Criança da quarta-Feira escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 1
Capítulo único - Criança da quarta-feira


Notas iniciais do capítulo

Essa história é a continuação da minha outra one-shot de Wandinha, chamada "Sobrevivência". Do fim de 2022 pra cá, passei tantos dias escrevendo, corrigindo e pensando, e fiz tantas mudanças nessa história até chegar nesse resultado. Espero que gostem. ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808464/chapter/1

Criança da quarta-feira

De Dani Tsubasa

                Hoje era quarta-feira. E seria um longo e cansativo dia, quem sabe cheio de desgostos. Wandinha sempre curtiu pesadelos, dentro ou fora da vida real. Quando ela era criança, pessoas pulavam na frente dela de trás de uma porta ou surgindo de repente por trás de móveis ou correndo de um cômodo para outro para provar que podiam assustá-la, uma validação patética para seus próprios egos desequilibrados. Sua única reação era o tédio, ou simplesmente reação alguma. As pessoas comuns costumavam se divertir tomando sustos idiotas com filmes de terror idiotas incrivelmente distantes da realidade, ou distorcidos ao ponto do ridículo. Ela preferia viver, experimentar tais sensações ao vivo, ainda que só em pesadelos durante o sono isso fosse possível. Poucas vezes na vida ela se deparara com fantasmas reais, e preferira conviver pacificamente com eles para que cada um seguisse seu próprio caminho e as coisas continuassem como estavam. Por que interferir na vida dos desencarnados que estavam simplesmente passando sem mal algum fazer? Apesar de boa parte das pessoas desgostar dos sustos que tomavam ao percebê-los de alguma forma, ou de acidentes causados pela interferência deles, fosse energética ou obra de algum zombeteiro que conseguia se materializar.

                Mas hoje... Hoje o pesadelo era diferente. Era um pesadelo real, do tipo que Wandinha não curtia mais viver há anos, desde que decidira que não valia a pena se envolver com as pessoas, que devia estar sempre dois passos à frente de todas elas para que em algum momento não a tivessem debaixo de seus pés como um troféu. Ela só aceitara o evento, proposto por seus pais, porque tio Chico gostava da festa, e dissera que ficaria feliz em celebrar algo por ela. Era sua sobrinha favorita afinal. Tivera outra conversa com sua mãe ao chegar em casa, na qual Mortícia tinha enfatizado outra vez que Wandinha tinha todo o direito e deveria trilhar seu próprio caminho, independente das semelhanças que qualquer pessoa visse entre as duas, e que agora que ela tinha feito alguns amigos, por mais que ainda relutasse em admitir, talvez ela pudesse tirar algo de bom de convidá-los para seu aniversário de dezessete anos. Tio Chico apareceu de repente, se desculpando por ouvir parte da conversa e concordando com Mortícia, além de apresentar seus argumentos de porque festas eram divertidas. Gomez, para completar, deixou claro que tudo seria como Wandinha quisesse. Feioso foi a peça chave para convencê-la, sugerindo que ela podia espalhar jogos sinistros pela casa para os que quisessem.

                A agenda de Nunca Mais ainda estava se reajustando, por isso os alunos estavam em casa nesse momento, normalmente ela passaria seu aniversário naquela penitenciária estudantil. E agora estava encarando o desenho que ganhara de Xavier meses atrás, Nero imortalizado numa bela ilustração. E ela sabia pelos mínimos detalhes que Xavier conseguira recriar, não era um escorpião parecido, era o seu Nero. Wandinha tinha até sonhado com ele algumas vezes depois disso, mas não mais um pesadelo repetido do tipo que ela odiava, em que era obrigada a ver de novo e de novo o assassinato brutal de seu amado escorpião, e sim as coisas boas, os dois brincando no jardim de casa, ou quando ela o encontrou e o adotou. E o melhor, ainda que sendo pura ilusão, sua vingança contra os assassinos antes mesmo que conseguissem matar Nero em mais uma repetição do pesadelo, com a pequena Wandinha tendo a mesma força física e destreza que só conseguira em sua adolescência, e você pode imaginar o que veio disso. Ela nunca saberia o fim desse sonho em que os dois fugiam vivos e felizes, afinal nunca tinha acontecido, mas ela sentira paz ao acordar, uma sensação de liberdade e de tirar o peso de sua culpa dos ombros, ao menos um pouco. E com essa conclusão, se sentiu grata a Xavier novamente, mesmo que não dissesse a ele o quanto. Mas ele a tinha visto chorar e velar Nero mais uma vez, então talvez ele deduzisse, e é claro que ela tinha lhe enviado uma mensagem de texto naquele mesmo dia, ameaçando matá-lo se ele contasse a alguém. Xavier respondeu com um emoji sorridente, e prometeu que não o faria. Um tapinha no colchão ao seu lado chamou sua atenção, e encarou Mãozinha, que usava uma minúscula gravata borboleta preta em volta do pouco que tinha de pulso, e a observava há vários minutos em seu devaneio.

                - Se ao menos houvesse uma maneira de fugir...

                Mãozinha respondeu com vários sinais.

                - Estou feliz por ver a Enid, o Eugene, e os outros também. Mas certamente meus pais vão transformar isso num circo, e não vai ser um show de horrores do jeito bom.

