Wednesday acordou com o choro da caçula. Piscou sonolenta reparando que no teto, um mobile com lobos de pelúcia girava lentamente. Onde estava? Aquele definitivamente não era o seu quarto. Passeou os olhos pelo local, percebendo pelúcias e enfeites fofos de animais que Enid colocará no cômodo, meses antes da pequena Emma nascer. A latina concluiu que havia pegado no sono, cansada demais pelas noites mal dormidas e pelo trabalho na criação dos filhos. Emma chorou mais alto, lembrando a mulher que precisava atendê-la. Levantou-se do chão e analisou a pequena copia de si. Aparentemente havia sujado a fralda.

— Mama, faz ela parar – Lúcifer apareceu choroso, as mãozinhas nas orelhas – Tá doendo!

— Desculpe anjo caído. Vou ser rápida com sua irmã – Pegou a recém nascida no colo e levou até o trocador, havia uma pequena bagunça que havia feito durante a noite, quando trocou Emma pela ultima vez. Pegou tudo que precisaria e trocou a fralda à medida que a pequena parava de chorar – Melhorou?

— Sim. O choro dela dói muito meus ouvidos – Explicou o pequeno.

— É, eu sei, vou dar um jeito nisso – Prometeu, jogou a fralda suja na lixeira ao lado e pegou a filha no colo – Que horas deve ser?

— Já é de manhã, mama.

— De manhã?! – Wednesday arregalou os olhos. Teria que levar as crianças para a escola, será que estava dentro do limite de tempo? Puxou o celular do bolso, uma foto de Enid com os filhos apareceu na tela de bloqueio junto com o horário – São quase oito!

— Isso tudo?! – Foi a vez de Lúcifer arregalar os olhinhos.

— Vá acordar sua irmã, rápido! Se vistam pra escola, vou preparar algo pra comerem – Pediu apressada. Foi em direção as escadas, vendo o garotinho correr até o quarto da irmã.

Com Emma nos braços, a latina caminhou até a cozinha onde deparou-se com os pratos empilhados e sujos na pia, havia sobras do almoço e jantar espalhados na mesa. Respirou fundo encarando aquela bagunça, arrumaria quando houvesse tempo. Abriu a geladeira com uma mão e analisou o que poderia fazer em menos de cinco minutos. Sua melhor opção obviamente se tornou o cereal matinal, colocou em duas tigelas e pegou o leite. Ouviu passos nas escadas e logo os gêmeos apareceram, Lúcifer tentando vestir a camisa que compunha o fardamento da escola e Larissa com uma meia no pé e outra na mão, tentando coloca-la enquanto andava – claramente não houve sucesso.

— Comam rápido, vou colocar Emma na cadeirinha e esperar vocês no carro – Avisou, pegando a chaves em cima do balcão.

— Cereal de novo? – Larissa torceu o nariz, faziam dias que só comiam aquilo.

— Desculpem crianças, eu prometo que amanhã faço algo bem gostoso – Olhou as horas novamente e se espantou, estavam muito atrasados – Eu vou tirar o carro da garagem, não demorem!

[...]

Minutos depois, lá estavam os Addams no carro. Emma na cadeirinha ao lado, no banco do passageiro, e os gêmeos atrás com os cintos devidamente colocados. Wednesday corria o máximo que dava, desviando habilmente dos carros na estrada e respeitando as leis de trânsito no limite que achava necessário para não pôr em risco as vidas dos filhos. Quando chegou no colégio, estacionou o automóvel e correu junto com as crianças até o portão, parando no caminho para recolher os materiais que caiam da mochila aberta de Lúcifer, o pequeno estava tão apressado que não notou que não fechará.

— Sem sinal da diretora... – Wednesday murmurou para si, aliviada de não ter que dar justificativas para o atraso dos filhos. À esta hora, todos os alunos já estavam em sala, tendo aula – Lúcifer, deixou cair suas coisas – Avisou, ajudando-o a colocar os materiais na mochila. Enquanto o pequeno fechava a bolsa, a latina pegou sua carteira no bolso da calça e contou algumas notas – Eu não fiz o lanche de vocês, comprem algo na cantina – Entregou o dinheiro a Larissa, que o guardou no bolso da saia – Tenham uma boa aula, pego vocês mais tarde.

— Por favor mama, não esqueça dessa vez – Pediu Larissa, antes de dar as costas e entrar na escola ao lado do irmão.

— Eu não vou! – Prometeu, falando um pouco mais alto para que os filhos escutassem.

Voltou para o carro, verificando se a caçula estava bem, precisava alimenta-la e rápido. Que falta Enid fazia. Ligou o carro e o manobrou voltando por onde viera, viu a diretora da escola aparecer no portão, provavelmente lhe procurando para saber sobre mais um atraso dos filhos. Agradeceu mentalmente ter conseguido escapar da mulher.

