Antes que a mão de Shuri tocasse a porta autorizando sua entrada, ela hesitou bastante. Seu estado mental ainda estava se recuperando depois de tudo que tinha passado nos últimos dias, ela e toda Wakanda. Ao menos, no meio de tanto caos, um gesto simbólico, o qual Shuri tinha deixado de lado tentar descobrir seu significado por um tempo, trouxe uma esperança que parecia perdida.

T'Challa estava bem ali, do outro lado da porta do quarto, ao que tudo indicava vivo e bem, conforme o relatório da equipe médica. Ela tinha deixado o irmão aos cuidados dos seus talentosos e competentes cientistas, enquanto ela defendia a nação. Os papeis dela e do irmão haviam se trocado por um tempo. Ela ficou aliviada por ser apenas por um breve período de tempo. Shuri também tinha feito questão de estar presente quando o irmão acordasse, e era isso que faria.

Ela entrou no quarto então, encontrando T'Challa descansando. Ele sempre tinha sido forte e obstinado, sua rocha, um guerreiro inabalável, com um senso de humor perfeito que compreendia o dela. Perdê-lo seria irreparável e foi por isso que ela se deixou inundar pelo sentimento de alívio que a invadiu ao vê-lo tão pacífico, respirando profundamente.

Eventualmente, ele abriu os olhos, as pálpebras tremendo e as íris buscando alguma direção, tentando reconhecer onde estava.

—Shuri? - murmurou baixinho, hesitante, sem ter muita certeza se era mesmo sua irmã ali.

Ela se desmanchou em lágrimas, se debruçando sobre o colo dele, sem se importar com a dor dos joelhos batendo no chão de uma vez. T'Challa não fazia ideia do que era aquela comoção toda, mas preferiu deixá-la à vontade. Certamente ela contaria o que precisasse quando estivesse pronta. Por instinto, começou a acariciar a cabeça dela e só então sua irmã reagiu e olhou para ele.

—Não sabe o quanto eu estou feliz por você estar bem - ela confessou, se levantando devagar, se recompondo aos poucos.

—Eu não sei muito o que aconteceu, lembro de estar numa maca, no seu laboratório, eu apaguei? - ele queria saber genuinamente.

—Eu tomei uma decisão difícil quando vi que não poderia te curar - ela contou lentamente, as lembranças desse momento ainda eram perturbadoras - eu te coloquei em criogenia, por quase um ano, você quase morreu antes que eu enconttasse a cura, mas aí... bom, eu repliquei a erva coração, resumindo tudo, elas vão crescer outra vez.

—Isso é maravilhoso, mas como conseguiu? - T'Challa quis saber os detalhes que ela tinha ocultado.

—Isso é uma história bastante longa, de verdade - ela suspirou - mas prometo que te conto, assim que se recuperar.

—Eu vou esperar - ele afirmou sem sombra de dúvida, o que a deixou um pouco em alerta, mas completamente feliz por ele estar ali, lhe pedindo respostas.

Shuri conversou um pouco mais com o irmão, sobre seu tratamento e seu estado de melhora desde então. Ela o deixou descansar por mais dias, até que ele estivesse completamente pronto para voltar ao seu posto.

Uma grande cerimônia foi convocada para comemorar o retorno do rei de Wakanda ao seu legítimo trono. A nação toda o conclamou pelas ruas principais, uma procissão que se seguiu até a sala do trono, com todo conselho presente. Shuri não estava ali, o que era algo reconfortante para ela, tudo havia se encaixado em seu lugar. Ela era uma cientista, não guerreira. Sua decisão de defender o país vinha de uma situação extremamente necessária.

Apesar de estar contente de estar de volta ao seu habitat natural, Shuri relembrava o que a deixou tão ocupada ali, recriar a erva coração através do presente de um inimigo, que havia tirado sua mãe dela.

Ela não tinha ouvido mais de Namor, mas em sua mente havia o constante alerta de que ele poderia reaparecer outra vez, e ela ainda possuía a concha que servia como comunicador. Talvez o lado de cá do mar precisaria chamá-lo alguma vez. Mesmo com as perdas e toda violência, eles tinham acabado seu conflito como aliados, e eventualmente, T'Challa teria que conhecê-lo.

Pensando justamente nisso, Shuri recebeu a visita do irmão no laboratório, o que a fez se concentrar nele no momento.

—Posso te ajudar em alguma coisa? - ela se prontificou.

—Eu tenho boas notícias antes de te pedir uma coisa - ele confessou, sorrindo.

—Mesmo? Sou toda ouvidos! - ela respondeu no mesmo entusiasmo.

—Eu pretendo me casar com Nakia, ela aceitou o pedido - o rei se deixou sorrir, realmente contente, expressando sua alegria.

—Por Bast, finalmente! - Shuri chegou a erguer as mãos e dar uma volta curta, o que arrancou uma risada do seu irmão.

—Eu sei que é empolgante, mas agora vem meu pedido - ele voltou a ficar sério.

—Tudo bem - ela cruzou os braços com boa vontade.

—Eu soube que você interagiu com o rei de Talokan, o reino submarino que também possui vibranium - ele iniciou o assunto - e sei de todo confronto e das baixas, nossa mãe, foi uma fatalidade o que aconteceu com ela... a questão é que... por mais que vocês entraram em confronto, entendo que ele é nosso aliado, por isso o Conselho sugeriu que o convidasse para o casamento, como um gesto de boa vontade. Queria saber sua opinião e o que tem a dizer sobre ele, o que você sabe dele.

A explicação a deixou levemente tonta, tendo um pouco de dificuldade em processar o que estava ouvindo. Rever Namor estava mais perto do que nunca.

—Bem, ele... - ela limpou a garganta levemente e prosseguiu - é um aliado de Wakanda, acho que convidá-lo mostraria que estamos em paz aos dois reinos, que ele é bem vindo e que de certa forma, o passado ficou para trás.

—Então concorda com a visita? - T'Challa esperou pela confirmação dela.

—Sim - ela assentiu, quietamente.

Havia algo incomodando Shuri, algo que tinha a mudado, atitudes sutis que não eram típicas dela. Com certeza o que ela tinha passado era muito mais delicado do que ele poderia prever no momento. Era melhor não forçá-la a dizer se não estivesse confortável.

—O que me diz sobte o Namor? - o rei repetiu.

—Ele é obstinado, implacável, até mesmo feroz como um guerreiro, mas certamente protetor, motivado por vingança e como colonizadores viam a ele e ao seu povo no passado.

—Essa última parte não me soou boa - confessou ele.

—É, eu senti na pele, literalmente o que isso quer dizer - ela deu de ombros, quase tocando a cicatriz da ferida no abdôme - mas nosso acordo foi feito justamente por deixarmos isso de lado, e pelo que eu vi ele é um homem de palavra, vai cumprir o que combinamos.

—Muito bem, então, vou falar com ele pessoalmente - ele decidiu - conhece uma forma de contatá-lo?

—Na verdade, tem sim - ela se recordou - ele me deixou uma concha, disse que era só soprar à beira-mar.

—Se importaria de me acompanhar nessa conversa? - seu irmão pediu e aquilo a fez estremecer um pouco, começando a ficar ansiosa, sem saber muito bem porque.

—Não, claro que não, alguém precisa cuidar de você afinal - ela deu um sorriso descontraído, quase a mesma Shuri de sempre, quase...

—Okoye vem conosco também - T'Challa também disse de forma descontraida, mas sem deixar de prestar atenção no leve desconforto da irmã.

Novamente, se lembrou de que não faria perguntas que ela não quisesse responder e mudou de assunto, o que a fez se sentir melhor.