                Mãozinha respondeu novamente.

                - Eu sei.

                E novamente.

                - Não se atreva a falar sobre isso. É o tipo de tortura que não gosto, e você já sabe porque. E nem vou falar de novo do que você aprontou em Nunca Mais.

                Mãozinha se desculpou.

                - Acho que posso resolver isso sozinha de agora em diante. Mas aprecio sua preocupação comigo.

                O amigo respondeu alegremente enquanto subia no ombro de Wandinha, já pronta para sua festa meio que forçada. Seu vestido era o mesmo da Rave’N, ela apenas o havia reformado para que não ficasse idêntico, fazendo algumas modificações na saia, e incluindo detalhes que pareciam teias de aranha negras. Apesar daquele vestido ter vindo de um capricho de Mãozinha, ela tinha gostado da vestimenta, não fora à toa que parara para observá-lo naquela vitrine, e foi isso que fez Mãozinha comprá-lo para ela. Em seus pés, ao invés do coturno da escola, estava calçando um scarpin preto brilhante por cima das meias igualmente escuras. Seu cabelo também tinha uma coroa trançada, mas uma parte se emaranhava em outra trança, solta sobre suas costas ao invés de completamente presa ao redor da cabeça como na Rave’N.

                Mãozinha fez um comentário enquanto ela se olhava no espelho uma última vez.

                - Obrigada.

                Wandinha respirou fundo, e aceitou o tapinha encorajador do amigo em seu ombro quando girou a maçaneta e saiu do quarto, grata por encontrar os corredores vazios e ouvir a voz de seus pais e irmão no andar de baixo se misturando com a música, que ela mesma tinha escolhido. Seus ouvidos detectaram passos suaves em volta, quase inaudíveis, e tio Chico apareceu de repente, usando uma de suas roupas mais elegantes.

                - Tudo bem, eu sei que é impossível assustar você – ele sorriu – Está deslumbrante como um cadáver recém arrumado para o velório.

                Wandinha sorriu genuinamente. Seu tio era a única pessoa que conseguia tirar isso dela até pouco tempo atrás, mas ainda era quem conseguia com mais facilidade.

                - Obrigada, tio Chico. Sua roupa não está mais extravagante do que essa grande piada arquitetada pelos meus pais – ela estranhou.

                - Hoje a rainha dos horrores deve ser você, eu não faria isso.

                Wandinha sorriu de novo, e Mãozinha perguntou algo ao mais velho.

                - Spoilers? Claro, meu velho amigo. Eu já vi algumas pessoas chegando lá fora. Tem uma garota que mais parece uma versão mais fofinha e pequena da Barbie, um rapaz pequenininho e fofo, uma moça negra com ar de superioridade, mas muito educada, e acho que vi mais dois rapazes chegando juntos, um deles usa uma touca. Escolha estranha para um aniversário, os jovens adoram usar o cabelo como acessório de moda hoje em dia.

                - Ele é um górgona, tio – Wandinha respondeu.

                - Claro! Como não pensei nisso antes? – Chico riu – Seria interessante incluir petrificamento nas brincadeiras da noite...

                - Ele namora minha melhor amiga. Tirar a touca dele seria tão grave quanto comer as abelhas do Eugene. Então pode tirar isso da sua lista.

                O sorriso de Chico sumiu, mas ele assentiu mesmo assim.

                - Viu mais alguém? E sabe identificar o outro que chegou com ele?

                - Vi mais alguns sim, todos igualmente estranhos como nós, alguns uivam, e outros não tem rosto – o mais velho sorriu – E o outro rapaz... Ele me é familiar. Acho que o vi muitos anos atrás, no velório daquela amiga da sua avó, era muito menor naquela época.

                Wandinha sentiu algo bater em seu peito de dentro para fora, aquela sensação confusa que ela não gostava. Era boa, mas ela não compreendia bem, e isso era muito incômodo.

                - É melhor irmos. Quanto antes isso começar mais cedo termina.

                - Sim, eu prometo não interferir muito, a noite é sua, minha querida.

                Wandinha sorriu, e aceitou que o tio beijasse sua testa antes de continuar seu caminho e descer as escadas junto com Mãozinha.

                - Wandinha! – Enid, trajando um vestido brilhante rosa claro, que era a cara dela, soltou o braço de Ajax e correu para a amiga, contendo seu impulso de abraça-la quando chegou até ela, mesmo sendo a única até então, além de Feioso, que tivera esse privilégio – Feliz aniversário!

                - Você pode, Enid.

                - Sério?!

                - Só porque é hoje.

                A lourinha riu, e agarrou a amiga num abraço apertado, que Wandinha não hesitou em retribuir. Ela suspeitava que nunca mais teria coragem de ignorar os impulsos emocionais de Enid após compreender o que tinha se passado na noite de sua serenata no telhado da escola, quando a jovem loba tinha chorado e Wandinha foi 0% eficaz em compreendê-la e consolá-la, só conseguindo fazer isso ao fim da batalha contra Crackstone. Depois de tudo que Xavier tinha passado por culpa de suas deduções precipitadas e erradas, ele ainda viera até ela, ele tentou protegê-la, mais uma vez, hesitara em deixá-la sozinha após Wandinha se atravessar entre ele e a flecha, e tinha decidido se reaproximar dela no fim das contas. Foi tão rápido, e confuso, e ela mal teve tempo de refletir sobre isso, mas foi o que virou a chave para a compreensão do que Enid estava tentando lhe dizer quando chorou por não conseguir se transformar em lobo.

