficou sabendo sobre a roda de conversa que o Prison Yoga Project ia oferecer, acabou me chamando para ir junto. O tema era sistema judiciário e racismo, o que fez com que Isabella se interessasse também.

Eu não costumava ter muito o que falar, naquele tema eu tinha menos local de fala ainda, sendo eu um homem branco, mas eu sempre adorei história na época da escola e apesar de nunca ter tido vontade de ir para o direito como Isabella — eu era muito mais artístico —, eu gostava das rodas de conversa temáticas porque eram uma oportunidade de aprender sobre história e sobre a vivência das outras pessoas.

Isabella sim tinha coisa a acrescentar, mas ela sabia ouvir as outras pessoas e era ótimo vê-la falando. Adorava como a voz dela era sempre muito clara e como ela era assertiva ao falar, a confiança que ela exalava beirava o sensual e eu não conseguia me conter em imaginá-la em um tribunal, completamente em seu habitat.

Quando a roda de conversa acabou levou muito do meu autocontrole para não levantar e beijá-la ali mesmo, mas eu consegui e apenas segurei seu olhar por um tempo, antes de seguir Emmett para falar com outras pessoas que estavam ali. Temia que se eu seguisse nosso script e forjasse uma briga apenas pra me aproximar, acabaria não resistindo e a beijaria ali mesmo.

Na hora de ir embora, Emmett me chamou para tomar um café e eu aceitei, mesmo que quisesse mandar uma mensagem para encontrar Isabella em meu apartamento.

Nós pedimos nossos cafés e assim que eles chegaram, ele foi direto:

— Eu sei que você gosta de Isabella — disse ele com uma expressão neutra no rosto.

— Gostar da Swan? Nunca. A gente se odeia.

— Isso não cola mais comigo — insistiu. — Vocês estão sempre se comendo com o olhar o tempo inteiro.

— É coisa da sua cabeça.

— Tudo bem, Edward eu vi a Bella saindo do seu apartamento essa quarta — confessou. — Mas porra, não sou estúpido! Eu desconfiei desde a segunda semana que ela começou a fazer ioga com a gente.

Tentei pensar em uma desculpa plausível para estar saindo de lá, mas não consegui pensar em nada.

— Eu sei que o que você faz no seu apartamento não é da minha conta — disse ele. — Mas eu queria que você soubesse que não precisa se esconder de mim. Você sempre tenta me proteger, mesmo eu sendo mais velho, mas você pode contar comigo se quiser.

— Você é meu melhor amigo, sabia disso? Mas as coisas são complicadas, Emm.

— Se a complicação for por minha causa, não precisa ser — prometeu ele. — Eu disse a verdade quando falei que não guardo rancor de Demetri ou de Charlie, eles estavam apenas fazendo o trabalho deles como policiais.

— Isso é um fator importante, mas não é só por isso — expliquei. — Nossas famílias brigam a tempo demais, muita dor de cabeça.

— Uma briga que ninguém sabe o porquê começou — apontou ele.

— Mas que causou muito ressentimento.

— Essa briga não é sua, irmão. Seja lá o que for, não deveria te atrapalhar de ficar com quem gosta.

— Obrigado por me apoiar, Emm — falei estendendo meu punho.

— Você sempre esteve comigo, mesmo quando eu achei que estava sozinho, você tava do meu lado. O mínimo que eu posso fazer é te apoiar de volta — disse ele depois de bater no meu punho.

X

Acabei contando para Emmett sobre tudo desde o começo, a detenção, os encontros escondidos, às vezes em que pulamos a cerca, nossa cafeteria secreta, a amizade colorida durante anos, os últimos três anos sem nos falarmos depois do meu eu te amo. Ele ficou impressionado sobre como nos escondemos bem por tanto tempo.

Isabella me surpreendeu como reagiu à Emmett saber de nosso segredo. Ela se apresentou a ele na terça-feira seguinte e disse o quanto eu falava bem dele, que era bom finalmente o conhecê-lo, o que o fez sorrir o suficiente para que suas covinhas aparecessem.

Ter Emmett sabendo era como tirar um peso dos meus ombros. Sem precisar encenar ódio na ioga, era quase como se fossemos um casal normal.

Naquela sexta-feira, Isabella tinha dito aos avós que dormiria na casa de uma colega em Cleveland depois de ir para a balada. Eu era a colega de Cleveland.

Nós usávamos muito essa desculpa desde que eu tinha começado a morar sozinho, porque meu apartamento era o meio mais seguro de nos encontrarmos — apesar de ter sido por causa dele que Emm tinha descoberto sobre nós —, mas desde que ela voltara para casa, não usávamos aquela desculpa tanto quanto eu gostaria, porque ela preferia dormir em casa para ficar de olho na avó.

Então eu aproveitei o momento.

Estávamos no sofá, eu sentado com meu tablet na mão apenas de bermuda, Bella deitada com as pernas nuas no meu colo, as tatuagens que tinha na coxa a mostra — todas feitas por mim —.

— Percebi que você nunca me desenhou — acusou ela. — É um absurdo você foder comigo e eu não ser sua musa.

Eu gargalhei, rindo de minha própria desgraça.

— O que foi?

— Estou me preparando para me humilhar.

Tirei suas pernas de cima de mim e fui até meu quarto em busca de meu caderno de couro mais antigo. O encontrei em uma mala debaixo da cama, escondido sob alguns livros.

Eu me sentia constrangido de não ter jogado fora com o tempo, ainda mais constrangido por mostrá-lo a Bella. Porém eu não conseguia resistir, eu era completamente rendido por ela.

— Tente não rir muito — falei jogando o caderno em seu colo.

Ela cruzou as pernas ainda virada de lado e eu espelhei sua pose, querendo observar de perto sua reação ao caderno.

Bella se demorou na capa, passando o dedo suavemente sobre a tag de couro com seu nome. Seus olhos se arregalaram assim que ela abriu a primeira página, sua boca abriu um pouco.

Não precisava ficar ao seu lado para saber o que a tinha chocado, eu mesmo tinha desenhado seu nariz arrebitado na primeira folha. A folha seguinte tinha seus olhos e sobrancelhas. A outra, seu cabelo.

Aquilo se repetia por todo o caderno, partes de Isabella em cada página, com datas diferentes dos últimos anos, passando pelos traços e tipos de desenhos que fiz. Eu tinha começado porque achava que ela tinha traços bonitos para serem desenhados, gostava até das suas imperfeições, como as cicatrizes de sua fase desastrada, ou seus dedos dos pés um pouco tortos. Depois usei a desculpa de que queria ver como meu traço mudaria no decorrer dos anos, vê-la mudar através dos meus desenhos. A realidade era que eu simplesmente gostava dela.

— Você precisa atualizar isso — disse ela assim que fechou o caderno, sem zombar do meu segredo. — Eu cortei o cabelo.

