Um Reino de Monstros Vol. 3 escrita por Caliel Alves


Capítulo 17
Capítulo 3: Mais lenha na fornalha - Parte 6




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Letícia acordou mais cedo, precisava continuar cuidando da casa. A última coisa que ela queria é que o lugar voltasse a ficar uma ruína novamente. Ao sair para o pátio, ela viu em meio ao orvalho um garoto, uma criatura alada e uma bacia de alumínio. Ele estava tão concentrado que ela ficou alguns instantes a olhá-lo.

Não posso dizer que ele não está se esforçando, hahahaha.

— Tell...

O mago-espadachim virou-se para a sua professora e piscou um dos olhos.

Index parecia reconfortá-lo. Apesar de sua grande dose de vontade, ele ainda não conseguirá modificar os átomos, provocando a transmutação.

Ela foi até ele e pousou a sua mão no ombro do jovem, o mesmo ficou cabisbaixo.

— Eu acho que não consigo fazer isso.

— Nunca diga que não consegue, diga que ainda não conseguiu. Imagine que nós não nascemos falando, nem andando, e hoje nós podemos correr e até cantar.

— É isso mesmo, Tell. Você precisa se tornar mais forte, garoto, forte para me proteger de Saragat.

— Hahaha, ah, só você pra me fazer rir, Index.

A alquimista sentou-se de frente para o seu aluno com as pernas cruzadas. Com seus lábios finos e graciosos, ela explicou sobre o funcionamento da transmutação.

— Diferente dos outros sistemas de magias em que o usuário usa sua energia mágica para produzir fenômenos físicos, psicológicos e espirituais, a transmutação por via de regra atua de outra forma para produzir fenômenos equivalentes.

— O que é necessariamente uma transmutação, professora?

— É quando modificamos a estrutura do átomo, Tell. Ele é a menor parte da matéria, sendo invisível a olho nu. Os átomos são estruturas divididas entre elétrons, prótons e nêutrons. Cada um tem a sua função. Os elétrons são de carga negativa, o próton tem carga positiva, e o nêutron tem carga nula. Elétrons formam camadas em volta do núcleo formado pelos prótons e nêutrons. Você entendeu?

— Bem, mais ou menos até a parte que cada um tinha sua função.

Esse é o problema do ensino atual, não repassa as pessoas o básico da educação!

— Olha, eu sei que você não estudou Química, tudo bem, esqueça.

O garoto deu de ombros. O problema não era a Química, mas sim os sentimentos do jovem, eles estavam repreendidos dentro do seu coração.

— Tell, se lembra do que disse ontem?

— Sobre os meus sentimentos? Eu não sei o que dizer. Eu estou feliz por estarem aqui comigo e por termos a chance de acabar com os monstros.

— Você não estaria se enganando? Como você realmente se sente em relação a isso tudo?

O Lisliboux ficou corado. A criatura alada pousou no chão e virou-se para o mago-espadachim com as mãos nas cadeiras.

— Ora, ela fez uma perguntinha boba, responda, homem!

— Bem, não sei se tenho o que dizer, eu gosto de todos...

— Tell!

— Index, eu tô começando a ficar sem graça, sabia?

Letícia o consolou, disse que estava ali para ajudá-lo. Os sentimentos das pessoas constituíam uma força que podia aumentar ou diminuir o fluxo de energia mágica. Ela estava tentando libertar o rapaz de seus sentimentos, sejam eles quais fossem.

— Está bem, os nossos sentimentos se transformam em ações, e ações se tornam efeitos. Mas tudo isso começa no pensamento, se pensamos que eles já estão superados, então eles não vão mais atingir a nossa vida. Vamos fazer o seguinte, a partir de agora, você vai dizer tudo que teve vontade de dizer a todos ou a você mesmo...

— Não, as pessoas vão ouvir!

— Não se preocupe, usarei uma transmutação para impedir que ouçam a sua confissão, nem eu mesmo irei ouvi-lo, tudo bem?

De modo receoso, ele concordou com a cabeça. A militar preparou a alquimia.