                O abraço durou, e Wandinha tentou não se concentrar nas sensações confusas que sentiu com isso, em não se importar agora com o motivo de estar apreciando tudo que essas novas pessoas, que ela ainda estava aprendendo a chamar de amigos, tinham trazido para ela. O sorriso de Enid quando a soltou continuava tão radiante quanto antes de abraçá-la.

                - Você tá... Linda! Deslumbrante! Você reformou o vestido da Rave’N! Que arraso! Ele vai adorar! – A garota sussurrou a última frase.

                - Não sei do que está falando.

                - Ah, você deve saber sim. Ele não para de olhar pra você desde que entramos. E é desde a escola, que eu sei. Devia ter visto como ele ficou na festa enquanto você dançava com... Desculpa. Hoje é um dia pra falar de coisas felizes. Espero que goste do meu presente.

                - Provavelmente vou gostar muito, seja do que for. Obrigada, Enid.

                A loura abriu outro sorriso enorme ao se impressionar com o pequeno sorriso da amiga gótica.

                - Mãozinha! – Enid exclamou ao ver o amigo, que tinha pulado do ombro de Wandinha para verificar a decoração da sala, e correu para ele.

                - Você veio – Wandinha disse a Bianca quando ela se aproximou.

                - Não perderia isso por nada. Queria ver se a festa e tudo mais seriam tão sinistros quanto você.

                Wandinha não conseguiu conter um pequeno riso irônico, arrancando um sorriso maior de Bianca, que se despediu e seguiu para outro local.

                - Ajax...

                - Oi, Wandinha, ele sorriu.

                - Obrigada por vir. E faça a Enid se divertir. Ou vou cumprir minhas ameaças – ela disse, se afastando para falar com Eugene, e se divertindo com a forma como Ajax arregalou os olhos sem entender nada.

                - Espera! Que ameaças?!

                Wandinha o ignorou, e deixou a explicação para Enid, continuando seu caminho.

                Eugene estava apreciando os drinks estranhos que sua avó já estava fazendo para os convidados.

                - Você chegou, querida! – A mais velha a cumprimentou – Seu amigo é adorável. Vou fazer um drink com mel pra ele.

                - A festa mal começou, vovó. Talvez mais tarde.

                - Vão se divertir então – a velhinha sorriu com sua aparência sinistra, e continuou entretida misturando bebidas quando os dois jovens se afastaram.

                - É bom ver você completamente recuperado. Como estão suas abelhas?

                Eugene sorriu.

                - Você também. Algum mistério novo pra investigar depois de Nunca Mais?

                - Não, só o tédio de sempre – ela mentiu, não querendo envolver mais ninguém na ameaça do stalker antes de ter mais respostas.

                - As abelhas tão ótimas. Consegui permissão pra levar e cuidar delas em casa enquanto a escola tá fechada. Minhas mães ajudam a cuidar delas, as duas têm talento.

                - Não usa mais aparelho?

                - Não, tem algumas semanas que não preciso mais. E é bem melhor assim.

                - Que bom pra você, Eugene. Falamos mais depois.

                - Tá certo, vou falar com a Enid.

                O mais baixo se afastou enquanto o olhar de Wandinha congelava nos olhos verdes e no leve sorriso que já a fitavam desde que ela descera as escadas.

                - Achei que nunca ia chegar minha vez – Xavier falou quando ela se aproximou.

                - Considere-se privilegiado.

                O melhor sempre fica por último, talvez fosse isso que ela queria dizer? Xavier não tinha certeza, mas ela estava aqui falando com ele de novo, e é o que importava. Seu cabelo castanho claro estava solto, combinando bem com suas vestes elegantes que misturavam cinza escuro e azul marinho.

                - Fiquei impressionado quando nos convidou depois que desprezou nossa surpresa ano passado.

                - Foi ideia dos meus pais. Mas meu tio adora festas, e ele salvou a vida do Mãozinha, eu não poderia negar. E meu irmão deu sugestões interessantes pra hoje.

                Xavier sorriu. Wandinha estava aprendendo a aceitar que algumas coisas novas a agradavam, só não conseguia ainda dizer isso com todas as letras, e ele estava bem com isso.

                - Eu gostei da música. Aposto que foi escolha sua.

                - Foi sim – Wandinha abriu um pequeno sorriso.

                - E você não escondeu as sardas na maquiagem hoje. Eu gosto delas, só pra você saber.

                 - Só usava maquiagem na escola por insistência da Enid pra que eu experimentasse.

                - E valeu a pena?

                - É um recurso útil pra ocasiões muito específicas, como ela mesma me ensinou.

                Xavier apenas sorriu diante da resposta vaga, compreendendo que a própria Wandinha ainda não tinha muitas conclusões sobre isso. Mais alguns amigos de Nunca Mais ainda chegavam enquanto seus pais e irmão cumprimentavam alguns deles e membros da família. Wandinha olhou Enid e Ajax sorrindo e dançando, e muitas coisas voltaram a seus pensamentos de repente.

