Os demônios de Jack Randall escrita por Amanda Rodrigues


Capítulo 1
Capítulo Único - O vermelho e o negro


Notas iniciais do capítulo

Olá, tentei colocar o nome do Jack Randall na lista de personagens e simplesmente não existe a opção. Estranho.

Bem, gente. Antes de vocês começarem a leitura queria deixar claro uma coisa: eu escrevi essa história sob o ponto de vista do Randall porque eu o acho um personagem complexo e, desde que li Outlander, ele me deixou intrigada. Isso não quer dizer que eu concorde com as monstruosidades que esse personagens fez. É claro que não! Eu só tentei mostrar o ponto de vista dele.

Aviso: o capítulo faz menção ao estupro que Jamie sofreu em Wentworth, mas não dá muitos detalhes sobre o ocorrido. O foco da história não é esse. Por isso, não coloquei nos avisos. Mas, se você é sensível em relação a esse tipo de conteúdo, por favor, não leia.



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"[...] Lá estavam os três filhos registrados na árvore, os filhos de Joseph e Mary Randall. Eu os vira inúmeras vezes; o mais velho, William; o segundo, Jonathan; e o terceiro, Alexander.", A viajante do tempo, página 613.

 

Quando a lâmina gélida da espada do inimigo atingiu um ponto específico do seu abdômen, Jack Randall soube que esse seria o seu fim. Em breve, ele seria expulso da vida assim como seu irmão.

Uma dor lancinante se espalhou pelo seu corpo. Ele gemeu. Parte do seu casaco vermelho adquiriu uma tonalidade negra em decorrência do sangue abundante que jorrou da chaga aberta. Ele quis se render. Quis largar a espada e encerrar a luta. Porém, ele suportou a dor e continuou. 

Com a espada em punho, Jack Randall avançou rumo ao inimigo de cabelos de fogo no intuito de tirar-lhe a vida. Não havia outro jeito. Tinha de ser assim. Esse era o destino dos dois.

A verdade era que as duas figuras que duelavam estavam exaustas demais para continuar lutando. Entretanto, elas não ousavam parar. Era impossível dar um fim àquela dança mortal. Era como se estivessem sob a influência de alguma divindade macabra que os controlava como se fossem marionetes.

Os pagãos diziam que as filhas da Discórdia, a quem os romanos batizaram de as Fúrias, sobrevoavam os campos de batalha, alimentando nos mortais o desejo pela carnificina. Será que essas entidades sinistras tinham saído das entranhas da terra e estavam ali em Culloden?

Jack tentou golpear seu inimigo, James Alexander Mackenzie Fraser, mas ele conseguiu se esquivar, fazendo a lâmina cortar o ar.

James Alexander. O segundo nome do escocês era o mesmo do seu irmão, Alexander. Essa era a única semelhança que existia entre os dois.

A constituição física de Alexander era frágil e mirrada e ele trazia dentro de si a doçura dos lírios do campo. Sempre foi assim. Alexander era sereno, ingênuo, inocente. Jamie, no entanto, era um guerreiro nórdico. Naquele momento, os cabelos rubros do jovem cobriam o seu rosto salpicado de sangue como um banho de fogo. A imagem de Jamie ferido e colérico era o suficiente para despertar em Jack um desejo insano e bestial.

Ele perdera a conta de quantas vezes tocou-se revivendo os acontecimentos de Wentworth.

O corpo poderoso de Fraser subjugado. O choro sôfrego. O aroma de suor e sangue. A aspereza dos pelos da coxa dele. As lembranças do ocorrido eram o bastante para levar Jack Randall a loucura. Pensar que Jamie Fraser, ainda que temporariamente, esteve sob o seu poder era o bastante para fazê-lo delirar de excitação. 

Isso, é claro, quando o prazer físico era possível de ser alcançado. Agora que não era mais, restava a Randall se contentar com a verdade que ninguém jamais poderia alterar: Jamie foi seu em Wentworth. Isso ninguém lhe tiraria. Nem mesmo a morte.

Naquela batalha, Jamie estava mais bonito do que nunca. Havia algo de feérico nele. Os olhos do escocês pareciam consumidos por uma tempestade gélida e violenta. Ele parecia uma fera indomável. 

Jack Randall não tinha um bom pressentimento em relação a essa batalha. Por isso, permitiu-se admirar a beleza de Jamie. Não faltava muito para ele sucumbir. O homem já não aguentava mais ficar de pé. Sua visão estava turva; seus passos, trôpegos. O mesmo ocorria com Jamie. Ambos estavam exaustos. 

