As mulheres subiram para os aposentos de Athena quando Agatha conseguiu recuperar os cinco sentidos que estavam amortecidos pelas rosas de Afrodite. O quarto de Saori era limpo e bem arrumado, ela até se sentiu bem de estar ali novamente.

A Deusa aproveitou para entregar toalhas para algumas servas distribuírem para seus cavaleiros, porque eles estavam molhados por causa da chuva, e a última coisa que todos queriam eram cavaleiros doentes.

— Se você não se importar, irei trocar de roupa por um momento.

— Fica à vontade. Somos mulheres, mulheres trocam de roupa uma na frente da outra— E era verdade, apesar dela virar de costas para dar um pouco mais de liberdade e licença para a anfitriã.

— Como foi a sessão?

— Um caos. Você e o cavaleiro de Fênix mencionaram que eles eram complicados, mas podiam ter me dito que eram problemáticos de verdade. Assim, eu teria trago mais alguns profissionais comigo ou a equipe inteira. Eles queriam tacar as cadeiras uns nos outros! Milo e Shura quase saíram na mão e os únicos que salvaram foram Shaka, Afrodite e Aldebaran.

— Sim, realmente, todos eles são complicados. Sinto muito por isso.

— Está tudo bem. Porém para as próximas sessões, irei tentar manter grupos menores até que eles possam estar juntos sem grandes problemas.

— Já tem algum grupo em mente?

— Alguns. Irei olhar minhas anotações e separar de forma orgânica, te avisarei pelo celular assim que isso acontecer.

Uma vez que Saori estivesse vestida, ela sentou na cama, de frente com a terapeuta.

— E aí, eles tem jeito? Ou não há como ajudar na situação que eles estão agora?

— Claro que tem jeito, sempre tem. Os casos mais complicados são de Giuseppe Salvatore, Shaka e Shion.

— Quem é Giuseppe?

— O Máscara da Morte. Você não sabe o nome do seu próprio cavaleiro?

— Não, eu nunca perguntei. Qual o problema com eles?

— Suspeito que Shaka tenha TOC e o Shion transtorno de personalidade borderline. Por enquanto é apenas uma suspeita, entretanto os orientei para procurarem a assistência especializada. Pelos relatos sobre o comportamento de ambos foi o que deu para pegar. Os dois são os menos resistentes para começar um tratamento, o que é bom.

— E quanto ao Máscara?

— Tive a impressão de que ele vive em uma realidade paralela na qual o comportamento dele é aceitável. O pior são as pessoas ao redor dele que corroboram com tal comportamento desde que não sejam importunados.

— Como assim? Ele é tão tranquilo…

— Tranquilo? Acredito que a senhorita se esqueceu de que ele é um assassino frio que tem os rostos de pessoas mortas por praticamente 70% de sua própria residência?! — estava indignada — A luz da razão apenas apareceu no momento em que ele pensou sobre como seria ter uma família com crianças habitando aquela casa! Fora isso não há um pinguinho sequer de remorso. Isso é preocupante demais!

— Aaah, verdade! Eu tinha até me esquecido disso… é que no meio dos doze ele sempre se disfarça e passa quase despercebido. Mas se você conseguiu fazê-lo abrir os olhos já é uma coisa boa, não?

— Não é esse o ponto, Athena… ah, vamos prosseguir. Saga precisa de um detox digital urgente. O lance dele com a fofoca ultrapassou todos os limites, incluindo da privacidade alheia. Outro cavaleiro seu foi constrangido por uma das falas que ele soltou sobre algo íntimo. O bom senso passou longe e acredito que a promessa que ele fez na terapia é furada — seu celular apitou — Conhece algum agas_gemini?

— É o perfil secundário do Saga! Bloqueia! Bloqueia!

E se uma Deusa mandou, quem seria ela, mera mortal, para questionar? Bloqueou na hora! Será que o bendito sabia que elas estavam falando dele?! Talvez ele realmente fosse maluco o suficiente para isso? Que medo!

— É… outro que achei bem triste foi o de Camus. Conversei com ele e acho melhor marcar uma sessão apenas com ele e o discípulo, eles passaram por uma situação complicada juntos e isso afeta até hoje….

— Vou falar com meu tio pra ver se arrasto o Isaak também.

— Isaak? Ele está vivo?!

— Tá, vivíssimo! Deu um pau no Hyoga, você viu que o olho dele até está enfaixado? Agora são dois rebeldes sem causa e que estão em pé de guerra. Enfim, eu vou falar com o tio Poseidon e se rolar eu aviso. Enquanto aos outros?

— Mu parece ser bem mais controlado do que Shion. Ele está buscando alternativas naturais de se acalmar e já está ciente de que precisa de ajuda. O que é ótimo, e ele parece estar aberto a essas mudanças. Em sequência temos Milo, que também notou que precisa aprender com quem pode ser liberal e quando precisa segurar todo aquele fogo que só um signo de água pode ter. Saga fez um comentário muito feio sobre Milo e isso o deixou ofendidíssimo. E para fechar temos Aioria, que pode ser um narciso, porém não demonstra sinais de que possa ter um distúrbio.