                - Não sei se já te disseram, mas você dança muito bem – Xavier falou.

                Wandinha o encarou longamente, refletindo sobre o que estava prestes a dizer.

                - Eu conheço esse olhar. O que você quer me dizer? – Ele perguntou com uma ironia gentil.

                - Vai me obrigar a falar o óbvio?

                - Eu não tenho bola de cristal, e se tivesse não saberia usar. Só vou saber se você disser.

                Wandinha desviou o olhar brevemente enquanto tomava uma última respiração.

                - Eu devo me redimir com você, e agradecer – ela falou baixo, mas suficiente para que Xavier ouvisse – Por tudo. Então... Você... Quer dançar nesta festa ridícula?

                Wandinha estava ficando acostumada a vê-lo sorrir, mas dessa vez tinha algo diferente, um brilho em seu olhar que fazia o sorriso parecer tão irritantemente reconfortante.

                - Eu tava com medo de que você quisesse o contrário.

                Xavier queria estender a mão para ela, mas duvidava que Wandinha aceitasse a tradição cortês tão cedo, então simplesmente a acompanhou até o local da grande sala de estar dos Addams onde todos dançavam. Ela estava usando o mesmo vestido da festa que os dois perderam, mas com algumas modificações que faziam ainda mais o estilo dela, e o lembraram de seu presente. Era excêntrico, mas talvez não para Wandinha, e ele esperava que ela aceitasse quando ele lhe entregasse mais tarde. A jovem começou a dançar num estilo muito semelhante ao que tinha feito na Rave’N, e Xavier apreciou poder acompanha-la dessa vez. Seus amigos se divertiam, também dançando e sorrindo em volta, e ele não perdeu um olhar encorajador de Enid que dizia com todas as letras Eu já sabia! e Vai em frente!

                Ao fim da música não houve uma chuva de tinta vermelha, ou sangue de verdade, para a infelicidade de Wandinha, mas estava muito melhor do que a festa em Nunca Mais. Essa era sua festa, sua decoração, sua música, tudo sob sua consulta, incluindo um jogo da forca que oferecia chocolate amargo como recompensa para o boneco que fosse enforcado primeiro. Ajax era quem mais estava se divertindo com isso enquanto jogava com Yoko. Enid ficava dividida entre torcer pelo namorado ou pela amiga, ao mesmo tento que achava o jogo muito brutal, mas já acostumada com os gostos estranhos de Wandinha.

                Wandinha ficou em silêncio enquanto observava o entorno, esperando que sua mãe falasse quando parou ao seu lado.

                - Você é muito boa em organizar eventos como esse, sabia? E o melhor é que não importa de quem você puxou isso, importa que você fez muito bem, e todos estão se divertindo. E você está deslumbrante. O vestido ficou muito melhor com a modificações que você fez.

                - Obrigada, mãe.

                Um sorriso surgiu no canto dos lábios da mais jovem.

                - Qualquer caminho, e qualquer coisa que você escolher, qualquer coisa que você decida mudar ou fazer, é sua, e de mais ninguém. E quero lembrá-la que se precisar de mim pra qualquer coisa, estou bem aqui – Mortícia sorriu.

                Wandinha fechou os olhos quando a mãe beijou sua têmpora, percebendo que era a primeira vez em muito tempo que não sentiu mais um choque de aversão que chegava a ser físico. Decidiu não comentar e não refletir sobre isso agora.

                Mortícia sorriu e se afastou, voltando a dançar apaixonadamente com o marido. Feioso pegava doces da mesa, Enid, Bianca e Eugene observavam com euforia a disputa de forca que ainda não havia acabado entre Ajax e Yoko. Alguns vamps e górgonas aceitavam drinks estranhos de sua avó, e tio Chico observava descaradamente os jovens sem rosto, às vezes trocando algumas palavras com eles. Seus parentes conversavam, comiam, bebiam e se divertiam com outros jogos sinistros que Wandinha disponibilizara pela casa. Ao longe ela podia ouvir o grito de satisfação de um de seus parentes sendo fritado em sua cadeira elétrica, que ela considerava ser demais para seus amigos, e deixou num cômodo mais difícil de encontrar. Mas algo estava errado no ambiente... Onde estavam Mãozinha, Xavier e Tropeço?

                O tamborilar de dedos apressados nas escadas não passou despercebido por ela, e subiu atrás do amigo de volta ao andar de cima.

                - Mãozinha! – Wandinha chamou, parecendo ser ignorada de propósito, como se o amigo quisesse muito que ela o seguisse para ver alguma coisa.

                Foram mais alguns passos até seu quarto, que estava com a porta entreaberta. De lá, Tropeço saiu e a cumprimentou, depois retornando ao andar térreo da casa. Empurrando a porta, entrando e fechando-a, Wandinha viu Xavier parado diante do desenho emoldurado na parede. Ele sorria, e havia alguma emoção em seu olhar.

                - Me desculpa... – ele disse – Mãozinha disse que tinha preparado um lugar adequado pro meu presente pra você, e achei que era melhor trazê-lo logo pra cá, queria fazer surpresa. Seu mordomo ajudou a trazer. Mas antes de sair eu fiquei hipnotizado vendo o seu quadro.