De repente, Randall sentiu uma terrível necessidade de tocar Jamie. Precisava sentir o calor do corpo dele uma última vez. Talvez essa fosse a única forma de partir em paz. Será que ele compreendia isso? Jack não sabia. 

Ainda segurando a espada, Randall aproximou-se do escocês. Ele estendeu debilmente a mão livre na direção do homem ruivo. Precisava tocá-lo. Meu Deus, como queria. 

"Você entende, Alex?", Randall desejou dizer para Jamie, "você entende que eu só sei amar aquilo que eu posso destruir?"

Quando Jack finalmente o alcançou, seu equilíbrio falhou. Seu corpo debilitado fraquejou indo de encontro ao de Fraser. Os dois caíram na grama da charneca, um por cima do outro.

Com aquele abraço, a dança estava finalizada e o ódio, acertado. Jamie desmaiou imediatamente com o corpo de Jack sobre o seu.

Randall pensou que essa era uma boa forma de morrer. O seu corpo estava colado ao de Jamie. Ele podia sentir o calor que irradiava da pele do escocês. Podia sentir o cheiro de sangue e suor, como naquela vez em Wentworth. Sim, isso era melhor do que Jack havia imaginado. Ele esperava por uma morte cruel e solitária. Mas era o contrário. Ela era doce e tranquila. E Jamie estava ali. 

Mas, o ferimento de Jack não o matou instantaneamente e o torturou por alguns minutos.

Em muitas ocasiões, Jack ouviu as pessoas comentarem que, quando se fica diante da morte, as lembranças dos momentos mais marcantes da vida desfilam diante dos olhos do moribundo.

E foi isso o que aconteceu com ele. 

A primeira lembrança que lhe veio à mente foi de quando conversou com o seu pai sobre a sua natureza. Ele tinha doze anos e tinha acabado de chegar em casa após longos meses num internato para garotos. 

Assim que pôs os pés no interior da casa, o velho mordomo comunicou-lhe que o seu pai estava chamando-o em seu escritório. Joseph Randall, seu pai, era ex-militar e nunca tivera afeto pelos filhos. Poucas foram as vezes que Jack e o pai conversaram. Por isso, o chamado o surpreendeu. O que Joseph teria para tratar com ele? 

Jack se dirigiu ao cômodo e deu duas batidinhas na porta. Quando ouviu a voz rouca do pai consentindo a sua entrada, ele abriu a porta e deparou-se com um homem sentado atrás de uma mesa de mogno. Joseph estava com um livros nas mãos. Certamente, de contabilidade, pois a família estava à beira da falência.

Joseph não se deu o trabalho de erguer os olhos para o filho, mas sabia, pelos passos, que era ele quem tinha entrado no recinto. 

"Então, garoto. É verdade que gosta de machucar pessoas?", perguntou o homem, sem rodeios.

O choque no rosto de Jack foi visível. Como ele sabia disso? Não era possível. 

"Perdão, meu pai?", indagou, perturbado.

Joseph finalmente largou o livro e encarou o menino de cabelos negros.

"O diretor da sua escola me enviou uma carta informando que você gosta de torturar os mais novos e esfolar esquilos. Faz uns três meses",  contou o homem. "Não deve ter medo de me contar a verdade. Eu sou seu pai e não estou bravo".

"Gosto de ter poder sobre as pessoas, eu acho. Gosto da sensação", admitiu Jack.

"Bem, bem. Você é meu segundo filho e se tem essa natureza é melhor que siga a carreira militar. Assim, poderá machucar quantos vagabundos quiser. Mas terá que ser discreto", instruiu o pai. "Sabe, meu filho, já vi muita coisa nessa vida. É por isso que eu sei o que você é e aceito. Há coisas que não podem ser mudadas. Elas simplesmente são o que são. Não há o que fazer. Esse é o caso de pessoas como você, Jonathan".

Jack não soube o que responder e, por conta disso, limitou-se a murmurar:

"Sim, pai".

Ele pensou que a conversa estava encerrada e virou-se para sair do cômodo, porém a voz do pai o deteve.

"E mais uma coisa, garoto", disse Joseph.

Jack girou o corpo novamente para o homem.

"Sim, senhor".

"Proteja Alexander. Ao contrário de você, ele tem a alma de um santo. Provavelmente se tornará um maldito sacerdote no futuro", falou o pai e praguejou alto. Ele tinha uma opinião pouco lisonjeira sobre o sacerdócio. "Machuque quem quiser, eu não me importo. Mas não esqueça do seu sangue e nem se meta em encrenca. Está me entendendo, garoto?".