— E aquele negócio de personalidade narcisista?

— Não, definitivamente não. Ele provavelmente tem problemas com insegurança e precisa constantemente de aprovação para se provar superior. Acredito que o estigma de ter crescido como “irmão do traidor” influenciou nisso, porém podemos falar sobre isso em outras sessões para chegar em seu ego. Nessa primeira sessão, ele notou que suas atitudes estavam prejudicando a saúde do discípulo de Mu, escutei ele pautando isso em uma conversa e estou feliz que ele já esteja pensando em mudar seu comportamento.

— Certo, estou entendendo que todos os problemas tiveram suas raízes e precisa de tempo e muita paciência para ajustá-los. 

— Sim, exatamente. Tivemos Shura e Dohko, que apesar de terem problemas semelhantes, têm causas diferentes. Dohko tem aversão à tomar decisões. Já Shura quer parecer perfeito aos olhos de todos, por conta disso acaba sendo podado demais e isso irrita todos os presentes. Não estou tão confiante quanto o avanço deles, mas para uma primeira sessão até que eles lidaram bem com as coisas.

— Concordo, Shura particularmente tende a ser resiliente com mudanças, porém não é engessado demais. De qualquer forma, espero o melhor deles.

— Por último temos Afrodite e Aldebaran. Os dois são bem tranquilos e a parte deles foi a mais produtiva. Eu me sinto bem com ambos e acredito que as sessões que se seguirem com eles podem ser feitas de forma quinzenal ou até mesmo mensal. Eles estão com a saúde mental melhor do que todos os outros.

— E Aioros? Você não falou dele.

— Não há muito o que eu possa dizer, só precisam ser delicados com sua inserção na sociedade, afinal, ele acabou de reviver. Precisamos trabalhar um pouco sua questão de confiança, mas nada demais.

— Entendi. Obrigada pelo parecer, acredito que com isso em mente posso deixar a convivência entre todos mais agradável.

— Bom, tudo isso é um processo que para uns será mais demorado do que com os outros. Também ouvi do grupo que há outros cavaleiros que precisam de ajuda ou ao menos uma escuta preliminar, correto?

— Ah sim! O outro grupo seria dos cavaleiros de bronze. Dez deles em especial que conviveram entre si, mas vamos deixar isso para outro momento, pois não é tão grave assim.

— Tudo bem! Vou passar para a senhorita a conta e depois acertamos as próximas sessões — escreveu em seu bloquinho.

— Tem alguma coisa errada aqui. Esse número está errado!

— Ops! Tem razão! Vou consertar — mostrou o novo número que deixou a virginiana estarrecida.

— Você aumentou ainda mais!

— A demanda de hoje foi muito complicada. Tive que fazer o trabalho de cinco pessoas, fora o tempo a mais que estourou o estipulado. Também há o fato de que eu mesma precisarei pagar a minha terapia depois disso. Então é justo o valor.

— Por que que eu fui embarcar na ideia do Ikki? Isso saiu muito caro!

— Creio que financeiramente não é um problema. Veja como um investimento — usava de seus artifícios para arrancar dinheiro de rico — Eles são seus subordinados, caso não estejam saudáveis, como irão lidar com o trabalho? Além disso, eles precisam de equilíbrio em suas vidas pessoais. Soube que sua empresa investe bastante na saúde dos seus funcionários no Japão e nas demais filiais. Por que com seus cavaleiros no Santuário isso seria diferente?

— Você está certa, terrivelmente certa… Tudo bem, eu pago. Aceita cheque?

(...)

Enquanto isso, na parte externa do Templo de Athena, os cavaleiros se secavam com as toalhas entregues pelas servas de Saori e conversavam sobre o dia.

— Terapia é uma coisa boa, mas cansa… — comentou Aldebaran — Creio que vocês se cansaram bem mais salvando a Athena, mas né…

— Não consigo mensurar a carga de estresse que tiveram aqui, senhor Aldebaran, mas nossas vidas estavam em jogo lá no fundo do mar. Na verdade, toda a vida terrestre estava… Foi tão angustiante lidar com tanta pressão — Shun procurava pelo seu plástico bolha.

— Pensei que tinha parado com esse tipo de atividade.

— Sei que não é ecologicamente correto, senhor Shaka, mas não estou com meus moldes de bordado aqui e isso me ajuda a lidar com o estresse. Vou descartar corretamente depois.