O cabelo que estava abaixo da cintura quando nos reencontramos, tinha sido cortado no ombro e Isabella tinha mandado fazer uma peruca para a avó, que estava perdendo cabelo com a quimioterapia.

— Eu vou — prometi.

— E você precisa fazer um quadro meu de aquarela, não quero só as partes Jack, o Estripador.

— Vou te desenhar como uma francesa, pra você colocar na sala dos seus avós — zombei dela.

— Idiota — respondeu me chutando de leve.

Eu sorri, nem um pouco incomodado com o chute.

Bella levantou e andou pelo sofá até colocar uma perna de cada lado do meu corpo, sentando em meu colo em seguida. Eu coloquei minhas mãos em seu quadril assim que ela sentou em mim, a trazendo para mais perto. Ela segurou meu rosto bem próximo do dela, mas não me beijou, ao invés disso fez meu coração disparar ao dizer:

— Eu amo você.

X

Amar é doloroso.

Eu sabia disso anos antes, quando percebi que amava Isabella apesar de nosso histórico familiar, era horrível pensar que não importava o quanto nos gostássemos, que se realmente ficássemos juntos seria um inferno. Provavelmente machucaríamos muitas pessoas que amávamos.

Passei por várias fases quando percebi o que sentia. Negação logo no início, tentando me convencer de que eu gostava dela por outras coisas e não por ela mesma. Depois tive esperança de que ela sentia o mesmo. Então decepção e raiva quando ela começou a namorar outra pessoa.

Eu tinha guardado e nutrido a decepção e a raiva pelo tempo em que parei de falar com ela, na tentativa de fazer os sentimentos bons irem embora. Mas assim que a reencontrei, foi fácil voltar a amá-la, porque eu nunca tinha parado e mesmo que irracional, eu esperava que ela me amasse de volta.

Então ela finalmente disse o que eu esperei por tanto tempo, porém amar alguém que estava sofrendo e não poder fazer nada para impedir aquilo era um tipo de dor diferente.

O médico de Marie tinha receitado quimioterapia e radioterapia para tentar diminuir o câncer e tentar retirá-lo em cirurgia. Isabella e Caius — seu avô —, acompanhavam Marie toda semana, e eu sabia por Bella, que a família estava esperançosa.

Os cabelos de Marie tinham caído por causa da quimioterapia, mas eu a via de relance com a peruca com os cabelos de Isabella, sempre parecendo tranquila, mesmo que sua aparência estivesse abatida.

Porém, mesmo depois de três ciclos de quimioterapia, quando abriram Marie viram que o câncer tinha se espalhado e a fecharam novamente. O tratamento parecia ter feito apenas os cabelos de Marie caírem.

Marie não voltou para casa naquele dia, pois os médicos queriam observá-la antes de criarem um novo plano, dessa vez paliativo. Caius ficou com ela, mas os dois mandaram Isabella para casa.

E ela foi. Para a minha casa.

Ela chegou em meu apartamento com uma mochila nos ombros, o semblante triste.

— Posso ficar aqui? Não quero ficar sozinha — sua voz falhada.

Eu a coloquei para dentro e a segurei em meus braços, aquilo foi o suficiente para que ela desabasse.

Eu a deixei chorar, até que as lágrimas pararam e eu a coloquei em minha cama, com a ordem de colocar um pijama, enquanto eu preparei um sanduíche para ela.

Quando voltei, sentei ao seu lado e entreguei o lanche com um copo de suco, enquanto ela colocou a perna em cima da minha. Respeitei seu silêncio na hora de comer.

— Eu achei que ela ficaria bem, que seria apenas um susto — sussurrou depois de um tempo. — E agora é só uma questão de tempo até que ela vá embora.

Nos movi pela cama de uma maneira que Bella parou em meu colo, as costas em meu peito, a cabeça no vão do meu pescoço, meus braços a prendendo no lugar. Não havia muito o que eu pudesse oferecer para ela no momento, mas eu precisava mostrar que ela não estava sozinha.

Eu senti suas lágrimas quentes caindo no meu corpo e a apertei um pouco mais, balançando-a em meus braços. Não sabia o que fazer, como consolá-la da maneira correta, mesmo que tivesse uma família grande, eu nunca tinha passado por aquilo, perder alguém que eu amava. Então continuei a embalando e deixando-a chorar.

Conhecia Marie Swan por toda a minha vida, se nossas famílias fossem normais, ela teria sido uma vizinha comum, que eu sentiria a morte a distância. Mas nossas famílias não se davam bem e eu nunca tive a oportunidade de conhecê-la de perto, apenas por todas as histórias que Isabella contava para mim.

Sabia o quanto ela importava para a garota que eu amava e aquilo me fez sofrer junto.

Eu não chorei, não costumava chorar muito e aquele momento não parecia o certo, eu deveria apenas apoiar Bella. Mas mesmo sem as lágrimas eu senti, antes que acontecesse, a perda de uma pessoa querida.

X

Depois da primeira noite e da notícia ruim, Isabella voltou para o hospital e sentou com os médicos para decidir os passos seguintes.

Mesmo que Marie e Caius tivessem 9 filhos, Isabella foi a escolhida para lidar com as decisões a serem tomadas, já que ela morava com os avós e nem todos os filhos dos dois moravam no estado. Eles contrataram uma equipe de home care para os momentos onde Isabella estava trabalhando, já que mesmo que Caius fosse lúcido, ele era um idoso perdendo o amor de sua vida.

Bella também conversou com seus chefes para diminuir um pouco a carga de casos, além da possibilidade de trabalhar a distância, dando assistência.

Apesar da morte iminente, Marie continuava como ela mesma, querendo sair nos dias que não acordava com dor e brigando com Isabella para que ela não fizesse a vida dela girar em torno dela. Eu a admirava.

Então para não desobedecer a avó, se enfiava em meu apartamento toda vez que Marie reclamava que a neta estava rondando-a demais. Não era confortável ter a lembrança constante de que Marie morreria, mas todos tinham a esperança de que com os cuidados paliativos ela vivesse mais.

E realmente viveu.

A primavera e o verão passaram com a mesma rotina, não houve melhoras na saúde de Marie, mas o fato de não haver pioras deixou a família esperançosa de que talvez ela vivesse anos em cuidados paliativos.

Bella conseguia rir e se distrair, sair às vezes, apesar de preferir ficar em meu apartamento.

Naquela tarde, dois dias depois de seu aniversário, estávamos jogados na minha cama enquanto Isabella me contava sobre o jantar que teve em casa:

— E aí meu priminho Tyler chorou porque o sabor do bolo não era de chocolate, os pais dele foram embora e minha avó levantou as mãos e agradeceu.

— Sua avó é o máximo — falei rindo. — Queria estar lá, conhecer ela de perto.

— Acho que ela gostaria de você — respondeu.