Ao chegar em casa, seu dia fora completamente cheio, como todos os outros a algumas semanas. Deu a mamadeira de Emma e lhe colocou para dormir, limpou a cozinha e lavou as roupas. Antes que percebesse já estava atrasada para buscar os filhos na escola e ainda nem havia comido algo, ou sequer trocado de roupas. Deu um banho em Emma e preparou uma bolsa com coisas que precisaria, inclusive algumas mamadeiras. Não havia preparado o almoço, seu plano hoje era comer em um restaurante e comprar pizza para o jantar. Se tudo desse certo, conseguiria terminar seus afazeres domésticos antes do anoitecer e quem sabe, se pudesse ser otimista e sonhar um pouco, ela poderia tomar um merecido banho, antes de ajudar os filhos com as lições de casa. 

Mais uma vez, Wednesday cortava os carros na estrada, indo em direção ao colégio. Passava-se já uma hora, do horário que os filhos largavam das aulas. Esperava que eles não pensassem que ela havia os esquecido, apenas demorou porque Emma fez suas necessidades na banheira, precisando que a água fosse trocada e ela fosse banhada novamente. Quando estacionou em frente a escola, percebeu que os filhos estavam extremamente emburrados com a demora. Para piorar, a diretora lhe olhava severa.

— Desculpem a demora, o trânsito tava uma loucura – Mentiu quando a diretora abriu a porta do carro para os gêmeos entrarem.

— Senhora Addams, creio que esta seja a quarta vez que deixa seus filhos esperarem a senhora por tanto tempo – Comentou com uma voz firme – E também já perdi as contas de quantas vezes eles chegaram atrasados. Devo me preocupar?

— Não, está tudo bem senhora Thorne – Respondeu sem graça, embora não aparentasse, afinal, Wednesday sempre mantinha sua expressão neutra e voz firme – Não irá se repetir novamente.

— Assim espero. Sabe que se continuar assim, receio que as crianças não possam mais serem aceitas na escola.

— Estou ciente das regras – A latina se amaldiçoou internamente, ela que escolherá aquele lugar quando Enid sugeriu outros, tudo porque gostava das regras severamente seguidas sobre os horários de entrada e saída da escola. Assim Wedenesday teria certeza que seus filhos estavam dentro do âmbito escolar durante aquele período e não precisaria se preocupar. No fim, aquilo tornou-se seu martírio.  

— Onde está sua esposa? Ainda não voltou de viagem? – Perguntou curiosa, como uma bela fofoqueira que era.

— Não, não voltou – Wednesday fechou a expressão na hora, a Thorne nem notou o olhar de ódio, estava alheia demais querendo inteirar-se da vida alheia.

— Deve ter sido algo bem importante para ela ter deixado você sozinha na cidade, com duas crianças e uma bebê tão nova. Ela tem o que, dois meses?

— Ela tem um mês – Respondeu, incomodada demais com as perguntas, ligou o carro.

— Muito nova! – A mulher pareceu espantada - Sua esposa liga para saber sobre os filhos?

— Preciso ir, temos compromisso – A latina deu uma desculpa qualquer, antes de avançar com o carro para longe. Deixando a mulher para trás, assustada por quase ter sido levada junto com o carro, já que estava apoiada nele.

Ninguém falou nada sobre o ocorrido, Emma já dormirá com o balanço do carro e as crianças pareciam perdidas em pensamentos. Wednesday preferiu assim, ela também não estava afim de conversar e fingir normalidade. Mesmo assim, achou por bem avisar que comeriam fora.

— Vamos no shopping comer algo, querem algum restaurante especifico? – Olhou para o espelho, alinhado perfeitamente em uma altura que pudesse ver os gêmeos no banco de trás – Podem escolher qualquer sobremesa.

Larissa nem sequer desviou o olhar da janela, mas Lúcifer olhou para o espelho, os olhos azuis se cruzando com os negros da mãe.  “Porque não contou a verdade?” – Era o que aquele olhar dizia, porém o pequeno não proferiu palavra nem uma, voltando sua atenção para um ponto qualquer da estrada. Wednesday sentiu o coração apertar. O que ela estava fazendo, mentindo para todos assim?

[...]

O almoço ocorreu bem, os gêmeos comeram até não aguentarem mais, fazia tempo que não comiam algo que não fosse cereais matinais ou comida de micro-ondas. Eles não culpavam a mãe, embora não tivessem nem oito anos, entendiam e viam perfeitamente o esforço que a Addams estava fazendo para criar os três sozinha. Era comum encontrar a mais velha cochilando em algum cômodo da casa que não fosse seu quarto, pois a latina trabalhava até a exaustão, as roupas dela eram as mesmas por dias, pois ela priorizava organizar tudo que os filhos precisassem do que ela mesma precisaria e acabava esquecendo até mesmo de tomar banho no processo.