— Realmente é muito bonito o que você faz tentando buscar uma maneira ecológica de aliviar o estresse, Shun — o entrosa do Milo chegou, deixando o Andrômeda mais ansioso — Porém precisamos, além de fazer a nossa parte, cobrar que grandes empresas e instituições façam a parte delas também! Aqui no Santuário temos uma fiscalização severa sobre reciclagem e todos são incentivados a serem sustentáveis…

— Que foi, Milo? Precisa de alguma coisa? — Shaka disse antes que aquele sermão continuasse, pois o escorpião não era tão próximo dos presentes e ele não era do tipo que se aproximava sem segundas intenções.

— Na verdade, eu precisava conversar com o Shun. Posso te roubar por um segundo, coisa fofa?

— Só um instante — conseguiu achar mais plástico bolha, pelo menos uns 50 cm de plástico, porque para conversar com Milo iria precisar de mais. — Pois não?

Os dois caminharam até o início da escadaria, distantes dos demais, porém Ikki estava os encarando como um verdadeiro “irmão coruja”, ou melhor, “irmão Fênix”. Milo preferiu fingir que não viu:

— Shun, a nossa terapia foi bem extensa e um tanto caótica, afinal éramos em treze, um pior que o outro, todo mundo meio maluco. Porém, como somos amigos, vizinhos, colegas de trabalho, muitos dos nossos problemas são interligados. Por exemplo, o problema do Aioria afeta diretamente o Mu, que afeta todo mundo, porque ele é um demônio, e assim por diante. Lógico, o que eu faço acaba…

— Sim, eu entendo, senhor Milo. O senhor Shaka e o senhor Aldebaran estavam comentando.

— Claro que estavam, o Shaka é um…

— Por favor, não ofenda meus amigos como se eu não estivesse aqui. 

— Não era uma ofensa, mas tudo bem. Eu sempre acabo perdendo a linha de raciocínio. O que eu quero dizer, Shun, é que eu sou liberal demais e isso afetou vocês. Você, em especial, porque você é meio… virgem? Inocente? Ahn… Você não é muito de…

— Eu já entendi! — estava vermelho, apertando o plástico bolha em um “ploc ploc” sem parar. — Sim, senhor Milo, eu não gosto dessas coisas. 

— Justamente. Eu queria me desculpar por aquele dia. Acabei sendo babaca, forcei você a algo que não te deixou confortável e isso pode ter te deixado ainda mais apreensivo. 

— Eu fico feliz que você tenha repensado suas atitudes, apesar de já fazer um tempo disso tudo. E tá tudo bem! Na verdade… lá no fundo do mar, eu fui enfeitiçado por um rapaz… — até parou de apertar o plástico — E eu até fiquei curioso sobre esse negócio de “beijar na boca”. 

— Ah minha Deusa! Me conta… — Milo já tinha mandado o bom senso pra casa de Áries, curioso e interessado. — Como foi?

— Longa história… mas acho que os pilares mexiam com a gente, no geral. Foi bom. Mas não beijei ninguém lá embaixo. 

— Você quer ajuda para reaprender a beijar na boca?

E nesse instante, esbanjando todo o charme escorpiano, Shun, hipnotizado, ficou na ponta dos pés e tocou nos ombros do mais velho, que estava se curvando para iniciar um beijo. Estava relaxado pelo efeito das rosas, a ideia de beijar Milo de Escorpião parecia boa, afinal, ele era experiente e cheiroso.

Porém o beijo foi interrompido antes mesmo de começar, Milo sentiu um estalo forte contra sua bochecha, seguindo da voz de um certo leonino superprotetor:

— Sai de perto do meu irmão, seu safado! Sai! Pica a mula! Xispa! — Ikki enrolou a toalha e estava a usando para bater nas coxas e na bunda do cavaleiro de ouro — Tá doido?! Tá chapado de rosas? Só por cima do meu cadáver!

— Ikki! — Shun soltou o plástico e partiu para tentar socorrer o escorpião, que estava resmungando e pedindo desculpas. 

— Você ficou deitado por tempo demais na encomenda de rosas, meu irmão! Você não está no poder de decidir nadica de nada!

Enquanto a treta meio familiar rolava lá embaixo, os outros presentes se aproximaram para ficar olhando, e tirando notas, claro. 

— Não é possível! Não, não pode ser! — Aiolos estava com as mãos no rosto, indignado — Por que o Shun pode flertar com o Milo e eu não!? Não é justo!

— Ah meu irmão, se valoriza — Aioria deu um tapa na nuca do mais velho, que começou a reclamar ainda mais. — Só depois dos dezoito!

— Mas eu já tenho trinta e quatro!

— Tem nada, larga a mão de ser mentiroso, esperou dezesseis anos, vai morrer se esperar mais dois?

— Eu esperei DEZOITO, seu moleque!

— O tempo no submundo não conta!

E outra treta familiar começou. 

Agatha e Saori saíram do templo e deram de cara com a cena. A terapeuta resmungou audivelmente:

— Esse grupo vai dar um trabalhão!

— Pois é, minha amiga. Será que eles vão me falir?!

Fim.