Eu estava cansado do segredo, queria que Bella conhecesse minha família, queria conhecer a dela. Queria sair sem que Bella ficasse o tempo inteiro olhando para os cantos, com medo de encontrar alguém que contaria nosso segredo. Mas Bella sempre dizia que não era o tempo certo, às vezes eu retrucava, em outras apenas aceitava.

— Quero fazer uma tatuagem nova — mudou de assunto empolgada.

Isabella foi a primeira pessoa que eu tinha tatuado — tirando eu mesmo —. Ela era uma advogada e sabia do preconceito que sofreria se alguém descobrisse, mas tinha algumas tatuagens em lugares onde a roupa cobria, todas feitas por mim.

Sua coxa direita estava fechada com desenhos pequenos e a esquerda estava caminhando para a mesma coisa, Bella também tinha um trabalho floral embaixo dos seios, quase como uma moldura. Eu amava vê-la em suas roupas sociais, sabendo de todas as suas tatuagens escondidas.

— O que você pensou?

— Um pato de borracha e um buquê de flores — disse sorrindo.

— Isso é muito aleatório, mas o que você quiser é seu.

— É por causa da vovó — explicou. — O buquê por causa do jardim que ela cuida desde que me entendo por gente e o pato tem uma história engraçada.

— Eu preciso saber!

— Como toda criança eu tive aquela fase de não querer tomar banho.

— Eu sempre fui limpinho, muito obrigado.

— Tenho certeza que você está mentindo — disse me empurrando. — Então, eu tive essa fase lá para os seis ou sete anos, quando caiu a ficha de que a Renée não ia voltar. Minha avó teve um trabalho enorme pra me acolher, mas o banho foi a parte difícil. Então ela me arranjou um pato de borracha e disse que ele iria morrer se não tomasse banho todos os dias.

— E você acreditou?

— Completamente até os nove — disse rindo. — É ridículo que eu tenha demorado tanto tempo pra perceber.

— É ridículo que sua avó tenha precisado usar um pato de borracha pra te obrigar a tomar banho, porquinha — zombei dela.

— Você não vai fazer isso virar meu apelido!

— Tarde demais! Vou pegar o tablet pra esboçar sua tatuagem, porquinha — falei levantando da cama.

— Eu te odeio — disse arremessando um travesseiro em mim.

— Você me ama — falei sorrindo, parado no batente da porta.

— Idiota! — respondeu mostrando o dedo do meio.

Dessa vez eu sabia que ela me amava, não eram apenas suposições. Isso nem sempre era o suficiente, eu queria andar com ela sem o peso de ter que esconder. 

Mas era o suficiente naquele dia.

X

Apesar de gostar de nossa rotina, alguns dias ficar escondido não era o suficiente, eu queria sair, queria leva-la para conhecer as coisas que eu gostava.

Com muito custo, acabei convencendo Isabella de deixar seus avós por um final de semana e leva-la para Cincinnati — uma cidade à quatro horas de Euclid —, para um momento nosso.

Começamos a manhã no Khron Conservatory, uma estrutura com teto de vidro no meio do Eden Park, cheio de diferentes tipos de plantas. Eu sempre observei o carinho que Bella nutria pelas plantas que a avó criava no fundo do quintal, então não foi surpresa ver seus olhos brilhando ao estar no jardim.

Depois paramos para almoçar em um restaurante qualquer e seguimos para a casa de Harriet Beecher Stowe, uma escritora abolicionista. O segundo passeio foi muito mais histórico do que o primeiro, me fazendo prestar mais atenção no guia que contava mais sobre a vida da autora do que em Isabella.

Era incrível andar de mãos dadas com Bella e apesar dela não conseguir se afastar de seu padrão — olhar sempre ao redor para ter certeza de que não tinha um conhecido por perto —, sabia que ela também se sentiu mais tranquila em poder sair comigo de mãos dadas e fazer coisas comuns de namorados.

Eu queria mais do que aquilo, uma saída programada para uma cidade longe de casa para que tivéssemos que ficar juntos. Então depois do final de semana com ela, quando fui deixá-la em casa no domingo à noite, parei o carro em uma rua não muito movimentada, algumas ruas antes da casa de seus avós.

— Queria que você fosse dormir em casa — falei.

— Você sabe que eu não posso, Edward.

— Eu sei, Bella. Mas isso não muda o que eu quero.

Ela riu de minha fala emburrada.

— Vem cá, pelo menos me dá um tchau direito — pedi.

— A gente tá muito perto de casa, algum vizinho pode passar e ver a gente. Ou pior, meu pai pode passar e ver a gente.

— Você anda medrosa demais! — apontei. — Quando éramos adolescentes, você era muito mais aventureira.

— Você tá me chamando de velha?

— Tô falando como eu vejo.

— Idiota! — disse batendo no meu ombro.

Porém minha provocação a atingiu, fazendo Bella subir em meu colo.

Ela segurou meu rosto com as duas mãos, uma na bochecha e a outra passeando pelos meus cabelos, antes de cobrir a minha boca com a dela. Segurei sua cintura por dentro de sua blusa, minhas mãos explorando o que eu podia de sua pele, sem que eu a deixasse nua.

Eu amava a maneira como ela se encaixava em mim, os sons que ela fazia a cada movimento meu.

Uma parte de mim também amava a adrenalina do momento. Mesmo que a rua estivesse vazia, Bella tinha razão podíamos ser pegos.

Consciente como sempre, ela parou o beijo antes que virasse algo mais.

Eu odiei. Ver seu cabelo bagunçado e a boca inchada fizeram com que eu tivesse uma vontade ainda maior de leva-la para a minha casa, mas no fundo eu sabia que ela estava certa.

— Me despedi o suficiente? — questionou ainda em meu colo, prendendo o cabelo em um coque.

— Não queria um tchau — falei olhando para sua boca.

— Você tá muito mal-acostumado — riu ela. — Agora vamos, me deixa em casa rápido e a gente se vê na terça.

Não argumentei, apenas esperei ela terminar de se ajeitar para que não parecesse que estava fazendo o que estávamos fazendo e deixei-a em casa no começo da rua, para ter certeza que nenhum de nossos parentes me veria a deixando em casa.

Eu a entendia, mas vivia em uma contradição interna, de aproveitar a adrenalina de sair escondido e querer dar um fim nisso.

X

Setembro estava quase no fim quando nós começamos a brigar. Eu queria sair, levá-la para conhecer minha família, queria conhecer a dela, enfrentar a rixa familiar de vez. Mas Bella sempre desconversava, dizia que não era o momento.

Ela também não saia com meus amigos, tinha medo de que alguém acabasse dando com a língua nos dentes e nos expondo. E mesmo que ela me apoiasse a sair sem ela, eu não queria isso, queria a companhia da minha namorada.

Em outubro, com o anúncio de que três das minhas primas iam casar, eu tentei novamente.