— Transmutação Telúrica – Huis-clos.

A alquimista abriu uma palma de sua mão e a direcionou ao solo. O ar passou a vibrar ao redor de Tell, Index escapuliu para o lado de Letícia.

Aos poucos, os gases em volta do jovem foram se solidificando em tijolos negros. Em poucos segundos havia uma torre. Nas suas grossas paredes havia degraus que ascendiam em espiral para o exterior dela, o mago-espadachim poderia sair quando quisesse.

— Puxa, isso é meio claustrofóbico.

Ele gritou chamando a todos, como ninguém respondia, julgou que não estavam ouvindo-o. O mesmo se abraçou numa postura típica de autodefesa.

O sentimento de solidão lhe machucava. Mas ela própria tinha lhe feito companhia por muito tempo, tempo demais para ser preciso. Ele esmurrou as paredes, as lágrimas rolaram pelo seu rosto. Encostando a sua cabeça na parede, relembrou a sua triste vida.

— Eu perdi os meus pais quando tinha seis anos. Eles desapareceram nas batalhas da Segunda Grande Guerra, quando Zarastu ainda não era rei de Lashra...

Seus olhos marejaram. Tomp, ele socou a parede de tijolos negros com força.

— ...depois eu vivi com o meu avô Taala, zanzando daqui pra acolá, sem eira nem beira. Como se nós fossemos fugitivos, ou uma dupla de criminosos, e ele nem me disse o motivo. Não tive amigos, nunca fui à escola, e ele nem me ensinou magia direito!

Mais uma vez ele esmurrou a construção, e lhes deu pontapés. Ele se sentiu ainda mais nervoso. Seus olhos derramavam lágrimas, que escorriam quente pelo seu rosto negro.

— E agora sou mandado dez anos no futuro numa guerra já perdida, a quem julgávamos nossos maiores inimigos passavam de humanos... Meus companheiros são um saco... Saragat é muito bruto... E eu nunca estive com duas garotas bonitas antes, eu não sei o que fazer?

A parede recebeu mais um murro. O garoto soluçava enquanto soltava as suas lamúrias.

— Vovô, snif-snif, onde está você? Snif, eu preciso do senhor aqui comigo!

Tell desabou no chão, se sentia desconsolado por ter perdido todos que amava.

Viajar em meio a pessoas tão estranhas, também não lhe ajudava. Vivera tanto tempo fugindo que essa era a única coisa que sabia fazer bem.

Ele voltou o seu olhar para cima e enxugou as lágrimas. Agora entendera a questão sobre os seus sentimentos, eles estavam reprimidos, quando deveriam ser canalizados.

— Ela quer fogo, não é? Então eu vou queimar tudo.

Subindo rapidamente pelos degraus da torre, o mago-espadachim saltou para fora. Letícia desfez a transmutação e esperou a reação do garoto.

Tell sentou-se de frente a bacia de metal e esforçou-se em concentrar a sua energia mágica. A vibração do ar era tanta que parecia que haveria uma combustão espontânea.

— Ele está conseguindo, Letícia!

— Sim, ele está conseguindo, Index!

Quanto mais energia concentrada, mais calor era emanado para o recipiente. O líquido começou a evaporar de tal forma que o ovo em poucos segundos já estava cozido no fundo da bacia. Depois de terminar a tarefa, o Lisliboux pegou o ovo cozido e o ergueu.

— Vocês viram, eu consegui!

— Isso mesmo, Tell, você conseguiu, eu nunca duvidei de suas capacidades.

Index tentado comer a iguaria, começou a se alisar no rosto de Tell.

— Você não vai comer isso, vai?

— Ah, não, acho que não.

— Então dá ele aqui...

Nho-nhoc, a única coisa em que a criatura errou foi comê-lo quente junto com a casca.

— Index, não se come isso... ah, deixa pra lá.

— Parabéns, Tell, e agora, como se sente?

— Eu me sinto um Tell melhor...

— Está bem então, agora que saímos da teoria, vamos para a prática!


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