— Hoje vamos ter Pizza para o jantar – Wednesday informou, esperando algum tipo de comemoração ou sorriso no rosto dos filhos, eles gostavam muito quando Enid levava pizza para casa. Mas o que encontrou quando virou-se foi só um balançar de cabeça leve e um dar de ombros – Vocês preferem outra coisa?

— Não mama, pizza é bom – Larissa respondeu, forçando um sorriso.

Wednesday percebeu imediatamente que eles não queriam aquilo, mas estava tão cansada e sem tempo para fazer um jantar que, agarrou-se na generosidade das crianças em não pedirem outra coisa, e fingiu que estava tudo bem. Comprou as pizzas, aqueles mesmos sabores que Enid levava para casa, imaginando que as crianças pudessem se animar. No caminho de volta, parou em um posto de gasolina para trocar a fralda de Emma que chorava incomodada, deu a Lúcifer dinheiro para comprar alguns lanches para eles na loja de conveniência – uma forma de afastar o lupino dos sons que o incomodava – E seguiu de volta para casa, pronta para terminar de limpar a lavanderia e recolher as roupas penduradas, trabalho esse que só ela poderia fazer, já que os gêmeos não tinham altura suficiente para alcançar os varais. 

Quase onze da noite, a latina finalmente pode respirar aliviada, tudo estava organizado e limpo, as crianças dormiam profundamente e parecia que ela também conseguiria, pretendia acordar cedo e fazer um café da manhã, havia um longo tempo que a morena apenas prometia coisas aos filhos e não conseguia cumprir, isso não só frustrava as crianças como também a si mesma. Recusava-se a pedir ajuda aos familiares, ela daria conta sozinha, porque era responsabilidade dela e Wednesday era cabeça dura demais, odiava demonstrar fraqueza, principalmente depois do que aconteceu tempos atrás.

Entrou no quarto pertencente a ela e Enid, encontrando a cama vazia e arrumada, estava assim a um tempo. Wedneday evitava entrar no cômodo, aquele lugar lhe trazia lembranças tão fortes que chegava a doer. A pior das torturas era aquela, de dormir em uma cama sem o calor da esposa. Deitou cansada, o corpo não relaxou, parecia errado estar ali sem ela.

— Droga...

Wednesday respirou fundo algumas vezes, a saudade gritando no peito. Inconscientemente acabou abrindo o aplicativo de mensagens, ignorou todas dos amigos - que estavam preocupados com ela – e abriu o contato de Enid. A lupina sorria lindamente na tela de perfil.

*Gravando áudio*

Oi Enid, a quanto tempo. É estranho eu gravar isso? É que sinto sua falta, achei que precisava desabafar, sei lá. As coisas aqui em casa estão indo bem, na medida do possível. As crianças são realmente compreensíveis comigo... Me sinto culpada, acho que elas cuidam mais de mim do que ao contrário... Larissa ganhou um broche de melhor aluna semana passada, mas acho que ela não se importa muito com isso... Lúcifer voltou a pintar! Pediu para que eu comprasse quadros novos. Ele também precisa de abafadores de ouvido, não sei onde comprar, quer dizer, tem que ser especifico pra lobisomens, não é? Vou procurar por isso amanhã... Sobre a Emma, ela ta crescendo rápido e saudável, não se preocupe com nada.

....

Acho que nossos filhos estão lidando melhor com a situação do que eu... Ah! Eu estou bem, aproposito. Não há um dia que não pense em você. Gostaria de ouvir sua voz mais uma vez...

*Carregando... Áudio enviando*

*Enviado... Não entregue*

Observou com magoa, nunca seria entregue não é mesmo? Olhou para a cômoda ao lado, dentro da gaveta estava o celular da lupina. Foi impossível não chorar, Enid não falaria nada, nunca mais ouviria sua voz ou sua risada.

[...]

Os céus pareciam compartilhar da tristeza que arrebatou todos os presentes naquele dia. Wednesday chorava e gritava tanto, que achou que suas cordas vocais rasgariam. A notícia da morte de Enid foi dada por um médico, logo após o nascimento de Emma. Houveram complicações no parto e a lupina não resistiu. A Addams soube mais tarde, que os médicos deram uma escolha a mulher. Eles poderiam salva-la, porém Emma morreria no processo. Enid claro, não pensou duas vezes ao pedir que priorizassem a pequena, a quem ficou pouco tempo nos seus braços, não teve chances nem de amamenta-la quando sentiu suas forças indo embora. Lá fora a chuva caia violentamente, enquanto amigos e familiares consolavam-se e davam-se apoio. Gomez sentou ao lado dos netos e explicou-lhes o que havia acontecido, a voz de Wednesday ainda ecoando pelo local, aos berros. Para os excluídos, aquele foi o pior dia. Verem a Addams desesperada daquele jeito e verem os sobrinhos aos prantos e não puderem fazer nada, foi desesperador, ao mesmo que sentiam o vazio e a dor que a partida da mulher alegre e irritantemente colorida fazia em seus peitos.    

— Eu não quero acreditar que você realmente se foi, cara mia...