Nós estávamos na banheira de meu apartamento, ela com as costas apoiadas em meu peito quando falei:

— É incrível que passei anos sem um casamento na família, mas quando aparece um, se inicia uma temporada de casamentos — comentei.

— É verdade, a mesma coisa acontece com a minha família. Perdi quatro casamentos ano passado, porque não estava morando aqui — contou ela.

— A gente que tem família grande se entende.

— Verdade, mesmo que eles se odeiem, são bem parecidos — concordou ela. — Foi até bom ter perdido os casamentos ano passado, talvez Michael tivesse me pedido em casamento mais cedo.

— Bem, pelo menos você não teria que enfrentar o batalhão de pessoas tentando te arranjar um encontro, as damas de honra tentando flertar.

— Eu queria ser uma mosquinha pra poder ver elas tentando flertar com você — riu Bella. — Será que vão me notar se eu me infiltrar com a equipe de garçons?

— Bem, tem outro jeito de você ver.

— Me infiltrar na equipe de decoração?

— Seja minha acompanhante, deixa eu te apresentar pra minha família.

Ela retesou em meus braços.

— A gente já conversou sobre isso, Edward. Não é o momento certo pra sair em público, minha família tá passando por muita coisa agora.

— Eu posso te apresentar pra minha família e você pode esperar pra me apresentar pra sua, eles se odeiam, ninguém vai saber — falei.

— Agora não, Edward.

Eu não prolonguei o assunto naquele dia, cansado demais para discutir. Porém dias depois eu não aguentei.

Tinha sido aniversário dos gêmeos e diferente do usual, fizemos uma comemoração familiar pequena, já que eles preferiam comemorar com os amigos agora. Fora apenas um jantar na casa dos meus pais, com os gêmeos, meus avós, eu, Emmett e a namorada nova dele.

Meu irmão parecia tão feliz ali e Rosalie — sua namorada —, estava feliz em estar com a nossa família. Me vi invejando meu irmão pela primeira vez.

Eu queria aquilo, o jantar em família, caminhar de mãos dadas, as piadas internas. Estava cansado de me esconder.

Então sentado no sofá da nossa cafeteria, com Bella ao meu lado, perguntei:

— Quando?

— Quando o quê?

— Quando você vai estar pronta? Quando vai ser um bom momento pra gente parar de se esconder?

— Edward.

— Eu sei, sua avó está doente, sua família está fragilizada, você não quer lidar com a repercussão do nosso namoro agora, eu entendo — falei. — Mas eu preciso de uma data, alguma coisa palpável pra eu esperar.

— Achei que você também tivesse medo da nossa família descobrir.

— Eu nem sei o motivo da briga pra começo de conversa, não é problema meu e eu tô cansado de agir como se fosse.

— Meu pai prendeu o seu irmão.

— E Emmett está bem com isso, você sabe — falei. — Meu irmão te adora. E eu nem sei como ele poderia estar se não tivesse sido preso, então mesmo que eu não ame que meu irmão tenha sido preso, eu sei que foi necessário.

— Demetri ficou irado quando nos viu juntos.

— Já fazem mais de doze anos disso, Isabella — argumentei exasperado. — Eu cresci e mudei, não sou mais um adolescente.

— Mas meu tio não mudou.

— Você não é mais uma adolescente, você não precisa dar satisfação para o seu tio se não quiser — falei.

— Eu tenho medo, Edward.

— E eu respeito isso, mas eu estou cansado — desabafei. — Me esgueirar pela cidade pra te encontrar não é mais divertido, ficar olhando para os cantos antes de te beijar, não te apresentar para os meus amigos.

— Também não acho divertido me esgueirar por ai, Edward.

— Mas?

— Mas não é o tempo certo.

— As vezes eu acho que eu não sou o suficiente pra você — falei. — Talvez você acha que eu não sou bom o suficiente pra lutar com você, pra estar do seu lado.

— Você não tá sendo justo, Edward.

— A única coisa que eu quero é estar com você, Isabella — disse. — Quero postar foto com você, quero te buscar em casa pra sair, quero não precisar mentir sobre com quem eu estava. E essa briga tem dois lados, minha família talvez não te aceite de cara, mas eu tô disposto a enfrentar isso junto com você.

— A gente vai se assumir, Edward, só não agora.

— Então me diga quando vai ser, porque eu te amo, mas eu tô cansado de levar em conta o que os outros vão pensar do nosso relacionamento. Parece que a nossa vontade é a única coisa que não importa, parece que isso não importa pra você. 

— Isso é importante pra mim, eu amo você.

— Então me liga quando você decidir que é a hora, porque eu cansei de me esgueirar — falei levantando e saindo da cafeteria.

X

Eu não mandei mensagem para Isabella nos dias seguintes, ela também não me chamou. Continuamos nos vendo às terças e quintas na ioga, mas não nos falávamos.

Era doloroso vê-la tão perto e eu sabia que se ela me chamasse, mesmo sem dizer que estava na hora de assumirmos o namoro,  voltaria pra perto dela porque eu não tinha nenhum respeito por mim mesmo quando se tratava dela.

Naquela terça-feira, nós seguimos nossa nova rotina, sentando na ioga o mais longe possível do outro, também não nos cumprimentamos. Emmett sabia que tínhamos brigado, mas não perdia a chance de comentar sobre nós dois e como mesmo brigados, parecíamos conectados.

Quando a aula acabou, fui levar Emmett pra casa e encontrei Isabella brigando com a sua velha picape.

— Tava demorando pra esse pedaço de lixo parar de funcionar de vez — comentei, não resistindo.

— Meu primo vai dar uma olhada, mas ele não consegue vir buscar ela hoje — explicou.

— Entra no carro, vou deixar Emmett em casa e te levo pra casa depois — falei.

— Não precisa, eu pego um táxi.

— Tá chovendo, Isabella. Um táxi vai te cobrar o olho da cara, só entra no carro logo — falei.

— Tudo bem — cedeu.

Emmett pulou para o banco de trás e a saudou com um sorriso de covinhas, mesmo que ele já tivesse dito oi para ela antes. Mesmo sabendo da briga, Emm não tinha tomado partido e continuava falando com ela, porque não queria se intrometer em briga de amor.

Quando deixamos ele em seu apartamento, fizemos metade do caminho em silêncio, até que não resisti e perguntei:

— Como você está?

— Indo.

— E Marie?

— Não tá nada bem — respondeu começando a fungar. — Ela tem levantado cada vez menos da cama, vive cansada, com dor.

— Sinto muito, Bella.

— Ela tá sofrendo, mas eu não tô pronta pra perdê-la — disse com a voz embargada. — Queria que tivesse alguma coisa que eu pudesse fazer.

Eu estacionei o carro na frente da casa dos meus avós, mas quando desliguei o carro, soltei o cinto e passei os braços ao redor dela, deixando que ela chorasse.