Jack assentiu e, por alguma razão, seguiu a instrução do pai como uma religião. Desde os doze anos, ele protegeu o seu irmão mais novo, Alexander, e se manteve longe de confusão. 

Ele assistiu as reminiscências da sua vida, como se assistisse a um espetáculo teatral. 

Jack percebeu que, ao longo de sua vida, ele se perguntou quando começou a sentir prazer em machucar pessoas. Ele sempre buscou essa resposta, mas nunca a encontrou. Randall suspeitava que havia nascido com essa natureza e apenas um fato fez com que viesse à tona, como a vez em que, aos onze anos, socou o rosto de um menino do internato. A expressão de dor do menino o deixou satisfeito. 

Por anos, Jack tentou compreender a si mesmo. O que ele era? Um monstro? Um enviado do demônio?

Não havia lugar para ele no mundo. Quando atingiu a idade adulta e conseguiu um posto no exército, ele compreendeu que teria que viver em segredo, contentando-se em agir nas sombras, em celas fétidas de algum quartel isolado. Só ele e algum prisioneiro. Às vezes, no bordel lhe conseguiam uma puta virgem e assustada. Não importava o gênero ou a idade somente o medo e a sensação de estar no controle. Essa era a forma que ele obtinha prazer. 

Como esperado, Alexander começou os seus estudos religiosos. Era estranho, pois o seu irmão mais novo nada sabia sobre quem de fato era Jack Randall. O jovem sacerdote era o único que o olhava com carinho e amor. Ele dizia que Jack era bom. Pobre Alexander! 

Por vezes, Jack temeu que o seu irmão descobrisse os boatos que giravam em torno de sua figura. Ele queria que Alexander continuasse acreditando que ele era bom porque, em seu íntimo, Jack queria ser. 

Mas a sua forma de obter prazer era monstruosa. 

Durante muito tempo, Jack acreditou que o seu amor por Alexander era a única coisa boa que existia nele. E isso o consolava um pouco, afinal, se ele era capaz de sentir um amor tão puro pelo seu irmão mais novo, talvez não fosse totalmente mau. Talvez ainda houvesse salvação para a sua alma.

Ele agarrou-se a isso. Até que conheceu James Alexander Mackenzie Fraser.

Assim que Jack o viu, ele o quis. Quis como um louco, um animal. E essa sua obsessão por Jamie foi a sua perdição.

Era irônico. A sua vida foi marcada por dois homens que se chamavam Alexander. O primeiro Alexander, seu irmão, que era a sua salvação; o segundo, que era a sua ruína.

De repente, Randall não conseguiu mais se concentrar nas lembranças em virtude do terrível frio que sentia. 

Esse dia cinzento de abril de 1746, definitivamente, não era um dia para guerra. Havia chovido nas últimas horas e, por isso, a charneca de Culloden estava encharcada, o que dificultava os movimentos dos soldados, uma vez que o solo estava escorregadio.

Uma bruma pálida envolvia o campo de batalha. Os homens vivos pouco sentiam o efeito da frialdade por conta da adrenalina. Mas os homens caídos na relva suja sentiam o impacto dela. O frio se aproximava furtivamente de seus corpos lesionados, penetrando nas suas roupas pútridas, na carne, nos ossos e logo eles se viam tremendo de frio, os dentes batendo, a pele estremecendo a cada brisa gélida. Em seguida, a sonolência os acometiam e o fantasma da morte passava então a assombrá-los. 

A atenção de Jack se desviou para o campo de batalha. Ao redor dele, o caos predominava. Homens gritavam, cavalos feridos relinchavam, homens ensanguentados (a maioria escoceses) gemiam estirados no chão. Além disso, havia os tiros dos canhões que causavam um barulho ensurdecedor.

Jack percebeu, então, que estava cansado disso. 

Não da batalha especificamente, mas da vida. 

O ano era 1746. O ano em que a maldita bruxa Clarie disse que ele iria morrer. Ela não tinha errado, no fim das contas. Jack podia sentir a vida se esvaindo do seu corpo. Seus olhos piscaram, sonolentos. Em baixo dele, Jamie respirava placidamente. 

Jack morreria abraçado a Jamie. Isso aquela bruxa não tinha previsto.

"Essa morte eu posso aceitar", pensou ele, com um pequeno sorriso.

— Adeus, Alex — murmurou Jack Randall, desejando ter forças para acariciar o rosto do homem ruivo.

E então tudo ficou negro, como uma noite sem estrelas.


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Notas finais do capítulo

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