                - É seu quadro – ela corrigiu.

                - Mas eu o dei pra você. Bela moldura. Você realmente...?

                - Costumamos guardar sobras das madeiras usadas nos caixões de cada falecido da família. Tio Chico diz que quando for sua vez de seguir para o outro lado quer partir em grande estilo com um caixão estilizado com fragmentos. Ele me cedeu a melhor madeira guardada que tínhamos.

                A moldura era feita de uma madeira escura, quase negra, coberta apenas por um verniz levemente brilhante para conservação. E combinava com o quarto. As paredes eram cinzas, a que tinha o quadro especificamente era coberta por um papel de parede cinza mais escuro. Embaixo do quadro estavam a antiga máquina de escrever e uma caixa de madeira com as inicias WA, em cima de uma mesa longa, tipo escrivaninha, que tomava quase toda aquela parede, e também servia de armário em alguns pontos. Do lado oposto do quarto estavam a cama e um guarda-roupas embutido na parede, ambos de madeira escura, muito similares à cor da moldura do quadro. Em outra parede estavam um antigo baú e alguns outros quadros decorativos, todos com imagens sinistras, e na outra parede estava a porta por onde ambos tinham entrado. No centro do quarto havia um tapete oval, negro, macio, e estampado com aranhas brancas.

                - Isso é que é estilo – Xavier falou – Fico feliz que você tenha gostado tanto.

                - Não tinha como não.

                Mãozinha deu uma batida na madeira da mesa, agora em parte ocupada por algo que parecia uma grande caixa coberta por um tecido negro.

                - Perfeito, Mãozinha! – Xavier agradeceu.

                - Mãozinha! – Ouviram Enid gritar animada do andar debaixo, e o pequeno se desculpou, saindo do quarto em seguida.

                Ele fez de novo, Wandinha pensou, desejando que dessa vez ambos estivessem certos, e se perguntando se Enid também estava sendo cúmplice nisso ou se chamara Mãozinha ao acaso. Mas fosse qual fosse a resposta correta, ela estava aqui sozinha com Xavier, e teria que lidar com isso.

                - Me desculpa a ousadia de vir aqui. Eu só ia deixar meu presente e sair, mas fiquei preso vendo como você emoldurou o quadro.

                Wandinha o olhou com curiosidade, embora qualquer um que não a conhecesse bem pudesse confundir com desinteresse ou desagrado pela invasão inesperada em seu quarto.

                - Bom, vamos ao que interessa.

                Xavier pegou cuidadosamente uma caixa de tamanho médio que estava em cima da cadeira, e que até então Wandinha não tinha percebido. O objeto tinha vários furos cuidadosamente simétricos, e parecia pintado à mão em padrões geométricos de preto e branco que traziam mais beleza a uma simples caixa de papelão. Uma fita de cetim preto brilhante emoldurava a caixa, terminando com um laço no centro da tampa.

                - Eu pintei pra ficar mais sofisticado. Apesar de você estar começando a ficar mais tolerante às cores, eu fiquei inseguro sobre usá-las ou não, então optei por seu padrão tradicional. Não vale sacudir pra ver o que é, tem que abrir – brincou com um sorriso.

                Wandinha pegou a caixa, e um choque de surpresa correu por seu corpo ao sentir algo leve se movimentando dentro dela, não como um objeto que havia escorregado de um lado para o outro, era algo vivo. Isso explicava os furos na tampa e laterais. Dando uma olhada rápida em Xavier, ela o viu parecendo nervoso, embora ele não demonstrasse muito, mas quase podia escutar seu batimento cardíaco, e seu olhar parecia apreensivo.

                Wandinha sentiu por ele, e isso despertou algo nela, porque ainda era novo. Ela já estava se habituando ao instinto de consolar Enid e Eugene, e com Xavier isso também parecia importante, mas de um jeito diferente que ela não sabia descrever.

                Decidindo acabar com aquilo, puxou o laço de cima da caixa e deixou a fita sobre a mesa, em seguida erguendo a tampa com cautela. E essa deve ter sido a primeira vez que ela esboçava uma expressão de surpresa na frente de alguém em muito tempo.

                - Você gostou? – Xavier perguntou, tentando não parecer nervoso, mas falhando miseravelmente.

                - Você me deu uma tarântula! – Wandinha sorriu, não qualquer sorriso, mas um parecido com os que apenas tio Chico costumava ver ultimamente.

                - Então... Você quer ficar com ela?

                Em sua euforia, ao invés de responder de imediato, a garota puxou o pano preto de cima de seja lá o que fosse que Mãozinha e Tropeço tinham deixado ali, e diante dela havia um viveiro de vidro, perfeito para uma tarântula jovem, equipado com terra, plantas pequenas, tocas de pedra, um compartimento para água, já preenchido, e entradas de ar teladas espalhadas pela caixa transparente, além da tampa com tranca na parte superior.

                - Ainda vai crescer. Você pode substituir esse viveiro por um maior quando for necessário. E eu não faço a mínima ideia se é um macho ou uma fêmea, mas... O vendedor disse que uma fêmea era o mais indicado pra quem nunca criou uma dessas antes, e que elas são mais tranquilas e vivem mais. Ele também me deu um encarte com informações sobre a espécie – Xavier indicou o que parecia um pequeno livro apoiado atrás do viveiro.