Não ficamos assim por muito tempo, com nossas famílias tão perto. Isabella enxugou os olhos, respirou fundo e arrumou a maquiagem antes de falar:

— A gente ficou muito tempo no carro, a gente precisa brigar. Eu vou bater a porta do carro e você fala alguma coisa.

Eu não precisava de instruções, sabia o papel que faria, dominava o personagem, mas não argumentei com ela, apenas acenei com a cabeça, concordando.

Ela fez o que falou, saiu batendo a porta do carro.

— Obrigada pela carona, Idiota.

— Dá próxima vez que aquele lixo que você chama de carro quebrar, vou te deixar na chuva — falei batendo a porta também.

Corri para o portão dos meus avós, mas fiquei parado ali na chuva, observando-a entrar correndo em casa. Só me movi quando ela já tinha entrado em casa, sem olhar para trás nenhuma vez.

Fiquei encharcado pelo tempo parado na chuva, assim que passei pela porta minha avó me recepcionou com uma toalha.

— Você tá todo molhado, meu filho — disse ela colocando a toalha em meus ombros.

— A Swan me dá nos nervos — falei a meia verdade.

— Deu carona pra ela?

— A gente faz ioga juntos e o carro dela quebrou, aproveitei que já viria te ver e dei carona — expliquei rapidamente. — Mas não compensa.

— Acho que você está amolecendo igual a mim, garoto — disse vovó Lizzie fazendo um carinho na minha bochecha. — Eu guardo esse segredo.

Eu ri seco, pensando que havia muito mais do que minha avó sabia.

Como estava muito molhado, tomei um banho no antigo quarto de Emmett, que ficava no andar debaixo. Coloquei uma das roupas que eu deixava ali de precaução.

Passei a noite como se tivesse programado ir visitar meus avós de qualquer jeito e não como uma coisa improvisada por causa de Isabella. Eu queria saber o motivo da briga, durante o jantar quase perguntei algumas vezes, mas pensei que talvez Isabella estivesse certa em esperar, então guardei minha angústia para mim mesmo.

Pela manhã, sai pouco depois do café mesmo que tivesse toda a manhã livre, porém quando estava quase entrando no meu carro, Caius apareceu no portão de sua casa.

— Edward, você tem um tempo para falar comigo? — perguntou direto.

Minha mente criou mil cenários em segundos, um pior do que o outro. A família dela tinha descoberto e iria me proibir de falar com ela, ou me bater. Marie tinha falecido e Isabella tinha passado mal. Isabella tinha sofrido um acidente e estava internada.

Nada bom, porém respondi:

— Tenho a manhã livre, senhor.

— Então venha aqui.

Eu o segui pelo caminho de pedras até a casa azul clara, que era estranhamente parecida com a dos meus avós. Nós não fizemos um passeio pela residência, ao invés disso ele me indicou o sofá e eu sentei, ficando de frente para ele que escolheu uma poltrona.

— Você quer alguma coisa para beber? Um café, um suco? — perguntou.

— Obrigado, eu acabei de tomar café.

Ele concordou com a cabeça, então levantou, pegou um álbum de fotos que estava em uma estante e voltou a se sentar na poltrona.

— É estranho contar isso, porque eu guardo esse segredo faz tanto tempo, mas depois de ontem Marie disse que estava na hora de parar de alimentar essa briga — falou, os dedos apertando o álbum nervosamente.

— Depois de ontem?

— Eu vi você trazendo minha Isabella para casa ontem, a maneira como você esperou que ela entrasse em casa em segurança antes de você entrar — explicou. — Posso estar enferrujado, mas eu conheço o olhar de alguém apaixonado. Ou eu estou errado?

Pensei em mentir, mas não fazia sentido.

— Eu realmente amo, Isabella.

— E eu acredito que ela te ame igualmente, então acho que está na hora de encerrar essa história — falou. — Minha Bella merece ser feliz com quem ela quiser.

Caius abriu o álbum de fotos e folheou, até chegar na página que queria, então tirou a foto dali e me entregou.

— Você sabia que eu e seu avô éramos melhores amigos?

— Melhores amigos? — questionei incrédulo olhando atentamente para a foto em minhas mãos.

Apesar de surpreendente, quando observei a foto com atenção notei uma versão muito jovem do homem que era meu avô, os braços em volta da versão mais jovem do homem à minha frente, os dois sorriam.

— Nós crescemos em Euclid e frequentamos a mesma escola, além da mesma igreja. Éramos muito próximos — contou. — Tínhamos planos de servir o exército aos 18 anos e abrir uma oficina mecânica juntos quando voltássemos. Mas esse plano nunca foi para frente, porque meu pai faleceu um ano antes de nos formarmos e eu era o único homem em uma casa de muitas mulheres.

Eu não conseguia entender como eles foram de melhores amigos para inimigos, porém não o interrompi.

— Quando meu pai faleceu, eu consegui um emprego de meio período em uma oficina mecânica e trabalhei lá, pois minha mãe não queria me deixar parar os estudos. Seu avô me fazia companhia — contou. — Do lado da oficina tinha uma loja de roupas e a filha da dona vivia lá, me apaixonei rapidamente, assim como seu avô. Porém eu nunca contei para ele e ele só contou para mim perto de sua partida, quando ele me deu uma carta para entregar para ela. Eu não tive coragem de dizer a ele que também gostava dela.

Caius voltou a mexer no álbum, até encontrar outra foto e me entregar. Dessa vez os dois estavam sérios, Caius em roupas normais e vovô com uma farda.

— Eu nunca entreguei a carta para ela, nem nenhuma das outras que ele enviou enquanto estava servindo o exército em outro estado. Quando seu avô voltou, eu estava casado com a garota que nós gostávamos.

A ficha demorou alguns segundos para cair, até eu perceber que a garota que meu avô e Caius gostavam era Marie, a avó de Isabella.

— Tentei conversar com ele quando voltou, falar que gostava dela e não sabia como contar para ele, mas ele não quis ouvir. Estava irado demais comigo pra isso — contou. — Nessa época eu tinha saído da oficina que trabalhava antes e tinha aberto a minha, ele comprou uma oficina do lado. Nós brigávamos por fornecedores, por clientes, brigávamos na igreja. No começo tentei não revidar, mas depois percebi que ele não me perdoaria, passei a responder na mesma moeda.

Apertei a ponta do meu nariz respirando fundo, parecia irreal que uma briga de mais de cinquenta anos tivesse sido por causa de uma paixonite que meu avô teve por Marie. Meus avós se amavam tanto, que parecia coisa de outro mundo pensar que ele já tinha gostado de outra pessoa além dela.

— Marie sabe? — perguntei, imaginando se ela tinha escolhido Caius ou se sempre fora cega sobre a briga.

— Ela sabe agora, eu contei quando ela ficou doente, me senti culpado por esconder isso dela — contou ele.

— E ela?

— Deu risada porque achou o motivo completamente besta — disse com um sorriso de canto. — Tinha medo que ela me trocaria se soubesse a verdade, mas ela gostou de mim desde o começo.

— Então você não se arrepende?

Ele ponderou uns segundos antes de responder.

— Me arrependo de deixar chegar onde chegou, me arrependo de ter perdido meu melhor amigo, mas não me arrependo de Marie.

— E por que agora?

— Marie suspeitava que Isabella gostava de você há algum tempo, mas eu nunca acreditei. Vocês sempre brigaram demais — ele falou, o que me fez sorrir. — Tenho observado Bella meio triste ultimamente, achei que fosse apenas por causa da doença da avó, mas ver vocês dois ontem me fez ligar alguns pontos e quando conversei com Marie, ela disse que estava na hora de encerrar essa briga. Então vou falar com seu avô, pedir desculpas mais uma vez.

— E vai contar pra todo mundo o motivo?

— Não, garoto. Mas eu quero Isabella feliz e se você é quem faz ela feliz, acho que merece ouvir a história em primeira mão.

— Eu a amo, mas é ela quem não estava disposta a enfrentar essa briga besta — contei.

— Minha Bella é assim mesmo, acho que tem medo de acabar como seus pais — confidenciou. — Mas as coisas vão se ajeitar.

— Obrigado por me contar — falei.

— Você pode ir lá falar com Marie? Ela pediu pra falar com você depois.

— Claro.

Caius me guiou pelas escadas até o andar de cima, mas me deixou na porta do que imaginei ser seu quarto.

Eu bati na porta e escutei um 'entra', então abri a porta e dei espaço para a cuidadora sair.

O quarto era um espelho do quarto dos meus avós, espaçoso e com uma decoração azul. Marie estava sentada na cama, bem magra, olheiras fundas, a peruca na cabeça.

— Senta aqui — disse apontando para a poltrona perto de sua cama. — Eu pedi pra Talia, a mocinha que você acabou de ver, arrastar pra você ficar perto de mim.

Eu a obedeci.

— É um prazer te conhecer — falou ela com um sorriso fraco. — Desculpa o pijama, mas esse tem sido meu uniforme nos últimos dias.

— Você está ótima — falei.

— Eu sei que estou um caco, mas agradeço o elogio. Caius te contou tudo?

— Contou, você era uma jovem cheia de admiradores — gracejei.

— Caius era o único que eu queria — explicou com um sorriso. — Mas agora que você já sabe, é questão de momento para que você e Isabella fiquem juntos. E sim, eu sei que você gosta dela e isso já faz tempo.

— Eu a amo mais do que tudo, estaria com ela mesmo sem saber o motivo da briga se ela deixasse.

— Minha Bella é muito fiel à família, principalmente a mim e ao avô — disse Marie. — Mas as coisas vão se ajeitar. Você vai cuidar dela por mim?

— Se ela deixar, vou cuidar até eu morrer.

— Eu fico mais tranquila então — disse ela. — Você já precisa ir embora?

— Eu posso ficar mais um pouco se você quiser — falei.

— Então fica, eu quero saber tudo sobre o garoto que conquistou o coração da minha Bella.

X

“Ela morreu” dizia a mensagem de Isabella aquela manhã, seguida por uma outra dizendo o horário que começaria o velório. Eu não a respondi, mas liguei para Helen e pedi que ela remarcasse meus compromissos do dia.

A última vez que eu tinha visto Isabella tinha sido duas semanas atrás, quando a tinha salvado depois que sua velha picape morreu na chuva. Ela não sabia que eu tinha falado com Marie e Caius no dia seguinte e eu não sabia se os avós dela, também tinham contado pra ela sobre o motivo de toda aquela briga idiota.

Se ela sabia, não tinha tentado contato. Mas naquele momento nada importava, eu só precisava estar do lado dela.

Lutei contra a vontade de pegar a minha moto para chegar lá o mais rápido possível, ao invés disso passei e peguei um capuccino da cafeteria que a gente gostava e um café para o avô dela, também passei em uma floricultura e comprei algumas rosas brancas, para o enterro.

Quando cheguei na rua da casa dos meus avós, estacionei onde dava e entrei na casa de Caius e Marie sem ser anunciado. Assim que atravessei a porta, encontrei Caius sentado em uma poltrona na sala, haviam outras pessoas no cômodo, mas o avô de Isabella não conversava com ninguém.

— Meus sentimentos, sr. Swan — falei me aproximando e estendendo o café para ele.

— Obrigado, garoto — disse aceitando o café. — Isabella está no escritório no final do corredor.

Tirando quando conversei com os avós de Bella, nunca tinha entrado na casa dos Swan — além das vezes em que eu tinha entrado no quarto de Bella escondido — e aquela parte era ainda mais desconhecida para mim. Mas a casa era tão parecida com a dos meus avós, que não foi difícil achar o cômodo.

Não fazia ideia de como era aquele cômodo antes, mas havia cadeiras espalhadas pelo local, uma estante de livros que cobria duas paredes e o caixão de Marie no meio do cômodo, aberto. Havia algumas pessoas no local, sentadas nas cadeiras, mas não prestei muita atenção neles, apenas em Isabella, que estava inclinada sobre o caixão, parecia murmurar alguma coisa enquanto acariciava a avó.

— Meus sentimentos, Isabella — falei me aproximando e colocando a mão em seu ombro.

— Você tá aqui — disse ela se virando para mim.

Por sorte eu consegui não derrubar as coisas que eu carregava, mas não me afastei dela, ao contrário, segurei-a fortemente em meus braços, querendo que ela soubesse que eu estava ali por ela. A briga não importava, o fato de ela não ter falado comigo por duas semanas não importava, só Bella importava.

Eu a deixei soluçar em meus braços, até que seu corpo diminuiu o choro e ela se afastou aos poucos, o suficiente para que eu entregasse o capuccino e as rosquinhas de chocolate que eu havia trazido. Nós nos sentamos em um par de cadeiras ainda perto do caixão.

— Obrigada — disse depois de morder a rosquinha.

— Eu imaginei que você não devia ter comido nada substancial hoje — falei secando as lágrimas que ainda estavam em seu rosto.

— Você tá certo — disse fungando entre uma outra mordida.

Eu fiquei ali do lado dela, observando a comer, uma das minhas mãos acariciando seu joelho. Quando ela terminou de comer, colocou o copo e o guardanapo na cadeira vazia ao lado, então ela apoiou a cabeça no meu ombro e segurou meu braço apertado.

— Eu sei que ela tava doente — falou baixinho. — Eu voltei para casa por isso, mas ver ela partindo não faz doer menos.

— Ninguém está preparado para a morte daqueles que amamos, Bella. Ela estava doente, mas você pode sofrer por ela, pode sentir falta.