                - É uma garota – Wandinha falou com empolgação, já tendo a aranha caminhando pacificamente em sua mão.

                - Como sabe?

                - Tarântulas têm dimorfismo por cores. As fêmeas têm listras de outra cor do restante do corpo – Wandinha explicou, indicando a Xavier onde era possível ver a diferença – Elas se estressam fácil com mudança de ambiente. Você só mexeu nela pra coloca-la nessa caixa?

                - Só. Eu a deixei em paz por uma semana pra poder fazer isso, como me indicaram. Como sabe de tudo isso?

                - Tive um desses quando criança, antes do Nero. Ele se chamava Homer. Infelizmente machos vivem bem menos, sendo ou não mortos pelas fêmeas.

                - Então vai ser fácil pra você.

                - É o melhor presente que ganhei hoje. Obrigada – Wandinha sorriu de novo, e isso definitivamente foi um recorde para ele – O cachecol com capuz que Enid me deu também foi grandioso, sinto alguma auto aversão desde que perdi o meu na casa dos Gates. Cuidarei melhor do novo.

                - Ela vai ficar feliz com isso. Devia dizer a ela. E que bom que acertei no presente. Se você não a quisesse eu teria uma tarântula de estimação, o vendedor disse que só aceitaria devolução em casos extremos.

                - Eu nunca a recusaria.

                - Sua família ficará bem com isso?

                - Sempre ficaram com o Nero. E a responsabilidade é minha, eu decido sobre isso – Wandinha disse, abrindo o viveiro e levando a aranha para dentro, esperando pacientemente até a filhote descer de sua mão para a terra de seu novo quarto, onde logo começou a andar para explorar o local.

                - Você tem ideia de algum nome pra ela?

                - Raven.

                - Por que esse?

                - Veio de repente. E tem significados importantes pra mim.

                - Combina com ela.

                Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes observando Raven, até que ela se escondeu em uma das tocas de pedra de sua nova casa. Xavier aproveitou a distração de Wandinha para observá-la. A garota parecia genuinamente feliz, um sorriso ainda brincava no canto de seus lábios. E estava linda como Xavier nunca a viu, embora ele sempre a achasse bonita. Seu coração começou a acelerar, e ele deixou escapar um suspiro acidentalmente, chamando a atenção de Wandinha.

                - Começo a suspeitar que você está com falta de ar e precisando de assistência médica – ela disse.

                - Não... Eu só... Preciso falar com você. Algo importante.

                - Eu também.

                Xavier ergueu as mãos, num gesto para lhe passar a palavra.

                - Pode falar primeiro – ele confirmou com um sorriso gentil.

                - Eu... – Wandinha ficou um tempo longo em silêncio, não era comum para ela estar errada e se redimir tão descaradamente por isso, mas devia isso a ele, e bastante – Todas as coisas que aconteceram em Nunca Mais... Todas as vezes que me fizeram te confundir quando na verdade você estava me protegendo. Eu confundi tudo terrivelmente. E sinto muito por tudo que fiz você passar. Eu confiei na pessoa errada e desconfiei de várias certas, e isso faz meu peito doer até hoje de uma forma que não consigo entender bem. E que não gosto. Principalmente porque também dói fisicamente, mas não consigo curtir a sensação por causa da minha confusão interior.

                Xavier riu ao ouvir seu último comentário, isso era a cara dela.

                - Isso se chama remorso – ele falou sério de novo – Acontece quando você se importa de verdade, mesmo que só um pouquinho. Dói mesmo. Mas costuma passar quando você fala sobre isso. E... Como eu te disse daquela vez, uma parte de mim às vezes ainda se ressente por tudo que aconteceu, mas eu não consigo te odiar por isso, então peço que você também não faça isso consigo mesma. Eu não vou ter paz sabendo que você carrega esse peso. E você pode falar pra mim se quiser sempre que isso te incomodar. Ou pode falar pra Enid, ou pra o Mãozinha. Tenho certeza que todo mundo que se importa com você vai ajudar, até você entender. A parte ruim é que você não vai ter mais a oportunidade de curtir a dor, porque ela vai sumir.

                Wandinha riu um pouco, ficando em silêncio por um tempo.

                - Quando você foi preso, eu disse a Enid que não sentia pena por você, porque você era o culpado, mas não sei se isso era verdade. E achei que tinha descoberto em quem confiar, e foi quando beijei Tyler. Mas no final não podia confiar em mim mesma.

                Xavier ficou em silêncio enquanto absorvia tais palavras, e pensava, como ela mesma já havia insinuado, o quanto estar errada era algo que ela tinha dificuldades de assimilar.

                - Você se enganou. Acontece com todo mundo, até com a Bianca.

                Outro sorriso surgiu no canto dos lábios de Wandinha, dessa vez de diversão e satisfação.

                - Mas não pode dizer a ela que falei isso.

                Ela riu, e Xavier se sentiu mais calmo.

— Às vezes de uma forma mais grave, mas acontece. E você salvou minha vida. Podíamos não estar conversando aqui agora. Tudo que você fez na batalha já mudou muita coisa em uma única noite. Mas agora tô interessado em saber se... Você confia em mim.

                - Acredite, você sequer teria caminhado comigo pelo nosso cemitério particular ou estaria no meu quarto todo esse tempo se não fosse digno de confiança.

                Xavier sorriu, um sorriso que chegava a seus olhos ainda mais que em todos os outros que Wandinha o vira dar, e que a fazia sentir algo forte que ainda não tinha certeza de como lidar.

                - Que bom – ele disse aliviado, e sentiu seu coração começar a acelerar novamente, e seu cérebro gritar para que fugisse, mas ele não o faria.

                - Era isso que queria dizer de importante?

                - Não. Eu... Eu não vou pedir, porque quero que pense o quanto precisar, mas... Eu gostaria de ser mais do que seu amigo. Acho que já deixei isso claro muitas vezes, embora nunca tenha dito.

                Wandinha permaneceu em silêncio.

                - Eu sei que da primeira vez que alguém te disse isso não deu muito certo, então... Eu não tô te pedindo, só dizendo.

                Mais algum tempo de silêncio se foi até que ela falasse novamente.

                - Esperar pra que? Esse é um caso que eu já estudei o suficiente.

                Xavier se surpreendeu quando a garota se aproximou, e sentiu sua respiração ficar presa na garganta por um momento. Wandinha o encarou longamente antes de fazer qualquer coisa, nunca piscando enquanto ele fez isso algumas vezes. Wandinha fechou os olhos e se ergueu para beijá-lo. Xavier não acreditou no que acontecia no primeiro segundo, mas fechou os olhos e a retribuiu no próximo, feliz por Wandinha não recuar quando ele segurou suas duas mãos com ternura, sentindo-a segurar as dele de volta, apesar de um pouco desajeitada.

                Nesses poucos segundos Wandinha já tomara nota de algumas coisas. O beijo de Xavier era diferente do de Tyler. E ter sido perturbada por Enid falando por horas sobre o assunto a ajudou em suas percepções, por mais que detestasse admitir. Os lábios de Xavier se moviam contra os dela de forma mais doce, suave e cuidadosa. Isso a irritou a princípio, ativando seu desgosto de sempre por contato físico além do que considerava necessário. Talvez não tivesse percebido isso com Tyler porque estava mais focada em experimentar a sensação sem muitas expectativas, mas não era assim agora, talvez devido a todas as palestras de Enid, ou por outro motivo. E não saber era assustador, mas a sensação de seu corpo gelando e esquentando de medo era algo que ela conhecia, e que a deixou eufórica, fazendo-a retribuir Xavier com mais intensidade por alguns instantes, até precisarem respirar. Wandinha tomou algumas respirações antes de falar.

                - Isso é assustador. Do jeito que não gosto... Mas você é de verdade – sussurrou encarando seus olhos verdes antes de puxá-lo para outro beijo.

Os dois se demoraram no contato, entre suspiros, paradas rápidas para respirar, e unindo seus lábios de novo em seguida. Wandinha se sentiu como se estivesse flutuando, e num torpor que nublava sua consciência, e tomando nota de como isso a deixava perigosamente vulnerável, mas não querendo interromper o beijo. Ela estava feliz por não ser interrompida por nenhuma visão dessa vez, mas achou isso cedo demais. Seu último flash de lucidez foi um Xavier preocupado chamando seu nome antes da sensação familiar de choque petrificar seu corpo e transportar sua consciência para outro momento.

                 Ela se viu num quarto, que parecia ficar numa boa casa. Um quarto bem arrumado, com alguns móveis, uma cama, e materiais para pintura a óleo em cima de uma mesa. Não parecia ser um ateliê, mas por algum motivo alguém estava pintando ali. Wandinha olhou para trás, vendo uma enorme tela de pintura posicionada num cavalete, e algo já formado na tela. Nada menos que ela mesma, tocando violoncelo no Dia da Interação em Jericó, e alguns detalhes da praça também já pintados. Uma sensação forte de paz, alegria, ansiedade e amor correu para ela daquela tela, fazendo-a lembrar que ainda não contara a ninguém além de Mãozinha que tinha começado a receber os sentimentos das pessoas de suas visões, ao menos das que eram o principal destaque de cada momento, e como se em resposta a seus pensamentos, Xavier entrou no quarto, vestindo roupas casuais e manchadas de tinta. Ele olhou para a tela e sorriu, como se pensasse sobre como deveria continuá-la.

                Um barulho em cima da mesa chamou a atenção dos dois, e Xavier tirou uma caixa de materiais que estava ali para coloca-la do outro lado, revelando o viveiro de vidro de Raven, que aparentemente tinha pulado de cima de sua toca de pedra para o chão de terra, e estava agora andando sobre uma das pequenas plantas do lugar.

                - Ansiosa pra conhecê-la? – Xavier perguntou com simpatia para a aranha – Você vai gostar dela. E eu suspeito que ela vai adorar você. Só um dia até eu levar você pra sua nova casa. Por enquanto, você pode vê-la assim – Xavier pegou a caixa de vidro cuidadosamente, e sentou-se com ela na cama, ficando de frente para a tela não finalizada – Ela é linda, não acha?

                Wandinha sorriu. E ela queria ver mais, queria saber o que mais Xavier teria falado. Mas a visão ficou nublada, e de repente a luz da lâmpada de seu quarto a fez fechar os olhos e virar o rosto por um instante. Xavier a segurava no colo, sentado na cadeira em frente à mesa, sua expressão contorcida em preocupação.