— Passei a última noite com ela no hospital, eu e vovô. De madrugada, ela disse que me amava e que queria me ver feliz, disse que amava o vovô e ela estava tão lúcida e tranquila, que por alguns segundos eu achei que ela ia ficar bem, que ia voltar pra casa com a gente — eu sentia em sua voz que ela tinha voltado a chorar, mas ela continuava falando. — Duas horas depois ela teve uma parada cardíaca, eu tinha ido até uma máquina buscar água para o meu avô e quando eu voltei, ele estava chorando segurando a mão dela, a equipe médica tentando acalmá-lo. Eu assinei os papéis, avisei a nossa família, escolhi o caixão, trouxe o vovô pra casa, arrumei o escritório, fiz tudo no piloto automático e sem chorar, mas quando trouxeram ela para cá, eu não consegui mais. Minha ficha caiu, eu perdi minha melhor amiga.

Ela parou de falar e voltou a chorar mais forte, então a movi para o meu peito e a apertei forte.

— Você precisa de alguma coisa? — questionei, querendo fazer o que eu pudesse pra tirar um pouquinho da dor dela.

— Fica aqui comigo — pediu em um sussurro, levantando os olhos cheios de tristeza para mim.

Então eu continuei ali com ela.

Quando ela parava de chorar por alguns minutos, me contava histórias de sua infância e de como tinha sido crescer com a avó. Eu sabia que Renée tinha abandonado Charlie quando Bella tinha apenas cinco anos e ela e o pai tinham ido morar com os avós dela. Sabia também que mesmo quando Charlie casou de novo, quando Bella tinha 12, ela escolheu continuar morando com os avós, mesmo que gostasse da madrasta.

Sabia o quanto ela amava os avós, mas ouvir aquelas histórias da infância e adolescência de Bella, sabendo o que eu sabia agora, me fez enxergar vislumbres da mulher que meu avô tinha se apaixonado anos atrás.

Quando Bella decidiu sair do escritório, me surpreendeu segurando minha mão enquanto caminhávamos. Nós não tínhamos conversado depois da briga e eu não queria drama com a sua família por andar com ela de mãos dadas, mas se era daquilo que ela precisava no momento, eu não ia me afastar.

Chegando na sala — que estava bem mais cheia do que quando eu tinha chegado —, fui ainda mais surpreendido com o meu avô sentado com o avô de Bella, Sênior com uma das mãos repousando no braço de Caius.

Eu cutuquei a Bella com o ombro e apontei para onde nossos avôs estavam, o que a fez fazer uma careta e dar de ombros.

Charlie soltou Sue assim que viu Isabella e correu para abraçar a filha. Soltei a mão de Bella e andei alguns passos para o canto, não querendo atrapalhar o momento dos dois.

Encostado na parede, Lizzie me encontrou e parou ao meu lado, uma xícara de chá na mão.

— Ela era minha melhor amiga, sabia? — confidenciou. — Nós fingíamos apoiar essa briga besta mesmo sem saber, mas conversávamos por aí. Achávamos tão divertido.

De repente fez sentido que vovó sempre soubesse o que acontecia com a família do lado, não era fofoca de bairro, mas conversa entre amigas.

— Mas agora ela se foi e não tem mais graça guardar esse segredo — falou com os olhos marejados.

— Eu sinto muito pela sua perda, vovó — disse acariciando seu ombro.

Vovó aceitou o carinho, mas logo foi para perto de Sênior e entregou a xícara de chá para Caius. Era tão estranho ver meus avós ali, mesmo sabendo de tudo, mas também me trazia um alívio ver eles sendo civilizados juntos.

Quando os Charlie e Bella se soltaram, me aproximei de Charlie e prestei minhas condolências.

Bella recuperou minha mão em seguida, apertando-a ainda mais firme a cada vez que ela era abordada por algum parente ou outra pessoa que queria prestar suas condolências a ela, sem deixar com que eu me afastasse.

A cada hora mais e mais parentes apareciam, os Swan eram uma família ainda maior do que a minha, mas a casa também foi se enchendo de amigos e conhecidos. Surpreendendo a mim quando pessoas da minha família apareceram, a maioria trazendo comida e bebida para a família enlutada.

Perto do final da tarde, a funerária voltou para pegar o caixão e levar para o cemitério. As pessoas se organizavam facilmente para ir para o cemitério, de uma maneira que ninguém da família de Bella precisou dirigir até o local.

Isabella foi em meu carro, sozinha comigo. Liguei o rádio em uma playlist de música clássica, não querendo colocar nada muito animado para não ser desrespeitoso, ou algo muito triste para piorar o que Bella sentia.

— Caius me contou — disse depois de alguns minutos de silêncio. — A história da briga, que conversou com você. Ele também pediu desculpas para o seu avô, sabia?

— Mais de 50 anos de briga porque meu avô tinha uma quedinha pela sua avó — comentei, tentando manter meu tom leve. — Será que a briga vai acabar agora?

— Eu espero que sim, eu tô cansada de brigar — respondeu e eu sabia que aquela resposta não era apenas sobre a briga de nossas famílias.

Chegamos no cemitério antes do carro funerário e encontrei ainda mais pessoas da minha família misturadas com a família da Bella. Quando o carro funerário chegou, meus tios e os dela pegaram o caixão e o carregaram até onde enterrariam a matriarca dos Swan.

Vovô Senior fez todo o trajeto com os braços ao redor de Caius, que tinha voltado a chorar.

Tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem a sua ocasião. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de construir. Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de afastar. Há tempo de procurar e tempo de perder; tempo de economizar e tempo de desperdiçar;  tempo de rasgar e tempo de remendar; tempo de ficar calado e tempo de falar. Há tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz — recitou o pastor da igreja que nossas famílias frequentavam. — Hoje nós perdemos uma irmã, uma mãe, uma amiga e apesar da certeza que Marie descansou e está nos braços do Pai, lamentamos a perda dessa pessoa amada. Hoje é tempo de chorar, de ter um momento humano e sentir a perda, mas também é tempo de se apegar aqueles que ficaram, de estreitar laços, de lembrar dos bons momentos com Marie e honrar sua memória.

Quando o pastor terminou de falar, as pessoas começaram a se aproximar da cova, deixando flores. Entreguei as rosas brancas que tinha comprado para Bella, ficando apenas com uma para mim e esperei que Bella me guiasse mais perto da cova quando estivesse pronta.

Assim que ela fez isso, virou para mim com os olhos marejados e pediu.

— Você pode ir primeiro?

Eu assenti.

— Nossas famílias têm brigado pelos últimos 50 anos e é uma pena que eu não tive a oportunidade de te conhecer de perto, Marie. Mas eu conheço a mulher incrível que você criou e só por isso, eu sei o quão espetacular você é. Obrigado por cuidar da Isabella todos esses anos, que você esteja em paz — falei antes de jogar a minha rosa.

Isabella respirou fundo e eu apertei seus ombros, dando suporte.