                - Wandinha?! Céus! Eu já ia chamar Mãozinha.

                - Estou bem – ela disse, sendo ajudada por Xavier para ficar em pé de novo.

                - Tá mesmo?

                A Addams assentiu.

— Seja o que for que você viu, isso muda o que tava acontecendo antes de você apagar?

                Ele parecia triste, e ainda não sabendo fazer isso muito bem, Wandinha afastou seu cabelo claro do rosto numa tentativa de consolo, Xavier ainda sentado e com suas alturas mais próximas, permitindo que ela o encarasse perfeitamente.

                - Eu quero ver quando você terminar.

                - Ver o que?

                - Seu quadro do Dia da Interação, comigo.

                Ele sorriu aliviado.

                - Foi isso que viu?

                Wandinha concordou.

                - Está ficando perfeito. Só falta a estátua em chamas pra dar o toque final.

                Xavier riu.

                - Eu tinha certeza que você ia dizer isso quando soubesse. Tava tentando decidir. Weems ia odiar essa sugestão, mas eu acho tentadora.

                - É a minha imagem que você está usando, eu decido – Wandinha falou com autoridade, mas gentileza ao mesmo tempo.

                Nesse instante Xavier não resistiu a puxá-la para outro beijo, no qual também se demoraram antes de decidirem retornar à festa.

                - Eu posso concluir que temos algo oficialmente sério? – Ele perguntou antes que saíssem.

                -  Não sou alguém de aventuras, mas quero ir com calma. E vou matar você se fizer algo extravagante.

                - Eu não esperava nada menos que isso de você – Xavier sorriu, beijando sua bochecha e vendo-a sorrir de volta, embora ainda com o olhar sério de sempre – Podíamos contar só pra Enid e Ajax por enquanto.

                - Seria como colocar isso como primeira página de todos os jornais.

                - Veja pelo lado bom, você teria muita gente pra torturar.

                - Aprecio seu otimismo, Xavier. Mas não agora, não antes dessa festa acabar, ou a noite vai se tornar conturbada, de um jeito que eu não gosto. Enid consegue guardar as informações, mas Ajax às vezes simplesmente fala antes de perceber o que está fazendo.

                - Isso é verdade... Vamos fazer como você deseja. Esse é o seu dia, sua festa, suas condições – respondeu com um sorriso, vendo Wandinha parecer satisfeita.

                Os dois se despediram de Raven e Wandinha saiu do quarto primeiro, dando de cara com alguém que a essa altura esperava encontrar no térreo da casa.

                - Primo Itti.

                Os membros mais excêntricos da família eram sempre seus favoritos desde a infância, embora nenhum deles ganhasse de Mãozinha e tio Chico no seu ranking.

                - Devia descer e aproveitar a noite, ainda teremos horas de barulho, agitação, e brincadeiras mortais em pontos estratégicos da casa se quiser.

                O baixinho respondeu com seus costumeiros ruídos agudos, que apenas os Addams conseguiam compreender.

                - É bom ver você também. E da última vez que vi tio Chico ele estava lá em baixo entretido com alguns convidados peculiares.

                Itti falou mais alguma coisa e Xavier o ouviu se afastar e desaparecer na direção das escadas, decidindo finalmente seguir sua namorada para fora do quarto.

                - Mais um de seus parentes estranhos?

                - Do topo da lista. E um dos mais divertidos também.

                - Ele tem estilo.

                - O primo Itti vai gostar de saber disso – ela disse quando já andavam até as escadas, não se opondo quando Xavier segurou sua mão.

                - Como entendem o que ele diz?

                - Você aprende com o tempo. Eu e Feioso aprendemos a entende-lo antes de começarmos a falar. Acho que nossa conexão de DNA torna tudo mais fácil.

                Os dois chegaram às escadas, ouvindo novamente o barulho da festa, que não parecia nem perto de terminar.

                - Feliz aniversário – ele disse com um sorriso – Você está linda como... Qualquer coisa assustadora que você acharia legal como alusão.

                Wandinha riu, e aceitou quando ele a beijou uma última vez por enquanto. Os dois desceram as escadas como se nada tivesse acontecido, e trocaram um olhar antes de Xavier ser puxado por Ajax até onde Vovó ainda fazia drinks, e Enid puxar Wandinha pela mão para um canto.

                - Você sumiu por um tempo, achei que tinha fugido de novo da própria festa.

                - Eu não faria isso de novo. E quero que saiba que aprecio muito seu presente, e que cuidarei melhor deste.

                Enid abriu um sorriso radiante, apesar de não lhe dar uma resposta verbal a isto. Sem soltar sua mão, ela continuou a falar.

                - Você ainda me deve uma visita em São Francisco, já que estamos de férias. Definitivamente você tem que levar o Mãozinha junto! E também – Enid sussurrou sorrindo – Pode levar o Xavier se quiser. E quem sabe me contar o que vocês dois estavam fazendo lá em cima sozinhos – o sorriso da lourinha aumentou – Segredo de melhores amigas.

                Wandinha suspirou. Ia ser uma longa noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Criança da quarta-Feira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.