— Quando eu tinha sete anos, caí de bicicleta no quintal de casa e 30 segundos depois você estava do meu lado. Com doze, quando minha menstruação veio pela primeira vez, você me ensinou como colocar um absorvente. Com dezessete, eu me apaixonei pelo improvável e você segurou minha mão, mesmo que eu não quisesse te contar quem era. Esteve lá quando me apaixonei por uma garota. Você estava lá quando eu passei na faculdade, quando passei em direito, quando consegui um estágio, quando me apaixonei novamente pelo improvável. Você sempre esteve lá, mesmo quando estava longe, sempre deu um jeito de me apoiar e segurar a minha mão. E eu não sei o que fazer sem você e eu estou com tanto medo — falou, a voz cada vez mais falhada. — Mas eu vou tentar, tudo bem? Eu vou tentar por você. Eu sempre vou te amar, vovó.

Ela jogou as rosas na cova e virou para mim, grudando seu rosto no meu peito. Eu a abracei e nos afastei um pouco da cova, querendo dar espaço para as outras pessoas que ainda iam dizer suas últimas palavras, mas sem me soltar de Bella. Não poderia tirar a dor dela, não havia maneira alguma daquilo, mas eu faria o que podia para cuidar dela, afinal tinha prometido para Marie aquilo.

O sol estava se pondo quando começaram a jogar a terra em cima do caixão, Bella ainda chorava em meus braços, mas tinha voltado a olhar a cova. Eu tinha a cabeça apoiada em seus cabelos, enquanto observava minha família consolar a dela.

Algumas pessoas pareciam cuidadosas, como se estivessem interagindo pela primeira vez sem querer se matar, mas eu podia jurar que alguns dos meus primos e primas pareciam confortáveis ao redor dos primos e primas de Bella, como se fossem amigos. Talvez fosse impressão minha, mas eu esperava que aquilo fosse pelo menos um reflexo de que podíamos ficar juntos sem que aquilo fosse o fim de tudo.

Depois do velório de Marie, acabamos voltando todos para a casa dos Swan e foi quando tive a certeza que alguns dos meus primos realmente eram amigos dos primos de Isabella. Assim como Lizzie e Marie, que tinham guardado a amizade em segredo por anos.

A morte de Marie foi o gatilho para que as pessoas não se escondessem, o luto sendo mais importante do que uma briga que a maioria não sabia o que era.

Eu fiquei o tempo todo ao lado de Bella e quando as pessoas começaram a ir embora, ela pediu para que eu ficasse.

Nós fizemos companhia para Caius, até que ele disse estar cansado e foi dormir no quarto de hóspedes, abalado demais para dormir sozinho no quarto que dormia com Marie. 

— Desculpa demorar tanto tempo pra falar com você, desculpa tomar coragem só agora. Eu preciso de você.

— Eu sou seu, Bella — falei puxando-a para meu colo. — E você não precisa pedir desculpas.

— Queria que você tivesse conhecido ela, tenho certeza que ela ia te adorar — falou passando a mão em meus cabelos.

— Mas ela me conheceu. Como o garoto que vivia brigando com a neta favorita dela. E como o neto favorito da melhor amiga dela, tenho certeza que Lizzie falou muito sobre mim — garanti. — E duas semanas atrás quando eu sentei com ela e contei tudo que ela queria conhecer sobre mim, enquanto garantia que ia cuidar de você. Não foi o jeito tradicional e tenho certeza que ia adorar conhecê-la mais, mas eu a conheci.

Bella soluçou, o rosto bem perto do meu com uma expressão cheia de emoções.

— Eu amo tanto você.

— E eu amo você, Isabella Swan.

X

Se dez anos atrás alguém me dissesse que eu estaria onde estava, não acreditaria.

O quintal de Caius Swan estava cheio de seus familiares e amigos — incluindo meus avós e outras pessoas da minha família —, para comemorar seu aniversário. Ele não queria comemorar sem Marie, ainda sentia muito a falta da esposa, mas acabou sendo convencido pelos filhos de que ele deveria celebrar a vida por ela, então acabou aceitando um churrasco no quintal.

Tinham se passado seis meses do velório de Marie e ainda me surpreendia ver nossas famílias interagindo. Porém não eram todos que ficaram confortáveis com aquilo.

Charlie e Caius gostavam de mim, mesmo que eu não fosse perfeito, mas Demetri não me suportava. Tinha tentado conversar com Isabella, dizendo que o histórico do meu irmão ia manchar a carreira dela, que ser tatuador não era um emprego decente e que ela merecia coisa melhor.

Bella tinha colocado o tio no lugar, dizendo que o nosso namoro não era da conta dele, ele ainda fazia cara feia quando nos via juntos, mas enfrentamos aquilo juntos. Os outros, mesmo aqueles que estavam levando mais tempo para se acostumar com a paz na família, não ligavam tanto como ele.

Depois de comer, com Isabella no colo, sussurrei em seu ouvido.

— Sua família está aqui, a minha também… Acho que é o momento perfeito pra eu tirar um diamante do bolso.

— Agora que a gente tá em paz você quer me espantar?

— Eu amo você e esse seu jeitinho peculiar — falei rindo.

— Eu também amo você. E vou continuar te amando mesmo se você me der o maior e mais chato diamante que você encontrar.

— A sorte de namorar um tatuador falido que ganha menos do que você — falei rindo.

Nós não éramos perfeitos e nossa jornada também não tinha sido perfeita, mas eu amava nosso relacionamento daquele jeito mesmo. A amizade colorida por anos, as brigas ensaiadas, as saídas escondidas, até o momento em que estávamos.

Tínhamos sofrido por uma briga de amor que não tinha nada a ver com a gente, mas mesmo aquilo fortaleceu nosso relacionamento.

E eu não precisava da adrenalina de um relacionamento escondido para ser feliz, podia encontrar aventuras em outros lugares enquanto curtia a tranquilidade de amá-la.

Fim.


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Notas finais do capítulo

Obs: O prison yoga project é um projeto real que existe nos estados unidos, que leva yoga e mindfulness para pessoas no sistema carcerário. Pesquisei bastante para entender melhor o projeto, mas meu inglês não é 100%, então me perdoem se ele não tiver sido retratado exatamente como é na vida real aqui.

Olá, olá! Primeiramente, Lou, que responsa escrever algo pra ti hein!!! Quando as meninas abriram o ressaca, primeiro eu fiquei: "uhu, vou escrever pra Lou!" e depois fiquei "mds eu tenho que escrever pra Lou".
Mas eu fiz tudo com muito carinho e espero muito que tenha chegado perto do que você merece.
Não sei se ficou claro, mas eu escolhi Bloodsport '15 do Raleigh Ritchie junto com a foto da ioga. A característica é o Edward, mas também o relacionamento dos dois no geral. E a frase tá ai na história hahhaha.

E pessoas que não são a Lou, me contem o que vcs acharam! Gostaram da história? Sentiram falta de algo?

Beijão.



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